quinta-feira, 20 de dezembro de 2012

Divagações esquizofrênicas 4

  Como final de ano é uma época de reflexões, vamos a mais uma série de divagações esquizofrênicas.            Ontem me deparei com um post que falava sobre a profecia maia. Até ai, nada de anormal, pois esse é um dos assuntos mais comentados nesse fim de ano. A diferença desse post é que tinha referências do Nostradamus(ele mesmo) anunciando mais um fim do mundo. Como sempre, não dei muita atenção, mas resolvi dar uma olhadinha, e a coincidência numerológica me deixou um pouco apreensivo. Olhem a matéria e tirem suas próprias conclusões.
http://www.jornalciencia.com/inusitadas/inacreditavel/2292-nostradamus-confirma-fim-do-mundo-dia-21-e-o-cantor-coreano-psy-e-o-mensageiro-do-apocalipse
    Confesso que isso mexeu comigo, apesar de não dar muita bola as profecias deste cara. Mas as coincidências me fizeram refletir, apesar de acreditar que achar que o próprio homem é que está se encarregando de acabar com o mundo. Hoje(20/12) dei uma olhada no vídeo oficial do cantor psy e as visualizações chegam a 989773461. Nesse ritmo, facilmente chegará a casa de 1 bilhão até amanhã.
    E se o mundo acabasse realmente amanhã? O que você faria? Estouraria o cartão de crédito?(já fiz isso há muito tempo),  falaria algumas "verdades" para o seu patrão que te escraviza?, se declararia para o seu grande amor antes do fim? Esqueceria o orgulho e pediria desculpas as pessoas que você magoou? Quais os seus desejos mais secretos, proibidos ou não?
    Eu faria muitas loucuras se tivesse a certeza que o mundo acabaria amanhã. Como não tenho, prefiro acreditar que se trata de apenas mais uma das milhões de profecias que esse cara já fez e que não se concretizaram. Já pensou se fizéssemos todas as loucuras de nossas cabeças e o mundo de repente não acabasse? Iria aparecer muitos santinhos e santinhas do pau oco com um sorriso meio amarelado no rosto e então perceberíamos que o mundo tem muito mais pessoas fora do padrão da normalidade do que imaginávamos ter.
    São as máscaras, as eternas máscaras. Quem não as tem? Quem nunca mentiu? Quem sempre diz a verdade? A mentira é um mau necessário? As pessoas, quando bebem e ficam chatas e agressivas, foram transformadas pela bebida ou soltaram a fera que estava dentro delas? Particularmente, no caso da bebida, necessariamente não era um chato, fazia muitas palhaçadas, e, pra falar a verdade, nem bebia, apenas fingia que bebia, pois meu estômago não se dá bem muito com o álcool. Assim, supostamente bêbado, tinha um pretexto para dar vazão aos meus sentimentos e fazia muita palhaçada, imitando pessoas, falando demais, mas já tinha a resposta preparada quando no outro dia alguém me dissesse:
    - Nossa cara, ontem você tava muito doido, você fez isso, aquilo, etc..
    - Ah! É que eu tava mal né cara, tava "bebaço" né?
     Acho que essa é a desculpa de muitas pessoas que bebem e fazem coisas horríveis por ai. Não sou moralista, nada contra quem bebe o seu chop ou um vinho e não incomoda ninguém. Mas, o que  vemos em muitas reportagens são pessoas usando a bebida como desculpa para algumas atitudes.
    Bem, como disse no início, apenas fiquei um pouco apreensivo e não estou ligando para essa data e vou tocando a vida normalmente, mas, no meu caso, sempre fui assim, como se não houvesse amanhã. Nunca economizei dinheiro, sempre fui meio cigano, não parava em emprego nenhum, não que eu fosse um mau funcionário, mas o tédio sempre acabava tomando conta de mim e então não conseguia trabalhar mais do que um ano em uma mesma firma. Hoje, com essa tal da mania de perseguição que me persegue, estou mais em casa mesmo. Mas, por causa dela, às vezes penso em me mudar, pois ainda acho que as pessoas estão contra mim, e com o tempo, acabo sentindo a necessidade de me mudar. Moro no centro da cidade, perto da crackolândia. Área meio complicada, com tráfico de drogas, e, junto com ela, a violência. Atualmente, estou com uma sensação estranha. Se, por um lado penso que os traficantes pensam que eu sou um "caguete", por outro lado penso que os policiais acham que eu sou um traficante, ainda mais por não trabalhar.(me apontei há dois anos). Sinto que já está na hora de me mudar. O stress não faz bem a ninguém, e sei quando ele já está me atrapalhando.
    Mudando de assunto, já fazem doze dias que estou tomando a sertralina, e a minha avaliação é positiva, apesar da bula não ser muito amigável no que diz respeito as reações adversas. Mas, tirando um pouco de insônia no início, não tive problemas com esse medicamento. Só quando fico deitado é que sinto umas contrações involuntárias nos músculos das pernas e dos braços. É como se eu tivesse tomado um choque, uma sensação bem estranha. Me lembro que tinha isso quando tomava haldol e, na época em que estava surtado, pensava que era alguém que havia feito um bonequinho vodoo meu e que estaria me espetando com um alfinete.
    Mas hoje estou dormindo razoavelmente bem e sair nas ruas não está sendo um martírio, apesar de me incomodar um pouco com aglomerações de pessoas. Estou me sentindo melhor fisicamente e estou menos ansioso, não sentindo tanta necessidade de comer chocolates e doces. Não recomendo as pessoas que tomem o medicamento, só em último caso mesmo, por favor, não confundam tristeza com depressão. Eu procuro tomar muito cuidado quando falo de medicamentos, acho que não é correto ficar incentivando as pessoas a tomarem esse ou aquele remédio, dizendo que o mesmo é milagroso e que irá acabar com todas as nossas angústias e tristezas, que são comuns no ser humano.
    Porém, se melhorei em alguns aspectos, em outros já estou meio preocupado. Nesses dias em que estou tomando a sertralina,  em duas oportunidades ouvi  pessoas fazendo comentários a meu respeito, e não sei se foram verdade ou produto de minhas paranoias. Mesmo com o fone de ouvido e com a música relativamente alta, eu ouvi pessoas falando mal de mim enquanto andava por uma avenida. Como sempre, ignorei essas vozes, pois tenho receio de que me chamem de louco ao indagar aos supostos críticos a razão de estarem falando mal de mim. Só sei que na hora os comentários são muito reais e me deixam um pouco assustado, mas confesso que já estou acostumado com isso. Sinto que existe uma relação entre o meu estado de ânimo e essas pequenas alucinações auditivas. Quando estou mais animado, tenho mais propensão a tê-las, e o inverso também ocorre, mas, como não sou agressivo e sou um cara caladão mesmo, prefiro não tomar os antipsicóticos que me deixam num estado parecido com o de uma pessoa com dengue, ou seja, eu teria que ter uma dengue permanentemente eterna para controlar esses sintomas. Não estou aqui dizendo que é para os portadores fazerem  o mesmo, pois, cada caso é bem diferente um do outro, tem que se avaliar os prós e os contras, e creio que eu sou meio fraco para esses medicamentos mesmo, me fazem mais mal do que bem.
    Acho que o melhor que faço é ignorar os comentários, sendo reais ou não. Falar é a coisa mais fácil do mundo e muitos aproveitam o poder que a palavra tem para detonarem as pessoas. Tem um provérbio na Bíblia que diz que a língua é a arma mais letal que o homem tem. E, concordo plenamente com isso, pois, o um dos fatores desencadeantes dos meus surtos foram a calunia e as fofocas. Como diz o ditado: a língua é o chicote do povo. Nunca imaginei que teria inimigos de verdade, pensava que só quem gosta de brigas é que tem inimigos. Hoje eu sei, que, para isso, basta estar feliz e em paz consigo mesmo para desagradar algumas pessoas.
    Na semana passada estava refletindo sobre algumas coisas que aconteceram nos meus surtos e cheguei a me indagar: Surtar foi bom? Respondendo a pergunta, claro que não foi, é óbvio que não, essa seria a resposta de todo portador de esquizofrenia, com certeza absoluta. Mas também não posso esquecer as inúmeras demonstrações de solidariedade, principalmente no primeiro surto, em que fui morar nas ruas de Belo Horizonte. Sem contar ainda o fato de podermos tirar boas lições dessas coisas negativas que acontecem na vida da gente.
   Como disse antes, não fico agressivo durante os surtos. Acho que, por causa disso nunca fui internado, apesar de achar, ou melhor, ter a certeza em minha mente de que o mundo estava contra mim.  A minha reação era sempre fugir desses supostos inimigos. Pedi demissão da firma onde trabalhava no interior de Minas Gerais e fui para a capital. Mas os inimigos estavam por toda a parte! A solução que encontrei então foi de perambular pelas BR's, até chegar a conclusão que o único lugar seguro para mim era no meio do mato. Não sei com precisão quanto tempo fiquei escondido no mato, mas creio que foi questão de poucos dias a minha sobrevivência, pois havia ficado muito tempo sem me alimentar, e, o que é pior, andando de um lado para outro para fugir dos meus inimigos. O que me fez sair do mato não foi a fome, aliás, até hoje não compreendo por que não senti tanta fome durante os surtos, é como se a região do cérebro responsável pela sensação de fome estivesse desligada. Sentia muita necessidade de beber água, e por sorte havia encontrado uma pequena nascente. Mas o que me fez sair do mato foi uma situação bem estranha. Dois urubus pousaram em uma árvore bem próxima de mim e ficaram me olhando. Isso já foi o suficiente para achar que eles também estavam querendo me pegar e, caso isso acontecesse, eu seria uma presa fácil, pois estava bastante debilitado e havia perdido cerca de 25 quilos. A solução que encontrei foi voltar para Belo Horizonte, ou seja, indiretamente fui salvo pelos urubus. O medo, às vezes é bem conveniente em algumas situações.
    A debilidade física funcionou como um sossega leão para mim. Não tinha mais forças para ficar fugindo das pessoas. À media em que me aproximada de Belo Horizonte, eu avistava as pessoas e já não estava pensando que elas estavam contra mim. Pessoas, ao verem o meu estado físico, me ofereciam comida. Não posso reclamar, fui muito ajudado, tanto na parte da alimentação como na parte emocional também, pessoas paravam para conversar comigo e me davam palavras de incentivo e força. Engordei 20 em cerca de um mês e voltei a fazer uns bicos, mesmo morando nas ruas. Estava relativamente bem, e assim fui trabalhar durante o carnaval, em uma pequena cidade do interior de Minas. O serviço de operador de som é estressante, dias e noites acordado direto, e não deu outra: surtei novamente. Mesmo surtado, consegui trabalhar no carnaval, apesar de ter a certeza que as pessoas iriam me matar. Não sei como nunca reagi com agressividade em nenhum momento em que estava surtado, acho que queria que as pessoas realmente me matassem para acabar com toda aquela confusão. Depois do carnaval voltei para as ruas, e, após duas tentativas frustadas de auto extermínio e muitas situações perigosas nas ruas de Belo Horizonte, consegui me recuperar desse meu primeiro surto. Acho que esse surto demorou cinco meses para acabar, pois não fui medicado e só percebi que precisava de um psiquiatra quando já estava super bem. Estava com muitas dúvidas sobre o que havia acontecido comigo, mas, infelizmente,  o psiquiatra não se mostrou atencioso em minhas perguntas, simplesmente me receitou a medicação e fez algumas anotações, pois a fila era grande.
   Hoje posso dizer que a solidariedade das pessoas é que me curou do meu primeiro surto. Sem essa mão amiga, provavelmente não estaria aqui escrevendo este blog, poderia estar morando até hoje nas ruas de Belo Horizonte, isso se estivesse vivo, pois a capital mineira é uma das cidades mais perigosas para os moradores de rua. Tive que enfrentar algumas situações complicadas, mas posso me considerar um cara de sorte, confesso que até cheguei a me perguntar se merecia toda aquela ajuda.
    Me lembro como se fosse hoje de um garoto, de uns doze anos, que era catador de materiais recicláveis. Eu estava dormindo em uma calçada, sem papelão e cobertor, quando ele apareceu com o seu carrinho de colocar os materiais recicláveis. Ele, então, ao me ver deitado na calçada, pegou um cobertor e me cobriu. Eu não estava falando com as pessoas ainda, e, então, mentalmente agradeci a ele por aquela gentileza. Guardo aquele momento até hoje em minha mente e sempre peço a Deus para que o mundo não tenha mudado o bom coração daquele menino.
    Também me lembro de um morador de rua que se aproximou de mim e me ofereceu pedaços de carne do seu marmitex. Me deu uma bronca, pois peguei a carne com a mão, estava ainda meio fora da realidade, mas o fato dele ter tão pouco e ter dividido o seu pão de cada dia comigo, me deixou e ainda me deixa comovido até hoje. Esses gestos, essas pequenas atitudes que foram o meu remédio contra a louca mania de perseguição que tomava conta de mim. Com o tempo, o quadro em minha mente mudou por completo. Eu, que antes estava enxergando inimigos por toda a parte, agora estava sendo ajudado por diversas pessoas, de diversas classes sociais, desde os mais ricos até os moradores de rua. Acho que, nesses cinco meses em que fiquei na rua, conheci pessoas e fiz mais amizades do que nos últimos cinco anos anteriores ao surto.
    Além da solidariedade, um outro aspecto positivo foi tudo que aprendi com esses acontecimentos. Percebi na pele que, quando estamos mal, descobrimos quem realmente nos quer o bem. No meu caso, pude descobrir a fidelidade e o amor de um ser chamado Cherry, a cadela do meu ex patrão, que não me abandonou um momento sequer. Faço questão de escrever o nome dela com letras maiúsculas, e acredito que esses seres tem alma e com certeza ela está em um bom lugar.
    Então gostaria de dizer para todos os portadores de esquizofrenia que confiem em suas famílias. Sua mãe e seu pai te querem bem. Eu sei que é difícil acreditar nas pessoas quando estamos surtados, mas, conversando com pais e mães de portadores pude perceber que eles sofrem tanto quanto nós por causa desse transtorno, inclusive boa parte dos livros que vendi foram mães e pais querendo conhecer um pouco mais sobre a patologia e assim tentarem entender um pouco mais seus filhos. Agradeço a todos que confiaram em mim e adquiriram o livro. Ainda estou disponibilizando, é só seguir as instruções no lado direito da página.
    Bem, o natal está chegando e não estou assim tão deprê. Talvez seja o efeito da sertralina, ou talvez seja pelo fato de todos os dias parecerem iguais para mim depois que parei de trabalhar. Ficava triste no final de ano e principalmente em Janeiro, pois é uma época de pouco serviço para o setor de entretenimento, principalmente de sonorização. O ano parece começar de verdade neste país somente depois do carnaval e então não era uma época legal para mim, pois adorava o que fazia. Hoje estou bem, mas não posso dizer como estarei amanhã, pois meu estado de ânimo muda de uma hora para outra. Prefiro dizer estado de ânimo do que humor, pois não fico mal humorado, rabugento. O que muda em mim é a energia, a alegria. Ficar triste não quer dizer mal humorado. Às vezes penso se sou um pouco bipolar, mas um psiquiatra disse que alguns sintomas são parecidos mesmo. Também não ligo para rótulos, denominações ou classificações. Penso que isso só é válido para se fazer o tratamento. Não acho legal sair rotulando as pessoas como "o esquizofrênico" ou "o bipolar", dizendo que os portadores são assim ou assado, que fazem isso ou aquilo. Claro que existem alguns comportamentos que são bem comuns aos portadores de esquizofrenia, mas cada um tem a sua maneira de ser e de agir.
   Baixei os filmes de Adam Sandler que ainda não vi e guardei no pen drive para assisti-los no natal. Assistir TV é complicado, pois tudo nesse dia lembra o natal. Acho que só vou ligar a TV para assistir o especial do Roberto Carlos. Vou comprar algumas coisas para comer e guardar na geladeira, pois não quero sair de casa nesse dia. Não é o natal dos meus sonhos, e, pra falar a verdade nem sonho com natais perfeitos. Seria melhor que o espírito de natal prevalecesse o ano inteirinho e que somente em um mês do ano poderíamos agir como agimos o ano todo.
     Sei que isso é um sonho meio impossível, mas, como diz o samba enredo: "sonhar não custa nada". Sonhar não faz mal a saúde, o que não podemos fazer é ir ao mundo dos sonhos e por lá permanecer, e ficar a vida inteira sonhando sonhos impossíveis e não agindo para que eles se concretizem. Gosto de sonhar, para fugir um pouco da realidade mesmo, algumas pessoas preferem as drogas, mas sonhando podemos voltar a realidade quando desejarmos e também não ficamos viciados. Sonhar é bom, pois de um modo, encontramos força para continuar e tentar mudar a nossa própria realidade.
     Desejo a todos um feliz natal e um ano novo com muita saúde e paz, que é o mais importante. Obrigado a todos os leitores, e a todos que me deram uma força para fazer o blog e espero nos encontrarmos em 2013.

 
 
 
 

2 comentários:

  1. Adorei o post! Umas horas fiquei emocionada, quando vc falou do menino de rua que te cobriu por exemplo. Desejo que esses resquícios da esquizofrenia cada vez se tornem mais escassos pra vc.
    Abraços.

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  2. Descobri ontem o seu blog. Adorei e, egoisticamente, lamento que tenha parado. Não vejo como a esquizofrenia possa ser doença, parece-me um modo de ser que insistem em padronizar. Se lermos o manual, podemos com certeza afirmar que não existe o doente mental perfeito, que cumpre com todos os quesitos para o rótulo, sem margem para dúvidas. Porque faz parte de ser humano o "erro". A norma, na verdade, é a anormalidade. Para encaixar no sistema é preciso fazer uns ajustes, mas quem nos obriga a encaixar? Nem todos são iguais, peças da engrenagem. Cada mente é única.

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