domingo, 17 de fevereiro de 2013

Andanças: Belo Horizonte

17/02/2013
    Chego à capital mineira por volta das 6:30 horas do dia 16(sábado). Tirando uma carreta que tombou na pista, a viagem do Rio para BH foi super tranquila. Difícil foi me despedir da minha amiga Danielli. Acho que ela percebeu a força que fiz para não chorar. E não me venham dizendo que chorar é bichice e tals não, todo homem chora mesmo, só que alguns conseguem segurar o choro.
    Já nas ruas, no início fico um pouco atordoado. O que fazer? Para onde ir? A ficha estava demorando a cair: acabou-se as mordomias, de café na mesa, almocinho na mesa, caminha arrumada. Agora eu sou um morador de rua! Sinceramente, estou com medo, muito medo para falar a verdade. Uma coisa é estar morando nas ruas, surtado e só com as roupas do corpo, não ligando a mínima pra nada. Já morar nas ruas, gozando quase que totalmente das faculdades mentais, é bem diferente. Agora tenho documentos, os cartões do banco(até parece que tenho dinheiro), a câmera e o celular. Sento-me no banco da rodoviária para me acostumar com a ideia. Só de olhar para os guardas já  começa a desconfiar de que eles estão desconfiando de mim. Estou um pouco nervoso, e acho que, pelo fato de estar nervoso os policiais podem pensar que isso pode ser pela presença deles.
    Resolvo ir ao caixa 24 horas da rodoviária para sacar um pouco do dinheiro que guardei para me virar até o final do mês. Ao tentar sacar o dinheiro, percebo que o caixa da rodoviária é um pouco diferente do que os caixas dos bancos. E o que acontece: erro a senha por duas vezes. Se errar mais uma vez, terei que voltar à Ipatinga para receber a grana e consertar a burrice que iria fazer.
    Entro em desespero e então decido procurar uma agência da caixa econômica no centro da cidade. Peço informações à algumas pessoas e sou muito bem atendido. O mineiro tem essa qualidade: quando você pergunta sobre algum lugar, ele para, faz questão de explicar detalhadamente o trajeto a ser seguido. Estava sentindo falta disso. Ao chegar ao banco, fiquei com medo de errar novamente a senha. Sacar o dinheiro é algo extremamente simples, mas, quando estamos ansiosos e estressados, tudo fica mais complicado. Entao me dirijo a um senhor e explico-lhe a minha situação e ele prontamente se prontifica a me ajudar. A tensão era tanta que era como se estivéssemos desarmando uma bomba relógio, mas, para meu alívio, tudo deu certo e saquei um dinheiro suficiente para me virar por uns quatro dias. Não é puxar a sardinha para os meus conterrâneos, mas essa hospitalidade e atenção não é em qualquer lugar que se encontra no Brasil. Somos um pouco desconfiados, mas quando ganham a nossa confiança, somos muito legais. Eu costuma dizer que sou duplamente desconfiado: primeiro, por ser um típico mineiro, e, segundo por ser mineiro.
    Já mais calmo, vou à uma lanchonete para comer um bom pão de queijo e um tradicional cafezinho mineiro. Procuro uma lan house para resolver uma pendência. Não que eu tenha feito algo de errado, mas, naquele momento de stress que estava em Ipatinga, quase aceitei ganhar dinheiro fácil na internet. Não tem nada haver com roubo ou drogas, mas acho que não é algo legal não. Estava à um passo de surtar, e louco para me mudar daquele lugar em que não conseguia dormir, e cheguei a cogitar em participar desse negócio para ganhar dinheiro e quem sabe, sair dali. Mas na hora H minha consicência pesou e desisti, é como sempre digo, no final, o anjinho sempre acaba ganhando do diabinho na minha consicência. Não tem nada melhor do que chegar a noite e poder colocar a cabeça no travesseiro(agora no papelão) e dormir tranquilamente. O problema é que os caras não param de me mandar emails, e assim que der, vou conversar com um advogado para resolver esssa situação.
    Essa procura pela lan house em pleno sábado e pelo advogado, logo após a viagem, consumiram as minhas energias. Dia de viagem é sempre estressante para mim. Primeiro é a velha sensação de estar sempre esquecendo alguma coisa(acho que fiz e refiz as malhas umas 20 vezes!), depois as despedidas, e ainda tem a ansiedade em si pela viagem, o medo de perder o ônibus, o trânsito, etc. Cheguei na rodoviária do Rio às 18:00 horas, sendo que a viagem estava marcada para as 22:30 horas. Para avacalhar tudo, sento ao lado de um cara que ronca e quando dorme, fica invadindo o espaço da gente na cadeira.
    Depois da lan, procuro um pedaço de papelão para dormir um pouco. Após 11 anos, volto ao local onde costumava dormir quando tive o meu primeiro surto. O vigia já não era o mesmo. O do primeiro surto era muito legal, todo dia juntava alguns sanduiches de mussarela que sobrava do pessoal que travalhava no local. Esse vigia atual também é gente boa, me atendeu muito bem, só é um pouco caladão mesmo.
    Ainda estava assustado cocm a nova situação, com aquela movimentação toda no bairro, sem contar o medo de ser roubado. Afinal, já se passaram 11 anos e não sei se o bairro ainda estava calmo como naquela época. Com o tempo, e com o movimento caindo após o horário comercial de sábado, começo a relaxar um pouco os meus músculos e o meu coração foi desacelerando. Por volta das 14 horas, um cara me oferece um marmitex(quentinha), que recusei educadamente, pois tenho dinheiro para me alimentar. Mas esse gesto me fez sentir mais em casa(ou na rua, melhor dizendo) e a cada hora que passa vou me acalmando cada vez mais, até que antes do anoitecer já estava completamente ambientado.
    Começo a dar umas voltas pelo bairro, para lembrar os fatos de onze anos atrás, era como se um filme estivesse passando em minha cabeça:
    A igreja Batista que frequentei por um tempo, ainda está no mesmo lugar, assim como o hospital Socor, que um dia invadi pedindo socorro, dizendo que tinha sido envenenado, os bares em que filava uma boia, etc. O bairro está muito mais bonito e limpo do que há dez anos atrás.
    A noite chega e confesso que uma tensãozinha tomou conta de mim novamente. Chego a pensar se o crack não invadiu esse simpático bairro da zona central de Belo Horizonte. Mas, com o passar do tempo, pude perceber que as coisas estão tranquilas e calmas como antigamente. Só a movimentação dos carros é que está muito intensa,  o que atrapalhou bastante o meu sono, mas creio que isso talvez seja por ser sábado. Torço para que os outros dias seja menos movimentado, pois me sinto muito seguro naquele cantinho que escolhi para dormir há 11 anos atrás. Volto a ficar calmo novamente, e já até converso com alguns moradores de rua que me pedem dinheiro, talvez por não saberem que eu também sou um deles.
    De madrugada a temperatura dá uma queda acentuada, e ainda tem o fato do  local nos dar uma sensação de que existe um ventilador ligado permanentemente, devido a uma brisa refrescante que não para de nos refrescar. Isso é ótimo durante o dia, mas a noite fica um pouco frio, mesmo no verão, ficando muito difícil de dormir sem um cobertor. Havia morado muitos anos em Ipatinga, que eu costumo chamar de "o verdairo forno de Minas" devido ao calor constante naquela cidade. Como praticamente não saia de noite, nunca comprei uma roupa de frio enquanto morei no vale do aço. Passo a noite inteira com os músculos tensos, pensando em como conseguia dormir tranquilamente há 11 anos atrás. O papelão que juntei não foi o suficiente para amaciar um pouco o chão e não consegui dormir. Mas conto isso não para que sintam pena de mim, estou me sentindo mais feliz do que quando estava morando em um quarto até certo ponto confortável, com frigobar, TV, som e computador, mas sem o esssencial, que é a paz.
    Acordo no domingo em frangalhos. Encho duas garragas de água e começo a dar umas voltas para me familiarizar de novo com a cidade. Uma noite de sono mal dormida acaba com qualquer um e a bolsa parece estar pesando o dobro. Decido que tenho que dormir até a hora do almoço para me recuperar. Queria ir a igreja onde os moradores de rua vão todos os domingos, para comer pão com mortandela e refrigerante, mas sei que o local é longe e como estou muito cansado, vou deixar isso para depois. Ainda estou com receio da reação dos moradores de rua ao saberem da minha situação, não sei se irão aceitar de uma maneira amistosa, pois alguns não gostam de pessoas que ficam a toa sem fazer nada.
    Me desculpem os erros, deve ter alguma discordância verbal por ai, é que estou um pouco cansado ainda, depois do almoço. E ainda tem o fato de esta5r na lan house, o que me atrapalha um pouco a escrever, ao ver o tempo e o dinheiro que foi gasto usando o pc.
    Por enquanto é só pessoal, estou gravando algumas coisinhas e depois irei postar aqui no blog e no canal no youtube. Como disse anteriormente, não estou arrependido em nada do que fiz, mesmo não estando muito bem, mas sabia que poderia piorar e muito se continuasse naquela situação.
    Abraços a todos e até o próximo post.

9 comentários:

  1. Amigo Júlio, essa sua ideia de morar nas ruas será que é mesmo uma boa ? Isso não pode agravar seu quadro ? Como você vai ter assistência médica adequada ? Como conseguirá adquirir seus remédios ? Eu também gostaria muito de fugir da esquizofrenia, acordar e ver que era apenas um pesadelo que já passou. Mas isso nunca vai acontecer. Temos que ser realistas e tentar viver da melhor forma possível, a mais "normal" possível. Você conhece aquela associação "ABRE" para pacientes e familiares ou alguma outra ? Talvez alguma dessas possa te ajudar. Boa sorte na sua empreitada. Fique bem.

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    1. Obrigado pelas dicas. Eu conheço a ABRE sim, tenho bons amigos por lá. Mas até que estou bem andando por ai, só a noite que é um pouco complicado, mas dá para ir levando. Estou me sentindo melhor do que quando morava com o pessoal que se envolvia com o crack. Aos poucos vou me adaptando, quanto aos medicamentos, eu consigo em postos de saúde, sem maiores problemas. Estou me sentindo mais livre e, se um dia me cansar, volto a fixar residência em Belo Horizonte ou outra cidade qualquer.

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  2. Oi, Julio. Eu te entendo, morar onde você morava em Ipatinga devia ser um inferno. Imagino que mesmo que não esteja confortável ai, você esta melhor que lá. Pelo tempo que passava dentro de casa, deve ser ótimo estar andando por aí. Vou falar o que eu faria na sua situação: entraria na internet, olharia cidades com uma qualidade de vida um pouco melhor, onde não fosse tão agitado e perigoso, onde o clima fosse bom e olharia apartamentos nessa cidade baratos ate achar um e vazava. Conheço uma cidade que acho que seria ótima pra você. Se algum dia achar essa ideia interessante posta no seu blog que eu leio sempre, ai eu te ajudo a procurar cidades e apartamentos baratos. Beijos e bons dias!

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    1. Obrigado pela força, mas, com um salário mínimo, não dá para alugar apto. Já é difícil achar um quarto bom e que não seja caro. Encontrei quartos minusculos e com telha de amianto por 160 reais em Ipatinga. Com o calor que faz por lá, não aguentaria ficar dentro de casa durante o dia. Vou continuar andando por ai, pretendo fazer o caminho do Padre Anchieta no Espirito Santo, e, quando cansar volto a morar em um lugar fixo.

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  3. Júlio, que Deus te proteja!!! Se vc está mais feliz e tranquilo é o que importa. Tome cuidado e não abandone o tratamento...vc é corajoso!!! Abraços fraternos!!!

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    1. Obrigado cara, estou me sentindo melhor e mais disposto, apesar de não dormir muito bem, por causa do medo de ser roubado, mas estou muito melhor do que antes, quando não dormia pq a bagunça era muita, e também tinha o risco de ser roubado, ou seja, nas ruas pelo menos não tenho que pagar aluguel. Mas não recomendo a ninguém que faça isso, é o meu jeito de ser mesmo, também não podemos botar tudo por conta da esquizofrenia. Depois pretendo andar pelo Espírito Santo. Abraços e que esteja tudo bem por ai.

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    2. julio

      me deu um frio na barriga só de pensar em vc dormindo na rua,
      olhe tenha cuidado de tomar os medicamentos, não sei como é seu surto
      mais se cuida
      como belo horizonte é perto de brasília, se pensar em ir para lá, existem albergues que abrigam moradores de rua e acho que é mais seguro

      Deus tome conta de vc. queria saber de vc se é muito dificil para um esquizofrenico morar sozinho, e também saber da sua familia? aonde estão?
      mais uma vez eu peço a Deus que tome conta de vc

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  4. Júlio, por acaso você conhece algum centro de convivência aqui em BH que cuide de portadores e familiares de esquizofrênicos ? Sinto que estou cada dia me isolando mais, vivendo dentro do meu mundo. Por isso acho que devo fazer um esforço e tentar conviver com pessoas que passam pelo mesmo problema que eu. Grato pela ajuda. Grande abraço.

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    1. É uma boa fazer parte de um centro de convivência ou uma associação para portadores de transtornos mentais. Uma amiga minha me passou os telefones de alguns centros de convivências em BH. Ainda não deu para visitar, mas assim que puder, vou dar uma passada lá. Por que você não frequenta? Eu frequentava em Ipatinga uma associação e me sentia bem conversando com pessoas que tinham problemas parecidos com os meus. Ai vai o telefone de algumas associações que a minha amiga me passou:
      Arthur Bispo Do Rosário: 32775777
      Carlos Prates: 32777228
      Pampulha: 32777310
      Barreiro: 32775889
      São Paulo: 32776684
      Venda Nova: 32775499
      Providência: 32777482
      Oeste: 32777482/
      Cezá Campos: 32779447

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