quarta-feira, 20 de fevereiro de 2013

Nas ruas 19/02

   
Quatro dias nas ruas de Belo Horizonte e não fui incomodado por ninguém. Muito pelo contrário, as pessoas tem sido muito legais comigo, não tenho do que reclamar. Tem um morador de rua, que não sei qual o seu nome, que fez questão de me chamar quando um senhor estava distribuindo marmitex para moradores de rua. Obviamente que não aceitei, pois tenho dinheiro para me alimentar e não quero me aproveitar da boa vontade alheia. Esse morador de rua me parece ser um cara bom, até me indicou um lugar onde eu poderia ganhar uma grana vigiando carros. Ele não tem nada e mesmo assim se preocupaca com o bem estar dos outros. Claro que não vou confiar nele, morar nas ruas é algo bem complicado e traiçoeiro, talvez ele esteja querendo se aproximar de mim para tentar pegar a minha mochila, pois ela já me viu com a câmera fotográfica na mão Para ele, eu sou um desempregado, não contei a verdade para ele, não sei se entenderia. Mas a verdade é que eu estava correndo mais perigo naquele lugar, cercado de traficantes, do que agora nas ruas.
    Peço a Deus que continue me protegendo  e que o meu anjo da guarda não se canse aqui do maluquinho. Provavelmente ele estava adorando a tranquilidade dos últimos anos e deve estar meio chateado agora que resolvi continuar as minhas  andanças por ai.
    Sempre fui assim, não gosto tanto assim de estabilidade e acho que meu anjo da guarda  já deve ter pedido aposentadoria por stress devido ao excesso de trabalho. Mas no fundo, sei que ele gosta de mim, pois já me livrou de muitas situações perigosas e complicadas. É uma boa relação que tenho com ele, de muita confiança, e acho que até exagerada, por não temer algumas situações. Claro que primeiramene acredito em Deus, não o Deus de igrejas, denominações religiosas, de seitas, etc. Acredito no meu Deus, um ser superior, que criou a terra e não é um ser castigador e cruel, como muitos andam pregando por ai. O meu Deus também não dá riqueza em troca de sua fidelidade, e também não vende salvação para ninguém.
     Hoje foi um dia sem novidades. Dormi em frente a Defensoria Pública, para resolver o problema do cara lá da China que me ofereceu dinheiro fáci na internet. A fila para ser atendido é bem grande, e então, para ser o primeiro da fila, dormir em frente ao estabelecimento. Como disse anteriormente, a ideia de ganhar dinheiro fácil me atraiu, pois não estava bem na época, já que estava morando em meio aos traficantes e não estava dormindo. Pelo que deu para entender, o cara lá da China me enviaria dinheiro e eu teria que repassar para seus contatos. Em troca, eu poderia ficar com 10% da transação. Queria sair de qualquer jeito daquela situação, ir morar em um lugar melhor e  então resolvi responder os emails do cara. Isso me parecia algo haver com lavagem de dinheiro, sonegação de impostos, sei lá, finanças não é o meu forte. Mas, por fim acabei desistindo do negócio, não é do meu gênero fazer isso, sem contar que ter a consicência tranquila não tem preço. Colocar a cabeça no travesseiro ou no papelão à noite com a cabeça tranquila é a melhor coisa do mundo.
    Quando fui atendido pelo advogado na defensoria, ele até achou engraçada a minha história. Pois, o que o cara lá da China me passou foi uma réplica de um cheque que não tem nenhum valor. Confesso que fiquei com medo no dia que recebi o  cheque, queria de qualquer jeito devolvê-lo, mas o envelope não tinha o remetente. Cheguei a cogitar a conversar com a policia federal sobre o caso, pois o cara lá da China não parava e ainda não me para de me mandar emails chatos. O advogado da defensoria riu muito dos emails que imprimi e passei para ele. Me disse que se trata de um caso de extorsão, ou seja, dentro de alguns dias o carinha lá da China vai começar a me ameaçar querendo dinheiro para não fazer algo contra mim. Mas acho que não vai acontecer nada, pois só passei o meu endereço para ele, apenas. O advogado me aconselhou a parar de responder os emails e não fornecer mais nenhum dado para o carinha lá da China.
    O lugar onde eu guardava o papelão(que é a minha cama) agora abre durante o dia, ao contrário de quando tive o meu primeiro surto. Então agora terei que sair procurando papelão todos os dias se não quiser dormir no chão. Confesso que não tenho vergonha de sair andando no centro da cidade com pedaços de papelão entre os braços. Tenho vergonha sim de roubar, de viver vendendo drogas, ou seja, ganhando o dinheiro com a desgraça alheia, etc.
    Ontem a tarde fui no centro de referência para moradores de rua, para tomar um banho, já que na rodoviária isso custa seis reais, ou seja, teria que gastar quase 200 reias por mês, no mínimo, já que costumava tomar banho duas vezes por dia. Um pela manhã, bem frio, para dar uma despertada, e outro, a noite, pois não consigo dormir direito sem tomar um bom banho. O centro de referência é um pouco triste, pessoas sem saber o que fazer, sem perspercitiva de um futuro bom. Lá tem uma pequena quadra de futebol, televisão, uma pequena biblioteca, e várias oficinas. Também é possível lavar as roupas por lá.
    Com o tempo vou me familiarizando com os lugares que tenho que frequentar. Encontrei uma lan house que cobra apenas 1,80 reias por hora( na rodoviária do Rio era 5 reais meia hora!). Já encontrei lugares onde encontro o yakult e também onde tem uma comida self service boa e barata. Não compro marmitex, pois, como não sou de comer muito, o preço no self fica o mesmo, e ainda tem  a vantagem da escolha, pois gosto mais de salada do que de arroz e feijão. Bem, não é gostar, e sim por causa da saúde mesmo. As coisas que gosto, e creio que da maioria também, são coisas que engordam e fazem mal a saúde, como doces, sorvete, chocolate, carne em excesso, etc.
  Só não encontrei ainda um lugar que venda ovo cozido, pois como a Leda Nagle, o ovo foi abolido pelos nutricionistas. Antes, comer ovo era uma temeridade, pois tinha ouvido falar que um ovo continha o dobro de colesterol que uma pessoa precisa durante um dia, ou seja, nem pensava em comer ovo. Mas hoje ele está em alta e foi absolvido, só não é legal comer ovo frito encharcado em gordura né?
   Hoje realizei um desejo de onze anos atrás. Quando tive o meu primeiro surto, ficava com água na boca toda vez que passava em frente a uma loja que vendia produtos derivados do milho, como pamonha, bolos, etc. Não tinha grana para comprar, ás vezes ficava sentado em frente a loja e ficara encarando a pamonha, e um dia fiz uma promessa para mim mesmo, dizendo que voltaria ali para comer uma pamonha, mas em outra situação. Já havia me esquecido dessa promessa, mas, ao passar em frente a loja, me lembrei desse antigo desejo, e não hesitei de comprar uma pamonha, apesar do preço não ser muito convidativo. Foi uma sensação legal, além da pamonha estar deliciosa, foi como um cumprimento de um dever.
    Estou vivendo um dilema: não posso tomar remédios à noite, pois senão seria uma presa fácil para qualquer pessoa que queira pegar minha bolsa. No primeiro surto, conseguia dormir até na calçada mesmo, sem papelão, não sei o que acontece com o nosso cérebro quando estamos surtados, mas a sensação é de que estamos quase que totalmente desligados do mundo, não sentia tantos incomodos como estou sentindo agora. Não me preocupava com nada, só tinha a roupa do corpo mesmo, e conseguia dormir em qualquer lugar. Confesso que sinto um pouco de inveja desse periodo em que estava surtado e não ligava para nada, vivendo apenas a minha realidade, se bem que não é nada agradável ficar imaginando que tem um monte de gente querendo te pegar. Mas houve um momento do surto que já não estava assim tanto com essa paranoia. e já estava no centro de Belo Horizonte, e confesso que foi legal esse estágio, em que estava fora da realidade mas sem tantas paranoias, ou seja, despreocupação total, ao contrário de hoje.

no zoológico de BH

8 comentários:

  1. Continue se cuidando, tenha paz e força!!!

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  2. Olá, gostei do seu blog. Também sou esquizofrênico. Pretendo adquirir o seu livro em pdf. Cuidado nas ruas e matenha o blog atualizado. Abraço.

    Marcos F

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    1. Obrigado pela visita ao blog. Para adquirir o livro é só seguir as instruções do lado direito da página. No momento é até melhor adquirir o livro no formato pdf, pois, como estou viajando, fica mais fácil e prático enviar o arquivo por email,ao invés de mandar imprimi-lo, pois nem sempre em todos os lugares tem um preço bacana como consegui achar em Ipatinga. Abraços

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  3. Você vai continuar vivendo nas ruas, ainda acha uma boa ideia ? Eu que tenho medo até de sair de casa, que outro dia entrei em pânico num supermercado porque minha esposa sumiu do meu campo de visão por alguns segundos, e olha que estou fazendo o tratamento direitinho, tomando todos os remédios. Fico imaginando você aí sozinho na rua. E se te acontece alguma coisa, um surto por exemplo ? Quem vai cuidar de você ? Nunca teria essa coragem. Que os espíritos iluminados e superiores te protejam. Fique bem.

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    1. Obrigado pela visita ao blog. AInda pretendo continuar andando por ai, vou dar um tempo em BH, pois é a cidade onde nasci, depois irei fazer o Caminho do Padre Anchieta no Espírito Santo. Em relação aos perigos das ruas, é um riso que sei que estou correndo, mas sinceramente está sendo menos perigoso do que no local onde estava morando ultimamente. Tive que parar com a clopormazina e o fenergan, pois não dá para ficar dormindo dopado nas ruas, e agora estou no albergue e tenho que acordar as seis da manhã, o que é bem complicado, pois o efeito do remédio acaba por volta das nove da manhã. Já tive duas alucinações visuais, mas isso já estou acostumado, foi de madrugada, sempre quando olhava para o outro lado da rua, a uns quarenta metros, via um cara me olhando o tempo todo. Depois de umas duas horas, resolvi ir até o local, pois queria saber por que o cara estava me olhando por tanto tempo e de madrugada. Mas, quando fui me aproximando do local, vi que não tinha ninguém. Mas já me acostumei com isso e até que não me assusta muito hoje não, tudo de bom pra vc por ai e que o seu tratamento esteja indo bem.

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  4. onde ficA essa lan house? ela é 24h?

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    1. Ela fica na av. Santos Dumont, deve funcionar só no horário comercial e é limitada a meia hora por dia.

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