quarta-feira, 27 de fevereiro de 2013

Nas ruas 23/02

O albergue


    Ontem, por puro cansaço, resolvi deixar de dormir nas ruas e ir para o albergue. Não estava conseguindo dormir direito, por temer que roubem a minha mochila. Por duas noites cheguei a ver um cara me vigiando, de madrugada, cerca de uns 40 metros, mas, quando fui verificar quem era, não vi ninguém. Os moradores de rua estão dormindo em grupo, por temerem serem agredidos ou até queimados por "pessoas" que não se sabe o motivo, acha graça em fazer uma crueldade dessas. 
    Eu estava tomando a clopormazina juntamente com o fenergan, mas tive que suspender a medicação para não me tornar uma presa fácil durante a madrugada. Já estava exausto, trocando o dia pela noite, já que de manhã conseguia relaxar e dormir um pouco em um bairro mais afastado do centro da cidade. 
    Ao chegar ao albergue, tive uma boa surpresa. As dependências do lugar estão limpas e bem pintadas, os banheiros estão todos com cerâmica. Creio que o albergue deva ter sido reformado há pouco tempo. O banheiro é que não fica muito limpo, também por falta de educação e higiene dos usuários, que jogam o papel no chão. 
    No jantar, tenho novamente aquela impressão do preso recém chegado na cadeia, principalmente pelo fato do refeitório ser bem parecido com os dos presídios dos filmes norte americanos. Fico meio sem jeito, por ser o meu primeiro dia. No albergue, pelo que deu para perceber, tem todo tipo de pessoas: desempregados, trecheiros que andam por esse Brasil sem rumo, moradores de rua mesmo, usuários de drogas, etc. Também tem a ala dos idosos, que provavelmente devem morar por lá. 
    A comida é de boa qualidade, fico surpreso com a limpeza e a higiene na cozinha do albergue. É servida uma generosa quantidade de refeição, com um bom pedaço de lombo de porco. A comida é bem parecida com a do restaurante popular, que custa dois reais. Não costumo jantar no albergue, pois, como já disse, tenho dinheiro para me alimentar e não quero abusar do serviço público que é para moradores de rua sem renda nenhuma. Só estou dando um tempo neste albergue por não estar conseguindo mesmo dormir nas ruas, e estava meio cansado. Pretendo estar bem fisicamente para percorrer o Caminho do Padre Anchieta, no Espírito Santo, pois terei que percorrer, em média, 25km por dia com o sol forte. 
    Há muito anos penso em fazer este caminho. Não sei explicar, mas caminhar me faz bem espiritualmente falando, não sei se isso acontece com todos vocês. Quando estava surtado, pensei em fazer esse caminho, mas, como já estava na BR040, que ia para o Rio de Janeiro ,acabei desistindo. Muitas pessoas devem pensar que, quando estamos surtados, perdemos o raciocínio, a memória, etc. Eu não posso responder por todos os portadores, mas, no meu caso, em particular, sabia o caminho para o Rio de Janeiro e outras cidades, em que pensei ir, na tentativa de fugir dos inimigos que estavam em minha mente. Lembrava de tudo o que havia aprendido e lido em minha vida, e isso me ajudou e muito a me livrar de muitas situações complicadas, como por exemplo, quando tinha acabado de sair do mato, onde havia permanecido por cerca de uns dez dias. Estava bastante fragilizado, só bebendo água, e na BR, cerca de 10km do centro de Belo Horizonte. Não tinha forças para ir andando direto, e então, andava cerca de 300 metros e parava, para descansar, e aproveitava para deixar as pernas levantadas, encostando-as no barranco, para que o sangue retornasse ao coração, pois, como é composto de músculos, sabia que o órgão não deveria ser forçado pela falta de alimentação.
    Até que estava me dando bem com a clopormazina, usado concomitantemente(olha o psiquiatra baixando!) com o fenergan. Na primeira vez que usei a clopormazina me senti bem, mas tive reações alérgicas e os meus braços ficaram cheios de manchas vermelhas. Só neste ano, no grupo esquizofrenia do facebook, que fiquei sabendo que o fenergan é usado justamente para tirar essa reaçã alérgica. Mas infelizmente o atendimento na época em Timóteo era bem precário, na época havia apenas um psiquiatra no sus para toda a cidade, que deveria cerca de 70 mil habitantes. E, para piorar, ele atendia apenas uma hora por dia, isso quando não chegava atrasado. Normalmente ele tinha que atender dez pessoas por dia, ou seja, cada consulta durava em média cinco minutos. Ele ficava meio impaciente comigo, por não apresentar melhoras e me ameaçava internar em um hospício caso não melhorasse. 
    Para piorar ainda mais a situação, na época rolava um boato em Timóteo que eu tinha aids, acho pelo fato de ter pegado dengue duas vezes seguidas, sei lá. Então aquelas manchas vermelhas, para parte da população, era os primeiros sintomas da aids. Como já disse anteriormente, de tanto falaram isso, acabei eu mesmo acreditanto que tinha contraido o virus da aids e só estava esperando que aparecessem os primeiros sintomas para dar um fim a minha vida, pois não queria morrer sofrendo. 
    Mas, depois de alguns dias, ao ler a bula da clopormazina, vi em reações adversas que o medicamento poderia causar dermatite de contato e ai suspendi o remédio imediatamente e as manchas vermelhas desapareceram. Fiquei bem mal com os boatos, e é aquele ditado: "Uma mentira dita várias vezes, por várias pessoas, acaba virando verdade". E foi isso o que aconteceu comigo, nem acreditava que os exames de hiv davam negativo, quando estava surtado. 
    No albergue também não dá para tomar a clopormazina junto com o fenergan por ter que acordar as seis horas em ponto. Quer dizer, não acordava, levantava da cama e ficava andando que nem um zumbi, um cara até implicou comigo quando dei uma trombada nele. Assim que saia do albergue de manhã, ia para a esquina e ficava dormindo até por volta das oito e meia quando o efeito do remédio passava. 
    Futuramente, pretendo voltar a tomar esses dois medicamentos, apesar de serem antigos, os de primeira geração. Já tomei medicamentos de terceira geração caríssimos que me deixaram muito dopado. Então, vai uma dica para os portadores: não desistam dos medicamentos na primeira tentativa. Sei por experiência própria que a maioria tem muitas reações adversas, mas, com o tempo, e um pouco de paciência, vocês irão encontrar o medicamento e a dose ideal para cada caso. Claro que o mais paciente nessa história toda tem que ser o psiquiatra né?  

obs: eu agora estarei disponibilizando o livro "Mente Dividida Memórias de um esquizofrênico" somente no formato PDF, por estar morando nas ruas. Tenho o arquivo salvo no meu pen drive e assim fica mais fácil mandar o livro por email. É mais simples e barato, agora estarei disponibilzando por apenas sete reais. Para adquirir o livro, basta olhar no lado direito da página e clicar na imagem, ou então clicar no link abaixo, isso me ajudará e muito nas minhas andanças:
http://memoriasdeumesquizofrenico.blogspot.com.br/2012/08/mente-divida-memorias-de-um.html

Comentário de uma pessoa que adquiriu o livro

6 comentários:

  1. Olá Júlio, que grupo é esse que você mencionou que existe no facebook? Eu só achei um grupo em espanhol. É esse o grupo?
    Desde já agradeço pela atenção. Abraço.

    Marcos F

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  2. O grupo é do Brasil mesmo, ai está o link:
    http://www.facebook.com/groups/evaniojs/
    Obrigado pela visita ao blog.

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  3. E como está vida nas ruas de BH meu amigo. Você se sente melhor do que quando vivia em Ipatinga? Vai seguir seu roteiro e ir para o Espírito Santo mesmo? Desejo toda sorte do mundo para você. Fique bem.

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    1. Olá amigo. A vida não está fácil, mas está melhor do que quando estava morando naquele local que foi dominado pelo crack. Lá não era respeitado e ainda tinha que pagar aluguel. Nas ruas até hoje não fui incomodado, claro que tem seus perrengues, como dormir no papelão, a desconfiança das pessoas, etc. Mas no geral, as pessoas tem sido muito legais comigo. Pretendo sim fazer o caminho do Padre Anchieta e depois visitar Cachoeiro do Itapemerim, e ai acho que irei morar em um loca fixo. Obrigado por seguir o blog. Abraços.

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  4. O nome do medicamento não seria CLOR PRO MA ZI NA ? Espero q vc esteja bem. Se vc estiver bem consigo interiormente no final de tudo é o q realmente vai importar. Queria entender a sua cabeça. Na verdade eu não entendo nem a minha cabeça.

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    1. Você tem razão, o nome do medicamento é esse mesmo que você digitou. Eu estou bem, melhor adaptado, não estou mais tanto assustado como no começo quando estava nas ruas. Os moradores de rua estão me respeitando muito, e eu também os respeito também. Só uma vez que dei bobeira, ao ficar olhando minhas fotos numa avenida e, quando percebi, tinha uns três caras me cercando, mas deu para me sair dessa. Eu estou em paz comigo mesmo, e agora com o mundo externo, já que não tem tantas pessoas me pertubando, como no lugar onde morava que foi dominado pelo crack. Mas eu sou uma pessoa simples, querer sair andando por ai é bem mais comum do que vc pensa, já estou até pensando em comprar uma barraca de camping para morar numa praia qualquer.

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