quarta-feira, 29 de maio de 2013

Estrada Real: 11° dia


17 de maio de 2013-Sexta feira
São Sebastião da Vitória-Caquende-Capela do Saco

    Saio de São Sebastião por volta das oito horas, depois de tomar um bom café da manhã e comprar algumas frutas, pois no caminho não tem restaurante para almoçar. O dia está nublado, cinzento, com muitas nuvens, ao contrário de ontem. Foram 23km de estrada de terra, até o povoado de Caquende. O caminho é legal de se percorrer, com poucas subidas e descidas fortes. 
    Aos poucos, nuvens cinzentas escuras começaram a tomar conta do céu. Olho para o horizonte e a impressão que tenho é que está chovendo nas proximidades. Quando o vento forte começou a bater em meu rosto, resolvi me precaver contra uma eventual chuva. Afinal, até que eu podia me molhar, mas a mochila não. Tem o cartão do banco em que recebo o meu salário, o celular, a câmera, documentos, etc. Se o cartão do banco estragar, estou ferrado. Pego um plástico(de colchão novo) e forro a mochila. Tiro a barraca da mochila e a carrego nos braços, para estar pronto para a chuva, pois a barraca será a minha capa de chuva nessa viagem. 
    Caminhei um bom tempo olhando para o céu. Não queria de jeito nenhum que caísse uma chuva, estava fazendo um pouco de frio no caminho. Com o tempo e a distância percorrida, tons de cinza claro começaram a  tomar conta do céu, e o sol às vezes dava o ar de sua graça. Havia me preparado psicologicamente para tudo: frio, dias quentes, dores musculares, etc. Mas a chuva, por mais que nos preparemos, sempre é desagradável. 
    O caminho até Caquende é tranquilo de se percorrer. Só em uma bifurcação em que não tinha marco é que fiquei na dúvida. Tive que dar uma de Sherlock Holmes e, após analisar o solo dos dois caminhos, constatei que o caminho da direita tinha o traçado de carros mais forte do que o da esquerda e por ali prossegui. Ao encontrar um marco a um quilômetro de distância, vi que tomei a decisão correta. A estrada real é assim mesmo. Tem trechos em que os marcos estão muito próximos um do outro, sem muita necessidade e existem bifurcações que nos deixam na dúvida. 
o caminho até Caquende é bem agradável
     
será que vai chover?

Rio São Francisco

avançando...
    Ao contrário de ontem, procuro seguir o caminho com tranquilidade, e vou de chinelo, para que a bolha de água do meu pé esquerdo seque. Procuro não ficar olhando as horas com frequencia como fiz ontem, em que cometi uma incoerência: estava querendo chegar o mais rápido possível ao destino do dia, para ter mais tempo para descansar, mas na hora não percebi que, fazendo isso, iria me desgastar mais ainda, ou seja, estaria mais cansado para ter mais tempo para descansar. Irei prestar mais atenção aos sinais que o meu corpo dá, e vou parar sempre que estiver cansado. 
    Chego em Caquende por volta das duas da tarde, um pouco cansado, mas em boas condições. Recupero um pouco da confiança que havia perdido no dia de ontem, em que cheguei bastante desgastado ao meu destino traçado do dia, e me perguntei se aguentaria aquele ritmo até o final. 
     Além de muito frio, um vento mais frio ainda não parava de soprar no povoado, quase que congelando os dedos dos meus pés. Penso em pegar uma carona até Carrancas, distante 28km, mas logo descarto a ideia, pois me propus a fazer o caminho a pé mesmo, só aceitando uma eventual carona na BR, que pode ser um pouco perigoso de se caminhar se a mesma não tiver acostamento. 
    Estava na beira do Rio São Francisco, descansando, e resolvo pegar a balsa para o outro lado, onde fica o povoado de Capela do Saco. Assim, não tenho que depender da balsa amanhã, pois a balsa não tem horários definidos de saída e chegada. Ela vai e vem pelo São Franciso de acordo com o movimento de carros e tripulantes. 
    O preço é bem acessível(1 real) e demora cerca de dez minutos para fazer a travessia. Tenho um pouco de medo e constato que não há bote salva vidas na balsa. Eu sou meio estranho mesmo, tenho medo de coisas que a maioria das  pessoas não tem, e o inverso também ocorre, ou  seja, não tenho medo de certas coisas que a maioria das pessoas tem medo. 
    O povoado de Capela do Saco também é bem pequeno, só tem um bar e não tem como conseguir papelão para esquentar a minha barraca nessa provavel noite de muito frio na beira do velho Chico. Se a noite vai ser fria ou não para mim, só no próximo post pessoal.
se parece com o que?

sábado, 25 de maio de 2013

Estrada Real: 10º dia


16 de maio de 2013 quinta feira
São João Del Rei-São Sebastião da Vitória
igreja matriz de São João Del Rei

    Não dormi bem. Ontem, por volta da meia noite, fui acordado por dois policiais. Foi uma pena, pois estava começando a pegar no sono. Eles fizeram as perguntas de praxe: de onde vim, para onde vou, se trabalho ou não, etc. Pediram a minha identidade e depois foram embora. Para piorar tudo, o sino da igreja tocava de quinze em quinze minutos. Sempre quando ia pegar no sono, o sino tocava. Estava cansado demais para mudar  a barraca de lugar e resolvi ficar por ali mesmo. Para piorar ainda muito mais as coisas(pensava que não tinha jeito!), um vascaíno doente ficou perambulando pelas redondezas a madrugada inteira, cantando músicas do clube cruzmaltino. O por que eu não sei, faze tempo que o Vasco não ganha nada. Ou ganhou? Eu estou tão por fora de tudo, mas o campeonato brasileiro nem começou, e esse time do Vasco está muito ruim para ganhar alguma coisa. Só se tiver contratado o Messi e mais dez jogadores de seleção. 
    Por três vezes, algumas beatas, ao verem a barraca montada na igreja, perguntam:
    - O que é isso?
    - É uma barraca de camping...- eu respondia, em tom de brincadeira. 
    Depois de desmontar a barraca, entro na igreja matriz de São João Del Rei, que também é muito bonita por dentro. Desta vez, foi possível tirar fotos. Peço ao vigia para ver o mecanismo que faz com que o sino toque de quinze em quinze minutos, mas ele me diz que somente o sineiro da cidade possui a chave. Queria me vingar do sino, sabotando aquelas engrenagens. Perguntei para várias pessoas ao redor da igreja se existia algum motivo, razão ou circunstância para que o sino tocasse em um intervalo tão curto de tempo, mas ninguém soube me responder. Depois, eu que sou doido né?

  
 
     Ao sair da igreja, adivinhem quem eu encontro? O vascaíno doente, que estava de shorte e blusa de manga curta. Ao me ver, me cumprimenta:
    - E ai primo? Essa noite fez frio hein?
    Tem horas em que me sinto a pessoa mais normal do mundo!
    Muita neblina na cidade. Vou ao banco Mercantil para fazer um emprestimo, pois ultrapassei o meu orçamento inicial para a viagem. Havia combinado comigo mesmo de comer pouco e coisas mais baratas, mas, como já disse anteriormente, não tem como não resistir aos quitutes da culinária mineira. Só  de rocambole foram mais de quinze reais. 
    Muitas vezes, quando saio de manhã das cidades, rola um pouco de stress, por não encontrar o marco inicial do trecho a ser seguido durante o dia. Os moradores, às vezes, dão informações erradas e desencontradas. O melhor é sempre perguntar aos motoristas.
cenário nada animador na manhã em São João
     Ao olhar a planilha do dia, percebo que há um aviso dizendo que falta um marco no meio de uma trilha. Se já pode ser complicado seguir uma trilha com todos os marcos, imagine faltando um? "Ô pessoal da estrada real, assim não dá! Tem quantos anos que está faltando esse marco? Vocês querem que eu carregue um nas costas e o coloque lá? Me ajuda ai pô""
    Resolvo então seguir pela BR, até São Sebastião da Vitória, e assim evito um povoado com o sugestivo nome de Rio das Mortes. Isso é nome de se colocar em um povoado?
    Horas depois, fiz uma análise e me pergunto se evitei a trilha por ter passado maus momentos na trilha de Ouro Preto. Acho que a falta de um marco foi apenas um pretexto para evitar essa trilha. Vou inventar uma nova doença:"stress pós trilha difícil". Toda vez que entro em uma trilha, principalmente de mata fechada, fico um pouco apavorado, suando frio, coração acelerado. Essa doença vai estar no próximo DSM(um livro de desordens mentais, criada pelos americanos) Vou falar com alguns psiquiatras americanos, lá da Carolina do Norte, que são meus chegados e são os responsáveis por classificar(ou inventar?) as doenças. Hoje em dia está todo mundo louco. O último DSM não deixou escapar ninguém. Você, que adora e é viciado em um cafezinho, agora é um doente. Quem não sai do shopping também é, juntamente com aquelas pessoas que adoram e não saem de uma academia. Daqui a pouco, quem não tiver nada que esteja no DSM, vai ser classificado como louco, já que a maioria das pessoas possuem uma desordem mental já classificada no DSM. Ou seja, se a maioria é normal, então quem não tem desordem mental é minoria, portanto, é louca. Pra falar a verdade, eu não dou a mínima para esse tal de DSM. 
    Voltando ao caminho, sigo a BR. São 22km de estrada, que a princípio, parecem fáceis de percorrer.Mas com o tempo, o sol e as subidas íngremes mudam a minha opinião. Por volta do meio dia, já dou sinais de cansaço, mas o pior de tudo são as bolhas e as dores na planta dos pés. A musculatura até que está indo bem. Paro algumas vezes na estrada, mas não adianta muita coisa. Por volta de uma hora da tarde, já estou meio que cambaleando. O sol está de rachar e fico no meu limite, mas faço o possível para chegar cedo a cidade de São Sebastião da Vitória. A BR é muito estreita, alguns caminhões passam bem próximos a mim e o deslocamento de ar que eles provocam chega a me balançar. Não recomendo a ninguém que andem por essa BR.
br complicada de se andar


um tornado?
   Estou todo suado, minha calça e a minha camisa estão molhadas, o que dificulta uma carona. Geralmente é difícil se conseguir uma carona na BR, pois os carros passam muito rápido, e as pessoas são mais desconfiadas. Já nas estradas de terra é mais fácil de se conseguir carona. Começo a cantar, xingar, falar alto, para tentar me incentivar. Digo para mim mesmo que já passei por coisas mais difíceis e que não será algums quilometros de estrada que irão acabar comigo. Mas estou em cacos, praticamente me rastejando. Depois de nove dias andando sem parar, meu corpo já começa a dar sinais de cansaço. A noite mal dormida em São João Del Rei talvez tenha contribuido para esse cansaço todo, sei lá. Ou talvez seja o fato de andar pela BR, que cansa um pouco mais do que pela estrada de terra. Além de perigoso, é cansativo andar pela BR, por ser estreita, toda hora temos que nos encostar para deixar os caminhões passarem. Na maioria das vezes, não há espaço para se andar rente a BR, e temos que nos arriscar.
    Estava tão cansado que enxerguei o nome da cidade de São Sebastião da Vitória em algumas placas, mas depois constatei que foi apenas uma ilusão. Após um esforço fora do comum, finalmente chego a cidade. Encontro um restaurante na entrada e ao mesmo tempo que sacio a minha fome, dou um descanso para as minhas pernas. Continuo o caminho logo depois, sem ao menos tirar uma cesta. Logo chego ao último marco do dia, em frente a igreja matriz, onde alguns moradores da cidade estão conversando. Pergunto se posso montar a minha barraca naquele local, já que estava sem condições de ficar andando para procurar um outro lugar. Um senhor me fala que na cidade existe um abrigo, que era só procurar uma tal de dona Zilota.
São Sebastião da Vitória
     Após um descanso, fui atrás da tal dona, mas ela tinha saido para rezar. Vou para o abrigo e fico quase uma hora esperando a dona Zilota acabar de rezar e, quando ela passa por mim, me diz que não toma mais conta do lugar e que era para procurar um tal de João Vitor. Chego a pensar em desistir do abrigo, estava muito cansado, mas resolvo fazer um último esforço. Vou até a casa dele, mas uma mulher me diz que o abrigo fica aberto, que era só entrar e dormir.
    Volto para o abrigo e a porta realmente está aberta. O lugar não é dos melhores, mas para o momento é como se fosse um hotel cinco estrelas. Tomo um bom banho, lavo minhas roupas e vou descansar, pois meus pés estão ardendo de tanto andar. Não sei o por que desse cansaço todo, já havia andado mais de 30km em um dia sem maiores problemas. Será que é hora de parar por um dia?

sexta-feira, 24 de maio de 2013

Estrada Real: 9º dia


15 de maio de 2013 quarta feira
Prados-Bichinhos-Tiradentes-São João Del Rei
povoado de Bichinhos

    Mais uma boa noite de sono. Depois de desmontar a barraca me despeço do Nego e da Jacinta, que foram super legais comigo ontem. Hoje planejo ir até a cidade de Tiradentes, distante de Prados 18km.
    O caminho até o povoado de Bichinhos é bom de ser percorrido, sem subidas e com muito ar puro. Só o início é percorrido em uma BR, que tem pouco movimento na parte da manhã. Está tudo tão calmo que  resolvo ligar o celular e ouvir algumas músicas pelo caminho, sem o fone de ouvido, pois de repente pode aparecer um carro em alguma curva qualquer. Chego ao pequeno povoado antes do previsto e aproveito para passear pelo lugar, que tem o artesanato como seu ponto forte. O astral do lugar é muito bom, dá até vontade de morar por lá. Fico curioso em relação ao nome do povoado, e uma moradora me explica o motivo do lugar receber o nome de bichinhos:(não sei se é verídico o fato)
     Reza a lenda que, Herculano Gonçalves, um grande proprietário de fazendas do local, quando aparecia pelo povoado, sempre dizia, referindo a seus escravos:
    - Vou lá ver meus bichinhos.
    Era uma forma carinhosa que ele encontrou de falar dos seus escravos e dizem que ele não os torturava. 
    O nome oficial do povoado é Vitoriano Veloso, em homenagem a um escravo que nasceu na região.

 

















toda vez me sinto observado quando as vejo, pensando que é gente de verdade




  

    Depois do descanso, continuo o meu caminho, passando por lindas paisagens. Hoje estou andando com menos pressa, estou bem adiantado em relação ao que foi planejado para o dia. Chego em Tiradentes por volta das onze horas. Aproveito para almoçar e depois dou umas voltas pela histórica cidade de Minas. Igrejas belíssimas, principalmente a de Santo Antônio, toda ornamentada com ouro por dentro. A entrada custa cinco reais, mas vale a pena! Só vendo mesmo, não dá para descrever a sensação ao visitar aquela igreja. O altar é todo trabalhado em ouro, cheio de detalhes. A igreja não é muito grande, e essa proximidade com o teto e as paredes dá uma sensação bem legal, difícil de descrever. Infelizmente é proibido tirar fotos, até pensei em pegar a câmera, pois o vigia estava na porta, do lado de fora, mas provavelmente deve ter câmeras espalhadas por dentro da igreja. 

Igreja de Santo Antônio, em Tiradentes


afinal, Tiradentes era barbudo ou não?


  

    Estou com tempo de sobra e resolvo ir um pouco além do que havia planejado para o dia e sigo para São João Del Rei, distante apenas 11km de Tiradentes. No caminho encontro uma cachoeira bem legal e tomo o meu banho do dia. 

marco zero da estrada real, em Tiradentes

    Chego a São João por volta das três da tarde, em boas condições, mas com algumas bolhas nos pés. Vou para a única lan house do centro da cidade(e olha que São João é uma cidade grande) e tento postar algo para o blog. A internet é bem lenta, os pc's mais lentos ainda, não reconheceram a minha câmera e não deu para fazer nada. O cara ainda me cobrou três reais! 
    Procuro então uma padaria para tomar um lanche. A única do centro da cidade, que fica no shopping, está super lotada. Vou então para o centro histórico e encontro uma padaria, que também está superlotada. São quatro filas em frente ao balcão. Uma sugestão para quem quer montar o seu negócio: monte uma padaria no centro de São João Del Rei. 
    Estou um pouco cansado, foram 29km percorridos no dia. Pego um monte de papelão no mercado e vou para a igreja matriz, onde monto a minha barraca, depois de conversar com o vigia. 
   Cada dia que passa me sinto melhor condicionado fisicamente. Meus passos estão mais firmes e raramente fico ofegante nas subidas, coisa que acontecia com frequência no início. Já estou  mais adaptado ao caminho, planejando melhor o percurso de cada dia, já sabendo do meu ritmo. Estou surpreso comigo mesmo, não imaginava que andaria tantos dias seguidos. As dores diminuiram e só não sei se o tênis e a mochila irão aguentar a viagem, até o fim do mês. 
    Ontem rolou um pouco de mania de perseguição, quando a mulher que olhava meio desconfiada para mim me ofereceu uma feijoada. Pensei que pudesse estar envenenada, mas, depois de analisar a situação, cheguei a conclusão de que ela não seria capaz disso, e que também daria muito na cara se eu começasse a passar mal comendo a feijoada dela. É o que eu chamo de ir administrando as paranoias. Até hoje eu tenho esses pensamentos e não acredito que medicamentos irão melhorar isso, pois, nesse caso especificamente, acredito que a parte psicológica fale mais alto. É muito chato entrar em uma cidade pensando que todos estão olhando para mim, mas, não ligo muito para isso, apesar de incomodar bastante, mas já foi pior.

quinta-feira, 23 de maio de 2013

Estrada real: 8º dia


14 de maio de 2013 terça feira
Lagoa Dourada-Prados
o caminho para Prados é bem tranquilo

    A noite de sono foi ótima! Quase não senti frio, pois caprichei no forro com o papelão. Essa minha barraca não é própria para o frio. Vou ver depois se consigo comprar uma que também resista a chuva. 
     Planejo sair o mais rápido possível de Lagoa Dourada, pois se não irei torrar todo o meu dinheiro em rocamboles. Mas tenho que esperar o comércio abrir, para comprar sabonete, sabão, creme dental e outras coisas. Tenho que tomar um bom café da manhã, pois pelo que fiquei sabendo, não existe restaurante no caminho para Prados. 
      No centro, percebo as lojas de rocambole abertas, e fico sabendo que elas abrem as seis da manhã e fecham às dez da noite. Muitas pessoas que passam pela BR acabam entrando na cidade só para comprar essa delicia, que foi o melhor que experimentei em toda a minha vida! 
    Ontem estava tão cansado que cheguei a pensar a passar o dia inteiro em Lagoa Dourada, a fim de dar um descanso para minhas canelas. Mas acordei tão disposto que resolvi prosseguir. Na balança da farmácia, constato que engordei um quilo, resultado da comilança de rocamboles, mas já já a estrada real tira ele de volta. 

    O caminho para Prados é tranquilo, 20km de estrada de chão com pouquíssimos carros passando para levantar a poeira. A paisagem é muito bonita para variar, e não canso de tirar fotos. A trilha também é de nível fácil, mas poderia ser melhor se tivesse uma seta dentro dela, pois quando a mata fica fechada, podemos pensar que não estamos no caminho certo. 
   Está tudo tão tranquilo que tomo o meu banho de cachoeira e ainda lavo minhas roupas. O caminho até Prados só é um pouco difícil no final, com subidas um pouco fortes. Como sempre, não paro muito perto do final, a ansiedade para chegar na cidade me faz cometer esse erro e quase sempre chego cansado nas cidades.
    Na entrada de Prados tenho uma bela surpresa: lojas e mais lojas de artesanato com peças muito bacanas,principalmente as esculturas em madeira de animais. Não resisto e saio tirando foto de tudo o que vejo pela frente até a bateria de minha câmera acabar. No centro, tomo um belo lanche e vou ao supermercado para pegar os pedaços de papelão para forrar a minha barraca. Pego  máximo que consigo carregar e começo a procurar um local tranquilo para dormir. O coreto da praça do centro é muito movimentado e resolvo então montar a minha barraca atrás da igreja matriz da cidade. Depois de uma longa subida, chego ao local, mas percebo que a igreja tem uma portaria que é trancada de noite. Acho um cantinho perto da igreja mesmo e converso com os moradores para saber se posso montar minha barraca naquele lugar. Como eles disseram que não se importavam, montei a minha humilde residência por ali mesmo, estava muito cansado e queria dormir cedo. Pedi a um "vizinho" para carregar a bateria da minha câmera e ele foi super gente boa comigo. Me deu algumas mexericas, um pedaço de bolo bem quentinho e encheu minhas garrafinhas de água, dizendo que, precisando de qualquer coisa, é só chamá-lo.




     Barraca montada, resolvo descansar um pouco, mas de repente chega a polícia. E foi aquele baculejo. Tive que mostrar tudo o que estava dentro de minha mochila, fiquei um pouco sem graça. Não encontrando nada demais, foram embora. Depois fiquei sabendo que foi uma outra vizinha que tinha chamado a policia. Foi uma com quem eu não conversei e me olhava com estranheza. Até que entendo o lado dela, afinal eu sou um estranho que, de repente aparece em sua cidade e monta uma barraca perto de sua casa. Os policiais foram muito educados comigo, até entendo o lado deles.
    Terei que fazer um empréstimo durante a viagem. Havia prometido a mim mesmo que só comeria coisas simples durante a viagem, mas não consegui resistir aos quitutes da culinária mineira. Só de rocambole acho que gastei uns quinze reais! 
     No momento em que estava escrevendo este post, uma outra viatura apareceu, com um outro policial. Pergunto se ele não recebeu nenhum aviso de que eu já fui devidamente revistado e identificado por outros policiais e ele me disse que não estava sabendo de nada. Pensei que teria que mostrar tudo de novo, mas ele só me pediu os documentos. Também foi muito educado comigo e me deu até dicas sobre o próximo trecho a ser seguido. 
     Logo depois, a senhora que no início estava desconfiada de mim me oferece um prato de feijoada! Ô coisa boa é ser mineiro! A esposa do vizinho que carregou a bateria de minha câmera até chegou a oferecer um quarto para que eu dormisse com mais tranquilidade, mas, resolvi não aceitar, por que a barraca já estava montada e provavelmente não iria aparecer mais policiais querendo saber o que estou fazendo naquele lugar. 
    Mais tarde, um grupo de estudantes aparece para conversar comigo. Disseram que queriam fazer algumas perguntas para o trabalho da escola deles. Falei sobre esquizofrenia, o blog, religião, a estrada real e outros assuntos mais. Deviam ter entre 15 e 17 anos e fiquei surpreendido com o interesse deles por esses assuntos. A mais comunicativa, que me fez as perguntas, é bem simpática e tem jeito de repórter. Disse que acompanharia o blog( se estiver lendo, pense em fazer jornalismo, parece que você leva jeito para ser repórter). 
    Depois da conversa, vou dormir. O dia, que começou bem monótono e tranquilo, terminou bem agitado. Mas foi um dia feliz.


quarta-feira, 22 de maio de 2013

Estrada Real: 7° dia


13 de maio de 2013 segunda feira
Casa Grande-Lagoa Dourada

    Tive uma boa noite de sono, apesar do frio. Ontem achei um monte de caixas de papelão perto da praça. Coloquei um pouco debaixo da barraca e a forrei toda por dentro. Quase não se sentia frio dentro da barraca. Acordei com as energias renovadas e muito animado. Tomei café da manhá na única pensão do distrito e cometi um erro fatal: não perguntar o preço das coisas antes de comer. Resultado: dois pães com manteiga e dois cafezinhos sairam por cinco reais. Ai pessoal, vai a dica para quem passar por Casagrande, ao ir na pensão da Irene, pergunte o preço antes, por que ela mete a mão mesmo! O meu blog também dá dicas de economia ué!
    Depois fui para a lan house da cidade. A internet é mais lenta do que eu subindo os morros de Minas. não deu para postar muitas fotos, e quase perdi todo o post pois o tempo quase acabou antes de salvá-lo. Também não tinha muito tempo para ficar no PC, pois tinha que percorrer 30km de estrada de terra até Lagoa Dourada. Muita poeira, muitos caminhões passando pelo caminho, mas valeu a pena percorrer este trecho, que tem paisagens muito bonitas. 
    Na hora do almoço, parei no povoado de Catuá, e, como não tinha restaurante, sai novamente de porta em porta até encontrar  alguém que me vendesse um pouco de comida. Dessa vez a mulher me cobrou cinco reais, ao contrário de ontem, que foi "di grátis". 
o caminho é bonito, mas existem muitos perigos, como essa cobra catatuia gigante do centro sul de Minas Gerais, que tive que exterminar, pois já estava pronta para dar o bote em mim.
    Os marcos neste trecho estão corretos, bem diferente do de Entre Rios e Casa Grande, onde tinha muito marco errado na estrada. Parece que os caras fumaram um na hora de colocar os marcos. O marco 702 está antes do 701, até pensei que tinha passado por ele sem perceber. Tinha um marco de número 742 depois de um marco de número 850. Tinha um marco que mandava virar uma ponte que simplesmente não existe. Outro falava que a direita tinha uma igreja e só tinha mato! Ai a gente pira no meio do mato! Podem preparar o bolso ai pessoal da estrada real! Estou documentando esses erros todos ai de vocês, pois os marcos estão me induzindo ao erro, me causando sérios danos físicos!
    Hoje estou mais disposto, caminhando com mais firmeza, parecendo um soldado marchando. Não sei se é a pressa para comer rocambole em Lagoa Dourada ou se foi a boa noite de sono. Pode ser também por que estou 3kg mais magro e também minha musculatura está mais forte, sei lá. Ou pode isso tudo junto.
    Mas o caminho é longo e com muitas subidas íngremes. Por volta das quatro horas já dou sinais de cansaço, mas a vontade de comer rocamboles me incentiva a cada metro do trecho. Lá por volta das cinco da tarde chego na BR, e, ao invés de seguir em frente, pelo caminho mais fácil, escolho seguir pela trilha. Acho que, além de ter antepassados indígenas, eu também sou um, devo ter sido adotado quando criança, não tem explicação esse gosto pelo mato que tenho. A trilha até que é fácil, mas erro um marco e vou parar em uma fazenda. Já está escurecendo e começo a ficar um pouco desesperado, não parando para descansar, tornando o final do dia complicado. Vou passando pelas porteiras sem fechá-las de novo, pois, se escurecer comigo no meio da trilha, ai é que o negócio complica de vez. Para piorar as coisas ainda mais, tinha um córrego no caminho e não tinha pinguela. Tive que jogar a mochila primeiro e depois pular, para não atolar os meus pés na lama. 
I am here!
     Depois tinha uma subida muito forte, não parei para descansar e nem para recuperar o folego. No fim da subida deu para avistar a cidade de Lagoa Dourada, por volta cinco e quarenta. Meus pés estão doloridos e um dedo está com uma enorme bolha de água. Ao chegar no centro, procuro uma loja de rocambole e desabo na cadeira. Peço um mate couro e como três pedaços de rocambole, que são uma delícia mesmo, o melhor que já provei na minha vida. Eles são macios, e derretem em minha boca. Experimentei só os tradicionais, doce de leite, chocolate e de goiabada. Os mais exóticos não cheguei a experimentar, pois o preço do doce é um pouco salgado, mas vale a pena cada centavo. 

chegada em Lagoa Dourada




    
se parece com o que?
 Depois de saciada a minha fome, vou para lan house da cidade, apesar do cansaço. Aliás, acabo sempre descansando os pés nas lans houses do caminho. Vejo os emails, o blog e algumas notícias para não ficar muito por fora do que está acontecendo no mundo. 
    Como não encontrei cachoeira pelo caminho, tomo banho em uma pousada e depois procuro um lugar para dormir. No supermercado da cidade peço algumas caixas de papelão. O cara que me atendeu fou super gente boa e me deu um monte. Perguntou para onde eu ia e, como todos, se assustou quando disse o destino. Depois falei um pouco sobre esquizofrenia e também sobre o meu blog. 
    Sai do supermercado com aquele monte de papelão nos dois braços. Me indicaram o ginásio da cidade para dormir, mas infelizmente ele estava fechado. Estava muito cansado, os papelões iam caindo pelo caminho e resolvi dormir atrás da igreja matriz. Uma beata me sugeriu então que eu dormisse na rodoviária, que ainda estava em construção. Achei a ideia ótima, pois provavelmente era um local coberto e fechado. Lá fui eu de novo então, atravessando o centro da cidade com aquele monte de papelões. Estava tão cansado que me senti o próprio Jesus Cristo. Toda situação em que sinto esse sofrimento físico me bate esse complexo messiânico. 
    Chegando na rodoviária, a decepção: é tudo muito escuro e vejo um cobertor e sinais de fogueira, o que indica que mais pessoas dormiam por lá. Resolvi voltar para a igreja e montei minha barraca por volta das nove da noite, já no limite das minhas forças. Tomo o meu pan de cada dia e desmaio, de tanto cansaço.


 
ATENÇÃO; ESQUIZO DENUNCIA! ATENÇÃO POLÍCIA CÍVIL!
    
     Atenção polícia civil e federal! Durante minhas andanças, descobri, em Santo Antônio das Goiabeiras, várias fazendas de crack, como se pode ver na foto acima. Está explicado como existe tanto crack no Brasil. Não deu para me aproximar das fazendas, pois existem capangas fortemente armados, mas, com minha câmera cannon com zoom de 52x, deu para ver as pedras de crack brotando das árvores. Não dá para enviar a posição da fazenda pelo google maps, pois o meu tablet Samsumg deu pau no início da viagem. Mas aqui vão as coordenadas para localizar essas fazendas:
Latitude: 20,000. 31. 500
Longitude: 49, 595, 797°
altitude: 856m
Localização em relação ao marco zero da américa do sul: 809;000;765m
    Recomendo que o exército também se faça presente, pois os fazendeiros possuem vasto e pesado armamento, ontem inclusive houve um intenso tiroteio, provavelmente entre fazendas de crack rivais.

terça-feira, 21 de maio de 2013

Estrada Real; 6º dia



12 de maio de 2013 domingo
Entre Rios-Casa Grande
    A noite foi bem complicada. Muito frio, pior do que em Pequeri. De madrugada tive que usar duas meias e depois calçar o tênis, senão o meu pé iria congelar. Ao sair de minha barraca, por volta das sete da manhã, só vejo neblina. Ao encher minhas garrafinhas de água na pracinha, penso que está começando a chover, mas são apenas gotas de orvalho caindo de um coqueiro. O frio está tão intenso que não dá vontade de continuar dormindo, e então rapidamente desmonto minha barraca para poder me movimentar e aquecer. 
    Na padaria tomo um cafezinho com pão e manteiga. A menina do balcão é um doce de pessoa, muito alegre e comunicativa. Ficamos conversando enquanto eu tomava o café, e, quando disse o meu destino, perguntou:
    - Você é doido, né?
    Respondi que mais ou menos, e ao me despedir ela me desejou uma boa "viagem maluca" para mim. Muito cativante ela,gostaria de continuar a conversa, mas o caminho de hoje é longo, são 30km de estrada de chão e um pouco de asfalto também. 
muito frio em Entre Rios
     Sigo a planilha e vou até a igreja matriz. Pergunto a um senhor a direção da saída da cidade e ele me manda seguir pela esquerda. Desço direto até a BR, mas não encontro nenhum marco da estrada real. Alguns quilômetros mais adiante, descubro que a saída para Casa Grande era a direita, e não para a esquerda, como o senhor da igreja havia me indicado. Andei 2km a toa, logo hoje que o percurso é mais longo. 
    Os marcos da estrada real e as planilhas têm alguns erros, e, se não prestarmos atenção, saímos fora do caminho, podendo nos perder no meio do mato, o que é um pouco desesperador, pois muitas vezes não tem ninguém por perto para nos ajudar. Na BR, descubro que posso cortar caminho e ir direto para Lagoa Dourada, a famosa terra dos rocamboles. Fico na dúvida para onde ir, quase caindo na tentação do quitute. Afinal, nunca tinha ouvido falar na cidade de Casa Grande,  só sabia que o comentarista da TV Globo, o Casagrande, havia nascido lá. Mas, analisando a situação comigo mesmo, resolvo seguir na integra a estrada real, era o que eu havia proposto no íncio da caminhada. 
    A maior parte do percurso é de estrada de terra mesmo, são 30km, sem lugar para almoçar no meio do caminho. A paisagem também é muito bonita, e não tem como passar sem tirar algumas fotos. Pequenas igrejas, serras, montanhas, enfim, Minas Gerais. Por volta do meio dia, paro em um bar para comer um salgado, mas resolvo bater de porta em porta para ver se alguém me vende um pouco de comida, já que o caminho é um pouco desgastante. Logo na primeira tentativa, já sou atendido e a dona da casa me aparece com um prato com uma montanha de comida, mais do que eu como habitualmente. A comida está ótima, como tudo só para não fazer desfeita, e fico um pouco empapuçado. Durante o almoço, falo sobre esquizofrenia, sobre o meu blog e ela disse que iria acompanhar. Também converso com dois ciclistas que pararam no bar. Falamos sobre trilhas e viagens e fiquei sabendo que existem bicicletas mais caras do que carros. 
 
    Barriga cheia, continuo o caminho, sem maiores problemas. Estou andando cada dia melhor, até me dou o luxo de parar e tomar mais um banho de cachoeira. Chego a Casa Grande por volta das quatro horas da tarde e ainda dá para ver o jogo da final do campeonato mineiro, entre Atlético e Cruzeiro, para variar. 
    A dona do bar onde assisti o jogo, as saber que eu estava indo para Paraty, perguntou-me se eu estava doido. Muitas pessoas, no caminho, ao ver a minha mochila, me perguntam para onde vou e todas ficam espantadas com a minha resposta. Já me disseram:
    - "Cê" tá animado hein?
    - Você trabalha com isso? ( essa pergunta eu não entendi)
    - Você vai ganhar um prêmio?
    -Você é devoto?
     Teve um cara que, ao ouvir minha resposta, simplesmente não disse nada, só arregalou os olhos. Será que é loucura mesmo andar 700km? O caminho de Santiago na Espanha tem 900km e um monte de gente o percorre. 
     São seis e meia da tarde, o frio está chegando e já armo minha barraca no coreto da cidade. Quero acordar cedo, amanhã também serão 30km a serem percorridos, o que é um pouco puxado para mim. O ideal seria entre 20 a 25km por dia, mas faz parte do caminho. Estou ansioso para chegar a terra dos rocamboles, e experimentar esse famoso quitute tão falado em Minas Gerais. 

Essa música é bem simples, do Zé Geraldo, mas tem tudo haver com o caminho. Gosto muito dela, a música nem sempre precisa ter quantidade de instrumentos para ser bela. Às vezes um simples violão já basta. 



Vou pro campo
No campo tem flores
As flores têm mel
E mais de noitinha
estrelas no céu
O céu da boca da onça é escuro
Não cometa, não cometa, não cometa furo
Pimenta malagueta não é pimentão
Vou pro campo
acampar no mato
No mato tem pato, gato e carrapato
Canto de cachoeira
Dentro d'água pedrinhas redondas
Quem não sabe nadar
não caia nessa onda
A cachoeira é funda e afunda
Não sou tanajura mas eu crio asas
e com os vagalumes eu quero voar
O céu estrelado hoje é minha casa
e fica mais bonita quando tem luar
Quero acordar com os passarinhos
Cantar uma canção com o sabiá
Dizem que verrugas são estrelas
que a gente aponta
Que a gente conta antes de dormir
Eu tenho contado
mas não tem nascido
Isto é história de nariz comprido
Deixe de mentir
Os sete anões pequeninos
Sete corações de meninos
A alma leve
São folhas e flores ao vento
O sorriso e o sentimento
Da Branca de Neve