sexta-feira, 14 de junho de 2013

Estrada Real: 19º dia


26 de maio de 2013- domingo
Itanhandu-Passa Quatro

    O local que havia escolhido para montar a barraca parecia ser bem tranquilo. Parecia e era, até por volta das dez horas da noite. 
    Perto da igreja matriz, foram montadas, com certa antecedência, as barracas para a festa junina da cidade. Conversei então com os donos de restaurantes que ficavam próximos as barracas e eles não colocaram nenhum impecilho para que eu passasse a noite naquele lugar. Não havia muito movimento, e o melhor, iria dormir em um local coberto e cercado, só quem passava ao lado da barraca da festa é que poderia ver a minha humilde residência. 
    Mas, aos poucos, alguns sons começaram a me deixar meio cabreiro. Primeiro, o abrir de portas de bares. Depois, as músicas. Algumas vozes começaram  a aparecer e, em pouco tempo, se transformou em um alto burburinho que não dava mais para identificar o que estava sendo falado. Nem sai da minha barraca, mas devia ter, pelo menos umas duzentas pessoas em volta de minha barraca. Simplesmente eu estava no point de encontro da galera de Itanhandu. 
    De repente, ouço uma voz nas caixas de som do bar:
    - Alô! Um, dois, teste. Som...
    Depois, regularam o som do violão e o cara começou a tocar. Repertório muito bom, Zeca Baleiro, Engenheiros do Hawai, etc. Mas o cara cantava mal pra caramba. Como já havia tomado o meu pan de cada dia, resolvi continuar deitado e curtir o som. "Lá pelas três horas todo mundo já deve ter ido embora e vai dar para descansar um pouco", pensei.
    Dava para ouvir também a transmissão do UFC em um outro bar. Era uma enorme confusão de sons, mas, como já havia trabalhado como operador de som, estava acostumado com aquilo e até que consegui descansar um pouco. Aos poucos, o clima do UFC parece ter tomado conta dos frequentadores do local. Vez ou outra, surgia um princípio de briga, dispersados sempre pela "turma do deixa disso". Mas, a uma certa altura, não teve jeito: uma briga generalizada tomou conta do lugar. Copos quebrando, as meninas gritando, os caras xingando. Não demorou muito para a polícia chegar e botar ordem lugar. Deu até para ouvir o som do disparo da arma de choque contra um cara. Deve ser muito ruim levar um choque desse, pois, pelo grito que o cara deu, deve doer um bocado. Continuei dentro de minha barraca, como se nada estivesse acontecendo, vai que um dos guardas cisma comigo e ai começa com as perguntas de praxe, que até já decorei. Aos poucos, a calma voltou a reinar e a galera foi embora. Deu para descansar um pouquinho e tirar um cochilo.

caminho muito legal de se percorrer
     O domingo não poderia ter começado melhor: uma bela manhã de sol, mas com muito frio. Sai andando pela cidade à procura de uma padaria de meia e chinelo, para não congelar os dedos dos pés. O ferimento do dedão ainda não estava 100% cicatrizado. 
   Apesar de estar mais ou menos próximo do final, ainda não estou com aquele ânimo que pensava que teria quando chegasse essa etapa do percurso. O verdadeiro dia da preguiça, para mim, é o domingo, não dá vontade de fazer absolutamente nada. 
    Por falar em preguiça, caminhei apenas 13km até a charmosa cidade de Passa Quatro. Não sei por que, mas não encontrei vários marcos no início do caminho. Mas esse caminho até que não tem muitos segredos, é só ir margeando a ferrovia desativada, e ainda tem muitas casas no caminho, para tirar nossas dúvidas.
a pink tomando um bronze...
    Cheguei em Passa Quatro por volta das onze horas e consegui achar um restaurante perto da pracinha, que deve ser o centro da cidade. Como o próximo destino é a 33km de distância, passo o domingo dormindo na pracinha de Passa Quatro. Foi difícil descansar, pois no sol se sentia muito calor, e na sombra, muito frio. Mas a cidade é bem tranquila. O comércio estava praticamente todo fechado. Além do restaurante, apenas uma loja de doces e uma de artesanato estavam abertas nas proximidades. A maria fumaça também funcionava sem parar, mas com poucas pessoas. Somente quando um grupo do Rio de Janeiro apareceu em um ônibus, é que ela teve uma boa ocupação.
a simpática cidade de Passa Quatro
    A tarde começava a cair e então ligo o meu companheiro das horas de solidão: o celular. Estou tentando conseguir o ânimo para prosseguir, tirar forças de algum lugar. Estou bem fisicamente, mas estou um pouco receoso. A próxima parada já é em terras paulistas, e confesso que estou com um pouco de medo. Não conheço nada de São Paulo, a não ser a cidade de Ribeirão Preto, quando fui a trabalho, há muitos anos atrás. Não sei se os paulistas serão tão hospitaleiros e amigáveis como os mineiros foram nesta viagem. Estou há cerca de vinte quilômetros da divisa com São Paulo. Me pergunto se uma pequena distância como essa pode influenciar o modo de ser das pessoas, a cultura, o modo de falar. Passo a tarde inteira refletindo sobre essas coisas, como as fronteiras estaduais foram criadas, por que cada estado tem a sua maneira de falar, etc. A tarde foi meio melancólica, meio triste mesmo, cheio de dúvidas para entrar ou não em São Paulo. Para avacalhar tudo, o meu amigo celular toca "Evebody Hurts", do The Corrs. É uma musiquinha bem melancólica, mas acho legal ouvir em certos momentos. Estava meio que sofrendo, com minhas dúvidas sobre o caminho, principalmente sobre como seria andar em terras paulistas. 
    O meu domingo foi assim, cheio de preguiça e reflexões. Já estava começando a ficar preocupado com o frio da madrugada, pois não havia conseguido nenhum pedaço de papelão para me aquecer. Um hippie apareceu e me disse que havia um albergue em Passa Quatro, que era só se identificar no posto policial e pegar uma ficha. Não poderia ter recebido notícia melhor naquele momento, parece que Deus, às vezes, nos presenteia com esses momentos, para nos dá forças para proseguir o caminho.



    - Música: Everybody hurts
    - Artista: The Corrs

Todo Mundo Se Machuca

Quando seu dia é longo... E a noite
E a noite é solitariamente sua
Quando você está certo de que já teve o suficiente... dessa vida, bem segura ai

Não se deixe ir
Porque todo mundo chora...
E todo mundo se machuca... Às vezes

Às vezes tudo está errado
Agora é hora de cantar sozinha
Quando seu dia é uma noite (Aguente, aguente)
Se você se sentir deixado pra lá (Aguente)
Se você pensa que já teve demais...dessa vida, bem segura ai

Porque todo mundo se machuca... as vezes
Tenha conforto em seus amigos
Todo mundo se machuca

Não solte sua mão. Oh, não.
Não solte sua mão
Se você se sentir como se estivesse sozinho
Não, não, não, você não está sozinho

Se você está sozinho... nesta vida
E se os dias e as noites estão longos
Quando você pensa que já teve demais... segura

Bem, todo mundo se machuca as vezes
Às vezes todo mundo chora
E todo mundo se machuca, Às vezes

E todo mundo se machuca, Às vezes. Então, Segura ai.
Segura, segura, segura, segura

Então aguente firme

2 comentários:

  1. Júlio, acompanho diariamente suas aventuras e torço para que dê tudo certo com você. Se cuida amigo e tenha boa sorte nas suas empreitadas. Eu estou seguindo o tratamento direitinho e no final do mês recomeço a terapia. A fase de estabilidade está chegando e espero que dure bastante tempo. O último surto foi terrível e a fase aguda da depressão pior ainda. A cada surto as coisas parecem vir mais fortes, não se com você é assim também. Fique com Deus, grande abraço.
    P.S. Também gosto muito das músicas do Yanni.

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    1. Olá, você tava sumido hein? Pensei que tivesse surtado, espero que a estabilidade continue para sempre ai e que melhore cada vez mais. Eu tive dois surtos apenas, mas foram bem complicados, quase fui dessa para a melhor. O segundo surto foi igual ao primeiro, só que, eu, por já ter tido alguma experiência, não tive reações tão extremas como na primeira vez, só cheguei no fórum e pedi para a juiza tentar conseguir a eutanásia assistida, só isso. Ainda bem que ela foi compreensiva, outra pessoa poderia pensar que eu estava brincando. Mas hoje até que estou mais ou menos estabilizado também. As músicas do Yanni são muito boas para relaxar e tirar um pouco o stress.

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