domingo, 28 de dezembro de 2014

Seja o seu papai noel o ano inteiro

    Natal, fim de ano... Para uns, tempo de confraternização, festas, trocas de presentes, muita bebida e comilança. Para outros, depressão total, solidão, saudades, sendo um martírio ouvir aquelas músicas natalinas e os comerciais de televisão lembrando que é tempo de se festejar.
    Existe ainda outras tribos específicas em relação ao fim de ano: a dos mais espiritualizados e que ainda hoje acreditam ou querem acreditar que Jesus nasceu realmente nesta data . Existem os introspectivos e que aproveitam essa época para fazer um balanço de suas vidas e uma profunda análise de como foi o ano que se passou.
    Talvez exista um grupo que fique indiferente à esta data, aquelas pessoas solitárias ou os que só pensam no trabalho, odiando as festas e os feriados.
    Independente de qual tribo você pertença, não espere que o bom velhinho saia do pólo norte para deixar suas meias cheias de presentes. Não espere que alguém faça algo por você. Olhe para dentro de si mesmo e veja o que você pode fazer para melhorar a sua vida: uma limpeza interior, esquecer o passado, perdoar alguém e perdoar a si próprio, sei lá...
    Não espere que o príncipe ou a princesa encantada entre em seu quarto. Ninguém irá te encontrar com você lá dentro. Em um grupo do facebook já vi a pergunta: "Será que uma companhia irá melhorar a minha depressão?" Respondi mais ou menos assim: Se você ficar trancada dentro do quarto, dificilmente irá encontrar alguém.Se você sair por ai, gostar de si mesma, se libertar dos medos e traumas, será mais fácil encontrar alguém para ser um complemento de sua felicidade e não a peça fundamental para este estado de espírito.

Meu mundo
    No início de fevereiro de 2013 eu estava saindo do meu quartinho na cidade de Ipatinga-MG. Cheio de sonhos, queria conhecer o Brasil inteiro, depois de ficar oito anos preso em meu mundo. Estava preso não por ter cometido um crime, mas refém e escravo da esquizofrenia, em que o mundo à minha volta não prestava, tudo era uma bosta mesmo. Meu quartinho era o meu refúgio e meu mundo: tinha uma tv(de tubo mesmo), um bom PC, um home theather da CCE e um frigobar.
    Havia pintado o meu quarto e, de, dentro dele, não se dava a impressão que eu morava próximo a crackolândia da cidade. Saia apenas para almoçar e voltava rapidamente para o meu mundo. Não era a vida que tinha pedido à Deus, mas pelo menos tinha a paz. A solidão me traz a paz, pois, depois que passei a me conhecer melhor, depois dos surtos, aprendi a conviver melhor comigo mesmo e com os meus pensamentos, não fazendo tantos questionamentos como fazia antigamente. 
    Mas, infelizmente o crack começou a se expandir pelo entorno da crackolândia da cidade. O aluguel era barato, o quarto muito bom e espaçoso, mas a situação estava ficando complicada demais. Uma das coisas mais importantes para um portador de esquizofrenia é a paz. Sem ela, tudo fica mais difícil. Todo mundo já deve saber o que o crack faz, não só com o usuário, como também o estrago que ela faz em quem está indiretamente envolvido, como a família e os vizinhos. O negócio é tão complicado que até os traficantes de algumas comunidades do Rio desistiram de vender essa droga de droga.
os próprios traficantes proibiram a venda da droga....
    Dos oito anos que morei em Ipatinga, cerca de seis anos foram relativamente tranquilos. Até dava para dormir de janela e porta aberta, por causa do forte calor que se faz no leste de Minas Gerais. Mas, com o avanço da droga, a situação se tornou insustentável: brigas entre os usuários, roubos, funk rolando madrugada adentro. Fiquei mais dois anos neste lugar, na esperança que as coisas melhorassem, mas só pioraram. Depois de muito resistir, e até a brigar com um crackudo, cheguei à conclusão de que não poderia parar essa epidemia chamada crack. 
    Estava pagando alguns empréstimos com o banco, e o aluguel em outros lugares da cidade era caro, Para piorar, o restaurante popular da cidade havia fechado, por falta do pagamento da prefeitura. O prefeito da época havia fechado tudo o que tinha direito, inclusive deixou uma lagoa artificial secar por não mandar consertar uma simples bomba de água. Todos os peixes morreram. Resolvi então fazer algo que sempre cutucava a minha mente: sair viajando por ai, por esse país maravilhoso chamado Brasil. Vendi "tudo" o que tinha, comprei uma barraca, uma mochila e pus o pé na estrada. 
    O primeiro ano foi melhor do que eu imaginava: conheci lugares e pessoas maravilhosas, não tinha que pagar aluguel e poderia escolher onde morar. Além de tudo, ainda dava para me alimentar melhor, pois a grana do aluguel comia quase metade do meu salário de aposentado. Não sabia que ainda tinha forças para andar 30km em um dia com 11kg nas costas. Não considero essa fuga uma loucura, seria pior ficar trancado naquele lugar cercado de usuários de crack e no ambiente que essa droga faz. Se foi uma loucura, poderia se dizer que foi uma loucura positiva. Liberdade, ar puro, paz, belas paisagens, era tudo o que eu queria naquele momento. E desde pequeno gostei de caminhar, que, para mim é um ato sagrado. Também sonhava em viver fora do sistema, chegando a me imaginar morando perto de uma cachoeira e nada mais. 
    Depois de um ano de andanças, uma parada em São Paulo. O stress e a correria da capital paulista não me fizeram bem. Além do preconceito contra quem está nos abrigos ou morando nas ruas, ainda tinha a violência. Quase desmaiei quando tentaram roubar este notebook que estou escrevendo estas linhas neste momento. Tive que ser resistente para não deixarem levar o que eu havia comprado com tanto custo. Resolvi então voltar a morar em um cantinho novamente. Mas, para isso tinha que acabar de pagar os meus empréstimos e comprar algumas coisas, pois não adianta nada se trancar em um quarto e não ter o que se fazer dentro dele. 
     Eu sou um mochileiro, que anda de chinelo, cabelo grande e, às vezes, deixo a barba por fazer. No interior de Minas não sofri muito preconceito, apenas algumas abordagens da polícia, pois o mineiro é muito desconfiado, mas muito acolhedor. Já nas capitais o preconceito, ou até o medo mesmo, é muito grande. Já estive nas ruas no ano de 2002, devido aos surtos psicóticos que tive naquela época. O cenário era um pouco diferente, o crack era mais usado e consumido nas capitais e nas crackolândias. Hoje em dia está tudo mudado: em plena luz do dia, no centro de Belo Horizonte se pode ver pessoas acendendo o cachimbo. 
usuário de crack na AV. Santos Dumont, em plena luz do dia
     Hoje, estando nas ruas por vontade própria, dá  para se constatar a diferença, ao ver o andar apressado das mulheres segurando firmemente suas bolsas. Creio que, se tivesse surtado hoje, certamente não seria tão ajudado como fui no ano de 2003. Quando se vê uma pessoa suja e mal arrumada nas ruas, o primeiro pensamento que aparece em nossas mentes  é de que ela está usando o crack. 
      Quando não era mochileiro, era um morador de albergue, e o preconceito também existe. Não tinha mais vontade de montar a barraca em Belo Horizonte, pois fui roubado certa noite quando deixei a música do celular ligada e dormi.  Resultado: um meliante, provavelmente usando uma faca, fez um buraco na minha humilde residência e fiquei sem o meu aparelho. O jeito foi morar no albergue até juntar a grana para comprar as coisas para o meu quartinho. 
      Morar em um abrigo e ser aposentado tem a vantagem de se ter a possibilidade de se juntar uma graninha, mas aparecem uma série de desvantagens pequenas, mas, que juntas se tornam um problemão: acordar às cinco horas da manhã em pleno horário de verão,  e ter que sair mesmo debaixo de uma forte chuva. O pior também é, ao sair, não ter o que fazer, um objetivo a ser alcançado. O jeito era procurar um refúgio, no parque perto do abrigo e que era pouco frequentado, mas muito bonito. Havia também aquele desgaste para simplesmente carregar o celular nas tomadas que encontrava por ai: não poderia desgrudar o olho um minuto sequer, ou seja, tinha que ficar olhando para o aparelho por cerca de três horas diretas.... À todo instante olhava o aparelho, na esperança de que as barrinhas ficassem cheias, e a última era uma eternidade para ser carregada... Para lavar a roupa, a mesma coisa: tinha que esperar que secassem quase que completamente, não tem essa de que os larápios perdoam os pobres, se tiver algo interessante eles metem a mão mesmo. Roubaram uma camisa novinha que eu tinha da Argentina quando a deixei secando em uma grade perto de uma igreja. 
    Além disso, o abrigo em Belo Horizonte estava com um clima um pouco tenso. Na primeira vez que havia ficado por lá, no ano passado, as coisas eram bem tranquilas. Mas, depois que voltei para lá, em agosto deste ano, as coisas haviam mudado e muito, inclusive o perfil de quem usava o albergue. Havia muitas discussões tolas, algumas brigas, roubos de celulares, conversas não muito sadias e falta de respeito com o sono alheio. Algumas pessoas estão lá para tentarem realmente mudarem de vida, se tornam evangélicos, tentam se livrar das drogas e vícios, mas, uma boa parte não quer saber de nada mesmo...
      Essa situação acabou me deixando a ponto de surtar. Ser confundido com esse tipo de pessoa me fez muito mal. Não sou santo, mas também sou um cara que procura ser o mais correto possível. Em minha cabeça, aonde eu ia, imaginava que as pessoas estavam me chamando de ladrão. Encarava como uma ofensa quando uma mulher passava segurando a bolsa perto de mim, pensava que aquele gesto era única e exclusivamente por causa de mim.
    Essas pequenas dificuldades, juntamente com o preconceito, me fizeram ter uma saudade imensa do tempo em que eu morava no meu quartinho em Ipatinga. Alguns filmes nos fazem pensar que sair por ai sem destino é uma aventura sensacional, o que não é verdade. 

 O meu presente
     Então bolei o meu projeto: comprar tudo o que havia vendido e alugar um cantinho, agora em Belo Horizonte. Era um desafio e tanto, queria as coisinhas de volta, mas melhores de que quando tinha em Ipatinga. Queria uma TV LCD, um bom notebook e um home theather da LG. 
    Foram oito meses morando em albergues, passando os dias em praças, parques e bibliotecas, até conseguir a grana para comprar os aparelhos e deixá-los na casa de um amigo. Foi muito difícil, e tive que ter uma paciência de Jó, Eu, um cara que desde os 17 anos sempre morou sozinho, agora tinha que conviver com cerca de 200 pessoas em um mesmo espaço. Encarei como um teste e acho que fui bem, quase não me envolvendo em confusões. Ambiente de abrigo é um pouco carregado, cada um tem sua história de vida, e muitos problemas. Qualquer coisinha pode ser motivo para uma forte discussão e por mínimos detalhes pode virar briga física mesmo.
    Então, no início de dezembro já comecei a procurar alguns quartos. O aluguel aqui em BH é caro, e tive que fazer as contas para ver se daria para alugar um quarto em um local tranquilo e seguro. Se não gastasse grana com bobeira, e parando de comer bobagens, até que daria para ir levando... 
  Ocorreu tudo naturalmente. Com a proximidade do natal, a necessidade do isolamento foi se tornando maior e, finalmente, depois de muita procura, exatamente no dia 23, consegui encontrar um pequeno quarto, não muito longe do centro da cidade. 
    No dia 24, comprei um pequeno objeto, mas de fundamental importância para mim: uma antena de TV. Passei o natal no abrigo, quieto em meu canto, enquanto o resto da galera saboreava um rango especial de natal, organizado pelo pessoal do albergue. Passei a noite sonhando comigo, em meu canto, assistindo uma TV, com tranquilidade e paz, acima de tudo. Aliás, sonhei com isso por oito meses seguidos. Não podia ver uma TV que dava aquela angústia no peito. No dia 25, logo de manhã, me dei o melhor presente de natal que poderia ganhar: sai do abrigo sem me despedir de ninguém, peguei os aparelhos e as roupas na casa do meu amigo e peguei um táxi até o meu novo lar. 
     Estava agitado, alegre, aliviado. O pesadelo finalmente havia acabado. Rapidamente acomodei os meus pertences no quarto. As minhas velhas roupas se tornaram novas. Só quando perdemos é que damos valor à pequenas coisas: deixar o celular carregar  enquanto dormimos, assistir um filminho antigo na TV(não precisa ser a cabo), lavar a roupa, colocar amaciante e deixar secá-la sem preocupações... Poder ouvir uma música à noite, poder relaxar todos os nossos músculos em uma caminha bem macia, ouvir o som do silêncio, tomar um banho na hora que sentir vontade, acordar na hora que desejar... 
     Mas, o melhor presente que me dei não foi material: não foi o home theather da LG, nem o notebook e muito menos a TV de 32 polegadas. O melhor presente que ganhei de mim mesmo foi a privacidade, a solitude e, principalmente a PAZ!
     Esse foi o presente que me dei. E você, se permitiu dar um presente para si mesmo ou ficou esperando o papai noel aparecer?


Música: Meu Jardim
Artista: Vander Lee
Tô relendo minha lida, minha alma, meus amores
Tô revendo minha vida, minha luta, meus valores
Refazendo minhas forças, minhas fontes, meus favores
Tô regando minhas folhas, minhas faces, minhas flores

  Tô limpando minha casa, minha cama, meu quartinho
Tô soprando minha brasa, minha brisa, meu anjinho
Tô bebendo minhas culpas, meu veneno, meu vinho
                                 Escrevendo minhas cartas, meu começo, meu caminho                              

Estou podando meu jardim
Estou cuidando bem de mim

segunda-feira, 22 de dezembro de 2014

Quetiapina: parte 2

    Há muito tempo ando estressado e com o nível de energia lá embaixo. Como já disse anteriormente, a minha vida está parecendo um vídeo game mesmo, preciso urgentemente fazer algo para aumentar a minha vida deste jogo para conseguir chegar ao final desta fase.
    Houve o caso do opala preto que avistei em frente ao abrigo e algumas vozes comentaristas andam me perturbando um pouco. Tive poucas vozes de comando até hoje, e me sinto aliviado por isso. Não deve ser nada agradável ouvir uma voz lhe mandando fazer coisas como agredir uma pessoa, etc As poucas vozes que tive não foram muito sérias, apenas me mandavam entrar em alguns estabelecimentos comerciais. Em 2003, quando entrei em uma lanchonete, todo sujo. o balconista não teve muita paciência e foi logo me dando um forte soco no peito. Só não parei no meio da rua por que havia uma árvore no meio do caminho.
Mas no geral só tive ajudas nos momentos mais difíceis, não posso reclamar de maus tratos durante os surtos.
    Mas chega de falar do passado. Depois de oito meses me sentindo um estrangeiro em São Paulo, senti que era hora de voltar para Belo Horizonte e para o abrigo, para acabar de juntar uma grana e concluir o projeto de morar novamente em um quarto. Mas infelizmente o abrigo não é mais o mesmo. Não vou entrar em detalhes, mas as coisas agora costuma ficar meio tensas por lá. O resultado não poderia ser outro: stress total e a sensação de que se continuar assim, poderei surtar de novo. Então tenho que dar uma "apagada" geral para colocar os pensamentos em ordem e dar uma respirada.
    Analisando todos os medicamentos que já havia experimentado, cheguei a conclusão de que clorpromazina seria o ideal para esse caso, apesar de ter me dado um baita torcicolo da última vez que a experimentei no início do ano em São Paulo.
    O clínico geral com quem pego a receita do diazepan me disse que não poderia trocar a medicação. Foi marcado então uma consulta com a psicóloga da unidade de saúde, mas eu não poderia esperar um mês para conversar sobre a situação. O clínico me informou que eu iria me consultar com um psiquiatra com que eu havia encontrado há uns doze anos atrás. Ele foi o primeiro com quem conversei. Me lembro muito bem,  a consulta demorou cerca de uns sete minutos e o cara nem olhou para mim, apenas fazia algumas anotações e respondia friamente às minhas perguntas. Eu não gosto muito que me encarem fixamente por muito tempo(acho que ninguém gosta) mas também não precisa ter medo né?
    Então desisti de tentar o medicamento com este psiquiatra, provavelmente não teria paciência e nem tempo para ouvir um esquizofrênico que acha que sabe alguma coisa e que já tenha em mente a medicação a ser usada. Procurei então um hospital, indicado por um amigo que frequenta o parque. Infelizmente o pessoal da psiquiatria já estava de férias e só seria atendido em janeiro.

Cersam
     A solução foi procurar o Cersam. na primeira tentativa não fui atendido, me disseram que eu poderia continuar com a risperidona, que em Belo Horizonte não é fornecida gratuitamente. Além de tudo, este medicamento me dá um prejuízo danado, ao aumentar ainda mais a minha gula por doces e massas. 
    E a coisa estava tensa no Cersam naquele dia. Um cara com as mãos enfaixadas, já sedado, conversava com as enfermeiras. O SAMU também havia chegado com um cara totalmente apagado, provavelmente deve ter tomado um sossega leão. Um senhor reclamava que o seu filho estava andando pelado pelas ruas. Ou seja, o meu caso era "fichinha" em relação ao que estava sendo atendido por ali. 
   Fui embora e desisti da clorpromazina, é cansativo e muito frustante não ser atendido quando mais precisamos. Ou será que o pessoal espera o caso virar uma emergência? Mas, depois de alguns dias vi que a coisa estava piorando e resolvi pegar um encaminhamento para o Cersam com uma assistente social do abrigo em que estou ficando no momento. Nem quando estou no parque, ouvindo música clássica ou Yanni, estava conseguindo relaxar e parar de pensar que estou sendo observado. O parque era o meu refúgio e no ano passado era como se fosse um paraíso para mim. Estava dando algumas más respostas para alguns abrigados e não estava com a mínima paciência para ouvir o que era discutido ou conversado nas dependências do albergue. Para falar a verdade, geralmente a conversa não me interessa mesmo. 
    Mas ninguém tem nada a haver com as minhas paranoias e voltei então ao Cersam. As coisas estavam mais calmas desta vez. Devia ser umas oito horas da manhã e fui informado que o psiquiatra só chegaria na parte da tarde. Como era o dia do almoço de confraternização do natal, fui convidado a ficar por lá mesmo
    No refeitório havia muitos pacientes. Alguns deitados no chão, outros isolados em seus cantos. Um ou outro era mais agitado e comunicativo. Prestei atenção em quase todos os pacientes e alguns se aproximavam bastante do que é considerado normal pela sociedade, acho que se estivessem na rua passariam desapercebidos. Havia muitos que estavam tranquilos, mas seus olhares não demonstravam nenhum emoção ou sentimento, creio que devido ao fato de usarem os medicamentos. 
    Havia também três estagiárias bonitas, e os caras não davam muita trégua para elas. Uma parecia incomodada e acabou se retirando do refeitório, dizendo estar incomodada com a fumaça dos cigarros que os pacientes fumavam. As outras duas tiravam algumas fotos e pareciam estar se divertindo com a festa. 
     Quanto a mim, não estava me sentindo bem, apenas resumia a cumprimentar os pacientes e responder algumas perguntas que me eram feitas. O almoço estava uma delícia, mas não queria almoçar, a única coisa que desejava naquele momento era ter em mãos a clorpromazina e o fenergam para dar uma desligada do mundo. 

O psiquiatra
    Por volta das três horas da tarde fui atendido pelo psiquiatra, que parecia ter cara de gente boa. Mas na hora de me atender me pareceu ser uma pessoa esquisita: coluna ereta, sem encostar na cadeira. E olhava fixamente para mim, e parecia que não piscava os olhos. Os óculos de grau davam a impressão que seus olhos eram maiores do que realmente eram. Ele fez algumas perguntas e só respondia: sim, sim sim...
Sentei-me de lado para evitar aquele olhar invasivo, e ele parecia estar meio estressado com tanto serviço naquele Cersam. Comecei a ficar nervoso e confesso que com muito custo não xinguei o cara. Por que será que ele não encosta na cadeira, dá uma relaxada e conversa normalmente comigo?- me perguntei. 
    No final da consulta, ele, só para me contrariar, não me passou a clorpromazina. Disse que eu tinha que tomar um novo medicamento chamado quetiapina, pois era o melhor para o meu caso. Não deu muita atenção quando eu disse que me senti bem quando usei a clorpromazina, apesar de ser um dos primeiros medicamento usados para combater os sintomas da esquizofrenia. Havia dito que a quetiapina me havia dado muito sono na única vez que a usei, mas ele mesmo assim o receitou para mim. E, para comprovar que eu estava tomando o medicamento, o engoli no Cersam mesmo, por volta das quatro da tarde, para também conseguir acordar cedo no dia seguinte.  

A soneira
    - É de quantas miligramas? - perguntei para a enfermeira na hora de tomar a quetiapina.
    - Não sei...- ela me respondeu, me mostrando que a embalagem já cortada não tinha essa informação. 
    Resolvi tomar mesmo não sabendo a dosagem, não estava mais aguentando aquela situação e tinha que apagar por pelo menos uma noite. o problema seria acordar no dia seguinte, às cinco horas da manhã. Levantar e acordar, com condições de andar né? A clorpromazina eu conheço, não dá muito sono, o fenergam, que é usado para tirar a alergia ao medicamento, é que nos dá a sonolência. Mas o bom que a ressaca não dura muito tempo, ao contrário da maioria dos antipsicóticos. 
    Depois de tomar a quetiapina, fui correndo pegar o ônibus de volta para o abrigo. Para a minha sorte o remédio só começou a fazer efeito depois que já havia chegado e estava na fila de entrada. Comi um pedaço de bolo antes, pois sabia que seria difícil estar com vontade de jantar às sete e meia da noite. Com alguma dificuldade consegui tomar um banho e cair na cama. Comecei a falar meio embolado com os vizinhos de beliche e apaguei. 
    De manhã, aquela canseira e dificuldade para me levantar. Fui me arrastando para o banheiro e depois para o refeitório. Não conseguia raciocinar direito e peguei algumas coisas na mochila. Assim que sai do abrigo, comi dois pedaços de pudim. Estava com muita fome, uma sensação menor do que a risperidona, mas esse medicamento parece aumentar o apetite também. 
    Fui para o Cersam chateado, o psiquiatra não me ouviu, quando lhe disse que era meio fraco para remédios. Queria tomar metade da dose mínima, e provavelmente me deu inteira, pela experiência que tive no ano passado. Estava muito mais lento e cansado do que na primeira vez que havia experimentado a quetiapina. 
    Conversei com a assistente social e ela me disse para dar um crédito para o psiquiatra, dizendo que ele era muito bom. Para mim psiquiatra bom é aquele que conversa normalmente com a gente. Ela também disse que esses efeitos colaterais da quetiapina duram apenas três meses! Do jeito que ela me disse isso, parecia que era algo muito simples ficar noventa dias com aquela enorme sensação de cansaço e sonolência. Como já disse, tenho que me virar sozinho, não posso ficar tanto tempo parado. 
parece que os sentimentos somem quando uso a quetiapina...
     Mas o pior da quetiapina é a robotização, tanto no sentido físico como no emocional. Ficamos lentos demais e não ficamos muito tranquilos também, mas também não achamos graça em nada! Me parece uma lobotomia química, para ser sincero. Não sou contra os medicamentos, sempre costumo dizer isso, preciso sempre estar repetindo, para não ser mal interpretado. Digo que são um mal necessário em alguns casos, e algumas vezes pode ser por algum tempo apenas. 
     Voltando ao Cersam. o psiquiatra aparecia de vez em quando para chamar os pacientes. Se assustou quando me viu pela primeira vez, pois eu não estava com cara de quem estava satisfeito com a medicação. 
    - Olha o que você fez comigo! - era o que eu queria dizer com um olhar de poucos amigos. 
    Devia ser umas três horas da tarde e a ressaca da quetiapina não havia cessado, e já estava quase na hora de tomar mais um comprimido. Como iria reagir tomando o remédio já estando sonolento e cansado? 
    Acho um pouco de responsabilidade desse pessoal dar os medicamentos às pessoas e depois dispensá-las. Se por acaso essas pessoas moram um pouco longe e têm que atravessar ruas e avenidas movimentadas:? Vi que poderia ficar mais sonolento e cansado do que já estava e resolvi que o melhor a ser feito era tentar uma outra alternativa...

Conclusão
sonhar não custa nada...
     No meu caso, em particular, é um dilema e tanto tomar ou não os medicamentos. Não se pode chegar à uma conclusão, pois moro sozinho desde os dezessete anos e sempre tive que me virar. Para mim, é quase impossível tomar os medicamentos e exercer qualquer atividade renumerada, a não ser que o seu patrão seja bastante compreensivo. Se o transtorno é incapacitante, os medicamentos não deixam de ser também de uma certa forma. 
    No início do ano eu não fui ao show do Yanni, em São Paulo, por causa das minhas paranoias. Cheguei a ir até o ginásio do Ibirapuera, mas não comprei o ingresso. Mas, se estivesse tomando algum medicamento, também não iria, pelo fato de estar sonolento e meio robotizado, não achando graça em nada. Analisando os fatos, prefiro não tomar os remédios e ficar em casa, mas com as minhas emoções, para, pelo menos rir e chorar com os filmes e coisas que assisto na TV. Sem emoções jamais! E também, por que não, sonhar um pouco de vez em quando. Não há nada demais em sonhar, o que não podemos fazer é ficar muito tempo no mundo do sonhos...
    Não escrevo este blog para desestimular as pessoas a tomarem os medicamentos. Relato apenas as minhas experiências com eles. Cabe a cada portador estudar não só a patologia como os remédios e tudo o que possa melhorar a sua qualidade de vida. Cada um, com a ajuda do psiquiatra, deve tentar achar o melhor medicamento e a dose certa para cada caso, o que às vezes pode se tornar uma difícil tarefa. 
    Dizem que em três meses nos "adaptamos" aos medicamentos. Não creio que o termo certo seria adaptação e sim se acostumar, viciar mesmo, como acontece com o diazepan, que, no início dá até uma pequena sonolência. Mas, com o passar do tempo já não faz mais o mesmo efeito e ai temos que ir aumentando a dose. Já cheguei a tomar 20mg e a tomar o levozine mas vi que, se continuasse naquele ritmo, iria ficar como o Michael Jackson, tendo que tomar até anestesia para dormir. O levozine faz dormir, mas temos que colocar um pinico debaixo da cama, pois é quase impossível ir ao banheiro de madrugada. Já o diazepan sinto que atrapalha um pouco a minha memória. Então resolvi ir aos poucos diminuindo o diazepan e hoje tomo apenas 5mg e, quando estiver em um ambiente tranquilo, tomar 2mg para, quem sabe, um dia estar livre dos medicamentos. 


-obs: desculpem os prováveis erros de português, é que, apesar do corretor do blog, estando em uma lan house, não dá para se fazer um trabalho como se estivesse em meu quarto. 1
    

segunda-feira, 15 de dezembro de 2014

Divagações esquizofrênicas


Domingo...
    -Tá na hora! Não se esqueçam de entregar os lençóis! - nos avisa o monitor do abrigo, nos acordando às cinco horas da manhã em pleno domingo de horário de verão. 
    Se não fosse a violência urbana, continuaria dormindo na minha barraca. Fui feliz enquanto estive nela, por cerca de quatro meses, no bairro Barro Preto em Belo Horizonte. Alguns vizinhos até já tinham se acostumado comigo, me davam água gelada e às vezes frutas. Mas certo noite dormi com o rádio do celular ligado. Resultado: um meliante, ao ouvir a música, passou uma faca ou algo parecido e levou o meu aparelho. 
    A chuva cai com uma certa intensidade, deu para se notar pelo barulho dos pingos caindo no chão. Pelo jeito vai ser assim o dia inteiro. Mas desde o começo do ano não reclamo mais quando São Pedro resolve abrir a torneira do céu. Não tomo o café no abrigo. Foi servido café e biscoitos em uma bacia. A galera pega os biscoitos com a mão mesmo, e alguns deixam cair um monte  na bacia novamente, ao encherem as mãos. No banheiro dá para notar que alguns saem sem lavar as mãos. 
    Vou para debaixo de uma marquise, à espera da padaria abrir. Aliás, foi uma das coisas que mais senti saudades enquanto estive em São Paulo. Lá não tem tantas padarias como em BH. O mineiro que gosta de uma broa de fubá e um pão de queijo sofre um pouquinho na capital paulista. 
    Domingo, para mim, como albergado é um tédio: lan house fechada, e o restaurante popular também não funciona. Não vou aos lugares de doações, onde fornecem almoço para o pessoal dos abrigos e moradores de rua. Não por que eu me ache melhor do que eles, mas não gosto muito de agitação mesmo. Apesar de estar juntando uma grana para alugar um quarto, prefiro gastar do meu próprio bolso para comprar um lanche e ficar no parque mesmo. Em dias de chuva, só existe um lugar para se ficar no parque, debaixo do telhado de uma casinha. Neste domingo quase ninguém apareceu, só um cachorro molhado e rançoso insistia em ficar ao meu lado se abrigando da chuva. 
    Se domingo já é complicado para mim nesta momentânea situação, um domingo chuvoso é um convite a não fazer nada. Nessas horas dá saudades de ver o Globo Rural nas manhãs de domingo. Já perdi a conta de quantas vezes sonhei com um cobertor, uma cama e uma TV. Nada mais. O silêncio também não pode faltar. Domingo que é o verdadeiro dia da preguiça para mim, apesar de não cair na night e ficar de ressaca.
    Mas a minha vida é um vídeo game mesmo. Acho que estou na penúltima fase dessa parte de minha vida. O mais difícil já passei. Foram quase dois anos viajando por ai e morando em albergues. 

Natureza Selvagem?

    O primeiro ano das andanças foi uma maravilha. Estava com um ânimo que há muito tempo não sentia, depois de ficar oito anos trancado em meu quarto em Ipatinga. Estava um pouco acima do peso, devido ao sedentarismo. Mas a alegria e a novidade da liberdade compensavam a falta de preparo físico. 
     Me senti, ao sair por ai, como o cara do filme Na natureza selvagem. Mas, para mim o que está selvagem é o nosso mundo mesmo, principalmente as capitais. Podemos ser atacados a qualquer momento por marginais e usuários de crack. Tenho mais medo deles do que de cobras e outros animais que talvez possa encontrar nas minhas viagens pelo interior de Minas Gerais. A maioria dos animais precisa se sentir ameaçada para atacar uma pessoa. Mas precisamos de tomar banho, de nos alimentar corretamente, de escovar os dentes, não dá para viver no meio do mato para sempre...
    Não tenho preconceito contra os usuários de crack. A maioria quer sair dessa, mas não consegue... Alguns são acomodados mesmo. Mas a verdade, é que tenho medo da pessoa que o crack faz a pessoa ser, ou seja, um indivíduo sem controle e desesperado para alimentar o seu vício, roubando até os próprios familiares. 
    
Preconceito?
     No início de janeiro será a segunda vez que procuro um quarto, como um portador de esquizofrenia. Na primeira vez tive sorte. Estava em uma rua, olhando para a janela de um quarto, quando um senhor parou seu carro perto de mim e me perguntou se estava à procura de quartos para morar. Respondi que sim, e ele me levou à um prédio onde alugava vários quartos. Me mostrou um que era muito bom, espaçoso e com cerâmica no chão. O preço era razoável e me alugou no mesmo instante, sem sequer me perguntar o nome. 
    Hoje sei que o aluguel era relativamente barato por estar perto da crackolândia da cidade. Mas deu para viver tranquilamente por cerca de seis anos. O consumo de crack aumentou e a situação naquele lugar se tornou insustentável, o que me motivou a sair viajando por ai.
    Agora vou procurar um quarto novamente. E, provavelmente terei que falar que sou aposentado e, consequentemente, portador de esquizofrenia. Será que vou ser discriminado? Não seria melhor mentir neste caso? Acho que sim, mas não sou muito bom em inventar histórias...

Divulgação do livro
    No último dia 12, houve um evento no espaço Suricato para divulgar o meu livro. Não apareceu muita gente, o livro não foi um sucesso de vendas, mas não fiquei decepcionado. Foi algo muito positivo para mim, pois considero que obtive uma pequena vitória: consegui falar para um grupo de pessoas, sem precisar tomar o pan nosso de cada dia! Foi até positivo não ter aparecido tanta gente, pois fiquei um pouco nervoso, mas deu para falar alguma coisa. 
    Por volta do ano de 2003 eu não conseguia nem sair de casa, em uma pequena cidade do interior de Minas, sem antes tomar um diazepan. E não raramente tinha que engolir mais um no meio do caminho até o centro da cidade. Não foi fácil falar, com o nervosismo não consegui decorar o que eu tinha que dizer, e tive que recorrer a uma colinha. Mas o mais importante foi feito, que é falar um pouco sobre a esquizofrenia. Não sei quanto tempo vai demorar e se estarei aqui para ver, mas sei que um dia esse preconceito e o estigma que cerca a esquizofrenia irá acabar. E sei que estou fazendo a minha pequena parte neste processo. 

                                                                   Música: Rise
                                                              Artista: Eddie Vedder

Erguer-se

Tal é o jeito do mundo
Você pode nunca saber
Apenas onde colocar toda a sua fé
E como ela crescerá

Vou me erguer
Queimando buracos negros em memórias negras
Vou me erguer
Transformando erros em ouro

Tal é a passagem do tempo
Rápida demais para se envolver
E de repente engolida por sinais
Abaixe-se e observe

Vou me erguer
Encontrar minha direção magneticamente
Vou me erguer
Jogar minha pressa no buraco

sábado, 6 de dezembro de 2014

Teste de esquizofrenia

 
esquizofrenia paranoide F20
    Certo dia resolvi dar mais uma pesquisada sobre a esquizofrenia, e, na primeira página do youtube, depois de digitar o nome do transtorno, me deparei com o teste abaixo:
   De uma maneira simples, segundo o teste, quem conseguir visualizar uma outra máscara na parte de trás da mesma não é esquizofrênico. Quem conseguir ver o fundo oco da máscara giratória é esquizofrênico. Maiores detalhes sobre o teste, é só clicar no link(as palavras na cor azul lhe direcionam para a página, sem sair do blog). Segundo os pesquisadores que elaboraram o teste, o cérebro do esquizofrênico, por causa de algumas "falhas nas conexões", não consegue distinguir certas imagens.
    Na minha humilde opinião de portador e pesquisador, um transtorno mental, que ainda nem têm suas causas definidas com 100% de certeza, não pode ser diagnosticado ou detectado com um simples teste de imagem. A esquizofrenia não é só cérebro, é a mente também. É um conjunto de comportamentos, pensamentos, se fosse tão fácil assim os psiquiatras não demorariam tanto tempo em certos casos para diagnosticar o problema, sendo que muitas vezes a esquizofrenia é confundida com a bipolaridade.
    A maioria dos amigos portadores que tenho na internet conseguiram ver as duas máscaras. Poucos afirmaram ter visto apenas o fundo oco da máscara giratória(cerca de 10%).
    Como o teste pode diagnosticar com precisão se uma pessoa é esquizofrênica ou bipolar, já que os sintomas são parecidos? Será que os cérebros não seriam parecidos também?
    E até mesmo a esquizofrenia tem os seus subtipos: simples, catatônica, indiferenciada, a mais comum que é a paranoide, etc. E mesmo em se tratando da paranoide, pode haver muitas diferenças de um caso para outro. Alguns surtam mais, outros são mais agitados, outros mais retraídos, alguns são agressivos quando estão surtados.
esquizofrenia catatônica
    É como disse o autor do livro "Cadê minha sorte?": Não existe a esquizofrenia, e sim as esquizofrenias.
    Na minha opinião, um teste virtual mais confiável seria um questionário abordando temas como o comportamento da pessoa, se ela se sente vigiada, se imagina ter o seu pensamento invadido, etc. E mesmo assim esse teste não seria conclusivo, ou seja, ele apenas poderia aconselhar a pessoa a procurar um psiquiatra para uma abordagem mais completa.
    Creio que a psiquiatria em geral está olhando muito para o lado orgânico do transtorno, e se esquecendo um pouco da mente humana. Uma amiga holandesa chegou a comentar comigo sobre isso no facebook, disse que em seu país as coisas são um pouco diferentes.
    Me lembro que, por volta do ano de 2005, li em um antigo CID que o complexo messiânico e o sentimento de culpa exagerado eram sintomas da esquizofrenia paranoide F20. Hoje em dia não esses sintomas não estão mais incluídos, por que será?

sexta-feira, 5 de dezembro de 2014

Lançamento do livro

    Pessoal, nesta sexta haverá aqui em Belo Horizonte um evento para uma Divulgação do Livro Mente Dividida. Quem mora na capital e região está convidado. As informações estão no convite. O evento será no Espaço Suricato , situado no bairro Floresta, em frente à Polimig,  próximo à avenida Silviano Brandão, à Quatro quarteirões da avenida Cristiano Machado. Depois haverá algumas apresentações musicais. 
   Lembrando que o livro  continua à venda, basta enviar e-mail com o assunto "Livro" para:
   juliocesar-555@hotmail.com

    Localização do espaço suricato

           

quinta-feira, 27 de novembro de 2014

Gostar demais faz mal

Chimbinha: triste fim
Chimbinha e Chimbinha/2
  Este não é o mesmo título de um post anterior. É quase o mesmo, mas não é. A diferença é que no outro era uma interrogação, e este, uma afirmação.
    O Chimbinha, aos poucos, foi se adaptando ao parque ecológico. Fez amizade com um monte de outros dogs e com os funcionários do parque, para pegar um rango na hora do almoço. Comecei a dar ração todos os dias para ele. Começou a ganhar corpo, seu pelo ficou mais brilhante e sem as falhas de quando chegou ao parque. Seus olhos também ficaram mais vívidos, e esbanjava vitalidade ao "brincar de briga" com os outros cães do parque.
    Mas, na mesma proporção que sua vitalidade aumentava, sua mania de querer defender o parque também. Não podia avistar um estranho que começava a latir sem parar e a perseguir a pessoa. O latido estava mais forte também, e ele agora corria atrás também de pessoas que estavam longe de sua vista. Para piorar, os outros cachorros entravam na onda do Chimbinha e passaram também a vigiar o parque. Tinha um, que era bem grande, que chegava a morder as pessoas, que sempre reclamavam comigo e nunca com a direção do parque. Havia manhãs em que havia uma concentração de cerca de oito cachorros no meio do parque, que estava mais parecendo um canil. Para mim estava tudo ótimo aquilo, mais animais do que gente, mas sei que o parque foi feito para as pessoas se divertirem.

                                              Chimbinha e Bob detonando o jardim

    O Chimbinha e o Bob detonavam os jardins do parque, brincando de brigar, e também faziam alguns buracos bem profundos. Eu, todo sem graça, fingia que não estava vendo nada.
    Já tive que discutir seriamente com um cara que queria apedrejar o Chimbinha. Um outro chegou a dizer que iria matá-lo e que a culpa seria minha. Já havia avisado aos guardas do parque sobre a situação, mas eles indiferentes a situação, apenas  recomendavam a dizer que o cachorro não me pertencia.
    Mas e se o Chimbinha mordesse uma criança? E se ele fosse apedrejado ou mesmo envenenado?
    Nessas horas chego a me perguntar se realmente o doido sou eu...
    Ele estava se sentindo feliz no parque, dava para ver em seus olhos brilhantes. Às vezes ele olhava para mim e balançava o rabo, como que a agradecer pela acolhida. Quando chegou ao parque, ele estava magro, medroso, e com algumas falhas de pelo no corpo.
   Eu também estava contente com a inseparável companhia do Chimbinha(até no banheiro ele me seguia). Todo dia de manhã, ele me avistava de longe e vinha correndo em minha direção, para receber a sua cota diária de carícias, e, claro, um pouco de ração. Enfim, estava feliz em vê-lo feliz, por ser útil em alguma coisa, para pelo menos um cachorro(pelo menos não, dou mais valor a cachorros do que certas pessoas). Mas, infelizmente tive que ser sensato e usar a razão no lugar da emoção neste caso. Mais cedo ou mais tarde ele iria levar uma pedrada, um chute ou até mesmo ser envenenado. Sem contar a bronca que eu levava constantemente.
Chimbinha e Branca de Neve
     Uma funcionária do parque me disse que ele era útil, pois latia quando alguém se aproximava da administração do parque, à noite. Dizem que é perigoso andar por lá neste horário. Oras, se o Chimbinha estava prestando um serviço ao parque, então seria obrigação do mesmo cuidar dele, dando alimentação e o prendendo na hora de mais movimento, para não machucar ninguém ou mesmo ser apedrejado. Muito conveniente deixar o cachorro solto e todo mundo pensar que ele me pertencia...
    Não estou a fim mais de ser o salvador da pátria e por isso creio que tomei a melhor decisão possível: tirar o Chimbinha do parque, antes que o matassem.
    Certa manhã, improvisei uma coleira nele e andei cerca de três quilômetros, até a sociedade protetora dos animais. Na entrada havia uma faixa dizendo que a instituição não recebia animais, apenas cuida de alguns cães a preços módicos. Na minha opinião é muita pretensão desse pessoal se intitular Sociedade protetora dos animais, sendo que, na verdade, não passa de um pet popular que atende alguns cães doentes...
                                                 Chimbinha xameguento

     Meus pés estavam doendo, não estou mais aguentando andar com a mochila mais. No caminho sai oferecendo o Chimbinha a quem aparecesse pela frente, mas, infelizmente ele é um cão sem raça definida. As pessoas olhavam para ele com dó e depois inventavam alguma desculpa qualquer. Duvido se isso aconteceria se ele fosse um golden retriever.
    Por um momento cheguei a pensar em desistir do plano e voltar com ele para o parque, mas sabia que tudo iria começar de novo e ele poderia correr risco de ser morto por um desalmado.
    Não tive coragem de olhar em seus olhos na despedida. Soltei a coleira, fui até o ponto de ônibus. Ele me seguiu e sentou-se ao meu lado. Fingi que nem estava percebendo. Tive um aperto no coração, mas tive que ser forte. O ônibus chegou e entrei sem olhar para trás, imaginando o que ele deveria estar pensando. Foi difícil, pode parecer cruel, mas sei que foi a melhor decisão a ser tomada. Talvez ele encontre um outro maluco que lhe dê, além de comida, um pouco de carinho e atenção. Me desculpe, Chimbinha, mas sou apenas um cara que ganha um salário mínimo e, que, com algum custo conseguirá encontrar um minúsculo quarto para morar.
adeus Chimbinha
    Queria falar sobre outros assuntos neste post, mas, em homenagem a quem ficou em minha companhia durante esse período difícil momento de minha vida, vou dedicá-lo a esse cachorro que é muito bonito por dentro e um ótimo amigo. Pode parecer maldade minha tê-lo mandado embora do parque, mas, se continuasse, provavelmente não estaria vivo, pela maldade humana. O único erro do Chimbinha foi gostar demais de um ser humano e querer protegê-lo a todo custo.

                Os cães são animais especiais. Quem pode negar que eles não tem sentimentos?
               
   

quinta-feira, 20 de novembro de 2014

Paranoia

    Hoje (18/11) tive um sono de qualidade. Parece uma coisa banal, mas não no meu caso e creio que no de alguns portadores de esquizofrenia. Demorei, mas acabei descobrindo quais São os quartos mais tranquilos neste albergue de Belo Horizonte. No arsenal da Esperança, em São Paulo, existem quatro alas Enormes, e os Usuários são alocados pelas assistentes Sociais de a acordo com o perfil de cada um. Tem a ala dos mais jovens, a do pessoal na faixa dos 40 e os mais idosos.
    Já a Neste abrigo em BH, a seleção é natural, Os mais quietinhos chegam mais cedo e ocupam os primeiros quartos, já  a galera mais agitada chega um pouquinho mais tarde e ocupa os quartos que ficam no fundo do corredor. 
   Este sono bom só foi interrompido por um cara que parece não dormir nunca.. Às vezes ele passa a noite inteira andando, que nem um Sonambulo. Mas ele fica acordado e não para de falar um minuto sequer. Ele diz coisas confusas, sem nexo, que vai "desmanchar" (dar uma porrada) em alguém. Apesar de conversar baixinho, o monólogo incomoda. De madrugada, qualquer ruído se transforma em um estrondo! Falo "xiu" para o zumbi se calar, mas ele não Sossega. Provavelmente deve ter algum tipo de esquizofrenia ou um outro transtorno mental qualquer.
    "São quatro e quinze da manhã, e ainda dá parágrafo cochilar uns 45 Minutos" - pensei comigo mesmo.
    - Hoje vai ter jogo do Brasil, né? - Pergunta um dos abrigados.
    - Vai sim, é esse jogo change vai mudar as nossas vidas. - Respondi, ironicamente.
   Não gosto de confusão e zoar  pessoas que não conheço direito, mas o cara vem me falar do "jogaço" da seleção do Dunga contra a poderosa Seleção da Austrália, às quatro da manhã e em pleno horário de verão? Fala sério ...
    O sono me proporcionou um sonho legal. Não foi nada de Extraordinário, me Lembro apenas que estava conversando com duas pessoas. Mas como um sonho tão simples pode ser considerado assim tão legal?
    É que  neste sonho era o antigo Julio que estava falando e não  o paranoico atual que vos escreve. Era um cara distraído e que não reparava em nada em sua volta. Acho que todo sonho de portador de esquizofrenia é se ver Livre desse transtorno. Ganhar na Mega Sena talvez fique em segundo plano, pois com uma cabeça cheia de paranoias não dá á Vontade de se fazer muita Coisa. Acho que até aumentaria a mania de perseguição por ter muita grana guardada no banco.
    Nao tenho certeza se neste sonho estava dormindo profundamente ou se apenas estava pensando enquanto cochilava. A única coisa que sei é que sou um paranoico assumido e que sonha a todo momento em voltar a morar em meu canto. Mas não precisa ter medo do esquizo aqui, sou paranoico, mas sei me controlar. Muitas pessoas sequer desconfiam que são paranoicas  e então cometem atos de violência pensando que estao corretas. É preciso nos conhecermos melhor e mais profundamente. Surtar, no meu caso, teve esse lado positivo, pois, estudando a esquizofrenia passei a me conhecer e a me entender melhor também.
    Uma das coisas que mais tenho saudades é a de sair andando pela cidade sem reparar em nada e em ninguém. Como era bom ir ao cinema e prestar atenção somente no filme!
    Por isso hoje o meu projeto é ter o meu cantinho, uma TV LCD e um home theater, ou seja, um pequeno cinema em casa. Pode até parecer frescura, mas para quem permanece cerca de 23 horas dentro de seus aposentos se faz necessário ter algo para passar o tempo. Assistindo um bom filme consigo me desligar desse mundo maluco. Quando jogo futebol então é que consigo esquecer de tudo. Às vezes faço mosaico no centro de convivência, e também consigo dar uma boa desligada do mundo. Enfim, tudo é complicado em uma mente paranoica, como a minha.
    Muita gente procura fugir do mundo usando drogas como o ​​álcool, Outros procuram o isolamento. É o tal do  escapismo , Quem me apresentou à essa palavra foi um padre que preferiu seguir a vida religiosa. Eu fujo deste mundo em meu mundo, viajando nos  filmes e seriados de TV.
Cada um "escapa" do mundo de SUA Maneira

Eficiente?
    Tenho consciência de que, neste momento atual não estou bem. Quero trocar o medicamento, a risperidona me dá uma fome danada, e, consequentemente um considerável prejuízo financeiro, além de aumentar os meus níveis de colesterol e triglicerídes....
    Ontem (17/11) avistei, na fila de entrada do abrigo, um Opala preto de quatro portas passando lentamente pela rua. Naquele instante não dei muita importância ao fato, mas, depois que avistei algumas pessoas com  quem tive pequenos atritos por não respeitarem o sono alheio, as paranoias voltaram com uma intensidade parecida com a dos surtos que tive.
   Comecei a Pensar que os caras do Opala estavam à minha procura. Havia quatro caras no opala de quatro Portas. Se estavam andando devagar era por que realmente estavam procurando algo. Geralmente esse tipo de veículo é usado para facilitar a saída e a entrada da bandidagem em uma fuga
    Essas Situações provocadas pelas paranoias são bem estressantes, mas Não me Desespero. Se querem me matar realmente, então que façam isso  o mais rápido possível. Creio Que essa minha  indiferença com a vida terrena  me ajuda a não ser agressivo. Digo indiferença e não vontade de me auto exterminar, o que é bem diferente. Se querem tirar a minha vida por não ser um cara "sociável", então que me eliminem, Como se fosse a vida fosse um BBB, um jogo cheio de falsidades e interesses. Não irei mudar o meu jeito de ser apenas para agradar as pessoas.
    Neste abrigo não sou bem quisto. Alias, me estranharia se fosse neste ambiente popular. Não converso muito, e isso às vezes é confundido com "mitidez". Estou estressado, e às vezes digo coisas que não queria falar. Sei que este não é o meu  lugar, este abrigo às vezes se parece  com uma cadeia (Nunca estive em uma para poder fazer e comparação. Só fui em uma quando trabalhava como operador de som. Mas não se assustem, estava na penitenciária trabalhando na Inauguração da mesma. Teve Até salgadinho e foi necessário o serviço de som para que as autoridades pudessem falar, acho que era ano de campanha política.
    Nos Primeiros surtos que passei, tive muitos pensamentos persecutórios Bem parecidos com este que tive em relação ao Opala preto de quatro portas. A diferença é que naquela época imaginava que o mundo inteiro queria me matar,  e não somente um grupo específico de pessoas, como penso agora. (Hoje sei que naquela oportunidade uma pessoa apenas quería tirar a minha vida, se aproveitando do meu estado mental. Sei Que superdimensionei uma realidade). Tinha algumas pessoas querendo que eu me desse mal, mas Não era o mundo inteiro. Então, depois de vários dias surtado e fugindo dos inimigos que estavam em minha mente, minhas energias se esgotaram. Parei de fugir das pessoas e pensava que os catadores de material reciclável queriam a todo custo me matar. Era o ano de 2003, e estava no meu segundo surto psicótico. Naquela Época, certos catadores não se davam muito bem com os moradores de rua que não trabalhavam e ainda tomavam umas cachacinhas. Certa noite avistei um catador e não fugi como sempre fazia. Permaneci deitado, imaginando que ele voltaria com seus amigos para darem o fim em mim. Não me desesperei, Já estava cansado de fugir de tudo e de todos. Então, se me matassem, o sofrimento também cessaria. Considero isso um breve momento de lucidez inconsciente de uma mente paranoica e surtada.
    O ambiente neste abrigo é um pouco carregado e tenso, na maioria das vezes. Já disseram que ali funcionava um IML e que o local, talvez esteja povoado de espíritos que perambulam pela terra. Almas penadas, que não foram boazinhas o suficiente para irem para o paraíso, mas que também não foram tão mazinhas para queimarem eternamente nas chamas ardentes do inferno. Mas não creio que fatores sobrenaturais sejam a causa do ambiente pesado. São muitas pessoas  vivas confinadas, cada uma com seus problemas.. Então, qualquer coisinha pode ser motivo para uma briga ou discussão. Até mesmo a abstinência do álcool e das drogas causa uma certa confusão.
o autor Deste comentário provavelmente NÃO Precisa fazer Serviço do SUS ...
     Nesta Situação e ambiente, eu nunca poderia estar Bem. Sei que preciso conversar com um psiquiatra sobre Medicamentos. No CERSAM me informaram que só atendem emergências. Já no posto de Saúde, onde pego os medicamentos, o clínico Geral que me atende-me disse que não tem permissão para trocar medicamentos psiquiátricos. Fui em um hospital no centro da cidade e me informaram que talvez no ano que vem apareça uma vaga. pois o pessoal já está de férias. Cade a eficiência citada no comentário acima? Essa pessoa só pode estar Brincando, ou então não depende do SUS e nem  assiste noticiários da TV. Não deve ter noção do que é esperar uma consulta com um especialista, por exemplo. Na minha primeira andança, há quase dois ano atrás, tive uma tendinite que me fez mancar por alguns meses. Ficaram de marcar uma consulta com o ortopedista e até hoje Não me ligaram .... Essa pessoa que fez o comentário acima, quando pega uma dengue, sera que vai para uma UPA para  ser atendida no corredor e esperar cerca de doze horas? Ou sera que o SUS é realmente eficiente, e estão me boicotando por critica-los Aqui no blog? (brincadeira, não estou tão paranoico assim....)
    Meu caso não é extremamente grave, mas é complicado O sofrimento não deixa de ser menor talvez por eles  acharam que estou estabilizado. Mas a verdade é que não existe uma medicação contra a realidade deste mundo. Cada um escolhe um maneira de escapar dessa loucura toda. Não uso e nem quero usar drogas, prefiro ficar no meu cantinho, e literalmente viajar assistindo filmes.
    Paranoias: Elas não diminuíram, apenas meio que me acostumei com elas e aprendi a lidar melhor com este mal que assola a cabeça de tanta gente.

Sincronicidade

                                                   Meu Mundo E Nada Mais
    Já  abordei o tema escapismo nesta postagem , Quería colocar a música "Além do Horizonte", do Roberto Carlos, ou então "Vamos Fugir" com o grupo Skank. Mas no dia em que digitei esta postagem e arquivei  como rascunho, resolvi baixar algumas músicas do Guilherme Arantes e do  Flávio Venturinni. De tarde, já no parque ecológico, comecei então a ouvi-las e quase não  acreditei quando rodou "Meu Mundo e nada mais", do Guilherme Arantes. Tive que ouvi-la de novo para constatar se era realmente verdade o que tinha acabado de escutar. Era coincidência demais, com o que estou vivendo e passando. Ou seria a tal  sincronicidade?


Meu mundo e nada mais
Quando eu fui ferido
Vi tudo mudar
Das verdades
Que eu sabia
Só sobraram restos
Que eu não esqueci
Toda aquela paz
Que eu tinha
Eu que tinha tudo
Hoje estou mudo
Estou mudado
À meia-noite, à meia luz
Pensando!
Daria tudo, por um modo
De esquecer
Eu queria tanto
Estar no escuro do meu quarto
À meia-noite, à meia luz
Sonhando!
Daria tudo, por meu mundo
E nada mais

sábado, 15 de novembro de 2014

A química do cérebro


                              Outubro negro
    Creio que o 10º mês deste ano tenha sido o mais difícil para a realização do meu projeto de voltar a ter o meu cantinho de volta. Finalmente consegui, depois de muito custo, adquirir a tão sonhada TV de LCD.
    Nessas andanças, sempre quando via uma tv dessas em qualquer lugar, logo me imaginava assistindo um belo filme deitado confortavelmente em uma cama. Quando lia nos jornais os filmes que iriam passar nos canais de TV, me dava um aperto no coração e uma enorme saudade do meu quartinho lá em Ipatinga! Mas não me arrependo de nada do que fiz. Essas andanças que fiz não tem preço, quer dizer, até que tem, e não foi tão caro, por dormir na barraca e assim economizar uma boa grana de hotel. Digo que o que não tem preço são as aventuras pelas quais passei, as pessoas que conheci e as paisagens pelas quais passei. Essas situações só aconteceram por que fiz o caminho a pé, na raça mesmo. Mas foi um sacrifício gostoso, uma coisa é se aventurar pelas br's, outra é sair pelas estradas de terra de Minas, onde geralmente encontramos uma água geladinha (seja da fonte ou das casas dos moradores), cachoeiras e gente para trocar dois dedos de prosa. Às vezes rolava um cafezinho, um biscoito, um bolo...
    Mas, voltando à TV, decidi que, para adquiri-la, teria que fazer um certo sacrifício neste mês de outubro, e abrir mão da broa de fubá, do pão de queijo e dos quitutes da culinária mineira. Ao receber o pagamento, fiz as contas, separei o suficiente para o almoço(o abrigo fornece a janta), comprei os sabonetes, o shampoo e então realizei o tão sonhado sonho de consumo.
    Mas não foi tão simples assim. Sabia que era dependente do açúcar, massas e outras gulodices para manter os níveis de serotonina em um bom patamar. Mas não imaginava que era tão dependente assim! Por causa dessa dependência, meus triglicerídeos já chegaram à casa dos 580mg, quando o máximo aceitável é 200mg. Mas, graças ao  ômega 3 e uma maneirada na comilança, consegui abaixar os níveis dessa indesejada gordura para 270mg, sem a ajuda da "milagrosa" sinvastatina.
quem não ficou com água na boca?

    Praticamente "murchei" sem as gulodices, neste mês. Emagreci dois quilos, parecia que eu estava doente. Desânimo total. Não aguentei, no final do mês abri conta em três padarias para comer algumas tortas de chocolate e broas. O desodorante acabou, e tive que comprar um fiado na farmácia. O cara não foi nada legal, parecia que estava me dando o desodorante e não me vendendo para pagar depois, nem me deixou escolher e me passou um que tem um cheiro muito forte. Por alguns dias fiquei na dúvida se o cheiro do meu suvaco não seria menos ruim do que o desodorante passado pelo farmacêutico.
desodorante Le Gambe
Pior do que isso
só o seu cecê
    Ainda bem que não estou na cidade onde tive os surtos, pois certamente iriam dizer que eu estava com aids. Eu estava me sentindo tão mal fisicamente que cheguei a pensar que uma mulher que fez uma oração para mim, era, na verdade, uma pessoa do mal. Eu estava na estação do metrô São Gabriel, quado ela apareceu de repente e me perguntou se eu queria uma oração. Respondi que sim, e ela me pediu para estender a palma das mãos. Ela colocou sua mão sobre a minha e fez uma silenciosa oração, não dando para entender o que dizia. Depois foi embora rapidamente. Na hora não achei estranho, mas depois percebi que ela não fez como os demais evangélicos, que costumam conversar um pouco com a gente. Então, assim que comecei a ficar irritado com a abstinência do chocolate e outras bobeiras, comecei a pensar que essa senhora tivesse feito algo de mal, rogado uma praga contra mim, sei lá... Fiquei me culpando por ter confiado em uma pessoa estranha e pedi para Deus que me protegesse das pessoas que fazem esse tipo de coisa. Agora estou com mais uma paranoia, não irei deixar qualquer pessoa fazer oração para mim, a não ser que esteja em uma igreja.
    Fiquei um pouco "bolado" aqui em BH, pensando que as pessoas talvez estivessem pensando que eu estivesse usando drogas, mas precisamente o crack. Mas a única droga com que estou me envolvendo ainda é o meu time, que atualmente não ganha de ninguém. Já tentei parar de torcer, mas não consigo. O máximo que consegui fazer é deixar de ser fanático, mas fico triste quando ele perde, apesar de saber que, mesmo depois da derrota, os jogadores irão para uma churrascaria ou então para o conforto de suas casas, isso quando não caem na balada. E eu continuarei aqui no abrigo, às vezes até sem dormir, por que as noites por aqui costumam ser agitadas...
    Voltando à química do cérebro, gostaria de dizer que a felicidade não é apenas estar com os níveis da serotonina dentro dos padrões. É um conjunto de fatores, que não irei me estender, pois não me julgo capaz de definir o que é a felicidade, se é que existe uma definição única, ímpar, para esse estado de espírito. Vejo pessoas felizes com tão pouco e muita gente infeliz com muitos bens materiais. Mas, por experiência própria, se a química do cérebro não estiver ok, a pessoa pode ser milionária que não achará graça em nada, nem em seu iate de não sei quantos mil dólares... O dinheiro irá apenas amenizar a situação. Prefiro ficar triste e deprimido em uma bela casa de praia do que em um albergue ou até mesmo nas ruas.
    Com a TV comprada, falta pouca coisa para se concretizar o projeto Meu quarto Minha vida. As andanças deixaram de ser um prazer quando comecei a juntar dinheiro. Já são quase dois anos com a mochila nas costas. O primeiro ano foi o máximo, o vento na cara, a sensação de liberdade, dormir onde quiser e não ter que pagar aluguel... Poder planejar as viagens... Mas o cansaço foi tomando conta de mim, afinal não sou mais um garoto. Mas, pior do que as dores físicas é o preconceito. Dói demais ser confundido com um malfeitor, eu que sempre procurei ser uma pessoa correta(não um santo, mas ético, pelo menos). Hoje só devo o banco, que não quis negociar a dívida do cartão.
                                                             
    Mas agora o que tenho que fazer é esperar e ter muita paciência apenas. Nada de viagens, meu pé esquerdo já está um pouco detonado por causa do peso da mochila. O jeito é ficar quietinho, lá no parque, mas os dias parecem intermináveis. Outro dia, uma menina, ao me olhar, disse para sua irmãzinha que se aproximava de mim:
    - Cuidado com o doido!
    A menina começou a chorar e deu meia volta, ao encontro de seu pai.
    Ri da situação. Na verdade fico ofendido se me chamarem de normal. Estou com os cabelos compridos, barba por fazer e com a mochila nas costas A menina talvez tenha ouvido a história do homem do saco. Mas isso não tem o menor problema para mim, ser taxado de louco em uma sociedade que nem sabe cuidar do planeta onde vive. Às vezes penso, quando alugar um quarto, andar extremamente bem arrumado, para não ser mais chamado de doido, mendigo ou andarilho. Mas, penso um pouco e chego à conclusão de que isso não pode ser uma boa ideia. Andar bem vestido poderia chamar a atenção dos meliantes, e nem pensar em comprar smartphone da samsumg. Me lembro que, quando era rockeiro, escapei de um assalto quando os larápios viram minhas calças rasgadas de metaleiro. Só faltou os caras me darem uns trocados..
Se correr o bicho pega, se correr o bicho come...




sábado, 8 de novembro de 2014

Eu que sou doido?


    Gostar de mais faz mal?
    O Chimbinha se apegou tanto a minha pessoa que acabou se tornando um grande problema para mim. 
    Logo de manhã, quando chegava ao parque ecológico, ele vinha alegremente correndo em minha direção, como se estivesse me dando um bom dia. Ele não sossegava enquanto eu não o acariciasse e brincasse com ele um determinado tempo. E parecia que ele tinha anotado esse tempo em sua cabeça, pois, no dia em que eu não estava a fim de muita conversa, eu apenas passava a mão em sua cabeça. Mas ele não se contentava e eu tinha que fazer sempre o mesmo ritual: brincar bastante, fazer cócegas em sua barriga e ainda lhe dar um pão(tinha que ser novo, velho ele não come) Se não fizesse o ritual, ele nem me deixava ler o jornal. 
    Mas, com o tempo, ele acabou mostrando o quanto é ciumento e possessivo. Na minha companhia, enfrentava cachorros bem maiores do que ele, e não deixava mais ninguém se aproximar. Quando estava longe de mim, tinha até medo de filhote de poodle. 
quem tem medo do Chimbinha?
     Com o tempo a coisa foi piorando. Qualquer pessoa que se aproximasse do seu território demarcado, ele corria atrás e latia muito. Claro que eu sei que ele não iria morder ninguém, o dog estava apenas querendo demonstrar quem manda no pedaço. Quando eu estava viajando pela estrada real, não raramente um bando de cachorros saia das casas nas estradas de terra e iam em minha direção. Eu apenas ficava calado e continuava a caminhada e nunca fui mordido por nenhum cachorro.
     Além de tudo, o Chimbinha não é grande e é magrinho, mas nem todo mundo tem noção de psicologia canina. Tive que ouvir várias reclamações, pois todo mundo que frequenta o parque pensa que eu sou o dono do animal. Até quando ia ao banheiro ele me acompanhava. É um cachorro diferente, olha bem nos olhos da gente. Não sei se é loucura minha, mas chego a pensar que ele está querendo me dizer algo. 
   A situação ficou tensa certa manhã, quando um cara, de uns 50 anos ficou uma fera com a latição do Chimbinha e acabou pegando uma pedra enorme do chão:
    - O senhor está com medo de um vira latas desse tamanho? - perguntei.
    Essa simples indagação foi o suficiente para o cara explodir e descarregar toda a sua raiva em mim. Não me lembro de tudo o quanto fui xingado, mas não foi pouco. Mas ele não conseguiu o que queria, que era me deixar irritado também. O máximo que fiz foi pegar também um pedaço de pedra, para fazer o mesmo que ele estava pensando em fazer: usar a ignorância e a violência. E a verdade é que ele tinha algo de ruim guardado dentro de si, e queria descarregar tudo no cachorro e em mim também. 
    Apenas continuei ouvindo a sua xingação, e, como naquele dia estava extremamente bem humorado, pedi para que ele fizesse o que o levou ao parque: exercícios físicos, pois a sua barriga estava bastante saliente. 
    Dias depois algo aconteceu que me fez mudar de opinião sobre o Chimbinha: ele correu atrás de uma criança. Cachorro tem esse instinto de sair correndo atrás de tudo que se move, até de carros e motos, não sei com qual finalidade eles tentam morder os pneus dos veículos. Percebi que o negócio poderia ficar sério e dei uns tapas nele. Mas não adiantava, ele demarcou o território e se achava o dono da área. Falei para o pessoal do parque sobre a situação, mas em vão. Eles apenas recomendaram a dizer para as pessoas que o animal não era meu. Cheguei a sugerir que o levassem para a sociedade protetora dos animais, mas não deram muita atenção. 
os cães latem para demonstrar que não estão satisfeitos com a presença de estranhos na sua área

    Então, quem seria responsável caso o Chimbinha mordesse uma criança, por exemplo? O parque, por saber da situação e não tomar nenhuma providência, ou eu, por simplesmente alimentar e brincar com o animal? Os guardas municipais não são contratados para manter a ordem a segurança do patrimônio público?
   Claro que a corda sempre arrebenta para o lado mais fraco e senti que tinha que tomar providências. Nessa hora me perguntei se era eu quem tinha realmente um transtorno mental... Me considero mais responsável do que os responsáveis pelo parque e decidi que tinha que arrumar alguma maneira do Chimbinha desgostar de mim. 
    Passei a não dar mais comida para ele, pensando que talvez fosse apenas um cachorro interesseiro e faminto. Mas me enganei, ele queria mesmo era a minha companhia e o meu carinho, permanecendo sempre ao meu lado enquanto estivesse no parque, me acompanhando até a saída. Ele continuou a latir para as pessoas que entrassem em seu território, ainda mais quando eu estava por perto. 
    Tive que ser forte, e, a contragosto, dei umas chineladas no Chimbinha. Descarreguei um pouco de minha raiva também. Raiva por não ter condições para mal me sustentar e alugar um barracão e ter um animal de estimação. Ele se afastou de mim, mas logo depois, aos poucos, bem de mansinho, se aproximou novamente de mim, como o seu olhar de "pidão". 
    Já estava cansado e estressado de ter que explicar a todos que ele apenas latia e que não era o dono dele. O jeito foi dar umas palmadas mais fortes e dar uma correria atrás dele. 
     Este método funcionou, e o Chimbinha passou a ter medo de mim. Mas em poucos dias ele ficou mais magro, triste e muito mais medroso do que antes. Mas eu não tive outra alternativa. Agora ele anda escondido no mato, e raramente aparece em seu território demarcado. 
   Depois do medo inicial, ele agora está apenas com receio de se aproximar de mim. Mas continua a me olhar nos olhos, como se quisesse me pedir desculpas, ou algo parecido. O Chimbinha tinha uma coleira e parecia ter um dono, talvez por isso seja tão dependente de uma pessoa. Ele não é como a maioria dos vira latas que já nascem nas ruas e sabem se virar. Nos dias de chuva ele fica desolado e tremendo de frio, enquanto os outros cachorros brincam descontraidamente no parque, não se importando com a água que cai do céu. 
    Às vezes me dá vontade de me aproximar dele, mas sei que, se fizer isso, tudo vai começar de novo. Ai sou eu quem olha para os seus olhos, dizendo:
    - Chimbinha, seja forte, eu não posso te adotar, e com o tempo você vai aprender a se virar como todo cachorro de rua. Infelizmente você é um SRD(sem raça definida) e dificilmente será adotado, apesar de toda a sua fidelidade. Mas, em compensação terá a liberdade de ir para onde bem quiser.
    Vejo o cachorro de algumas madames. São lindos, pelos lisos, tomam banho com xampu e condicionador. São obedientes, mas seus olhos demonstram tristeza....

-obs: escrevi este post há uns sete dias atrás. Aos poucos o Chimbinha foi se aproximando de mim. No começo nem olhava para ele, mas, com o tempo, acabou me seguindo de novo. Não tenho coragem e não sou mal para dar uma surra nele para que se afaste de mim. Não resisti e dei comida para ele novamente e agora voltou com a latição de novo. Já ameaçaram o pobre dog de morte e não sei o que fazer. Conversei novamente com os guardas municipais do parque e a resposta foi a mesma: "diga que o cachorro não é seu". Quero ver se o pai de uma criança irá compreender a situação e não me xingar de tudo quanto é nome, isso se não querer me agredir. O que você faria nesta situação?