sexta-feira, 14 de fevereiro de 2014

Adaptação: parte 2

 
Após quase um mês de sampa e de abrigo, confesso que ainda não me sinto adaptado a essa nova situação. Em relação à cidade, acho que isso nunca irá acontecer, não é o meu estilo de vida essa correria louca. Agora entendo por que existem cd's com sons da natureza: cantos de pássaros, cachoeiras, etc.
    Em relação ao abrigo, vou me adaptando aos poucos. Mas não é nada fácil de repente morar com mais de mim pessoas, logo eu que desde os 17 anos comecei a morar sozinho.
    No fundo me sinto sozinho, mesmo em meio a tanta gente. Mas gostaria de curtir a solitude plena, o que é algo difícil no abrigo e aqui em São Paulo. Ter privacidade, acordar na hora que quiser, soltar um pum sem medo das reações dos vizinhos de beliche, andar a vontade pelo quarto. Sei que alguns irão me chamar de preguiçoso, vagabundo, etc,  mas trabalhei bastante em minha vida, e ficava deprimido quando chegava a época das chuvas, em que tinha pouco serviço na área de sonorização. Hoje me encontro estabilizado, mas não totalmente livre da esquizofrenia. Esses sintomas negativos são tão ruins como os positivos. A gente fica numa paradeira, num desânimo, que chega a pensar que está doente. Fiz mais um hemograma, e no próximo dia 24 irei pegar o resultado. Sei que tudo vai bater, as plaquetas, os bastonetes e aquele monte de números estarão dentro dos padrões. Chego a pensar se uns choquinhos não poderiam resolver o meu problema, pois dizem que o ect hoje em dia já não é tão complicado como antigamente.
    Os dias estão cinzentos aqui em São Paulo, apesar do céu sem nuvens e do forte calor. Os termômetros comumente marcam 35ºC na parte da tarde. Parece que a falta de árvores e o excesso de concreto e asfalto aumentam um pouco a sensação térmica. É o janeiro mais quente desde 1943.

    Passos os dias meio que me arrastando, meio sem graça. Como a parte mental influencia no meu bem estar físico! Já não ando mais de metrô. Tive uma experiência que não foi muito legal. Estava saindo da lan house perto da Catedral da Sé e de repente me deu uma vontade de me isolar, de ficar sozinho mesmo. Um certo pânico tomou conta de mim ao ver aquele monte de gente andando em todas as direções. Lembrei-me de uma placa que avistei no centro indicando a direção de um lugar chamado Parque São Pedro. Desço a rua Tabatinguera e tento achar esse parque que seria o meu refúgio. Mas, após muito procurar, fico sabendo que esse suposto parque não é bem um parque, é apenas uma extensão do centro da cidade. Muitas lojas, gente, barracas de lona nas partes em que há grama. Enfim, não há nenhum parque por ali. Nessa correria fui parar logo na rua 25 de março!
   O jeito foi voltar correndo e pegar o metrô para a Mooca. Sinto que estou prestes a entrar em colapso. O diazepan não está no meu bolso, há tempos que abandonei essa prática. Paro um pouco, respiro fundo e troco o heavy metal do Dream Theather por músicas mais suaves, que salvei em uma playlist no meu celular.
  Me acalmo um pouco e volto para a Mooca, meio decepcionado comigo mesmo. Era como  se fosse um retrocesso em minha vida, precisar de ter que tomar remédios em plena luz do dia.
    Desse em dia em diante procurei não me aventurar mais no centro de SP, apesar de querer conhecer um dia a avenida Paulista. Passo os dias ora no parque da Mooca, ora no Brás, onde fica o restaurante popular e uma boa lan house. Gasto o meu dinheiro com bobagens e penso em encontrar em algo para se fazer, mas o CAPS da região da Mooca  é bem longe, tenho que pegar dois ônibus para chegar ao bairro Vila Isabel.
    Tenho que encontrar forças para vencer mais essa. Fico até envergonhado em dizer que estou desanimado, que tem gente com problemas bem maiores do que eu e que está na luta para vencer a batalha do dia a dia. Tem gente que tem que pegar dois ônibus todo dia para trabalhar, que saem às cinco da manhã e só chegam em casa de noite. Mas, falando de coração, os sintomas negativos da esquizofrenia, são muito complicados mesmo. Como disse, me faz pensar que estou doente, que sou bipolar e que estou na fase da depressão. Não desejo isso a ninguém.
    Fico pensando em coisas não muito positivas. Há muitos estrangeiros em São Paulo. Começo a imaginar que estão falando mal de mim. Quando estão rindo então, ai que tenho quase certeza de que estão mesmo falando de mim. Cheguei a fazer algo não muito legal, há cerca de duas semanas atrás, na lan house do Brás. Chegaram alguns estrangeiros e começaram a falar alto e a rirem, e ai já viu. Pensei que estavam falando de mim e fiz um gesto não muito legal. Não sou de fazer isso, mas foi como uma forma de defesa para algo que naquele momento era real para mim. Será que estou tendo a síndrome do estrangeiro por estar em um estado diferente e ouvir outros idiomas com frequência?
    No abrigo aconteceu algo parecido. De manhã, logo após o café, dois caras passaram ao meu lado conversando em inglês. Naquele momento, tive a certeza de que estavam falando de mim. Não reagi e nem falei nada, mas o "fuck you" ficou entalado em minha garganta. Dias depois, analisando a situação, vi que era uma situação normal e que os caras não estavam falando de mim. Só por que tenho mania de perseguição os caras terão que aprender o português para que eu tenha certeza de que não estão falando de mim? rsrs
E se por acaso estivem falando, o problema é deles, hoje em dia não ligo muito para essas coisas, quando estou me sentindo bem.
    As vozes também começaram a dar as suas caras. Basicamente eu ouvia três tipos de vozes:
- as que fazem comentários
- as que fazem criticas negativas e que zombam
- e as vozes ameaçadoras
    Desta vezas vozes comentaristas apareceram de novo. Elas não me metem medo, mas me incomodam muito. É como se alguém estivesse me observando e comentando tudo o que eu faço. Estava andando em uma rua do Brás quando ouvi?
   - Ele está fraco.
    Na hora aquilo foi realidade para mim. Isto aconteceu quando passei ao lado de um cara que estava sentado na calçada. Talvez isso aconteça pois em uma pequena cidade do interior de Minas isso realmente acontecia com uma certa frequência. As pessoas  daquela  cidade, talvez por não terem o que fazerem, me escolheram como um dos assuntos preferidos para ser comentado. Sempre quando vejo alguém sentado na calçada e tenho que passar ao lado dela, me lembro dessa cidade, e fico um pouco tenso. Talvez essa tensão libere algumas substâncias no cérebro que ativam o área responsável no cérebro pela audição.
    Outro dia a voz comentou:
    - Ele gosta de albergue...
    Também foi tudo muito real na hora, estavam passando algumas garotas perto de mim no momento em que a voz apareceu. Mas, depois de alguns dias e análises, pude chegar a conclusão de que tudo foi uma alucinação. Estava ouvindo música no celular, o fone estava tampando o ouvido e o volume estava no máximo. Para ouvir alguém a pessoas teria que gritar, mas o tom das vozes comentaristas é sempre calmo e sereno. Seria isso um eco dos meus pensamentos? Eu imagino a pessoa me criticando e, pelo fato de ter alguma falha no cérebro essa imaginação acaba se transformando em uma voz? Será que também estou me criticando por viver atualmente em albergues? Sinceramente não sei... Também não sei se quero encontrar respostas para tudo isso, só queria é voltar a ser como era antes, um cara distraído que não reparava em nada em sua volta e que andaria em São Paulo sem o menor problema...

    Aqui está um vídeo, sobre uma psicóloga que, assim como John Nash, conseguiu de certa forma vencer a esquizofrenia. O relato dela é bem emocionante e serve de exemplo para todos nós, portadores, a seguir lutando contra essa patologia que ainda não tem cura.

    Esse vídeo é de uma banda de heavy metal progressivo, mas quem não gosta de som pesado, não precisa ter receio, essa banda é muito boa, tem um ótimo vocal é um instrumental não muito pesado e de qualidade. A letra tem muito a haver com o momento que estou passando, sei que é uma fase e que vou passar por mais essa.


O Inimigo Interior

De novo e de novo
Eu revivo o momento
Estou carregando um fardo em meu interior
Feridas abertas escondidas sob minha pele

A dor é real
Como um corte que sangra
A face que eu vejo
Toda vez que eu tento dormir
Olhando para mim chorando

Estou fugindo do inimigo interior
(O inimigo interior)
Procurando pela vida que deixei para traz
(A vida que deixei para traz)
Essas memórias sufocantes
Estão gravadas em minha mente
E eu não posso escapar do inimigo interior

Eu me separo do mundo
Desligo-me completamente
Sozinho em meu próprio inferno
Triunfo com o medo irracional

Sob o peso do mundo em meu peito
Se eu cair e quebrar enquanto tento recuperar o fôlego
Diga-me que eu não estou morrendo

Estou fugindo do inimigo interior
(O inimigo interior)
Procurando pela vida que deixei para traz
(A vida que deixei para traz)
Essas memórias sufocantes
Estão gravadas em minha mente
E eu não posso escapar do inimigo interior

Eu sou um fardo, eu sou uma farsa
Eu sou um prisioneiro do pesar
Sonho com flashbacks e com gritos violentos
Estou pendurado na borda

O desastre a espreita ao virar da curva
O paraíso chega ao fim
E nenhuma pílula mágica
Pode trazê-lo de volta

Estou fugindo do inimigo interior
Procurando pela a vida que deixei para trás
Estas memórias sufocantes
São gravadas em minha mente
E eu não posso fugir do inimigo interior

11 comentários:

  1. amigo voce é dez é top.. somos igualzinho.. como pode isso!!!!!!

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    1. Obrigado, acho que é esse mundo que faz com que as pessoas fiquem desse jeito. Ou então é uma sensibilidade maior que temos e não sabemos lidar com isso. Eu coloquei agora neste post uma letra que tem tudo a haver com o momento que estou passando.

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  2. Meu problema é a depressão e a ansiedade. Estou em um estado de quase loucura. Começo a pensar em suicídio por achar que não tem qualquer sentido na vida (e não por me sentir infeliz ou um peso, simplesmente por achar que não há sentido). Estou na casa dos 20, e começo a pensar que estou em idade avançada, que logo terei 40 anos e estarei um caco (e acho gente dessa idade nova, ainda), que eu não fiz nada da vida... não tenho vontade de fazer nada, tenho crises no meio das aulas (estou, no momento, fazendo faculdade e estudando para concurso), não consigo acabar as coisas por pensar na idade de todas as pessoas, na vida delas, eu olho para alguem e começo a traçar a sua vida, eu começo a filosofar sobre tudo, sobre a respiração, os movimentos das pessoas.... estou enlouquecendo!!! e isso sufoca! não sei se voltarei a ser feliz - e achar que posso ser feliz me faz ter uma culpa imensa, porque eu não deveria ser feliz, isso é errado - , não sei se serei normal, se assistirei a tv sem refletir sobre tudo, sobre a vida, a existencia e o alinhamento dos planetas :(! antes eu tinha vontade de passar no concurso, trabalhar, me imaginava fazendo aquilo e realizada. Agora so penso "vc esta velho, esta velho, esta velho"e minha cabeça me sabotando o dia inteiro.
    eu entendo as suas angustias. quando a cabeça não está bem, não há vida.

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    1. Eu entendo o que você está passando, quando tinha uns vinte anos também passava em minha mente pensamentos em relação a idade, até quando eu iria ter paciência de ficar neste mundo. O tempo foi passando e quase fui desta para outra( deve ser melhor do que isso, ou então igual, pior acho que não tem jeito) Então o tempo foi passando, não fui dessa para outra e estou ainda lutando por algo que nem sei o que é. Não desista também.

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  3. Olá Julio,

    Parabéns pelo belo relato do último caminho....realmente igual ao povo mineiro é difícil, principalmente do interior.....
    Coloque na sua agenda o caminho dos anjos em minas gerais....entre Passa quatro x itamonte x alagoa x aiurouca x caxambu x são lourenço..... LINDO AQUILO LÁ!!!
    aBS..
    Marioluc

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    1. Olá vou dar uma pesquisada neste caminho, o sul de Minas é realmente muito bom de se caminhar, lindas paisagens e ar puro. E ai, deu para fazer o último caminho da estrada real?

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  4. Olá Julio,

    Sim, já fizemos o caminho novo....apesar que na parte do rio de janeiro, fizemos de busão....estrada asfaltada, sem acostamento e com mato alto....os motorista de ônibus naquela região correm muito.......segurança em primeiro lugar.....
    abs

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    1. Parabéns por ter terminado os 1800km da estrada real. Para mim ainda faltam 1000km que pretendo fazer este ano ainda. Realmente andar na br sem acostamento é complicado, além de ser estressante . Os motoristas andam rápido demais, talvez por conhecerem bem o trajeto, às vezes desrespeitando os veículos menores e os pedestres.

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  5. Olá! Li no seu blog que gosta de frequentar parques. Eu não conheço, mas sei que perto da Moóca tem o Parque da Aclimação e o Parque da Independência, no Ipiranga. Além do Parque Piqueri, no Tatuapé.

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  6. Acredito que vc já saiba, mas não custa repetir.
    Tudo indica que essas vozes sejam a sonorização dos nossos próprios pensamentos...
    Não é o que pensam de nós; é o que nós pensamos de nós mesmos...
    Muitas pessoas, principalmente as mais introspectivas, convivem com elas naturalmente...
    Elas só serão patológicas na medida que nos fizerem mal; e isso se dará quando nossa interpretação para elas se der fora de nós mesmos, normalmente achando que vêm de outras pessoas ou de seres imaginários...
    Daí a importância do conhecimento e de termos pessoas e igos em quem confiar, pois nesses momentos de surto, principalmente no início deles, essas pessoas podem nos trazer de volta à realidade...
    Grande abraço pra vc.

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    1. Obrigado pela participação, sim, acredito que em alguns casos as vozes são como um eco de nossos pensamentos. No início é muito difícil de entender isso, pois elas são muito reais. Só com informação e um bom atendimento na área da psiquiatria é que podemos ter uma boa melhora. Infelizmente no Brasil isso não ocorre e ficamos a mercê dessa patologia.

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