quarta-feira, 12 de março de 2014

Clorpromazina:A minha relação com a "Clô"

Depoimento de um paciente sobre o uso da clorpromazina

    Há pouco mais de um mês resolvi dar um tempo em minhas andanças. Como a maioria sabe, estou no Arsenal da Esperança, aqui em Sampa. É um excelente abrigo, falarei dele em uma próxima oportunidade. 
     Apesar disso, ainda não me adaptei completamente à agitada cidade de São Paulo. O problema está em mim, tenho plena consciência disso. Mas, como já disse anteriormente, ter consciência ajuda, mas não resolve a questão.
    É um tanto o quanto difícil de se encontrar um lugar tranquilo e sem movimento para dar uma descansada e relaxada por aqui.  Até os poucos bem-te-vis e sabiás que avistei não cantam. Parecem estar sentindo falta da natureza, se sentindo estranho em um lugar que não é deles. Algo semelhante acontece comigo. 
    Carros, motos e ônibus numa correria desenfreada para chegarem aos seus destinos, não respeitando sinais, faixas de pedestres e outras regras de trânsito e, por que não, de educação e civilidade. 
    Com os pedestres não podia ser diferente. Nas ruas, nas estações de metrô é um salve-se quem puder. Fora o medo de ser assaltado, apesar de não ter nada e andar sempre com pouca grana no bolso. Andar com essas roupas que estou usando atualmente tem suas vantagens. Acho que, se a coisa continuar assim, os ricos irão se fantasiar de pobre só para não virarem alvo dos larápios. 
    Não estou acostumado com essa agitação toda e o resultado é que andei um pouco estressado aqui na terra da garoa. Até xinguei alguns motoristas que não têm o costume de darem a seta na hora de dobrar uma esquina. 
    Senti que poderia surtar a qualquer momento e resolvi apelar então para a cloprormazina, que levo comigo na mochila e a uso nessas situações de emergência. Se continuasse por mais um tempo nessa situação, o risco de um surto seria muito grande. Muitos portadores, não sei se por experiência própria ou por conhecerem bem a si mesmos, conseguem ter esse "insigth" e percebem quando estão prestes a surtar.
    Meu relacionamento com a "clo" começou no ano de 2003, após várias tentativas frustadas com outros medicamentos. Rigidez muscular, sonolência, aumento de apetite e consequentemente de peso são os principais reações adversas que tive. Me senti bem usando a cloprormazina,  mas a falta do diazepan falou mais alto e tive que voltar ao psiquiatra. 
    Na cidade onde me consultava, o atendimento era muito precário pelo SUS. Um único psiquiatra para uma população de 70 mil habitantes! Tá ruim? Para piorar ele só atendia uma hora por dia! Tá ruim? Ele sempre tinha o costume de chegar atrasado...
    Como disse, a cloprormazina me fez bem, mas estava sentindo a falta do diazepan que o psiquiatra havia cortado na última consulta. Ele então voltou com o pan nosso de cada dia, mas cortou a cloprormazina. Não quis me ouvir e então fiquei sem tomar os dois medicamentos juntos, que poderia ser uma boa naquela época, já que a "clo" quase não possui efeito sedativo. É de se estranhar que um profissional tire assim de uma hora para outra o diazepan de um psicótico, não precisa ser um médico para saber que esse medicamento causa dependência, tanto física como psiquica. Mas por que não os dois juntos? Essa era a pergunta que queria fazer, isso poderia ter mudado muita coisa, já que naquela época os surtos eram bem complicados para mim. Mas a consulta durava apenas cinco minutos e não dava para dizer nada, só para ouvir. O cara não tinha muita paciência, chegando a dizer que eu estava fingindo "estar esquizofrênico", talvez para conseguir algum benefício. Só gostaria de saber se esse psiquiatra teria condições de passar tudo o que passei e ainda passo por causa desse transtorno.
    O pior de tudo é que esse psiquiatra não havia me receitado o fenergan, que é usado para evitar possíveis alergias à cloprormazina. E eu tive. Os meus braços ficaram com muitas manchas vermelhas. Para piorar tudo, na cidade corria um boato de que eu estava com aids. E, segundo os moradores desta ilustre cidade, a alergia seria uma dos sintomas de que a pessoa está com HIV. Eu estava saindo e voltando dos surtos, estava triste e abatido, e isso parecia refletir na minha saúde, parecia que meu sistema imunológico estava fraco, estava tendo diarréias e havia emagrecido. Esse boato foi quase fatal para mim, pois, de tanto ouví-lo, comecei realmente a acreditar que estava com aids, pensando em me matar assim que os primeiros e verdadeiros sintomas aparecessem. A mania de perseguição estava tão severa que não acreditava nos testes de HIV que havia feito e que sempre deram negativo. Estava convicto de que até os laboratórios estavam contra mim, falsificando os resultados para que eu não pudesse retirar os medicamentos e assim me tratar.

    Essa foi a minha experiência com a cloprormazina. Ano passado cheguei a tomá-la por alguns dias, durante o carnaval, pois estava bastatnte estressado por conviver com os crackudos na cidade de Ipatinga. Apesar de ser um medicamento antigo, me sinto bem com ela. Consegue sossegar a minha mente sem me dopar. O fenergan é que dá muito sono, então tomo só a metade. Ainda há controvérsias sobre qual linha de medicamentos é mais eficaz: se os da primeira geração ou os da segunda, pelo que pesquisei. O certo é que os de segundo têm menos efeitos colaterais.
     A terceira experiência com a "clo" foi há poucos dias. Como já disse, São Paulo é uma cidade estressante. Estou evitando ao máximo ir ao centro da cidade, e estou ficando a maior parte do tempo na biblioteca do parque da mooca. Mas somente isso não foi o suficiente e tive que usar o medicamento por uns cinco dias consecutivos. Mas, tendo que acordar às seis da manhã,  fiquei mal pra caramba. Era sair do abrigo e tirar um cochilo na calçada mesmo. O desânimo chegou a tirar a minha fome. Fiquei andando como um robô, por causa da rigidez muscular. Ainda tive um violento torcicolo. Não acreditei quando lia a bula na internet e pude constatar que o medicamento era o responsável pelas terríveis dores nas costas e na nuca.
    Creio que a maioria já sabe que grande parte dos antipsicóticos age bloqueando a captação da dopamina que, segundo pesquisas, pode ser uma das prováveis causas da esquizofrenia. É uma substância necessária, mas na quantidade certa. O problema é que, se os medicamentos bloquearem demais a dopamina, teremos a insuficiência dessa substância, o que pode acarretar sintomas parecidos com o mal de parkinson, como a rigidez muscular e as tremedeiras. E eu não quero ficar com mal de parksison  né?
    Não estava dando para continuar com a "clo". Fiquei bastante abatido e todo dia era aquele martírio acordar cedo. Resolvi interromper a medicação e me conscientizar que neste caso específico os fatores ambientais são os maiores responsáveis pelo meu estresse e um possível princípio de um surto psicótico. Algumas vozes comentaristas até chegaram a dar suas caras, não adiantando andar com o fone de ouvido com o som do celular no  máximo.
    Depois de uma auto análise, resolvi adotar algumas práticas para evitar o stress. Procurei andar em vias menos movimentadas, evitando o centro da cidade e estou passando o dia praticamente na biblioteca. Ficar em São Paulo é um sacrifício, mas não estou dizendo que a cidade não presta. É o meu jeito de ser e também a esquizofrenia. Mas estou convicto do que estou fazendo. Tenho que economizar uma grana e voltar a morar em um quarto na minha querida BH. Esses meses que ficarei em Sampa vai dar para realizar parte do meu sonho de consumo, que é comprar uma tv lcd e um notebook. Não adianta alugar um quarto e ficar lá o dia inteiro trancado, sem ter nada o que fazer. É um longo caminho, mas sei que vou vencer mais essa. No final de tudo irei dar boas risadas de tudo o que passei nestes últimos meses. 

8 comentários:

  1. Estou em uma fase dificílima da minha vida (espero que a pior, porque, se tiver pior que isso, será difícil). A vida toda sofri bullyng e preconceito, o que resultou em autoestima nula e depressão. Mas, sempre me afundei nos estudos, com a convicção de que, passada a faculdade, resolveria a vida. Agora estou estudando para concursos, minha vida anda uma droga, dependo dos meus pais, mudei de cidade, e comecei a surtar. Pensamentos compulsivos, crise de ansiedade, de pânico, pensamento suicida (tenho desde os 12 anos, mas nunca tão fortes), depressão severa... comecei a tomar o citalopran, mas, como tenho muita reação, só posso tomar meio (e fico mal a manhã toda por isso!). Não quero dizaepan para não ficar dependente (e, creio, teria sintomas piores). Tomei um comprimido inteiro e deu reações de ansiedade absurdas, de ficar andando em círculos por uma hora, dormir mal, ter crise de ansiedade severa. Tive todas as reações da bula, e continuo com elas, perdi peso e estou com muita náusea, diarreia, e para completar, bem de manhã, quando tenho que desempenhar minhas atividades.
    Consigo te compreender melhor com essa minha nova situação, e todo mundo que tem problemas mentais. É horrível, nossa mente nos sabota, nos faz achar que esses pensamentos são a verdade. Todos os dias tenho crises de ansiedade e por vezes voltam pensamentos compulsivos, tenho algumas ideias loucas (p. ex. ter compaixão por personagens de desenhos e de jogos, pensando que eles são seres sofridos que vivem enclausurados) e manias de pensar no futuro e que vou morrer logo, ficar calculando com quantos anos quero morrer, e como, e como vou deixar a minha família. Enfim, o jeito é aprender a conviver com isso :/. Espero que o citalopran passe a fazer efeitos, diz que em 6 meses é para deixar bem, apesar de que, com o pouco uso, já senti diferença (melhor concentração e controle dos TOCs). O problema é que é uma faca de dois gumes: perco peso, não tenho fome, mas consigo passar meio dia bem...

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    1. Olá, primeiramente obrigado por visitar o blog. É como você disse, os medicamentos até que conseguem dar uma organizada em nossas cabeças, mas temos que pagar um alto preço, que, como você disse no comentário. Um deles é perder a parte da manhã toda, se tomarmos a dose indicada pelos psiquiatras. Eu entendo um pouco o que sente em relação a quanto tempo irá viver, tinha muito isso por volta dos 20 anos, pensava que não passaria dos 30. Os meus surtos foram com 32 anos e quase que realmente não passava dessa idade, por que passei por situações complicadas. Mas não desista não, com o tempo você irá se adaptar ao medicamento.

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  2. eusou esquizo cara vem pra brasilia e mora no plano piltoo mais especificamente asa sul aqui cara eh tranquilo demais!!

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    1. Tranquilo até pode ser, mas creio que não deva ser muito barato não né? Infelizmente não tenho essa opção de poder ficar escolhendo muito.

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  3. Esse medicamento é o amplectil? Já tomei. No meu caso, foi um medicamento muito eficaz no tratamento das alucinações e que tira também o pânico. Quando tomei, tive uma vida mais normal possível: trabalhei numa loja, fiz faculdade, dei aula num curso. Mas os efeitos colaterais são horríveis: tira toda emoção (eu não ria e nem chorava); dava muita sonolência pela manhã; e não tinha nada de libido (hoje tomo 1/4 de haldol e tenho um pouco mais de libido do que quando tomei outros medicamentos).

    Eu parei com esse medicamento pq ele foi trocado pelo psquiatra quando surtei pela segunda vez (passei a tomar o rispiridona). Eu acredito que surtei pela segunda vez pq diminuí a dose de amplectil quando não deveria ter diminuído. Eu estava muito deprimido na época e tenso... isso é um gatilho pra desencadear uma crise. E eu, como não me conhecia direito, acabei diminuindo a dose numa hora errada. Talvez eu não teria a terceira crise se continuasse tomando o amplectil de forma correta (pois ele é eficaz) e não teria tido a terceira crise. O rispiridona me ajudou na segunda crise, mas logo passou a não fazer efeitos. O rispiridona é muito ineficaz ao meu ver: eu parecia que teria uma crise a qualquer momento, além de tirar totalmente a libido. Passei com o tempo a tomar o haldol por conta própria (pedi à minha mãe que se trata com ele) e larguei o rispiridona. Comuniquei ao médico que tava me sentindo melhor com o haldol e ele me receitou...

    Enfim, acho q haldol e amplectil são os melhores medicamentos. O amplectil é ainda mais eficaz, mas tira as emoções e tira bem mais a libido que o haldol. Eu tive 3 crises na vida. Graças a Deus, não tenho mais crises há dez anos. E também passei a me entender melhor.

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    1. Olá
      Sim, apmplicitil e cloprormazina são o mesmo medicamento.
      Como relatei me senti bem, mas com o tempo vieram os efeitos colaterais.
      Você toma o haldol injetável? Acredito que seria melhor, pois, como você se adaptou com ele, iria fazer menos mal ao seu estômago se tomar injetável.
      Esses que você citou são medicamentos mais antigos, mas, cada caso é um caso. alguns também não se dão bem com os mais modernos antipsicóticos.
      Obrigado pela visita ao blog.

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    2. Corrigindo: "... talvez eu não teria a SEGUNDA crise se continuasse tomando o amplectil de forma correta".

      Nunca tomei injetável. Acho q prefiro comprido. Kkk tenho pavor de injeção.

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    3. Mas até que é uma boa a injeção se a pessoa está adaptada ao medicamento, pois evita problemas no estômago.

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