quarta-feira, 27 de agosto de 2014

Haldol

Haldol faz mal? Meu depoimento no uso desse antipsicótico

Haldol
     Hoje irei falar sobre a minha experiência com um dos antipsicóticos mais polêmicos usados no controle da esquizofrenia(aliás, todo antipsicótico gera polêmicas, não existindo uma unanimidade).
    Trata-se do haloperidol, mais popularmente conhecido com haldol. Afinal, ele é bom ou ruim? Faz tanto mal assim? Não sou fã do control v + control c, mas ai vai um pouquinho da história desse medicamento:

    "Foi desenvolvido em 1957 pela companhia belga Janssen Farmacêutica e submetido ao primeiro teste clínico na Bélgica no mesmo ano.3 Foi aprovado para uso pelo Food and Drug Administration em 12 de abril de 1967. O haloperidol tem como mecanismo de ação o bloqueio seletivo do sistema nervoso central, atingindo por competição os receptores dopaminérgicos pós-sinápticos. É, portanto, um bloqueador do receptor D2 da dopamina.4 O aumento da troca de dopaminas no cérebro produz o efeito antipsicótico. O pró-fármaco decanoato de haloperidol, libera lentamente o haloperidol de seu veículo. Em consequência do bloqueio dos receptores de dopamina ocorrem efeitos motores extrapiramidais no paciente."
-Fonte: wikipedia.
-obs: como sempre, a ação do medicamento é o tal do bloqueio da dopamina. Se pegarmos os medicamentos atuais, a história é a mesma... Será que estamos no caminho certo?

    Bem, ele me foi apresentado no ano de 2003, depois de haver tentado por um tempo o melleril, que me deu uma reação adversa bem estranha: na hora do orgasmo sentia prazer normalmente, mas não saia nenhum líquido seminal, a não ser o transparente, que é produzindo naturalmente pelo homem e serve como lubrificante. Com receio de que me pudesse causar problemas mais sérios no meu "brinquedo", resolvi parar com este medicamento. Como já disse várias vezes, depois desse meu primeiro surto eu estava relativamente bem na parte mental e super disposto fisicamente. Foram quatro meses fora da realidade nas ruas e br's de Belo Horizonte. Precisava mais de orientações e informações do que propriamente de medicamentos. Mas a minha primeira consulta foi frustrante e não demorou não mais do que dez minutos. Sai praticamente diagnosticado e com a receita na mão.
    Provavelmente devo ter tomado uma dose de 25mg de melleril, pois não me sentia muito dopado quando o tomava. No primeiro dia tomei um comprimido logo na parte da tarde, assim que saí do consultório. Tinha em mente a esperança que aquela pílula fosse mágica e faria desaparecer todos os meus problemas de origem mental.
    Estava me sentindo muito bem, ser ajudado por tantas pessoas foi o verdadeiro e melhor remédio para sumir com os inimigos que estavam em minha mente. Fui tanto ajudado que cheguei a pensar que o meu caso tivesse sido divulgado na tv ou no rádio. Engordei vinte quilos em um mês. Até que me senti um pouco melhor tomando o melleril, mas creio que o efeito foi psicológico, era como se estivesse tomando placebo. Mas, orientação e informação não tive nenhuma naquela época.
    Então, com medo de que o melleril prejudicasse o meu "brinquedinho", resolvi partir para o haldol, que me foi indicado pelo psiquiatra.  Me lembro que, nos primeiros dias, sentia uma enorme necessidade de ficar andando sem parar. Como estava morando nas ruas, aquilo até certo ponto foi positivo, pois tinha que me deslocar bastante para tomar café, almoçar, tomar banho e achar um lugar tranquilo para dormir. Com o tempo fui descobrindo os "points" ou bocas de rango do pessoal de rua. Belo Horizonte tem muitos lugares para acolher as pessoas que precisam de ajuda, e, claro que neste meio entram algumas pessoas que se acomodam com a situação e nem pensam em procurar um trabalho.
a acatisia atrapalha o sono, deixando nossas pernas inquietas

    Certa noite, na hora de dormir, senti vontade de fazer flexões de braço. Pensava que a minha saúde estava melhorando e que estava ficando forte. Mas, com o tempo a sensação nos músculos foi se tornando bem desagradável, me deixando bastante agoniado. Confesso que dava vontade de chorar. Ora sentia vontade de andar,e, logo depois sentia necessidade de me deitar um pouco. E ficava assim o dia inteiro.
      Quando a sensação atingiu limites insuportáveis, resolvi ir até o hospital Raul Soares:
    -"Tô sentindo um negócio esquisito nos músculos"... disse, mostrando os braços.
    - Você está com vontade de andar sem parar? - me perguntou o psiquiatra.
    - Isso! - disse, num misto de surpresa e espanto, por ele ter "adivinhado" o que eu estava sentindo.
    Ele foi bem mais atencioso do que o médico com quem eu consultava no posto de saúde do parque municipal. Me explicou que eu estava com uma reação adversa chamada acatisia.
     A partir daí comecei a ler as bulas dos medicamentos, que hoje em dia estão mais acessíveis e fáceis de se ler. Lia antes algumas bulas, acho que por ser um pouco hipocondríaco. Incrível como a esquizofrenia traz alguns sintomas de outras patologias. Realmente existe uma tal de síndrome das pernas inquietas. Vivo em meu mundo, e, depois de estudar um pouco o autismo, fiquei com a sensação de que tenho essa patologia também.
    Então, como estava me sentindo bem, resolvi voltar a trabalhar, mesmo ainda não tendo descoberto um medicamento que me fizesse bem sem me causar reações adversas. Voltei para a cidade onde tive o meu primeiro surto psicótico. Experimentei outros medicamentos por lá, mas todos sem sucesso, pois eu tinha que trabalhar, acordar cedo e, nos finais de semana tinha que trabalhar até o sol raiar.
    Certa vez, em uma terapia, a psicóloga conseguiu me convencer que o haldol injetável era melhor do que em drágeas. Como já disse, sou hipocondríaco e gosto de tomar vacinas e injeções, ficando até chateado quando não ganho a vacina contra a gripe. Não fiz objeções e enfermeira então me aplicou o haldol e fui para casa. Não demorou muito e a inquietude começou a me atacar. Era cinco minutos andando sem parar intercalados com cinco minutos de descanso na cama. Chegava a ser desesperador, e não tinha ninguém para conversar sobre aquela coisa estranha que estava sentindo. Não tinha a mínima noção do que fazer, e o atendimento na unidade de saúde era péssimo e a consulta não demorava mais do que cinco minutos. A única coisa que sabia era que o efeito durava um mês.
    Esses dias, além de terríveis, pareciam intermináveis. Não conseguia trabalhar de noite como operador de som. Tinha muito sono e dormia na tampa  da mesa de som, durante o show. Antes, até sem tomar os medicamentos eu chegava a tirar uma soneca, para estar mais disposto na hora de desmontar o som, depois do evento.
    O que eu penso é que os medicamentos modernos tem os mesmos efeitos do que os antigos. É o lance da captação da dopamina, como sempre. Leia a bula de um medicamento dos anos 50 e um moderno. A diferença é que os modernos são bem mais tolerados e tem menos reações adversas. Me pergunto se um dia será criado um medicamento que só atue na parte mental sem influenciar no rendimento físico. No dia que isso acontecer, ai sim será uma grande evolução. Os medicamentos atuais são apenas uma lobotomia química. A diferença da lobotomia antiga é que, se pararmos de tomar os medicamentos, dá para voltar ao que éramos antes.
      Mas, voltando ao assunto, foi um alívio e tanto depois que esses trinta dias se passaram. A psicóloga me disse que havia se esquecido de passar o biperideno para mim. Esse medicamento serve para diminuir os efeitos colaterais do haldol. Ela também me disse que a esposa do dono da firma havia telefonado para o centro de saúde mental, para saber o que estava acontecendo comigo. Só sei que, a partir desse dia, haldol nunca mais!
    Agora, me pergunto, como um psicóloga pode esquecer o biperideno? Se o haldol já é ruim com ele, imaginem sem? Uma psicóloga pode receitar ou indicar injeções? Eu não estava em crise e nunca fui agressivo, então por que aquele tipo de experiência? Ainda mais uma que dura trinta dias...
    Outra coisa que não consigo entender é o motivo dos profissionais da área de saúde mental aplicarem medicamentos injetáveis pela primeira vez em um paciente. Se o efeito dura um mês, não seria mais prudente começar com comprimidos para se certificar se não haverá reações adversas?
   Creio que o medicamento injetável possa ser uma boa se a pessoa já estiver adaptada aos componentes do mesmo. Acho que o estômago e o fígado irão agradecer... Agora, experiências em que o efeito dure trinta dias não sei se é uma boa não... Mas, acho que eles não ligam muito para isso, quem sofre é o paciente mesmo. E haja paciência para ficar um mês impregnado com o haldol, por exemplo.
   Já disse que as minhas experiências com as psicólogas não foram muito frutíferas, para falar a verdade não me ajudaram em nada. Não sou contra a terapia, tem gente que se beneficia com ela. Sou contra os maus profissionais que existem em todas as áreas, e na saúde mental não é diferente.
   Creio que a informação e o esclarecimento são de fundamental importância no combate à esquizofrenia. Os técnicos de futebol estudam os adversários para vencê-los. Nós, os portadores e esquizofrenia temos que fazer a mesma coisa em relação à patologia da mente dividida. Se os profissionais, não sei por qual motivo, não querem nos orientar e informar, então façamos isso por conta própria. A internet pode ser usada tanto para o bem como para o mal, tudo depende de nós mesmos.
os antipsicóticos atrasam a ejaculação ou...
     Já ouvi um psiquiatra dizer que os antipsicóticos atrasam a ejaculação. Não é bem isso, tira a líbido mesmo. Alguns mais, outros menos, tudo dependendo da dose também. Se só atrasassem a ejaculação, então por que não usam esses medicamentos para a ejaculação precoce? Já que são "ótimos" e quase sem efeitos colaterais?
    Não estou aconselhando ninguém a parar com os medicamentos. Recebo algumas críticas por falar mal desses remédios. Mas, no meu caso, nem com viagra e com todas as garrafadas do nordeste o "briquedo" funciona. Se eu tomar, as paranoias e outros pensamentos somem, mas, juntamente com eles somem um monte de coisas, inclusive a vontade de viver.
   Usar ou não os medicamentos ou diminuir a dose ou até então tentar outra alternativa, vai de acordo com cada um, de suas condições financeiras, etc. Mas todos devem se conhecer bem o bastante e avaliar os prós e os contras de suas decisões.
    Para finalizar, não condeno totalmente o haldol, conheço algumas pessoas que se deram bem com ele. Acho que 90% das pessoas que eu perguntei disseram que não gostam do medicamento, mas cada organismo reage de uma maneira diferente aos componentes da fórmula. O negócio é tentar, tentar e tentar. Mas que é haldol é quase uma unanimidade negativa, isso é...


sábado, 23 de agosto de 2014

Minha vida é um video game?

   
Como disse no post anterior, o esquizo aqui não aguentou a correria e o stress da megalópole paulista. Minha mania de perseguição havia atingido índices perigosos. Não importando o lugar onde estivesse, sentia-me observado, e que queriam me prejudicar.
    No albergue, durante as refeições, chegava a ficar olhando os pedaços de carne que eram servidos às pessoas que estavam na minha frente. Quando ganhava um pedaço menor do que a galera, logo pensava que o pessoal da cozinha estava fazendo um complô contra a minha pessoa:
    - "Deem o menor pedaço para o mineiro"- era a ordem que eu pensava que fosse dita aos funcionários.
    O negócio é complicado, chegava até a observar se estavam colocando algo em minha comida...
    No centro então, a situação ficava crítica. chegando a quase entrar em pânico certa vez. Andar de metrô, nem pensar. O jeito foi mesmo me retirar em parques e bibliotecas públicas, depois que quase fui assaltado. Mas até mesmo na solidão dos parques me sentia vigiado. E até tinha um pouco de razão nisso, pois os guardas municipais fazem o seu trabalho. Apesar de não usar drogas e ser um correto cidadão, a presença da polícia me incomoda um pouco, ao mesmo tempo que me dá uma certa sensação de segurança. Quando morava em Ipatinga, perto da crackolândia, depois que essa droga tomou conta do lugar, me sentia duplamente perseguido: ora imaginava que os traficantes pensassem que eu era quem os denunciava, pelo fato de não usar drogas. Por outro lado, tinha a quase certeza de que a polícia tinha a certeza absoluta que eu era um traficante. Ou seja, estava, em minha imaginação, cercado pelos dois lados.
    Na biblioteca lia alguns livros no notebook e, às vezes jogava calheiros do zodíaco. Apesar de permanecer em silêncio e me comportar adequadamente, pensava que os funcionários não gostavam muito de minha presença.
    Na hora de dormir, não me sentia à vontade. Os beliches do segundo albergue que fiquei são bem próximos uns dos outros. E parecia que estava na ala dos roncadores. Eram roncos dos mais variados estilos e tons. Parecia uma sinfonia, e, para piorar, são os roncadores é que conseguem geralmente pegar no sono primeiro. .
    Outra coisa que me incomodava bastante na megalópole é que os preços também são megas. Sentia-me assaltado toda vez que comprava algo e sempre me lembrava das padarias e sacolões de Belo Horizonte.
    Enfim, não conseguia ficar sozinho um minuto sequer, e isso é quase uma necessidade para mim. E um dia o caldo entornou, quando o metrô apresentou um pequeno defeito e ficou parado por cerca de cinco minutos. Ao sair da estação, não aguentei: falei alguns palavrões e rasguei um cartaz que estava no mural.
    O segundo albergue que fiquei em São Paulo é bem simples, e deve abrigar umas duzentas pessoas, entre homens, mulheres e crianças. No arsenal da esperança, as coisas eram diferentes. Por ser muito grande, era como também se estivéssemos em uma grande cidade. Quase não conversava com os outros usuários e a relação com os funcionários era profissional mesmo, parece que eram recomendados a não terem muita intimidade com a galera. Já no segundo albergue, pelo fato de ser menor, havia bastante diálogo entre os funcionários e os usuários. Chegava a conversar com poucas pessoas. Não me considero nem melhor nem pior do que os outros abrigados, mas não faço muita questão de conversar com pessoas que adotam o funk como estilo de música predileto.
    Então, depois do stress no metrô vi que era hora de voltar para Belo Horizonte. Poderia pirar a qualquer momento se continuasse naquela situação. O dia da despedida foi difícil, como sempre. Aliás, não me despedi de ninguém, não gosto muito, acho muito triste dar adeus para as pessoas. Notei que algumas pessoas ficaram tristes ao me ver com a mochila nas costas.
    Me surpreendi quando percebi que alguns usuários pediram para permanecer um pouco mais de tempo na casa. Alguns funcionários perguntaram:
    - Mas já vai?
    É que o meu prazo na casa ainda não havia se encerrado, e ainda poderia permanecer por mais dois meses. Tinha caras que estavam lá há mais de um ano. Em minha paranoica mente, todo mundo detestava o esquizo caladão e sério. Mas, analisando os fatos, eu fui um bom albergado, me comportando exemplarmente. Não tive sérios atritos, só pequenos perrengues mesmo. O ato de conviver com as pessoas é muito difícil para mim, mas consegui levar numa boa esse tempo todo que fiquei morando com várias pessoas em um mesmo local. Tive alguns perrengues com alguns corinthianos, que são muito fanáticos e não toleram zoação, que, para mim é o que resta fazer desse atual e pobre futebol brasileiro.
    Foi uma decisão difícil essa de voltar para Belo Horizonte. Em São Paulo deve ter uns vinte albergues. Já na capital mineira, apenas dois. Um é o tia Branca, que deve abrigar umas quinhentas pessoas. Mas lá o negócio costuma ficar tenso durante a noite, ocorrendo algumas brigas. Tem um outro abrigo menor, que é relativamente tranquilo, mas não tinha certeza se seria acolhido novamente, pois estive no ano passado por lá. Caso não fosse aceito,  teria que voltar a morar na minha barraca e carregar a mochila nas costas todos os dias, até conseguir a grana para concluir o meu projeto.
    Depois de alguns dias refletindo, cheguei a conclusão de que não dava mesmo para continuar em Sampa. Mas não é uma crítica à cidade, apenas ela não tem as características mas adequadas à minha pessoa. Não é para mim toda aquela agitação, e creio que tive a tal da síndrome do estrangeiro. Não precisa estar em um outro país para ter esta síndrome. A pessoa pode não se sentir bem em casa, na escola, no trabalho, etc. Sou grato à esta cidade, pois foi nela que consegui finalmente quitar os meus empréstimos e concluir a primeira parte do projeto, que é comprar um notebook.
A viagem
    Comprei a passagem de volta para o horário das 22:45hs, assim estaria em "Beuzonte" por volta das sete da manhã. Cheguei na rodoviária por volta das cinco da tarde! Preguei alguns panfletos do blog em torno do terminal tietê e entrei. Tentei dormir um pouco, mas, nos auto falantes o cara não parava de dar avisos sobre horários e também alertava as pessoas a tomarem cuidado com os seus pertences. O pior é que ele repetia tudo em espanhol e depois em inglês. O jeito foi dar algumas voltas, pois o terminal é bem grande. Consegui encontrar uma deliciosa canjica geladinha, que me fez sentir em Minas Gerais. O preço é que me remetia de volta para São Paulo: cinco reais um copinho!
    A viagem não foi tranquila. Havia uns dez nordestinos que não paravam de falar e contar piadas. Não tenho nada contra os nordestinos, muito pelo contrário, mas, depois das dez horas da noite, o silêncio é bem vindo, ainda mais em uma cansativa viagem. No ônibus também vieram dois caras que falavam francês, deviam ser haitianos que estavam no Acre.
    Na chegada, a primeira coisa que fiz foi comprar um pão de queijo e o tradicional cafezinho. Além de estarem deliciosos, o preço era razoável. Já na saída da rodoviária, logo senti a diferença da qualidade do ar. Respirei profundamente por diversas vezes. Foi uma sensação muito boa, fazendo com que eu me perguntasse se a qualidade do ar não chega a interferir no raciocínio das pessoas, pois me senti bem mais tranquilo e disposto. Em São Paulo o clima estava quase desértico, e a umidade do ar na capital mineira naquele dia estava girando em torno dos 60%.
    Era como se estivesse voltando de uma grande batalha. E a tinha vencido! Consegui ficar oito meses na agitada São Paulo, sem maiores problemas. A sensação é que minha vida é um jogo de video game. Tenho que passar por fases e ganhar créditos para alcançar o meu objetivo. É preciso muita paciência e uma certa inteligência neste jogo, pois não é nada fácil conviver com muitas pessoas em um albergue, pois cada um chega lá com os seus problemas, e a situação às vezes chega a ficar tensa. Não são raros os roubos de celulares e dinheiro.
    Algumas pessoas podem pensar que eu seja um vagabundo por não trabalhar, mas, se hoje estou aposentado, é por que trabalhei bastante em minha vida e procurei sempre ser uma pessoa correta.
Permanecer em São Paulo por tanto tempo foi difícil, não por causa da cidade em si, e sim por causa das minhas paranoias e medos. Era com se estivesse vencido a mim mesmo. Às vezes o nosso maior adversário é a gente mesmo.

    Mas ainda a luta não acabou. Fui aceito novamente no abrigo, mas não sei por quanto tempo. Ainda não conversei com a assistente social e talvez outras pessoas precisem da vaga. Mas, mesmo que tiver que voltar a morar na barraca não vou desistir de terminar  a segunda parte do projeto: comprar uma tv lcd e um home theather, além de um frigobar. Assim, estarei até em uma situação melhor do que há mais de um ano atrás, quando morava em Ipatinga, pois lá a tv que tinha era de tubo e o home theather não era muito bom.
    Mas, além disso, o que ganhei de aprendizado e vivências nestas andanças não tem preço. Foi tão bom andar por ai pelas estradas de Minas que vou continuar com este projeto. Muitos não entendem o motivo de sair andando pelo mato, só com a barraca e a mochila, mas só quem gosta desse contato com a natureza é que sabe do que estou dizendo. Não tem como achar as palavras para explicar.
    Me sinto em casa na cidade onde nasci. Não sou uma unanimidade, não sou uma simpatia de pessoa. Sei que muitas pessoas não gostam muito do meu jeito de ser, mas isso não me importa, quem tem que gostar ou não sou eu mesmo. Aprendi com a vida que não podemos agradar a todos se formos verdadeiros e originais. Aprendi na prática que não podemos prestar atenção ao que pensam sobre nós.
    É isso ai, estou mais animado. A cada dia conto as horas que faltam para conseguir juntar a  grana, me vejo assistindo uma tv na minha cama, e isso é o que me motiva a não gastar todo o meu dinheiro com comida. Vai ser difícil, mas sei que vou conseguir, não sei o que vem pela frente, mas creio que o mais difícil já passou.

sábado, 16 de agosto de 2014

Metrofobia

 
     Bem amigos, neste post irei dar mais uma sugestão de "doença" para os renomados "psiquiatras" americanos para incluírem no próximo DSM.
    É a metrofobia, que, como o próprio nome diz, é o medo "infundamentado" ou sem motivos aparentes de se usar este meio de transporte público.
    Eu adquiri mais essa fobia em São Paulo. Na primeira vez que usei o metrô na capital paulista, já fiquei um pouco traumatizado. Estava na estação bresser/mooca, e esperei passar o horário de pico matinal.(entre seis e nove horas, pelo menos era o que eu imaginava). Quando resolvi embarcar, a composição ainda estava lotada, e reparei que as pessoas entravam meio que na base do empurrão mesmo.
    Em Belo Horizonte o metrô também fica lotado no horário de pico, mas nada de empurra-empurra. As pessoas entram, e, aos poucos, bem no jeito mineiro de ser, vão se acomodando na lata de sardinha humana
    Quando o metrô parou na estação do brás, fiquei assustado. Estava de costas para a porta e levei um empurrão daqueles quando os usuários entraram. Comecei a ficar estressado, mas nada de mais grave. Descendo na sé, o susto foi bem maior. Parei na plataforma para olhar as placas, a fim de encontrar a saída, e levei mais alguns esbarrões. Era como se fosse o estouro da boiada: centenas de pessoas apressadas para não chegarem atrasadas em seus respectivos empregos. Informação então, nem pensar. Somente com os funcionários da CPTM.

    A partir desse dia já desanimei um pouco de conhecer a cidade e seus atrativos culturais. Passei a ficar retirado em parques e bibliotecas públicas.
    E esse medo não é exclusividade minha. Acabou virando uma paranoia coletiva, por causa dos assaltos e encoxadores de mulheres, além, é claro, da confusão e do empurra-empurra. No Rio de Janeiro creio que existam vagões exclusivos para as mulheres.
    As feministas chegaram a tentar criar um movimento ,convocando todas as paulistas a andarem com alfinetes, para espertar os espertalhões. Uma advogada que utiliza o metrô com frequência carrega em sua bolsa um spray de pimenta.
    Fico um pouco temeroso com essa paranoia toda. Não sou um encoxador de mulheres. Mas, e quando o metrô fica superlotado e a gente fica espremido? E, se, bem em nossa frente está uma linda e sensual mulher? Não sou um aproveitador e não gosto deste tipo de situação, mas eu sou homem e a carne é fraca né?
     Também por esse motivo evito o metrô, principalmente a linha vermelha, que é a que fica mais lotada. Quando uso, caso não consiga ficar sentado, procuro ficar no cantinho, próximo a porta. Fico com receio de que uma mulher chegue a pensar que eu seja um encoxador.
    Ainda tem a paranoia dos assaltos. Outro dia esbarrei a mochila do notebook no traseiro de um cara, que logo passou a mão nos bolsos para conferir se não foi assaltado.
    E essa paranoia coletiva foi se passando aos poucos para a minha já paranoica mente. Deixei de frequentar certos lugares por ser o metrô o meio mais viável de transporte. Até  que um dia "a coisa" estourou.
    Era um domingo(10/08}. Estava na biblioteca do parque da juventude, onde se situava o presídio do carandiru. O ônibus 278A, que me levaria de volta ao Tatuapé, estava demorando muito. Então resolvi arriscar o metrô. A linha azul, até à praça da sé, estava tranquila. Mas o mesmo não podia se dizer da linha vermelha, sentido zona leste. Não estava superlotada como nos dias de semana, mas havia bastante gente em pé. Novamente os esbarrões. Não eram muitos, mas me incomodavam e muito. Para piorar, o metrô ficou por cerca de cinco minutos parado. Ninguém falava nada nos auto falantes da composição, para, ao menos, explicar o motivo de tão longa parada.
    Aquela situação foi começando a me deixar um pouco irritado. Estava sem o "pan nosso de cada dia". Queria que aparecesse um funcionário da CPTM para tirar satisfações, afinal o preço da passagem é um pouco salgado: três reais.
    A irritação virou raiva e me imaginei pixando o metrô com aquelas canetas para retroprojetores. Depois de algum tempo, em minha mente já estava quebrando o vidro das janelas e saia correndo pela linha. Mas eu não sou explosivo, e esses pensamentos são raros, e mais raramente ainda se transformam em realidade. O pico de agressividade minha durante um surto foi tentar quebrar o cabo de uma vassoura em uma pilastra, mas nem consegui, de tão fraco que estava naquele momento. Creio que por esse motivo e por morar sozinho nunca cheguei a ser internado.
    Depois de uns cinco minutos o metrô voltou a funcionar. Não sei se tenho agorafobia,  ou se é em razão da esquizofrenia mesmo, mas aquela situação estava me sufocando. Não me sinto bem em meio de multidões, tanto em lugares fechados como abertos.
    Já na saída da estação, comecei a falar alguns palavrões "ao ar", mas não eram direcionados à uma pessoa em específico. Tenho consciência de que ninguém é culpado pelo fato de eu ter esse transtorno. Mas, ao ver uma mulher segurando a sua bolsa pela alça, pensei que era medo de ser assaltada por mim e fui um pouco áspero com ela. Logo depois peguei um cartaz, que estava em um mural da estação, e o rasguei. Acho que era propaganda de um curso de inglês. É errado isso o que fiz, eu sei. Mas sei também que tinha que extravasar, que ficar guardando esses sentimentos não faz bem para ninguém. Alguns povos, como os gregos, costumam quebrar pratos para espantar os maus espíritos. Rasgar cartazes é mais econômico e menos barulhento...
   - " O caso é grave"...- Acabei chegando à essa conclusão. "Esse não sou eu, não sou de falar palavrões e sair por ai rasgando cartazes". - pensei.
    Já estava na hora de voltar para "Beuzonte" e tentar recuperar um pouco da minha sanidade. Se ficasse mais um tempo em Sampa, poderia pirar de vez. A minha mania de perseguição, associada à um provável quadro de síndrome do estrangeiro estava tornando insustentável a minha permanência na capital paulista.
    Certa vez um pseudo psicólogo chegou a questionar se tenho esquizofrenia, afirmando que uso um personagem. Eu não faço isso, e se fosse um bom ator até para enganar os peritos do INSS, provavelmente estaria trabalhando na TV. Esse cara também disse que é impossível um portador se auto diagnosticar e fazer um blog, por exemplo.
  Bem, começar, eu não me auto diagnostiquei. Apenas resolvi estudar o assunto depois que tive os surtos e fui diagnosticado por um psiquiatra. Então, depois de uma longa e profunda análise de minha vida constatei que o diagnóstico estava correto. Para se fazer isso, não é necessário fazer faculdade, doutorado, mestrado ou sei lá mais o que. É preciso algo que pode ser um pouco mais complicado, que é estudar  e conhecer a si mesmo. Será que esse psicólogo já leu alguma vez em sua vida um pouco de Sócrates?
este livro me ajudou e muito a entender um pouco a loucura
     Se o próprio Simão Bacamarte, na célebre obra O Alienista, chegou à conclusão de que o único mentecapto de Itaguaí era ele próprio, por que eu, apesar de não ser um renomado psiquiatra, não posso chegar à conclusão, depois de muitos estudos, que tenho os meus problemas e que eles foram classificados como F20 pela psiquiatria contemporânea?
    Eu posso estudar e tirar as minhas próprias conclusões. Não sou totalmente contra a psiquiatria, mas não acho que ela seja a dona da verdade. Houve uma época em que alguns alienistas queriam até proibir o casamento entre pessoas que eles considerassem loucos...
    O título do post não é uma simples ironia, pois, hoje em dia, como estão medicalizando os sentimentos, até que seria coerente o termo metrofobia, já que está todo mundo doente, de acordo com o último DSM.
Quem frequenta muito os shoppings é doente, quem não sai da academia de musculação também é. Você que não aguenta ficar sem um cafezinho também pode estar doente, se ultrapassar determinada dose diária. Queriam até classificar quem usa a internet em excesso, mas desta vez os caras usaram o bom senso. Afinal, quem fica em demasia em frente de um PC provavelmente deve ter algum tipo de dificuldade em se relacionar com as pessoas. Não é simples esta questão, mas é bem por ai o caminho.



 Tem dias que a situação fica tensa no metrô, e não é só eu que perde a paciência...




sexta-feira, 8 de agosto de 2014

Meu amigo Note


    Eu o conheci há pouco mais de um mês. Ele estava na vitrine de uma loja na rua Santa Ifigênia, com cara de abandonado, como que pedindo para ser adotado. Não resisti, e, como havia conseguido dar um tempo na comilança desenfreada, estava com uma grana na conta. O testei por quase duas horas seguidas, e fiquei puxando conversa com o dono da loja, para tentar deixá-lo funcionando o maior tempo possível. Passado no teste, levei-o para casa, ou melhor, para o albergue.
    A partir daí, não o larguei mais. Não tinha coragem de deixá-lo sozinho no bagageiro do abrigo, e, então passei a levá-lo aonde que eu fosse. Dormia com ele, amarrando-o na ferragem do beliche. Como tenho o sono leve, não corri o risco de o levarem de madrugada. Acordava com ele, ia ao banheiro com ele, tomava café com ele, fazia os meus exercícios físicos com ele. Quando dava uma corridinha, o colocava no centro do gramado do parque, para não fugir do meu campo de visão, dando umas voltinhas em torno dele. Afinal, estou em Sampa...
    Almoçava com ele, ficava à toa com ele, e tomava banho com ele. Enfim, 24 horas por dia com ele ao meu lado.Cheguei a defendê-lo com unhas e dentes. Queriam tirá-lo de mim, apanhei, mas não o larguei por nada neste mundo. .
    É o meu amigo Note. Ele não  briga comigo, não me manda fazer nada, me apresenta à um número sem fim de amigos virtuais e, se por acaso um deles não for muito legal comigo, posso, com apenas dois cliques, eliminá-lo para sempre de minha vida. Ele toca as músicas que quero(nem sabe o que é funk...), roda os meus filmes preferidos e me faz rir.
    Além de tudo, me mantém informado sobre tudo o que está acontecendo no mundo e me dá dicas de soluções de problemas que acontecem no dia a dia. Ele conhece um tal de "Dr. Google" que sabe de tudo. Certa vez, estava tendo problemas com maribondos que insistiam em fixar residência bem próxima da minha janela. E a construção não parava de crescer a cada dia que se passava. Pegava um pedaço de jornal e ateava fogo na casa, destruindo-a depois por completo. Mas, não sei como, os maribondos insistentes voltavam a construir a residência exatamente no mesmo lugar.
    Não não sabia o que fazer, e então resolvi consultar o tal doutor que entendia de tudo. Ele me informou que os maribondos têm um tal de ferormônio, por isso sempre voltam para o mesmo local, mesmo depois de destruído. O Doutor me aconselhou então a passar um desinfetante no local para tirar o cheiro do ferormônio. Foi tiro e queda, os insetos rodeavam a área, mas, não sentido o odor, acabaram indo embora.
    No mundo em que vivo, cercado de inimigos por todos os lados, não poderia ter melhor companhia. (obs: no momento em que escrevo este post aparece alguns caras do albergue no parque, e um deles chega a olhar para o meu amigo, que está recarregando suas energias. Só este fato me traz à realidade e faz baixar o meu astral. Quando escrevo viajo pelo meu mundo e consigo esquecer de tudo e de todos. Estar perto de pessoas, principalmente as que não conheço não me faz muito bem, tirando a minha inspiração e concentração. Por isso o post se encerra por aqui, pois tenho que defender o meu amigo Note de possíveis larápios...)
    Foram 35 dias, 840 horas ao lado dele, sem  largá-lo um minuto sequer. Acho que é um recorde mundial, deveria estar no Guinnes book como o homem que conseguiu ficar mais tempo ao lado de um note.
    Mas, quando voltar para minha querida Belo Horizonte vou ter que deixá-lo de lado por alguns meses, guardando-o na casa de um outro amigo. Ganho salário mínimo, e, para comprar mais amigos para o meu note, terei que ficar nas ruas para economizar o aluguel.
    Mas vai valer a pena, já passei por situações mais complicadas, tudo é uma questão de tempo e um pequeno sacrifício para não gastar dinheiro com bobagens. Mas vai valer a pena, seremos uma boa família, eu e meu amigo Note.