terça-feira, 25 de fevereiro de 2014

Andanças: um ano

 
    Há cerca de um ano atrás sai do conforto do meu quarto na cidade de Ipatinga e resolvi fazer as minhas andanças pelo Brasil afora, mais precisamente pela região Sudeste.
   Algumas pessoas provavelmente acharam que eu estava fazendo uma maluquice, ao sair por ai andando meio sem destino com uma mochila e uma barraca nas costas.
    Mas não foi uma decisão precipitada, pensei muito antes de tomá-la. Ipatinga é um ótimo lugar para se viver. Fui muito bem recebido nesta cidade e sou muito grato pelo atendimento que recebi, principalmente nos primeiros anos, quando ainda estava surtado e pouco sabia acerca da esquizofrenia. A paciência do pessoal do CAPS foi de fundamental importância na minha parcial recuperação.
   O meu quarto era bom, com piso em cerâmica e bem ventilado. A janela dava para a varanda e assim era possível amenizar um pouco o forte calor que é costumeiro se fazer no vale do aço. Tinha uma tv de 20 polegadas da CCE(de tubo), um bom PC, um home theater e um frigobar. Também tinha uma cama com um colchão novinho que havia comprado há pouco tempo. Também havia reformado o meu quarto, lixando, colocando massa e pintado as paredes, com a tinta que ganhei do Cristiano, um vizinho super gente boa que havia por lá.
   Era bem quisto pela vizinhança. Tinha fama de bom pagador, e, por isso, podia comprar fiado em dois restaurantes, no barzinho da esquina, no depósito de material de construção, no armazém  e na vizinha que vendia chup chup.
    Era uma vida relativamente tranquila, apesar de morar próximo ao novo centro, onde se situa a crackolândia de Ipatinga. Só saia de casa para almoçar e às vezes frequentava o centro de convivência para portadores de sofrimento mental da cidade.
   Não era a vida que pedi a Deus, mas também não podia reclamar. As coisas poderiam ser piores. Se não fosse a ajuda de outras pessoas, talvez estaria por ai morando nas ruas sem nenhuma renda ou então nem estaria vivo, pois passei por situações perigosas nos meus surtos.
    Mas infelizmente o crack vem se tornando um grave problema não só de saúde e de segurança pública, como social também. Essa droga atualmente não é só consumida nas grandes capitais, já está trazendo enormes problemas em muitas cidades do interior de alguns estados brasileiros. E em Ipatinga não está sendo diferente. O crack, apesar de ser uma droga barata, vem sendo consumido por pessoas de outras classes sociais.
Ércio Quaresma, advogado do goleiro Bruno, é filmado usando crack em um fórum de Belo Horizonte

     A situação no local onde morava se tornou insustentável. Sabia que um dia iria perder a paciência com aquele inferno todo e poderia ter um atrito com algum usuário que estivesse perturbando a ordem. Várias noites de sono perdidas, brigas entres os crackudos, chegando ao ponto de um atear fogo no quarto de outro. Esta droga traz para o local onde é consumida tanta confusão que nem os traficantes das comunidades do Rio de Janeiro aguentaram. Eles decretaram o fim da venda do crack, pois os usuários de crack cometiam roubos e assim acabava chamando a atenção da polícia.
http://memoriasdeumesquizofrenico.blogspot.com.br/2012/06/traficantes-decidem-parar-venda-de.html

    O usuário de crack, quando está sentindo a falta da droga, chega a roubar pequenos obejetos, nem o meu chinelo que costumava deixar do lado de fora escapou. Fora a música alta. Quer dizer, um certo "estilo musical" que é chamado de funk. É uma afronta aos verdadeiros músicos que passaram vários anos estudando, chamarem aquilo de música. Na minha opinião, música tem que ter nota musical. Não sou moralista e não sou de ficar dizendo o que é certo ou errado, o que é bom ou ruim. O problema de todo funqueiro é que ele acha que todo mundo tem o mesmo gosto que ele, e por isso ainda não sabe o que é um fone de ouvido.



    Então, por causa dessas questões resolvi fazer as minhas andanças. Era algo que estava latente em mim e, se nunca havia feito isso, foi por falta de coragem mesmo. Sempre gostei de viajar, e na minha profissão isso era uma constante. Depois de aposentado, fiquei muitos anos trancado em meu quarto. Me lembro que, há cerca de uns vinte anos atrás, havia lido uma matéria sobre o caminho do padre Anchieta no Espírito Santo. Li a matéria em uma revista e  me imaginei caminhando pelas praias, a brisa no rosto, conhecendo novos lugares. Mas ficou só na vontade mesmo.
    Creio que as experiências que tive durante e após os meus surtos mudaram e muito a minha maneira de encarar as coisas e me fizeram uma pessoa mais forte. Aprendi muita coisa e tirei boas lições dos momentos difíceis pelos quais passei. Vi então que era a hora e o momento de fazer algo que sempre eu pensei em fazer: as andanças.
    Acredito muito em sonhos, e esse que tive foi fundamental para que eu tomasse a decisão final. Sonhei certa noite que estava andando pelos montes e pelas praias. Foi um sonho muito bom e me via alegre como uma criança, andando de um lado para outro sem parar. Podem olhar a data do post que está no link abaixo.  Ele não foi editado, eu escrevi no dia seguinte após o sonho. Então nem pensei duas vezes em vender as minhas coisinhas.
http://memoriasdeumesquizofrenico.blogspot.com.br/2013/01/sonhos-mensagens-do-alem.html
caminho do padre Anchieta, que é muito bem sinalizado
   Primeiro foi o caminho Passos de Anchieta. Foram 100km pelo litoral do Espírito Santo. Não dá para esquecer a viagem de trem BHxVItória, as praias, as lindas paisagens. a aventura que tive na praia deserta, as dificuldades que passei com o pé machucado e outros perrengues.

estrada real
     Constatei, depois da viagem, que não estava tão mal fisicamente, apesar de vários anos sedentários e da idade: 45 anos. Resolvi então fazer algo mais arriscado: o caminho velho da estrada real, que liga os municípios de Ouro Preto-MG à Paraty-RJ. Foram 710km de muita aventura, situações engraçadas, muita natureza e a hospitalidade impar do povo mineiro. Foram muitas dores, cãimbras e cansaço também, mas tudo valeu muito a pena.
    Cada viagem é uma lição para a nossa vida, pois a vida é um caminho em que podemos escolher o percurso. Ora estamos no alto, ora estamos embaixo, passamos por dificuldades, encontramos pessoas para nos ajudar a superá-las e assim chegar ao nosso objetivo.

o complicado caminho de Sabarabuçu
     Também fiz o dificílimo Caminho de Sabarabuçu, que, apesar de curto,  (100km), foi muito proveitoso e bonito: ar puro, belas cachoeiras e pessoas hospitaleiras. Mas é preciso estar em boas condições para fazê-lo sem muitos problemas.
    E também fiz o caminho Passos dos Jesuítas, pelo litoral paulista. Belas praias e muito sol. Pena que o caminho é feito quase em sua totalidade por BR's e asfalto. Mas, para quem tem condições financeiras de se hospedar em um hotel, recomendo que conheçam o litoral paulista, que é muito bonito.
    É isso ai, não me arrependo de ter vendido as minhas coisas e ter saido por ai. Bens materiais podemos recuperar com o tempo, mas a paz é o mais importante. E continuarei com as minhas andanças, é claro.
    Mas no momento preciso dar um tempo nas viagens, tenho que pagar os meus empréstimos com o INSS e alugar um quarto para mim. Andança é bom, mas cansa. Depois das viagens, é preciso repouso, o que eu não fiz, pois tinha que ficar com a mochila nas costas, pois estava morando em minha barraca. Disse em um post anterior que o meu sonho era comprar uma TV de 32 polegadas e um notebook. Uma pessoa me disse, ao ler o post, que tinha uma e outras coisas mais, e que mesmo assim não era feliz. Esqueci de dizer que é apenas um sonho de consumo, nada mais do que isso, não sou tão materialista assim. Creio que, se aparecesse um gênio da lâmpada para um portador de esquizofrenia e lhe informasse que poderia fazer três pedidos, provavelmente o primeiro pedido seria ficar livre desse complicado transtorno da mente dividida. 
   
Frete
Renato Teixeira

Eu conheço cada palmo desse chão
é só me mostrar qual é a direção
Quantas idas e vindas meu deus quantas voltas
viajar é preciso é preciso
Com a carroceria sobre as costas 
vou fazendo frete cortando o estradão

Eu conheço todos os sotaques 
desse povo todas as paisagens
Dessa terra todas as cidades
das mulheres todas as vontades
Eu conheço as minhas liberdades 
pois a vida não me cobra o frete

Por onde eu passei deixei saudades
a poeira é minha vitamina
Nunca misturei mulher com parafuso
mas não nego a elas meus apertos
Coisas do destino e do meu jeito
sou irmão de estrada e acho muito bom

Eu conheço todos os sotaques
desse povo todas as paisagens
Dessa terra todas as cidades
das mulheres todas as vontades
Eu conheço as minhas liberdades
pois a vida não me cobra o frete

Mas quando eu me lembro lá de casa
a mulher e os filhos esperando
Sinto que me morde a boca da saudade
e a lembrança me agarra e profana
o meu tino forte de homem 
e é quando a estrada me acode

Eu conheço todos os sotaques
desse povo todas as paisagens
Dessa terra todas as cidades
das mulheres todas as vontades
Eu conheço as minhas liberdades
pois a vida não me cobra o frete

segunda-feira, 17 de fevereiro de 2014

É uma vergonhaaaaaaaa

   Reclamações esquizofrênicas
 Como já comentei em alguns posts, meu telefone até hoje nem sabe o que é crédito, tirando aqueles que já vêm junto com o chip. Também nem é o famoso pai de santo, pois raramente recebo ligações. Na verdade ele funciona mais como um mp3 mesmo. 
    Mas ultimamente algumas pessoas vêm me dizendo que as quatro linhas do meu celular estão fora de área. Achei estranho e fui conferir. Telefonei para mim mesmo de um orelhão e pude constatar que o que os meus amigos falaram procede. 
    Após uma breve análise, cheguei a conclusão de que o problema estava no aparelho. Afinal, como poderia os quatro chips estarem com problemas ao mesmo tempo? Meu celular é o de quatro chips, chique de doer né?

   Fucei nas configurações e nada do aparelho receber chamadas. Levei-o em dois técnicos que também não acharam a razão do problema. No google achei o endereço das oficinas autorizadas da LG aqui em sampa.  Iria levá-lo para a loja da rua da Consolação. Apesar de não receber chamadas mesmo, é sempre bom ter o aparelho funcionando direitinho né? Até os cobradores já desistiram de me ligar. 
   As barrinhas que mostram o nível do sinal estavam indicando que o mesmo estava bom nas quatro linhas. Liguei para a Tim e a atendente me disse que estava tudo normal. A da Vivo chegou a me dizer que o chip poderia estar queimado. Mas não precisa entender de chips para se chegar a conclusão de que, se o mesmo está fazendo ligações, é um bom indício de que ele está funcionando né? dãããããããã
   Resolvi ligar para a Claro. Ufa, até que enfim uma explicação lógica, mas que não me agradou muito. O problema é que os meus chips estão sem crédito. E, como estou fora do meu querido estado de Minas Gerais, seria  cobrada uma "taxa de deslocamento" no valor de dois reais por ligação recebida! É isso mesmo! Já tive que pagar 102 reais para pegar um busão para sampa e agora tenho que pagar para as operadores de celular para me deslocar de um estado para outro! O pior de tudo é que os créditos expiram em uma semana, ou seja, para ter as quatro linhas recebendo chamadas teria que desembolsar 128 reais por mês, já que a recarga mínima é de oito reais. 
    Então, como irei ficar mais uns dois meses na terra da garoa???(até que enfim caiu uma chuvinha no último fim de semana!) resolvi comprar um chip paulistano. Quem quiser ligar para mim para conversar, jogar conversa fora ou conversar fiado mesmo é só ligar para o número abaixo:
-11 986426454-Tim
    Até hoje não decorei os quatro números que o celular possui, com exceção do da Claro, que já tinha antes no aparelho anterior que possuía. O resto até hoje não consegui mesmo, não sei se por causa do "pan" nosso de cada dia, ou se por causa da idade. Imagine agora com nove números?

sexta-feira, 14 de fevereiro de 2014

Adaptação: parte 2

 
Após quase um mês de sampa e de abrigo, confesso que ainda não me sinto adaptado a essa nova situação. Em relação à cidade, acho que isso nunca irá acontecer, não é o meu estilo de vida essa correria louca. Agora entendo por que existem cd's com sons da natureza: cantos de pássaros, cachoeiras, etc.
    Em relação ao abrigo, vou me adaptando aos poucos. Mas não é nada fácil de repente morar com mais de mim pessoas, logo eu que desde os 17 anos comecei a morar sozinho.
    No fundo me sinto sozinho, mesmo em meio a tanta gente. Mas gostaria de curtir a solitude plena, o que é algo difícil no abrigo e aqui em São Paulo. Ter privacidade, acordar na hora que quiser, soltar um pum sem medo das reações dos vizinhos de beliche, andar a vontade pelo quarto. Sei que alguns irão me chamar de preguiçoso, vagabundo, etc,  mas trabalhei bastante em minha vida, e ficava deprimido quando chegava a época das chuvas, em que tinha pouco serviço na área de sonorização. Hoje me encontro estabilizado, mas não totalmente livre da esquizofrenia. Esses sintomas negativos são tão ruins como os positivos. A gente fica numa paradeira, num desânimo, que chega a pensar que está doente. Fiz mais um hemograma, e no próximo dia 24 irei pegar o resultado. Sei que tudo vai bater, as plaquetas, os bastonetes e aquele monte de números estarão dentro dos padrões. Chego a pensar se uns choquinhos não poderiam resolver o meu problema, pois dizem que o ect hoje em dia já não é tão complicado como antigamente.
    Os dias estão cinzentos aqui em São Paulo, apesar do céu sem nuvens e do forte calor. Os termômetros comumente marcam 35ºC na parte da tarde. Parece que a falta de árvores e o excesso de concreto e asfalto aumentam um pouco a sensação térmica. É o janeiro mais quente desde 1943.

    Passos os dias meio que me arrastando, meio sem graça. Como a parte mental influencia no meu bem estar físico! Já não ando mais de metrô. Tive uma experiência que não foi muito legal. Estava saindo da lan house perto da Catedral da Sé e de repente me deu uma vontade de me isolar, de ficar sozinho mesmo. Um certo pânico tomou conta de mim ao ver aquele monte de gente andando em todas as direções. Lembrei-me de uma placa que avistei no centro indicando a direção de um lugar chamado Parque São Pedro. Desço a rua Tabatinguera e tento achar esse parque que seria o meu refúgio. Mas, após muito procurar, fico sabendo que esse suposto parque não é bem um parque, é apenas uma extensão do centro da cidade. Muitas lojas, gente, barracas de lona nas partes em que há grama. Enfim, não há nenhum parque por ali. Nessa correria fui parar logo na rua 25 de março!
   O jeito foi voltar correndo e pegar o metrô para a Mooca. Sinto que estou prestes a entrar em colapso. O diazepan não está no meu bolso, há tempos que abandonei essa prática. Paro um pouco, respiro fundo e troco o heavy metal do Dream Theather por músicas mais suaves, que salvei em uma playlist no meu celular.
  Me acalmo um pouco e volto para a Mooca, meio decepcionado comigo mesmo. Era como  se fosse um retrocesso em minha vida, precisar de ter que tomar remédios em plena luz do dia.
    Desse em dia em diante procurei não me aventurar mais no centro de SP, apesar de querer conhecer um dia a avenida Paulista. Passo os dias ora no parque da Mooca, ora no Brás, onde fica o restaurante popular e uma boa lan house. Gasto o meu dinheiro com bobagens e penso em encontrar em algo para se fazer, mas o CAPS da região da Mooca  é bem longe, tenho que pegar dois ônibus para chegar ao bairro Vila Isabel.
    Tenho que encontrar forças para vencer mais essa. Fico até envergonhado em dizer que estou desanimado, que tem gente com problemas bem maiores do que eu e que está na luta para vencer a batalha do dia a dia. Tem gente que tem que pegar dois ônibus todo dia para trabalhar, que saem às cinco da manhã e só chegam em casa de noite. Mas, falando de coração, os sintomas negativos da esquizofrenia, são muito complicados mesmo. Como disse, me faz pensar que estou doente, que sou bipolar e que estou na fase da depressão. Não desejo isso a ninguém.
    Fico pensando em coisas não muito positivas. Há muitos estrangeiros em São Paulo. Começo a imaginar que estão falando mal de mim. Quando estão rindo então, ai que tenho quase certeza de que estão mesmo falando de mim. Cheguei a fazer algo não muito legal, há cerca de duas semanas atrás, na lan house do Brás. Chegaram alguns estrangeiros e começaram a falar alto e a rirem, e ai já viu. Pensei que estavam falando de mim e fiz um gesto não muito legal. Não sou de fazer isso, mas foi como uma forma de defesa para algo que naquele momento era real para mim. Será que estou tendo a síndrome do estrangeiro por estar em um estado diferente e ouvir outros idiomas com frequência?
    No abrigo aconteceu algo parecido. De manhã, logo após o café, dois caras passaram ao meu lado conversando em inglês. Naquele momento, tive a certeza de que estavam falando de mim. Não reagi e nem falei nada, mas o "fuck you" ficou entalado em minha garganta. Dias depois, analisando a situação, vi que era uma situação normal e que os caras não estavam falando de mim. Só por que tenho mania de perseguição os caras terão que aprender o português para que eu tenha certeza de que não estão falando de mim? rsrs
E se por acaso estivem falando, o problema é deles, hoje em dia não ligo muito para essas coisas, quando estou me sentindo bem.
    As vozes também começaram a dar as suas caras. Basicamente eu ouvia três tipos de vozes:
- as que fazem comentários
- as que fazem criticas negativas e que zombam
- e as vozes ameaçadoras
    Desta vezas vozes comentaristas apareceram de novo. Elas não me metem medo, mas me incomodam muito. É como se alguém estivesse me observando e comentando tudo o que eu faço. Estava andando em uma rua do Brás quando ouvi?
   - Ele está fraco.
    Na hora aquilo foi realidade para mim. Isto aconteceu quando passei ao lado de um cara que estava sentado na calçada. Talvez isso aconteça pois em uma pequena cidade do interior de Minas isso realmente acontecia com uma certa frequência. As pessoas  daquela  cidade, talvez por não terem o que fazerem, me escolheram como um dos assuntos preferidos para ser comentado. Sempre quando vejo alguém sentado na calçada e tenho que passar ao lado dela, me lembro dessa cidade, e fico um pouco tenso. Talvez essa tensão libere algumas substâncias no cérebro que ativam o área responsável no cérebro pela audição.
    Outro dia a voz comentou:
    - Ele gosta de albergue...
    Também foi tudo muito real na hora, estavam passando algumas garotas perto de mim no momento em que a voz apareceu. Mas, depois de alguns dias e análises, pude chegar a conclusão de que tudo foi uma alucinação. Estava ouvindo música no celular, o fone estava tampando o ouvido e o volume estava no máximo. Para ouvir alguém a pessoas teria que gritar, mas o tom das vozes comentaristas é sempre calmo e sereno. Seria isso um eco dos meus pensamentos? Eu imagino a pessoa me criticando e, pelo fato de ter alguma falha no cérebro essa imaginação acaba se transformando em uma voz? Será que também estou me criticando por viver atualmente em albergues? Sinceramente não sei... Também não sei se quero encontrar respostas para tudo isso, só queria é voltar a ser como era antes, um cara distraído que não reparava em nada em sua volta e que andaria em São Paulo sem o menor problema...

    Aqui está um vídeo, sobre uma psicóloga que, assim como John Nash, conseguiu de certa forma vencer a esquizofrenia. O relato dela é bem emocionante e serve de exemplo para todos nós, portadores, a seguir lutando contra essa patologia que ainda não tem cura.

    Esse vídeo é de uma banda de heavy metal progressivo, mas quem não gosta de som pesado, não precisa ter receio, essa banda é muito boa, tem um ótimo vocal é um instrumental não muito pesado e de qualidade. A letra tem muito a haver com o momento que estou passando, sei que é uma fase e que vou passar por mais essa.


O Inimigo Interior

De novo e de novo
Eu revivo o momento
Estou carregando um fardo em meu interior
Feridas abertas escondidas sob minha pele

A dor é real
Como um corte que sangra
A face que eu vejo
Toda vez que eu tento dormir
Olhando para mim chorando

Estou fugindo do inimigo interior
(O inimigo interior)
Procurando pela vida que deixei para traz
(A vida que deixei para traz)
Essas memórias sufocantes
Estão gravadas em minha mente
E eu não posso escapar do inimigo interior

Eu me separo do mundo
Desligo-me completamente
Sozinho em meu próprio inferno
Triunfo com o medo irracional

Sob o peso do mundo em meu peito
Se eu cair e quebrar enquanto tento recuperar o fôlego
Diga-me que eu não estou morrendo

Estou fugindo do inimigo interior
(O inimigo interior)
Procurando pela vida que deixei para traz
(A vida que deixei para traz)
Essas memórias sufocantes
Estão gravadas em minha mente
E eu não posso escapar do inimigo interior

Eu sou um fardo, eu sou uma farsa
Eu sou um prisioneiro do pesar
Sonho com flashbacks e com gritos violentos
Estou pendurado na borda

O desastre a espreita ao virar da curva
O paraíso chega ao fim
E nenhuma pílula mágica
Pode trazê-lo de volta

Estou fugindo do inimigo interior
Procurando pela a vida que deixei para trás
Estas memórias sufocantes
São gravadas em minha mente
E eu não posso fugir do inimigo interior

quinta-feira, 13 de fevereiro de 2014

Difícil adaptação


  A noite foi muito quente por aqui, suei muito na cama, sem fazer nada. Mas  foi muito tranquilo. Depois das dez horas da noite silêncio total no abrigo. Não há guardas municipais e nem seguranças para manter a ordem no local. Apenas os monitores que exercem essa função primordial. Chego a me perguntar, como, em um local com mais de mil e cem pessoas dividindo o mesmo espaço, a ordem é mantida sem a presença de policiais.
    São pessoas de todos os lugares do Brasil e muitos estrangeiros: alguns vieram de Angola, Haiti, Congo, entre outros países.
    Depois de uma breve reflexão chego a conclusão de que a razão da ordem no abrigo só pode ser uma: ninguém vai ser bobo de perder a vaga em um albergue tão bom. Não duvido que seja o melhor e o maior do Brasil A alimentação é de qualidade, as instalações são muito boas, roupas de cama trocadas duas vezes por semana, inclusive a toalha.
    De manhã tomamos um café com leite um pouco aguado e comemos club social de pizza, sabor mussarela. Esse troço custa uns cinco reais nas redondezas, tem cara que até vende os biscoitos para os ambulantes.
    Já na rua, não sabia para onde ir, o que fazer para passar o meu tempo. À toa, começo a só pensar em comida, mas só besteira mesmo: brigadeiro, pudim, chocolate, e tortas. Ainda bem que parece que não existem tantas padarias em sampa como em BH. Há muitas lanchonetes e barzinhos, mas a maioria vende salgados e bebidas.
    Resolvo conhecer a praça da Sé. É mais uma curiosidade do que animação mesmo. São Paulo não é para mim, não tem nada haver comigo, não é o meu estilo de vida. Pego o metrô que custa três reais,( o de BH custa 1,60!). Mas devemos reconhecer que o metrô de São Paulo faz o de BH parecer uma carroça, além de ser mais amplo e confortável. Até o som é mais nítido.
    Chegando à Sé me impressiono com o tamanho da catedral. Havia muitos policiais e moradores de rua pelas redondezas.  Alguns se levantam e lavam seus rostos na fonte que fica no meio da praça.
   Espero um tempo até dar oito horas da manhã e sair a procura de uma lan house aberta. As ruas começam a ficar movimentadas demais para o meu gosto e, após uma breve procura encontro uma boa lan house no Glicério. Sou o primeiro cliente e fico meio que refugiado por ali até a hora do almoço.
    Não encontro um self service como em BH. Comida à vontade por sete reais, só a carne que é regulada: apenas um pedaço. Assim dá para encher o prato com saladas e verduras e ter uma alimentação mais saudável. Aqui em sampa encontrei apenas o bom e velho pf que varia entre 12 e 18 reais. O prato vem com um pedaço de carne, batatas fritas, arroz e feijão. Analisando os preços das coisas por aqui, chego a me perguntar se realmente economizarei em São Paulo. A única coisa barata que encontrei por aqui foi chocolate em uma loja de doces. As barronas de sufllair custam apenas dois reais. A de diamante negro custa três reais! Chego a me perguntar se o chocolate não é falsificado, mas, ao experimentá-los chego a conclusão de que são originais(palavra de chocólatra assumido!). Depois fiquei sabendo que os donos das lojas conseguem comprar esses chocolates a baixo custo por que estão prestes a vencer. Bem, o meu estômago até hoje não acusou nada de errado.
    Os dias seguintes foram quase que exatamente iguais. Lan house na Sé, chocolate e besteirada para comer. Nenhum sacolão por perto para comprar frutas. Não estou com vontade de conhecer o Ibirapuera, a vida cultural, os pontos turísticos da cidade. Quero apenas encontrar um cantinho para ficar sozinho, pelo menos uma parte do dia.
    Fiquei sabendo do parque da Mooca, mas foi uma decepção conhecê-lo. Poucas árvores, pássaros, enfim, a natureza. O espaço é ocupado por uma sub prefeitura, um CAPS infantil, um posto de saúde entre outras coisas. Já estava ficando deprimido, sem saber para onde ir, e o que fazer. A comilança só aumentava a cada dia.


    Dessa maneira não iria economizar grandes coisas para voltar à BH. Quero e sonho ter uma TV de LED de 32 polegadas e um notebook com saída HDMI. Muitos poderão pensar que sou materialista demais, que não penso em outras coisas. Eu sou um cara que não frequenta baladas, e quase não saio de casa. Por isso quero ter de volta as coisas que eu mesmo vendi, mas que não me arrependo nunca de ter feito. Sair do meio das drogas de Ipatinga foi a melhor decisão naquele momento de minha vida. A televisão para mim não é somente um monte de componentes eletrônicos comandados por um controle remoto. Ela me proporciona uma variedade muito grande de emoções e sentimentos que ultimamente tenho evitado de ter com as pessoas. Gosto de filmes e confesso que já chorei e ainda choro no final de alguns deles. Os programas de humor, os shows e outras coisas que ainda existem de bom na TV aberta me fazem sentir bem em um quarto não muito grande. Para quem é do signo de libra e gosta de artes, a TV é imprescindível.
    Já o notebook é a minha ligação com o mundo exterior. A internet não é algo ruim, como muitos pregam por ai. Ela pode ser usada tanto para o bem como para  o mal. Eu mesmo, com o blog, tento de alguma forma ajudar as pessoas a entenderem um pouco melhor essa patologia tão complicada. Pelos comentários, acho que faço isso, pelo menos tento. Sem contar que uma net é no final uma economia, principalmente para quem gosta de música, livros, jornais, etc. Sem contar que ela foi de fundamental importância para o estudo e  o melhor conhecimento da patologia, o que ajudou e muito a me conhecer melhor.
    Voltando à sampa, os primeiros dias estão sendo complicados. Nada para se fazer, nenhum lugar tranquilo para ficar em paz, apenas fiquei andando perdido de um lado para outro nesta selva de pedra, entre um monte de gente apressada que mal para na rua para te dar uma informação.

     Esse vídeo tem tudo haver com a minha atual situação, estou triste, tristinho, mais solitário do que o paulistano. Parece que as grandes metrópoles tem essa característica, de fazer com que as pessoas se sintam sozinhas, mesmo em meio a multidão.


Eu tava triste, tristinho
Mais sem graça que a top-model magrela
Na passarela
Eu tava só, sozinho!
Mais solitário que um paulistano
Que um canastrão na hora que cai o pano
Tava mais bobo que banda de rock
Que um palhaço do circo Vostok
Mas ontem eu recebi um telegrama
Era você de Aracaju ou do Alabama
Dizendo: Nêgo, sinta-se feliz
Porque no mundo tem alguém que diz
Que muito te ama!
Que tanto te ama!
Que muito, muito te ama
Que tanto te ama!
Por isso hoje eu acordei
Com uma vontade danada
De mandar flores ao delegado
De bater na porta do vizinho
E desejar bom dia
De beijar o português
Da padaria
Hoje eu acordei
Com uma vontade danada
De mandar flores ao delegado
De bater na porta do vizinho
E desejar bom dia
De beijar o português
Da padaria
Mama! Oh Mama! Oh Mama!
Quero ser seu
Quero ser seu
Quero ser seu
Quero ser seu papa!

sábado, 8 de fevereiro de 2014

O albergue- parte 2


    Depois de cerca de meia hora, o funcionário do abrigo apareceu. Deu um friozinho na barriga ao ver os documentos separados em suas mãos, provavelmente eram os que estavam selecionados e os que não poderiam entrar. Chamou umas vinte pessoas e, depois de entregar os documentos, disse que eles não iriam ficar na pernoite. Que alívio! Pelo menos não iria passar aquela noite nas ruas de sampa. Mas a minha permanência ainda dependeria de uma entrevista com uma assistente social na parte da manhã.
    Entramos para o abrigo na ala do pessoal que fica apenas para a pernoite. A primeira impressão foi das melhores. Tudo muito limpo, inclusive o banheiro, que tem um ótimo acabamento.
    Fomos jantar em um enorme refeitório. Comida boa: arroz soltinho, feijão, moela e alface. Estava sem tempero, mas acho que isso é uma regra, por causa dos hipertensos.
    Por volta das onze horas fomos dormir. Parece ser um padrão, mas todos os albergues que visitei, com exceção do DEIC, tem dez beliches. O lençol estava bem limpo e com cheiro de que foi lavado há pouco tempo. Assim que comecei a pegar no sono, um nigeriano me cutucou e começou a fazer gestos. Deu para perceber que ele queria dormir naquela cama e, reparando em minha volta, percebi que só havia nigerianos no quarto. Tive que sair e fiz sinal de positivo para o cara. Fui expulso do quarto por ser branco. Que discriminação!
    Acordamos às sete horas da manhã e tomamos café com leite. Tinha um pouco de água misturada, mas estava bom. Para comer club social de pizza, sabor mussarela ou queijo, não me lembro direito. Com o sol aparecendo, pude  perceber como é grande esse albergue, com vários prédios de dois andares espalhados pelo espaço, me fazendo lembrar o quartel do exército em Belo Horizonte. Esse lugar servia antigamente de abrigo para os italianos que chegavam ao Brasil em busca de trabalho nas lavouras de café, quando a escravidão foi abolida do Brasil.
    Depois do café, a entrevista com a assistente social. Não estava com o frio na barriga como no dia de ontem. Estava tranquilo. Se me aceitassem no abrigo, beleza. Caso contrário, iria procurar outro ou então voltar para BH. Não iria inventar nada na entrevista e nem fazer drama. Iria contar a verdade, apenas a verdade. Não sei fingir ou mentir, é muito fácil descobrir quando estou fazendo isto. Claro que faço isso de vez em quando, não sou nenhum santo né?
    Quem me atendeu foi uma loirinha, muita educada e com uma voz suave. Acho que toda assistente social é treinada para ter esse tipo de comportamento. Até hoje nunca vi uma assistente social dizer:
    - E ai, fala o que você quer logo por que eu tenho mais o que fazer!
    Tive que contar quase minha vida toda, sobre a infância, se já usei drogas, etc. No final ganhei três meses no abrigo. Não era o que queria, mas foi bom. Gostaria de ficar por ali até depois da copa do mundo. Muitos moradores de rua estão dizendo que o negócio vai ficar tenso para quem insistir em ficar nas ruas nas cidades sede da copa. Dizem que a polícia vai fazer um "convite" para o morador de rua ir para um albergue... Se o cara não aceitar...
    Mas tudo bem, esses três meses vai ajudar a pagar parte do empréstimo que fiz. Logo depois do almoço um funcionário nos levou para fazer uma tour pelo abrigo. Conhecemos os alojamentos para os 1150 abrigados, a lavanderia, a sala de cinema, a biblioteca, a sala de jogos e outros lugares mais. Em comparação a outros albergues, esse é um hotel cinco estrelas! A roupa de cama é trocada duas vezes por semana, assim como a toalha. Assim vou acabar ficando mal acostumado. Por onde andei, vi que os usuários do abrigo são muito respeitados, e tratados com atenção. Isso parece devolver um pouco de esperança e aumentar a auto estima das pessoas.
    Logo após fomos levados para uma sala, onde foram passados slades com as regras da casa: não chegar atrasado e nem bêbado, não sair na porrada com ninguém e sempre respeitar os horários. Acordas até as seis da manhã, tomar café até às seis e meia e sair do abrigo até as seis e quarenta. Ainda bem que todo usuário tem um guarda volume e finalmente consegui me ver livre da mochila. Há horário também para se entregar a toalha e as roupas na lavanderia, para usar o maleiro, para jantar, para usar a biblioteca, enfim tudo é muito organizado. Afinal são 1150 pessoas morando em um mesmo lugar.
    Como era o nosso primeiro dia não foi preciso sair do albergue. A noite conheci o meu quarto. Havia uns 40 beliches ou mais, mas tudo muito bem organizado e limpo. A parede parecia que foi pintada a pouco tempo. A assistente social não poderia ter escolhido uma cama melhor para mim: na parte de baixo e bem no canto lá no fundo. O silêncio impera no quarto, mesmo às oito horas da noite. Quem quiser conversar e ouvir música é convidado a se retirar do quarto, realmente tudo é muito organizado e os usuários parecem respeitar as normas da casa.
   Esse foi o meu primeiro dia no abrigo. Daqui para frente terei que passar o dia nas ruas de São Paulo. Não estou falando mal da cidade, que ela não preste, mas a verdade é que nunca cheguei a querer conhecer essa cidade. Não é o meu estilo, sou mais de lugares tranquilos em que a natureza ainda não foi totalmente destruída. Perguntas surgem em minha mente: O que farei para ocupar a minha mente? Será que encontrarei um local tranquilo para ficar um pouco comigo mesmo?

sexta-feira, 7 de fevereiro de 2014

Sampa

O albergue
    Assim que cheguei em São Paulo, no terminal Tietê, fui à procura da assistente social, que fica na rodoviária mesmo. Não tinha uma assistente social bunitinha e com voz suave, e sim um senhor sério que aparentava uns 50 anos de idade. Ele me encaminhou para um albergue que se situa no Carandiru.
     Estava muito cansado, os pés doloridos por causa da longa caminhada. Devia ser uma hora da tarde e não tive que andar muito até encontrar esse abrigo. Às quatro da tarde já se podia entrar e o que eu mais queria no momento era deitar o meu esqueleto em uma cama bem maciinha.

    Dizem  que cabe umas 400 pessoas neste abrigo. É em um enorme galpão. Foram colocados vários banheiros químicos do lado de fora, para que o pessoal possa fazer suas necessidades. Por volta das duas da tarde já começa a se formar uma fila. Muita gente com a barrigudinha na mão, e, de vez em quando dando um trago na frente dos porteiros do abrigo, que são da guarda municipal. Achei estranho, pois a maioria dos albergues não permite que pessoas alcoolizadas entrem para a pernoite.
    Às quatro da tarde já havia uma enorme fila e a galera começou a entrar. Ali entra quem chega primeiro, não tem vaga marcada. A impressão, ao ver os usuários, é que a maioria não está a procura de trabalho, não sei se por falta de oportunidade ou por falta de vontade mesmo. Alguns usuários de droga, outros na barrigudinha mesmo, alguns idosos e alguns travestis. A dois quarteirões do abrigo, ao lado do DEIC, uma praça foi tomada por alguns moradores de rua com suas barracas. São pessoas que preferem morar nas ruas do que em abrigos da prefeitura, o que é até compreensível, ao ver esse abrigo do Carandiru, que não tem nem guarda-volumes! Temos que dormir com a mochila amarrada no beliche se não quisermos ter surpresas desagradáveis ao acordar pela manhã.
    Havia apenas dois chuveiros para os 400 abrigados, mas a fila não estava grande. Provavelmente grande parte do pessoal por ali  não gosta muito de encarar o "furadinho". (ducha)
    A noite foi meio complicada. Não sabia como as coisas funcionavam por ali assim que o sol se escondia no horizonte. Muitos caras não paravam de conversar de madrugada. Às vezes dava para sentir o cheiro de um baseado sendo acesso. A todo momento se ouvia a voz de alguém cantando, parecia ser um tenor. Cheguei a pensar que se tratava de uma gravação que estava sendo tocada essas caixas de som do Paraguai.
    Resultado: não deu para dormir e acordei um caco no domingo. Tive que dividir o beliche com a minha mochila, não fui maluco de deixá-la no chão. Na hora do jantar, quando eu me descuidei dela por um momento, já tinha um cara encostado em minha cama, e,assim que me viu, tratou de dar uma disfarçada.
    Depois do café fui para a praça ao lado do DEIC. Não poderia continuar naquele albergue, tive que ter estômago para usar o banheiro na parte da manhã. Não me acho melhor do que ninguém, mas aquele abrigo não é para mim.
    Como era um domingo, resolvi ficar na praça mesmo, e procurar um albergue melhor na segunda feira.
     De noite encontrei o responsável pelo tenor da madrugada anterior. Não era uma gravação, era um cara que não parava de cantar, e bem por sinal. Seu apelido era Pavarotti e ele não era gordo, aliás era bem magro,e gostava de uma barrigudinha. Já tinha ouvido falar que os gordos tem uma chance maior para se tornarem tenores, talvez por terem a caixa toráxica maior, sei lá. Talvez isso seja lenda também.
    Na segunda de manhã, depois de mais uma noite mal dormida com minha mochila, procurei um famoso albergue de São Paulo, o qual já ouvi ótimos comentários. Precisava urgentemente me desvencilhar de minha mochila, que há quase um ano faz parte do meu corpo. É como se eu tivesse engordado 11kg de uma hora para outra.
    Era umas sete horas da manhã quando me informaram que, para entrar no abrigo eu teria que primeiro passar uma noite naquele lugar, para depois fazer uma entrevista com a assistente social. Então, depois do almoço, já estava na fila da pernoite, pois uma vaga naquele abrigo é bem disputada. Já tinha uns dois caras na minha frente. O jeito foi arrumar um pedaço de papelão e esperar o tempo passar, conversando com o pessoal  que estava na fila. Por volta das quatro da tarde já tinha uns 40 caras atrás de mim. Tinha um que  dizia ser bipolar e, como não parava de falar um instante, deduzi que estava falando a verdade e que talvez estivesse na fase de mania, já que não tomava medicamentos.
    Por volta das nove da noite um cara abriu a pequena porta de ferro e foi aquele corre corre para entregar os documentos. Havia muitos nigerianos que não paravam de falar, acho que ora em francês e ora em outro idioma que desconheço. Um quase me atropelou, pois a mochila estava no chão na minha frente. Percebi que havia muita tensão e ansiedade no semblante de cada um que estava naquela fila. Afinal são apenas trinta vagas, e, pelas minhas contas, havia mais de 50 pessoas querendo entrar naquele lugar. Eu também estava um pouco tenso, pois, se não fosse escolhido, teria que armar a minha barraca nas ruas de São Paulo
    O funcionário do abrigo, depois de pegar os documentos da galera, pediu para que aguardássemos e entrou. Provavelmente iria conferir no computador se alguém tinha alguma pendenga com a justiça. Um cara me disse que estrangeiros e quem nunca havia passado pelo local tinham preferência para as vagas. Fiquei mais confiante. Será que vou conseguir uma vaga?
    Resposta no próximo post..

Obs: parece que já passei por isso antes. É uma sensação estranha. São Paulo, apesar de estar sempre na mídia, é uma cidade meio desconhecida para mim. Acho que não aprendi algo que deveria ter aprendido e por isso estou passando por esse tipo de situação novamente. Ou será apenas coisa da minha cabeça?
O importante é que não desisto, não vou ficar aqui me lamentando. Tenho consciência das coisas que faço e não me arrependi de ter saído de Ipatinga. As coisas boas que têm me acontecido nessas andanças superam e muito as coisas negativas que estão acontecendo neste momento. Vai ser uma luta, terei que ter muita paciência e sabedoria para que eu saia bem dessa situação. Tenho que pagar os meus empréstimos para poder voltar a morar em um quarto novamente, com uma tv( de tubo ou não) e um pc, é claro. Realmente é um recomeço, não é a primeira vez que estou nesta situação, mas desta vez foi consciente que vim parar aqui, então nada de choradeira e sim lutar para que eu consiga de volta as coisas que vendi.

Me desculpem os erros de português e de alguns outros erros de gramática. É que na lan house não tenho tanta paciência e dinheiro para ficar revisando o texto.

quinta-feira, 6 de fevereiro de 2014

Passos dos Jesuítas: último dia


de manhã em Caraguá...
   A noite ao lado da funerária foi ótima. Tirando o movimento de carros até a madrugada, nenhum ser vivo apareceu para me incomodar, com exceção de um cara oferecendo sopa aos  moradores de rua(na verdade isso não foi um incômodo, é louvável alguém perder parte do seu tempo para ajudar os mais necessitados).
Também não apareceu nenhum defunto para ser enterrado e deu para ter uma boa noite de sono.
    Estou com muitas dúvidas sobre o que fazer, mas tenho três opções:
    1-Continuar o caminho até Ubatuba
    2- Desistir e dar um tempo em São Paulo
    3- Voltar direto para minha querida Belo Horizonte
    A verdade é que o caminho Passos dos Jesuítas não me agradou muito. Tem belíssimas praias e paisagens, mas, como já disse, é muito urbano o caminho. Muitas avenidas, ruas e estradas de asfalto. Tirando a noite na praia de Itaguá não tive muito contato com a natureza. Também não teve a hospitalidade impar do povo mineiro. O cafezinho, que em Minas é uma tradição e muitas vezes as pessoas no interior cordialmente nos ofereecm, aqui em sampa chega a custar dois reais! A água deste caminho não vem geladinha das nascentes e sim quente das torneiras das casas e estabelecimentos comercias que aparecem  pela rota. Me desculpem, mas esse caminho é muito elitista. É bonito, com belas praias e tals, mas só é viável para quem tem boas condições financeiras. Até Santos a viagem foi agradável, com outros lugares para se ir além de praias, mas, a partir do Guarujá o caminho perdeu a graça. Não conheci ninguém e nem conversei também, com exceção do Adão do posto de gasolina. Também o que os ricaços iriam querer com um esquizofrênico caminhante? Em Bertioga me convidaram a me retirar da calçada de um condomínio, só por que estava almoçando debaixo de uma sombra. A alegação do segurança é que a área era monitorada e tals. Mas para que se monitora um local? Para ver se as coisas estão tranquilas, e eu não estava fazendo nada de errado naquele momento.
    Da polícia paulista não tenho do que reclamar. Apesar do policiamento ser extensivo, não me abordaram em nenhum momento do caminho. Sinto que a polícia, ao ver um cara sozinho e esquisito andando pela BR não deva pensar que se trata de um meliante... shasuashasahasuahsuahs
    Por esses motivos resolvi desistir de Ubatuba e ir para São Paulo, a fim de resolver alguns problemas. Na rodoviária Tietê peguei um encaminhamento para um albergue da cidade. Estou triste, queria ir até o fim, mas o que mais gosto do caminho é a própria caminhada e o contato com as pessoas simples do interior e não apenas praias. Sem contar que havia muita gente por todo lado, talvez se tivesse feito a viagem fora da alta temporada as coisas poderiam ter sido diferentes. Gosto de terminar tudo o que faço, mas dessa vez não deu. Estava muito bem fisicamente, mas quando a cabeça não está não adianta insistir.
    Vou continuar as minhas andanças, o Brasil é muito bonito e enorme. O que não falta são lugares bonitos e com natureza quase intacta para se visitar, principalmente em Minas Gerais. Tenho que dar um tempo para refletir sobre que rumo tomar na minha vida. Sair viajando por ai sem horários, sem compromissos, por esses lugares bonitos que Deus criou é ótimo, mas é muito cansativo também. Não havia calculado que  teria que carregar uma mochila pesando cerca de 11kg.
    Estou com saudades dos filmes, da TV de tubo. De poder carregar o celular despreocupadamente e sem ter que ficar vigiando-o até completar a carga. De acordar a hora que quiser e outras coisas mais.
    Estou pensando em ficar um tempo em sampa para economizar uma grana e voltar para Belo Horizonte e alugar um quarto, um cantinho só para mim. Claro que não irei parar com as minhas andanças, agora que criei coragem, não irei parar tão cedo de ter esse contato com a natureza.
    Vai dar para economizar uma grana aqui em sampa, apesar do custo de vida por aqui ser um pouco alto. Estou em um bom albergue, limpo e tranquilo. O que tenho que fazer é saber lidar com tanta gente: eu, que sempre gostei de morar sozinho, agora estou morando com quase 1200 pessoas! Está sendo difícil, São Paulo é uma cidade estressante, não dá para mim ficar aqui. Não estou falando mal da cidade, apenas que para o meu estilo e jeito de ser ela não é a ideal. Muita correria e stress. O clima não é muito bom, muita poluição, pouco verde e muito concreto e asfalto.
    Estou com saudades de BH, que ainda tem lugares tranquilos onde eu possa ficar e ouvir o canto dos pássaros, o que é um ótimo calmante para a minha alma. Estou com saudades do pão de queijo, da atenção que os mineiros dão ao informar determinado lugar e outras coisas mais. É, eu sou meio bicho do mato mesmo, com muito prazer.