quinta-feira, 27 de novembro de 2014

Gostar demais faz mal

Chimbinha: triste fim
Chimbinha e Chimbinha/2
  Este não é o mesmo título de um post anterior. É quase o mesmo, mas não é. A diferença é que no outro era uma interrogação, e este, uma afirmação.
    O Chimbinha, aos poucos, foi se adaptando ao parque ecológico. Fez amizade com um monte de outros dogs e com os funcionários do parque, para pegar um rango na hora do almoço. Comecei a dar ração todos os dias para ele. Começou a ganhar corpo, seu pelo ficou mais brilhante e sem as falhas de quando chegou ao parque. Seus olhos também ficaram mais vívidos, e esbanjava vitalidade ao "brincar de briga" com os outros cães do parque.
    Mas, na mesma proporção que sua vitalidade aumentava, sua mania de querer defender o parque também. Não podia avistar um estranho que começava a latir sem parar e a perseguir a pessoa. O latido estava mais forte também, e ele agora corria atrás também de pessoas que estavam longe de sua vista. Para piorar, os outros cachorros entravam na onda do Chimbinha e passaram também a vigiar o parque. Tinha um, que era bem grande, que chegava a morder as pessoas, que sempre reclamavam comigo e nunca com a direção do parque. Havia manhãs em que havia uma concentração de cerca de oito cachorros no meio do parque, que estava mais parecendo um canil. Para mim estava tudo ótimo aquilo, mais animais do que gente, mas sei que o parque foi feito para as pessoas se divertirem.

                                              Chimbinha e Bob detonando o jardim

    O Chimbinha e o Bob detonavam os jardins do parque, brincando de brigar, e também faziam alguns buracos bem profundos. Eu, todo sem graça, fingia que não estava vendo nada.
    Já tive que discutir seriamente com um cara que queria apedrejar o Chimbinha. Um outro chegou a dizer que iria matá-lo e que a culpa seria minha. Já havia avisado aos guardas do parque sobre a situação, mas eles indiferentes a situação, apenas  recomendavam a dizer que o cachorro não me pertencia.
    Mas e se o Chimbinha mordesse uma criança? E se ele fosse apedrejado ou mesmo envenenado?
    Nessas horas chego a me perguntar se realmente o doido sou eu...
    Ele estava se sentindo feliz no parque, dava para ver em seus olhos brilhantes. Às vezes ele olhava para mim e balançava o rabo, como que a agradecer pela acolhida. Quando chegou ao parque, ele estava magro, medroso, e com algumas falhas de pelo no corpo.
   Eu também estava contente com a inseparável companhia do Chimbinha(até no banheiro ele me seguia). Todo dia de manhã, ele me avistava de longe e vinha correndo em minha direção, para receber a sua cota diária de carícias, e, claro, um pouco de ração. Enfim, estava feliz em vê-lo feliz, por ser útil em alguma coisa, para pelo menos um cachorro(pelo menos não, dou mais valor a cachorros do que certas pessoas). Mas, infelizmente tive que ser sensato e usar a razão no lugar da emoção neste caso. Mais cedo ou mais tarde ele iria levar uma pedrada, um chute ou até mesmo ser envenenado. Sem contar a bronca que eu levava constantemente.
Chimbinha e Branca de Neve
     Uma funcionária do parque me disse que ele era útil, pois latia quando alguém se aproximava da administração do parque, à noite. Dizem que é perigoso andar por lá neste horário. Oras, se o Chimbinha estava prestando um serviço ao parque, então seria obrigação do mesmo cuidar dele, dando alimentação e o prendendo na hora de mais movimento, para não machucar ninguém ou mesmo ser apedrejado. Muito conveniente deixar o cachorro solto e todo mundo pensar que ele me pertencia...
    Não estou a fim mais de ser o salvador da pátria e por isso creio que tomei a melhor decisão possível: tirar o Chimbinha do parque, antes que o matassem.
    Certa manhã, improvisei uma coleira nele e andei cerca de três quilômetros, até a sociedade protetora dos animais. Na entrada havia uma faixa dizendo que a instituição não recebia animais, apenas cuida de alguns cães a preços módicos. Na minha opinião é muita pretensão desse pessoal se intitular Sociedade protetora dos animais, sendo que, na verdade, não passa de um pet popular que atende alguns cães doentes...
                                                 Chimbinha xameguento

     Meus pés estavam doendo, não estou mais aguentando andar com a mochila mais. No caminho sai oferecendo o Chimbinha a quem aparecesse pela frente, mas, infelizmente ele é um cão sem raça definida. As pessoas olhavam para ele com dó e depois inventavam alguma desculpa qualquer. Duvido se isso aconteceria se ele fosse um golden retriever.
    Por um momento cheguei a pensar em desistir do plano e voltar com ele para o parque, mas sabia que tudo iria começar de novo e ele poderia correr risco de ser morto por um desalmado.
    Não tive coragem de olhar em seus olhos na despedida. Soltei a coleira, fui até o ponto de ônibus. Ele me seguiu e sentou-se ao meu lado. Fingi que nem estava percebendo. Tive um aperto no coração, mas tive que ser forte. O ônibus chegou e entrei sem olhar para trás, imaginando o que ele deveria estar pensando. Foi difícil, pode parecer cruel, mas sei que foi a melhor decisão a ser tomada. Talvez ele encontre um outro maluco que lhe dê, além de comida, um pouco de carinho e atenção. Me desculpe, Chimbinha, mas sou apenas um cara que ganha um salário mínimo e, que, com algum custo conseguirá encontrar um minúsculo quarto para morar.
adeus Chimbinha
    Queria falar sobre outros assuntos neste post, mas, em homenagem a quem ficou em minha companhia durante esse período difícil momento de minha vida, vou dedicá-lo a esse cachorro que é muito bonito por dentro e um ótimo amigo. Pode parecer maldade minha tê-lo mandado embora do parque, mas, se continuasse, provavelmente não estaria vivo, pela maldade humana. O único erro do Chimbinha foi gostar demais de um ser humano e querer protegê-lo a todo custo.

                Os cães são animais especiais. Quem pode negar que eles não tem sentimentos?
               
   

quinta-feira, 20 de novembro de 2014

Paranoia

    Hoje (18/11) tive um sono de qualidade. Parece uma coisa banal, mas não no meu caso e creio que no de alguns portadores de esquizofrenia. Demorei, mas acabei descobrindo quais São os quartos mais tranquilos neste albergue de Belo Horizonte. No arsenal da Esperança, em São Paulo, existem quatro alas Enormes, e os Usuários são alocados pelas assistentes Sociais de a acordo com o perfil de cada um. Tem a ala dos mais jovens, a do pessoal na faixa dos 40 e os mais idosos.
    Já a Neste abrigo em BH, a seleção é natural, Os mais quietinhos chegam mais cedo e ocupam os primeiros quartos, já  a galera mais agitada chega um pouquinho mais tarde e ocupa os quartos que ficam no fundo do corredor. 
   Este sono bom só foi interrompido por um cara que parece não dormir nunca.. Às vezes ele passa a noite inteira andando, que nem um Sonambulo. Mas ele fica acordado e não para de falar um minuto sequer. Ele diz coisas confusas, sem nexo, que vai "desmanchar" (dar uma porrada) em alguém. Apesar de conversar baixinho, o monólogo incomoda. De madrugada, qualquer ruído se transforma em um estrondo! Falo "xiu" para o zumbi se calar, mas ele não Sossega. Provavelmente deve ter algum tipo de esquizofrenia ou um outro transtorno mental qualquer.
    "São quatro e quinze da manhã, e ainda dá parágrafo cochilar uns 45 Minutos" - pensei comigo mesmo.
    - Hoje vai ter jogo do Brasil, né? - Pergunta um dos abrigados.
    - Vai sim, é esse jogo change vai mudar as nossas vidas. - Respondi, ironicamente.
   Não gosto de confusão e zoar  pessoas que não conheço direito, mas o cara vem me falar do "jogaço" da seleção do Dunga contra a poderosa Seleção da Austrália, às quatro da manhã e em pleno horário de verão? Fala sério ...
    O sono me proporcionou um sonho legal. Não foi nada de Extraordinário, me Lembro apenas que estava conversando com duas pessoas. Mas como um sonho tão simples pode ser considerado assim tão legal?
    É que  neste sonho era o antigo Julio que estava falando e não  o paranoico atual que vos escreve. Era um cara distraído e que não reparava em nada em sua volta. Acho que todo sonho de portador de esquizofrenia é se ver Livre desse transtorno. Ganhar na Mega Sena talvez fique em segundo plano, pois com uma cabeça cheia de paranoias não dá á Vontade de se fazer muita Coisa. Acho que até aumentaria a mania de perseguição por ter muita grana guardada no banco.
    Nao tenho certeza se neste sonho estava dormindo profundamente ou se apenas estava pensando enquanto cochilava. A única coisa que sei é que sou um paranoico assumido e que sonha a todo momento em voltar a morar em meu canto. Mas não precisa ter medo do esquizo aqui, sou paranoico, mas sei me controlar. Muitas pessoas sequer desconfiam que são paranoicas  e então cometem atos de violência pensando que estao corretas. É preciso nos conhecermos melhor e mais profundamente. Surtar, no meu caso, teve esse lado positivo, pois, estudando a esquizofrenia passei a me conhecer e a me entender melhor também.
    Uma das coisas que mais tenho saudades é a de sair andando pela cidade sem reparar em nada e em ninguém. Como era bom ir ao cinema e prestar atenção somente no filme!
    Por isso hoje o meu projeto é ter o meu cantinho, uma TV LCD e um home theater, ou seja, um pequeno cinema em casa. Pode até parecer frescura, mas para quem permanece cerca de 23 horas dentro de seus aposentos se faz necessário ter algo para passar o tempo. Assistindo um bom filme consigo me desligar desse mundo maluco. Quando jogo futebol então é que consigo esquecer de tudo. Às vezes faço mosaico no centro de convivência, e também consigo dar uma boa desligada do mundo. Enfim, tudo é complicado em uma mente paranoica, como a minha.
    Muita gente procura fugir do mundo usando drogas como o ​​álcool, Outros procuram o isolamento. É o tal do  escapismo , Quem me apresentou à essa palavra foi um padre que preferiu seguir a vida religiosa. Eu fujo deste mundo em meu mundo, viajando nos  filmes e seriados de TV.
Cada um "escapa" do mundo de SUA Maneira

Eficiente?
    Tenho consciência de que, neste momento atual não estou bem. Quero trocar o medicamento, a risperidona me dá uma fome danada, e, consequentemente um considerável prejuízo financeiro, além de aumentar os meus níveis de colesterol e triglicerídes....
    Ontem (17/11) avistei, na fila de entrada do abrigo, um Opala preto de quatro portas passando lentamente pela rua. Naquele instante não dei muita importância ao fato, mas, depois que avistei algumas pessoas com  quem tive pequenos atritos por não respeitarem o sono alheio, as paranoias voltaram com uma intensidade parecida com a dos surtos que tive.
   Comecei a Pensar que os caras do Opala estavam à minha procura. Havia quatro caras no opala de quatro Portas. Se estavam andando devagar era por que realmente estavam procurando algo. Geralmente esse tipo de veículo é usado para facilitar a saída e a entrada da bandidagem em uma fuga
    Essas Situações provocadas pelas paranoias são bem estressantes, mas Não me Desespero. Se querem me matar realmente, então que façam isso  o mais rápido possível. Creio Que essa minha  indiferença com a vida terrena  me ajuda a não ser agressivo. Digo indiferença e não vontade de me auto exterminar, o que é bem diferente. Se querem tirar a minha vida por não ser um cara "sociável", então que me eliminem, Como se fosse a vida fosse um BBB, um jogo cheio de falsidades e interesses. Não irei mudar o meu jeito de ser apenas para agradar as pessoas.
    Neste abrigo não sou bem quisto. Alias, me estranharia se fosse neste ambiente popular. Não converso muito, e isso às vezes é confundido com "mitidez". Estou estressado, e às vezes digo coisas que não queria falar. Sei que este não é o meu  lugar, este abrigo às vezes se parece  com uma cadeia (Nunca estive em uma para poder fazer e comparação. Só fui em uma quando trabalhava como operador de som. Mas não se assustem, estava na penitenciária trabalhando na Inauguração da mesma. Teve Até salgadinho e foi necessário o serviço de som para que as autoridades pudessem falar, acho que era ano de campanha política.
    Nos Primeiros surtos que passei, tive muitos pensamentos persecutórios Bem parecidos com este que tive em relação ao Opala preto de quatro portas. A diferença é que naquela época imaginava que o mundo inteiro queria me matar,  e não somente um grupo específico de pessoas, como penso agora. (Hoje sei que naquela oportunidade uma pessoa apenas quería tirar a minha vida, se aproveitando do meu estado mental. Sei Que superdimensionei uma realidade). Tinha algumas pessoas querendo que eu me desse mal, mas Não era o mundo inteiro. Então, depois de vários dias surtado e fugindo dos inimigos que estavam em minha mente, minhas energias se esgotaram. Parei de fugir das pessoas e pensava que os catadores de material reciclável queriam a todo custo me matar. Era o ano de 2003, e estava no meu segundo surto psicótico. Naquela Época, certos catadores não se davam muito bem com os moradores de rua que não trabalhavam e ainda tomavam umas cachacinhas. Certa noite avistei um catador e não fugi como sempre fazia. Permaneci deitado, imaginando que ele voltaria com seus amigos para darem o fim em mim. Não me desesperei, Já estava cansado de fugir de tudo e de todos. Então, se me matassem, o sofrimento também cessaria. Considero isso um breve momento de lucidez inconsciente de uma mente paranoica e surtada.
    O ambiente neste abrigo é um pouco carregado e tenso, na maioria das vezes. Já disseram que ali funcionava um IML e que o local, talvez esteja povoado de espíritos que perambulam pela terra. Almas penadas, que não foram boazinhas o suficiente para irem para o paraíso, mas que também não foram tão mazinhas para queimarem eternamente nas chamas ardentes do inferno. Mas não creio que fatores sobrenaturais sejam a causa do ambiente pesado. São muitas pessoas  vivas confinadas, cada uma com seus problemas.. Então, qualquer coisinha pode ser motivo para uma briga ou discussão. Até mesmo a abstinência do álcool e das drogas causa uma certa confusão.
o autor Deste comentário provavelmente NÃO Precisa fazer Serviço do SUS ...
     Nesta Situação e ambiente, eu nunca poderia estar Bem. Sei que preciso conversar com um psiquiatra sobre Medicamentos. No CERSAM me informaram que só atendem emergências. Já no posto de Saúde, onde pego os medicamentos, o clínico Geral que me atende-me disse que não tem permissão para trocar medicamentos psiquiátricos. Fui em um hospital no centro da cidade e me informaram que talvez no ano que vem apareça uma vaga. pois o pessoal já está de férias. Cade a eficiência citada no comentário acima? Essa pessoa só pode estar Brincando, ou então não depende do SUS e nem  assiste noticiários da TV. Não deve ter noção do que é esperar uma consulta com um especialista, por exemplo. Na minha primeira andança, há quase dois ano atrás, tive uma tendinite que me fez mancar por alguns meses. Ficaram de marcar uma consulta com o ortopedista e até hoje Não me ligaram .... Essa pessoa que fez o comentário acima, quando pega uma dengue, sera que vai para uma UPA para  ser atendida no corredor e esperar cerca de doze horas? Ou sera que o SUS é realmente eficiente, e estão me boicotando por critica-los Aqui no blog? (brincadeira, não estou tão paranoico assim....)
    Meu caso não é extremamente grave, mas é complicado O sofrimento não deixa de ser menor talvez por eles  acharam que estou estabilizado. Mas a verdade é que não existe uma medicação contra a realidade deste mundo. Cada um escolhe um maneira de escapar dessa loucura toda. Não uso e nem quero usar drogas, prefiro ficar no meu cantinho, e literalmente viajar assistindo filmes.
    Paranoias: Elas não diminuíram, apenas meio que me acostumei com elas e aprendi a lidar melhor com este mal que assola a cabeça de tanta gente.

Sincronicidade

                                                   Meu Mundo E Nada Mais
    Já  abordei o tema escapismo nesta postagem , Quería colocar a música "Além do Horizonte", do Roberto Carlos, ou então "Vamos Fugir" com o grupo Skank. Mas no dia em que digitei esta postagem e arquivei  como rascunho, resolvi baixar algumas músicas do Guilherme Arantes e do  Flávio Venturinni. De tarde, já no parque ecológico, comecei então a ouvi-las e quase não  acreditei quando rodou "Meu Mundo e nada mais", do Guilherme Arantes. Tive que ouvi-la de novo para constatar se era realmente verdade o que tinha acabado de escutar. Era coincidência demais, com o que estou vivendo e passando. Ou seria a tal  sincronicidade?


Meu mundo e nada mais
Quando eu fui ferido
Vi tudo mudar
Das verdades
Que eu sabia
Só sobraram restos
Que eu não esqueci
Toda aquela paz
Que eu tinha
Eu que tinha tudo
Hoje estou mudo
Estou mudado
À meia-noite, à meia luz
Pensando!
Daria tudo, por um modo
De esquecer
Eu queria tanto
Estar no escuro do meu quarto
À meia-noite, à meia luz
Sonhando!
Daria tudo, por meu mundo
E nada mais

sábado, 15 de novembro de 2014

A química do cérebro


                              Outubro negro
    Creio que o 10º mês deste ano tenha sido o mais difícil para a realização do meu projeto de voltar a ter o meu cantinho de volta. Finalmente consegui, depois de muito custo, adquirir a tão sonhada TV de LCD.
    Nessas andanças, sempre quando via uma tv dessas em qualquer lugar, logo me imaginava assistindo um belo filme deitado confortavelmente em uma cama. Quando lia nos jornais os filmes que iriam passar nos canais de TV, me dava um aperto no coração e uma enorme saudade do meu quartinho lá em Ipatinga! Mas não me arrependo de nada do que fiz. Essas andanças que fiz não tem preço, quer dizer, até que tem, e não foi tão caro, por dormir na barraca e assim economizar uma boa grana de hotel. Digo que o que não tem preço são as aventuras pelas quais passei, as pessoas que conheci e as paisagens pelas quais passei. Essas situações só aconteceram por que fiz o caminho a pé, na raça mesmo. Mas foi um sacrifício gostoso, uma coisa é se aventurar pelas br's, outra é sair pelas estradas de terra de Minas, onde geralmente encontramos uma água geladinha (seja da fonte ou das casas dos moradores), cachoeiras e gente para trocar dois dedos de prosa. Às vezes rolava um cafezinho, um biscoito, um bolo...
    Mas, voltando à TV, decidi que, para adquiri-la, teria que fazer um certo sacrifício neste mês de outubro, e abrir mão da broa de fubá, do pão de queijo e dos quitutes da culinária mineira. Ao receber o pagamento, fiz as contas, separei o suficiente para o almoço(o abrigo fornece a janta), comprei os sabonetes, o shampoo e então realizei o tão sonhado sonho de consumo.
    Mas não foi tão simples assim. Sabia que era dependente do açúcar, massas e outras gulodices para manter os níveis de serotonina em um bom patamar. Mas não imaginava que era tão dependente assim! Por causa dessa dependência, meus triglicerídeos já chegaram à casa dos 580mg, quando o máximo aceitável é 200mg. Mas, graças ao  ômega 3 e uma maneirada na comilança, consegui abaixar os níveis dessa indesejada gordura para 270mg, sem a ajuda da "milagrosa" sinvastatina.
quem não ficou com água na boca?

    Praticamente "murchei" sem as gulodices, neste mês. Emagreci dois quilos, parecia que eu estava doente. Desânimo total. Não aguentei, no final do mês abri conta em três padarias para comer algumas tortas de chocolate e broas. O desodorante acabou, e tive que comprar um fiado na farmácia. O cara não foi nada legal, parecia que estava me dando o desodorante e não me vendendo para pagar depois, nem me deixou escolher e me passou um que tem um cheiro muito forte. Por alguns dias fiquei na dúvida se o cheiro do meu suvaco não seria menos ruim do que o desodorante passado pelo farmacêutico.
desodorante Le Gambe
Pior do que isso
só o seu cecê
    Ainda bem que não estou na cidade onde tive os surtos, pois certamente iriam dizer que eu estava com aids. Eu estava me sentindo tão mal fisicamente que cheguei a pensar que uma mulher que fez uma oração para mim, era, na verdade, uma pessoa do mal. Eu estava na estação do metrô São Gabriel, quado ela apareceu de repente e me perguntou se eu queria uma oração. Respondi que sim, e ela me pediu para estender a palma das mãos. Ela colocou sua mão sobre a minha e fez uma silenciosa oração, não dando para entender o que dizia. Depois foi embora rapidamente. Na hora não achei estranho, mas depois percebi que ela não fez como os demais evangélicos, que costumam conversar um pouco com a gente. Então, assim que comecei a ficar irritado com a abstinência do chocolate e outras bobeiras, comecei a pensar que essa senhora tivesse feito algo de mal, rogado uma praga contra mim, sei lá... Fiquei me culpando por ter confiado em uma pessoa estranha e pedi para Deus que me protegesse das pessoas que fazem esse tipo de coisa. Agora estou com mais uma paranoia, não irei deixar qualquer pessoa fazer oração para mim, a não ser que esteja em uma igreja.
    Fiquei um pouco "bolado" aqui em BH, pensando que as pessoas talvez estivessem pensando que eu estivesse usando drogas, mas precisamente o crack. Mas a única droga com que estou me envolvendo ainda é o meu time, que atualmente não ganha de ninguém. Já tentei parar de torcer, mas não consigo. O máximo que consegui fazer é deixar de ser fanático, mas fico triste quando ele perde, apesar de saber que, mesmo depois da derrota, os jogadores irão para uma churrascaria ou então para o conforto de suas casas, isso quando não caem na balada. E eu continuarei aqui no abrigo, às vezes até sem dormir, por que as noites por aqui costumam ser agitadas...
    Voltando à química do cérebro, gostaria de dizer que a felicidade não é apenas estar com os níveis da serotonina dentro dos padrões. É um conjunto de fatores, que não irei me estender, pois não me julgo capaz de definir o que é a felicidade, se é que existe uma definição única, ímpar, para esse estado de espírito. Vejo pessoas felizes com tão pouco e muita gente infeliz com muitos bens materiais. Mas, por experiência própria, se a química do cérebro não estiver ok, a pessoa pode ser milionária que não achará graça em nada, nem em seu iate de não sei quantos mil dólares... O dinheiro irá apenas amenizar a situação. Prefiro ficar triste e deprimido em uma bela casa de praia do que em um albergue ou até mesmo nas ruas.
    Com a TV comprada, falta pouca coisa para se concretizar o projeto Meu quarto Minha vida. As andanças deixaram de ser um prazer quando comecei a juntar dinheiro. Já são quase dois anos com a mochila nas costas. O primeiro ano foi o máximo, o vento na cara, a sensação de liberdade, dormir onde quiser e não ter que pagar aluguel... Poder planejar as viagens... Mas o cansaço foi tomando conta de mim, afinal não sou mais um garoto. Mas, pior do que as dores físicas é o preconceito. Dói demais ser confundido com um malfeitor, eu que sempre procurei ser uma pessoa correta(não um santo, mas ético, pelo menos). Hoje só devo o banco, que não quis negociar a dívida do cartão.
                                                             
    Mas agora o que tenho que fazer é esperar e ter muita paciência apenas. Nada de viagens, meu pé esquerdo já está um pouco detonado por causa do peso da mochila. O jeito é ficar quietinho, lá no parque, mas os dias parecem intermináveis. Outro dia, uma menina, ao me olhar, disse para sua irmãzinha que se aproximava de mim:
    - Cuidado com o doido!
    A menina começou a chorar e deu meia volta, ao encontro de seu pai.
    Ri da situação. Na verdade fico ofendido se me chamarem de normal. Estou com os cabelos compridos, barba por fazer e com a mochila nas costas A menina talvez tenha ouvido a história do homem do saco. Mas isso não tem o menor problema para mim, ser taxado de louco em uma sociedade que nem sabe cuidar do planeta onde vive. Às vezes penso, quando alugar um quarto, andar extremamente bem arrumado, para não ser mais chamado de doido, mendigo ou andarilho. Mas, penso um pouco e chego à conclusão de que isso não pode ser uma boa ideia. Andar bem vestido poderia chamar a atenção dos meliantes, e nem pensar em comprar smartphone da samsumg. Me lembro que, quando era rockeiro, escapei de um assalto quando os larápios viram minhas calças rasgadas de metaleiro. Só faltou os caras me darem uns trocados..
Se correr o bicho pega, se correr o bicho come...




sábado, 8 de novembro de 2014

Eu que sou doido?


    Gostar de mais faz mal?
    O Chimbinha se apegou tanto a minha pessoa que acabou se tornando um grande problema para mim. 
    Logo de manhã, quando chegava ao parque ecológico, ele vinha alegremente correndo em minha direção, como se estivesse me dando um bom dia. Ele não sossegava enquanto eu não o acariciasse e brincasse com ele um determinado tempo. E parecia que ele tinha anotado esse tempo em sua cabeça, pois, no dia em que eu não estava a fim de muita conversa, eu apenas passava a mão em sua cabeça. Mas ele não se contentava e eu tinha que fazer sempre o mesmo ritual: brincar bastante, fazer cócegas em sua barriga e ainda lhe dar um pão(tinha que ser novo, velho ele não come) Se não fizesse o ritual, ele nem me deixava ler o jornal. 
    Mas, com o tempo, ele acabou mostrando o quanto é ciumento e possessivo. Na minha companhia, enfrentava cachorros bem maiores do que ele, e não deixava mais ninguém se aproximar. Quando estava longe de mim, tinha até medo de filhote de poodle. 
quem tem medo do Chimbinha?
     Com o tempo a coisa foi piorando. Qualquer pessoa que se aproximasse do seu território demarcado, ele corria atrás e latia muito. Claro que eu sei que ele não iria morder ninguém, o dog estava apenas querendo demonstrar quem manda no pedaço. Quando eu estava viajando pela estrada real, não raramente um bando de cachorros saia das casas nas estradas de terra e iam em minha direção. Eu apenas ficava calado e continuava a caminhada e nunca fui mordido por nenhum cachorro.
     Além de tudo, o Chimbinha não é grande e é magrinho, mas nem todo mundo tem noção de psicologia canina. Tive que ouvir várias reclamações, pois todo mundo que frequenta o parque pensa que eu sou o dono do animal. Até quando ia ao banheiro ele me acompanhava. É um cachorro diferente, olha bem nos olhos da gente. Não sei se é loucura minha, mas chego a pensar que ele está querendo me dizer algo. 
   A situação ficou tensa certa manhã, quando um cara, de uns 50 anos ficou uma fera com a latição do Chimbinha e acabou pegando uma pedra enorme do chão:
    - O senhor está com medo de um vira latas desse tamanho? - perguntei.
    Essa simples indagação foi o suficiente para o cara explodir e descarregar toda a sua raiva em mim. Não me lembro de tudo o quanto fui xingado, mas não foi pouco. Mas ele não conseguiu o que queria, que era me deixar irritado também. O máximo que fiz foi pegar também um pedaço de pedra, para fazer o mesmo que ele estava pensando em fazer: usar a ignorância e a violência. E a verdade é que ele tinha algo de ruim guardado dentro de si, e queria descarregar tudo no cachorro e em mim também. 
    Apenas continuei ouvindo a sua xingação, e, como naquele dia estava extremamente bem humorado, pedi para que ele fizesse o que o levou ao parque: exercícios físicos, pois a sua barriga estava bastante saliente. 
    Dias depois algo aconteceu que me fez mudar de opinião sobre o Chimbinha: ele correu atrás de uma criança. Cachorro tem esse instinto de sair correndo atrás de tudo que se move, até de carros e motos, não sei com qual finalidade eles tentam morder os pneus dos veículos. Percebi que o negócio poderia ficar sério e dei uns tapas nele. Mas não adiantava, ele demarcou o território e se achava o dono da área. Falei para o pessoal do parque sobre a situação, mas em vão. Eles apenas recomendaram a dizer para as pessoas que o animal não era meu. Cheguei a sugerir que o levassem para a sociedade protetora dos animais, mas não deram muita atenção. 
os cães latem para demonstrar que não estão satisfeitos com a presença de estranhos na sua área

    Então, quem seria responsável caso o Chimbinha mordesse uma criança, por exemplo? O parque, por saber da situação e não tomar nenhuma providência, ou eu, por simplesmente alimentar e brincar com o animal? Os guardas municipais não são contratados para manter a ordem a segurança do patrimônio público?
   Claro que a corda sempre arrebenta para o lado mais fraco e senti que tinha que tomar providências. Nessa hora me perguntei se era eu quem tinha realmente um transtorno mental... Me considero mais responsável do que os responsáveis pelo parque e decidi que tinha que arrumar alguma maneira do Chimbinha desgostar de mim. 
    Passei a não dar mais comida para ele, pensando que talvez fosse apenas um cachorro interesseiro e faminto. Mas me enganei, ele queria mesmo era a minha companhia e o meu carinho, permanecendo sempre ao meu lado enquanto estivesse no parque, me acompanhando até a saída. Ele continuou a latir para as pessoas que entrassem em seu território, ainda mais quando eu estava por perto. 
    Tive que ser forte, e, a contragosto, dei umas chineladas no Chimbinha. Descarreguei um pouco de minha raiva também. Raiva por não ter condições para mal me sustentar e alugar um barracão e ter um animal de estimação. Ele se afastou de mim, mas logo depois, aos poucos, bem de mansinho, se aproximou novamente de mim, como o seu olhar de "pidão". 
    Já estava cansado e estressado de ter que explicar a todos que ele apenas latia e que não era o dono dele. O jeito foi dar umas palmadas mais fortes e dar uma correria atrás dele. 
     Este método funcionou, e o Chimbinha passou a ter medo de mim. Mas em poucos dias ele ficou mais magro, triste e muito mais medroso do que antes. Mas eu não tive outra alternativa. Agora ele anda escondido no mato, e raramente aparece em seu território demarcado. 
   Depois do medo inicial, ele agora está apenas com receio de se aproximar de mim. Mas continua a me olhar nos olhos, como se quisesse me pedir desculpas, ou algo parecido. O Chimbinha tinha uma coleira e parecia ter um dono, talvez por isso seja tão dependente de uma pessoa. Ele não é como a maioria dos vira latas que já nascem nas ruas e sabem se virar. Nos dias de chuva ele fica desolado e tremendo de frio, enquanto os outros cachorros brincam descontraidamente no parque, não se importando com a água que cai do céu. 
    Às vezes me dá vontade de me aproximar dele, mas sei que, se fizer isso, tudo vai começar de novo. Ai sou eu quem olha para os seus olhos, dizendo:
    - Chimbinha, seja forte, eu não posso te adotar, e com o tempo você vai aprender a se virar como todo cachorro de rua. Infelizmente você é um SRD(sem raça definida) e dificilmente será adotado, apesar de toda a sua fidelidade. Mas, em compensação terá a liberdade de ir para onde bem quiser.
    Vejo o cachorro de algumas madames. São lindos, pelos lisos, tomam banho com xampu e condicionador. São obedientes, mas seus olhos demonstram tristeza....

-obs: escrevi este post há uns sete dias atrás. Aos poucos o Chimbinha foi se aproximando de mim. No começo nem olhava para ele, mas, com o tempo, acabou me seguindo de novo. Não tenho coragem e não sou mal para dar uma surra nele para que se afaste de mim. Não resisti e dei comida para ele novamente e agora voltou com a latição de novo. Já ameaçaram o pobre dog de morte e não sei o que fazer. Conversei novamente com os guardas municipais do parque e a resposta foi a mesma: "diga que o cachorro não é seu". Quero ver se o pai de uma criança irá compreender a situação e não me xingar de tudo quanto é nome, isso se não querer me agredir. O que você faria nesta situação?