sábado, 27 de setembro de 2014

Missão quase impossível?

 
    A coisa está tão complicada que estou cogitando ir à igreja de São Judas Tadeu, o santo das causas impossíveis. Estou tão deprê que penso que esse lance de inferno astral não é realidade mesmo. A tristeza, aliada à mania de perseguição, me faz pensar se alguém não colocou algo em minha comida para me envenenar. Já deixei de frequentar certos lugares, e presto muita atenção quando peço algo em um estabelecimento: quando como um pão com manteiga, sigo sem desgrudar os olhos as mãos da balconista.
    Penso em voltar a tomar a sertralina, mas não quero ficar dependente de remédios. Usei esse medicamento uma vez, e me lembro que deu até um resultado. Certo domingo me peguei achando graça naqueles programas que passam de tarde, parecia que estava usando alguma droga para ficar feliz. O momento é complicado, estou ciente disso, e sei que antidepressivo não vai resolver estes problemas de origem financeira. Morar em albergue tem a vantagem de não se ter muitas despesas, mas não adianta se não temos liberdade e paz. A galera que fuma no abrigo fica uma fera quando os descobrem, ficam tentando achar o "caguete", mas não admitem que vacilaram, pois este abrigo tem até guarda municipal. Outro dia disse para o cara não dar bobeira, pois se o guarda não descobrir quem estiver fumando, todo mundo do quarto tem que dormir na rua. Ou seja, por causa de um fumante todo mundo tem que dormir na pista, no relento... E esses caras quando são pegos na maioria não assumem, e ai o barraco tá formado... Para mim, podem fumar a vontade, mas que segurem a onda e sejam homens.
o santo das causa impossíveis
    Mas voltando ao início, fui a igreja de São Judas Tadeu quando tinha por volta de uns sete anos. Estava lotada, deveria ser o dia dele. Em uma sala, as pessoas depositavam algumas provas de seus milagres: geralmente cartas ou então réplicas  de membros para simbolizar a graça alcançada, dentre outras coisas.
    Quando cheguei em frente da imagem, a minha madrinha me pediu para colocar uma fitinha na testa e fazer um pedido:
    -Quero passar de ano... - foi o que surgiu em minha mente naquele momento.
    Na verdade, não tinha muito o que pedir: não faltava bola para brincar nas ruas, jogava war e banco imobiliário na casa dos muitos amigos que tinha, principalmente no prédio vizinho. Alguns moradores chegaram a pensar que eu morava no prédio, pois não saia de lá. Ah! E jogava também Atari, que era o vídeo game sensação da época.
Do you remember? 

     Não precisava pedir proteção para o santo, afinal o mal só existia para mim nos filmes de terror. Até o Drácula naquela época não era tão ruim assim. Ele só queria um pouquinho de sangue, de preferência de uma linda mulher, e, em troca lhe dava a juventude eterna. Quem se arriscaria? shasuahsuashuashs
     Então, passar de ano foi o único pedido que fiz, não gostava de estudar, só fazia isso o suficiente para não tomar bomba.  Hoje sei que isso não é nada legal, ainda mais quando nos é dado a chance de se estudar em um colégio particular aqui no Brasil.
    Hoje, penso em voltar a essa igreja, mas os pedidos seriam muitos: saúde mental e física, bens materiais, proteção contra os inimigos, etc... Esse seria o primeiro pedido:
    - Livrai-me da esquizofrenia...
    O segundo seria:
    - Livrai-me dos inimigos...
    Ai paro para pensar. Que inimigos? Os que eu tenho de verdade ou os que eu imagino ter? Teria que mudar o pedido, para saber distinguir o que é coisa de minha cabeça da realidade...
     Acho que esse caso nem São Judas Tadeu resolve...
    Deixa para lá São Judas, se livrar o meu time da segunda divisão já está de bom tamanho...
Em breve irei publicar e imprimir um livro contendo os posts mais acessados e comentados do blog, juntamente com os que eu considero os melhores. Quem se interessar é só entrar em contato por email:
juliocesar-555@hotmail.com
O preço ainda não tenho ideia, ainda não tenho certeza de quantas páginas será o livro.

-obs: hoje em dia não tenho religião, tenho a minha crença e respeito a opinião de todos.

Você Se Lembra? 
Nós nunca falamos sobre isso, mas ouço que a culpa foi minha
Eu ligaria para pedir desculpas
Mas eu não queria desperdiçar seu tempo
Porque eu te amo, mas não consigo suportar mais
Tem um olhar que eu não consigo descrever em seus olhos
Se nós tentassemos, como tentamos antes
Você continuaria a me dizer aquelas mentiras?
Você se lembra?

Parecia que não tinha jeito de fazer as pazes
Porque parecia que você tinha tomado sua decisão
E o jeito que você me olhou me disse
É um olhar que eu sei que jamais esquecerei
Você poderia ter vindo pro meu lado
Você poderia ter me deixado saber
Você poderia ter tentado ver a distância entre nós
Mas parecia longe demais para você percorrer
Você se lembra?

Durante toda a minha vida
A despeito de toda a dor
Você sabe que as pessoas são estranhas as vezes
Porque elas apenas não esperam se machucar de novo
Me diga, você se lembra?

Existem coisas que não vamos recordar
E sentimentos que nós nunca acharemos
Está demorando tanto para ver isso
Porque nós nunca pareciamos ter tempo
Havia sempre alguma coisa mais importante para fazer
Mais importante para dizer
Mas "eu te amo" não era uma dessas coisas
E agora é tarde demais
Você se lembra?


Link: http://www.vagalume.com.br/phil-collins/do-you-remember-traducao.html#ixzz3EWLhFbFP

sábado, 20 de setembro de 2014

Divagações esquizofrênicas


As pancadas que a vida nos dá


  
futebol, crimes e fofocas sobre famosos, essa é a fórmula do sucesso do jornal...
   Estava meio pra baixo(totalmente, para falar a verdade) quando vi a frase acima em um jornal que costumo comprar, aqui em Belo Horizonte. Ele custa apenas 25 centavos, até que tem algumas coisas interessantes, mas não foge muito do formato que atrai a maioria das pessoas: tragédias, futebol e fofocas de famosos, principalmente mulheres.
    Tirando as fofocas e os crimes, até que dá para se ler alguma coisa: cultura, notícias interessantes e as palavras cruzadas de nível de dificuldade médio.
     Incrível como as palavras tem uma força, um poder invisível e às vezes invencível de nos motivar ou nos afundar mais ainda. 
    Acho que fiquei uns 15 dias nesta fase meio down. Às vezes chego a pensar que sou bipolar. Nem participei do campeonato de futebol entre os "cersams" de Belo Horizonte. Estava muito animado para participar, incentivei a galera para treinar para não fazer feio, mas, no dia da primeira partida estava mais sem graça do que o vilão quando cai o pano. Sou fominha de bola, jogo até me esgotar completamente, mas, quando bate esse desânimo... Semana passada nem pensei em publicar um post. 
    Meu estado de ânimo muda tanto e com tanta facilidade que procuro evitar de marcar compromissos. Há alguns anos atrás um psiquiatra que me atendeu em uma certa emergência chegou a me indicar o lítio. Mas o que me acompanhava normalmente disse que não era necessário. Hoje sei que a esquizofrenia e a bipolaridade tem alguns sintomas em comum e que não é raro o mesmo paciente ter diagnósticos diferentes. 
    Mas, voltando à frase, quando a vi me lembrei do momento em que tentaram me roubar o notebook em São Paulo. Eram três caras: um me derrubou por trás e os outros dois ficaram chutando a minha cabeça. Se reagisse, provavelmente perderia o note. A solução que encontrei foi me encolher como um tatu bola e ver até quando iria aguentar as pancadas, até quando iria resistir. Os caras estavam quase desistindo e, para minha sorte apareceu um senhor de idade que sacou algo de seu bolso e que assustou os meliantes. Se era um celular ou um revólver, não sei dizer... Quase não havia policiais nas proximidades, era dia de jogo de copa do mundo no Itaquerão, e a polícia estava trabalhando para a fifa protegendo os gringos... 
    Não recomendo à ninguém que faça o mesmo. Mas é difícil entregar assim com tanta facilidade algo que conseguimos comprar com tanto esforço. O negócio hoje está tão complicado que daqui a pouco rico vai ter que se fantasiar de pobre para não ser incomodado.
    Quando morava em Ipatinga, resolvi comprar um PC ao invés de um notebook. "Assim o ladrão vai ter  mais trabalho na hora de praticar seus delitos, por causa do monte de fios... " pensei. 
    Hoje em dia minhas compras estão condicionadas aos ladrões. Hoje tenho um celular bom, mas simples. Ele não é touch e não é da Samsumg, o preferido dos assaltantes. Tinha um com tv digital e era touch, mas, certa noite, quando dormi com o rádio do aparelho ligado, um @#$%  cortou a minha barraca e o levou embora. Nem pensei em correr atrás do meliante, até eu abrir os quatro zippers da barraca... 
    Hoje, com esse celular a minha preocupação é menor. Percebo que ele não atrai tantos os olhares da galera como o anterior, que custou bem mais caro. Também já passei da fase de querer ficar tirando onda com celular. Tem gente que fica mexendo no aparelho só por mexer, para mostrar mesmo. 

Preconceito
    O preconceito contra os moradores do albergue é tão grande, que, certo dia, quando entrei em uma sorveteria, uma mulher, ao me ver, ficou assustada e correu até a mesa para pegar o seu celular. 
    - "Eu tenho um celular, não se preocupe, e ele é original..." ironizei.
    - O meu também é original, e custa 900 reais!- disse, com toda a pompa, a moradora do bairro. 
    Essa moradora do bairro 1º de maio, além de ser "mitida", provavelmente não deve pensar muito. Eu estava com uma mochila de 11kg nas costas. Como iria sair por ai para roubar? Ela não tem uma perna, usa prótese, mas com certeza correria mais do que eu com todo esse peso nas costas. 
    Então pensei: por que se sacrificar para comprar um celular e ficar estressado por causa da preocupação de vê-lo sendo roubado? Rico, quando é roubado, geralmente nem liga para o valor do produto, fica mais chateado com o trabalho de recuperar o número e os contatos. 
palavras podem machucar mais do que gestos

    Mas, voltando ao assunto, não falo das pancadas da vida no sentido literal. Essas muitas vezes são curadas, nem deixando cicatrizes em alguns casos. Falo de coisas que acontecem que são bem piores do que um soco na cara. O preconceito é uma delas. Até que não sofro tanto preconceito por causa da esquizofrenia, sou aposentado e não tenho que tentar me ingressar no mercado de trabalho. Também posso viver mais retirado, sem ter muito contato com as pessoas. Mas, no momento, como morador de rua o negócio é complicado, é preciso ser forte para relevar certas situações, como o mau atendimento no posto de saúde do bairro 1º de maio. Sou tratado como um lixo quando os funcionários descobrem que moro no abrigo. Creio que os outro albergados também sejam. Sou melhor atendido em outros bairros quando falo que sou morador de rua mesmo e que durmo na minha barraca. Prefiro pagar o metrô e ir para outro posto de saúde para pegar o meu pan nosso de cada dia.
    Algumas pessoas do bairro 1° de maio me parecem ser um pouco prepotentes, sei lá, acho que pensam que moram na Savassi... Já almocei em alguns restaurantes caros em outros bairros, com a minha mochila e com roupas simples, e não sofri nenhum tipo de preconceito, como acontece aqui neste bairro do abrigo. Está certo que alguns albergados aprontam, mas generalizar não é o melhor caminho. Procuro sempre ficar na minha e evito confusão, não mereço ser tratado como se fosse um bandido. Aliás, os comerciantes do bairro provavelmente não falam nada quando avistam um traficante entrando em seus estabelecimentos. 
    Mas não existiu pancada em minha vida tão forte como a esquizofrenia. Parece um direto no queixo, que quase nos leva à nocaute. Ficamos no chão, caídos, atordoados, sem saber o que está acontecendo. A contagem regressiva não dura oito segundos, pode durar meses ou anos, depende de cada um. Os remédios funcionam como um intervalo entre os rounds de uma luta, onde podemos nos recuperar do golpe, que, infelizmente, pode ser o fim da luta pela vida. Recentemente um colega de grupo do facebook faleceu por causa da esquizofrenia. Ele tinha um canal no youtube, cantava bem pra caramba e chegou até a aparecer no programa da Eliana, mas a música era outra sem ser essa do vídeo.


    Sei que vou sofrer um pouco de preconceito por causa da esquizofrenia na hora de alugar um quarto. Não tem como esconder que sou aposentado. Afinal, fico o dia inteiro no meu canto. Vou dizer o que? Vou inventar? Você alugaria um quarto para um portador de esquizofrenia? Vote na enquete, mas vote com a sinceridade, não ficarei magoado com o resultado. Eu entendo um pouco o preconceito em relação a esquizofrenia. Eu também tinha muito preconceito, antes de surtar. Pensava que um vizinho era doido e não esquizofrênico. Ele tinha movimentos involuntários da face e dos membros, e não parava de andar. Às vezes eu o encontrava dormindo nas calçadas da cidade onde morava. Confesso que cheguei a imitá-lo de brincadeira. Ele não dava sinais de loucura. Apenas ficava a maior parte do tempo sentado na calçada em frente de sua casa. Cumprimentava todos, mas seu rosto não expressava nenhum sentimento. 
    Hoje sei que ele andava sem parar por causa da medicação. Ele tomava haldol e a acatisia é uma reação adversa muito incômoda. E os movimentos involuntários são a tal da discenesia tardia, também provocada pelos medicamentos, principalmente os mais antigos. O rosto sem expressão provavelmente é o embotamento afetivo, e hoje eu tenho um pouco disso. 
    Eu tinha aquele preconceito não por ser uma pessoa má, e sim pela falta de informação. Ninguém me falou nada sobre o que era esquizofrenia. Para mim era simplesmente o nome de um disco da banda Sepultura, daqui de Belo Horizonte. Por isso escrevo o blog, mas não quero e nem gosto de aparecer. Se quisesse chamar a atenção faria outra coisa ou abordaria um outro tema que chamasse mais a atenção.
a minha intenção é atingir também quem não tem ligação direta com o assunto...
    A maioria das pessoas chegam a este blog por terem alguma ligação com o assunto, por isso estou saindo por ai colando panfletos do blog. Quem quiser pode fazer o mesmo, não irei reclamar sahsuashasuahsuashs
Queria que um número maior de pessoas entendessem de verdade  o que é realmente a esquizofrenia e que não somos esses monstros que a mídia(ou parte dela) insiste em mostrar. Queria que todos soubessem o quanto ficamos tristes quando somos marginalizados e discriminados. Monstros e loucos vemos todos os dias, basta abrir as páginas dos jornais.

esta "linda" mulher cortou o pênis do ex-noivo por não aceitar o fim do relacionamento
Eu que sou doido?
     Notícias como a da foto acima são muito comuns e passam quase desapercebidas pelas pessoas. É normal, faz parte do dia a dia. Além dessa "linda" mulher da foto, uma outra cortou o pênis do seu companheiro alegando que iria fazer sexo oral... Homens que matam mulheres também parece ser considerado normal. "Se não vai ser minha, não vai ser de ninguém", é o que esses caras devem pensar. Mas, e quando um esquizofrênico comete algo? Aí é o maior escândalo, vira manchete nacional e alvo de discussões. Nem questionam se o cara não está "dando uma de louco", seguindo a orientação de seu advogado, para cumprir a pena em um manicômio judicial ou então ter a mesma reduzida ou até mesmo ser considerado inimputável.


Adotem o Chimbinha!
juro que não pensei no guitarrista do Calypso na hora de batizar o cachorro, olhei para a cara dele e vi que tinha cara de Chimbinha...
  No início ele se aproximava um pouco de mim, lá no parque. Mas, quando eu me movimentava, ele saia assustado. Na terceira vez que me viu ele não correu. Então o acariciei e a partir daí não largou mais de mim. De manhã, ele chega a ser quase um chato, insistindo em receber um carinho por ter ficado tanto tempo longe de mim. Não me deixa ler o jornal. Quando um outro cachorro se aproxima, mostra os seus dentes e rosna ameaçadoramente. Mas ele é muito dócil e brincalhão e parece estar saudável. Ele é sem raça definida(vira latas mesmo) mas é uma boa companhia. Se pudesse, o adotava. Quem quiser ou souber de alguém e for de BH e se interessar, entre em contato comigo por email. Provavelmente o dog vive feliz no parque, livre e solto, com espaço de sobra para correr.  Os funcionários do parque dão um pouco de ração de pato e resto de suas refeições para ele. Mas creio que Chimbinha deve sofrer com o frio e com as chuvas de noite, e com os cachorros maiores também. Conheço muita gente que gosta dos vira latas, quem sabe não consiga uma casa para o Chimbinha. 
ele é vira latas mas é estiloso...

terça-feira, 2 de setembro de 2014

O bom filho ao albergue retorna...

  
    Pela terceira vez volto a este abrigo em Belo Horizonte. A capital mineira tem apenas dois albergues, que é um número considerado baixo, para o tamanho da cidade. Em São Paulo, pelo que deu para sentir, deve ter mais de vinte lugares para ficar em caso de necessidade.
    Na primeira vez, em abril do ano passado, fiquei apenas alguns dias, para me recuperar de uma tendinite que tive na minha primeira viagem, caminho do Padre Anchieta. Estava numa boa, curtindo a praia no simpático balneário de Barra de Jucu, quando bati o calcanhar em uma pedra no fundo do mar. Fui teimoso e percorri os 75km restantes manquitolando mesmo. Me aconselharam na praia a procurar uma UPA, mas todo mundo sabe como é o atendimento nestes lugares... Só procuro a UPA quando o negócio não tem jeito mesmo. Se já é difícil andar com a mochila em plenas condições físicas,  imaginem machucado.
    A segunda vez foi depois da viagem pelo caminho velho da estrada real. Foram 23 dias e 710km de muitas andanças e de muita ralação. Depois da viagem de volta de ônibus, meus pés ficaram muito inchados. E, além de tudo, estava muito cansado. Esse negócio de montar e desmontar barraca todos os dias cansa...
   Agora volto depois de oito meses em São Paulo. Muitas saudades de BH: das vitaminas consistentes e geladinhas, dos preços camaradas, do clima, do trânsito um pouco menos complicado. Do metrô com pessoas menos estressadas e mais calmas.. E, claro saudades do parque onde costumo descansar(de que que eu não sei...)
   Tive muitas incertezas na volta, já que poderia ficar mais dois meses no abrigo em São Paulo. Não sabia se voltaria a ser aceito no abrigo de BH, pois não era a primeira vez que o procurava. Tive que pegar um encaminhamento na rodoviária, mas deu tudo certo. Acabei sendo aceito, ser bom comportado vale a pena sim e tem suas vantagens, que, se não são imediatas, são bem mais lucrativas. O ambiente neste abrigo é tranquilo, às  vezes costuma ficar não muito bom, e é preciso muita paciência e tranquilidade para não fazer e falar algo de errado: é um cara que fura a fila na hora do  banho ou do jantar, é gritaria até tarde da noite, funk rolando naquelas caixinhas de se pendurar no pescoço e por ai vai. Às vezes ouço uma indireta de caras criticando a minha situação de aposentado, mas faz tempo que deixei de ligar para o que as pessoas pensam a meu respeito. E o papo não costuma ser muito sadio: drogas, crimes, caras contando suas proezas sexuais e detalhes de suas aventuras amorosas, etc. Homem tem muito disso, em uma rodinha costuma contar como foram suas transas. Contam quantas vezes conseguiram chegar lá e tals... Mas, para mim isso não quer dizer muita coisa, se é que o cara não está mentindo. Me pergunto se ele por acaso sabe se ela chegou lá também, se é que chegou, devido ao egoísmo. Mas chega desse papo de sexólogo, afinal, quem sou eu para falar sobre o assunto, já nem sei se meus preservativos estão com o prazo de validade vencido, pois as embalagens estão muito desbotadas.
olhem o estado, mas não é por que eu sou descuidado, é pela falta de uso mesmo...

    Mas, voltando ao assunto abrigo, gostaria de dizer para as pessoas não generalizarem e não discriminarem quem mora em um lugar desses. A maioria realmente está em dificuldades e querem mudar de vida, outros, por vários motivos, não conseguem um trabalho. Muitos trabalham e são do bem, mas uma minoria apronta e ai fica o preconceito. É aquele negócio, não é legal o preconceito, mas, por causa dessa minoria não é aconselhável dar muito mole ao pessoal  Roubo de celulares no albergue é muito comum, principalmente de madrugada. O cara dorme com o celular na cama e ai já era. Já até roubaram o meu relógio do Paraguai que me custou dez reais! Fui ao banheiro de madrugada e nem imaginei que alguém iria querer um relógio xing ling, com a lente trincada e todo colado. Então fui ao banheiro me aliviar e deixei o relógio na cama mesmo. E adivinhem o que aconteceu? Isso mesmo, um @#$%& roubou o meu xodó, meu companheiro de andanças! Há um ano que eu o comprei e fiquei chateado, cheguei a oferecer cinco reais para o meliante me "vender" o relógio, mas não tive sucesso em recuperá-lo. Acho que tem gente que rouba por prazer mesmo. Muitos tem problemas com drogas e álcool e por isso comentem esses pequenos delitos, outros querem realmente sair dessa situação, mas não encontram forças e nem ajuda suficiente. Mas muitos também estão acomodados com essa história de albergue. Eu mesmo confesso que fiquei um pouco acomodado, poderia ter juntado uma boa grana para pagar os empréstimos e comprar as coisas que quero em menos tempo. Mas creio que será  a última vez.
    Mas ainda nem sei se poderei permanecer no abrigo, pois ainda não conversei com a assistente social. Quando a vejo nos corredores, abaixo a cabeça e faço cara de sério, para ela não me reconhecer. Mas, se na conversa ela não me der o prazo suficiente para concluir o meu projeto, voltarei a morar na minha humilde barraca de camping. Antes meus projetos eram outros, queria se alguém na vida, ter coisas, possuir coisas, mas hoje, depois dos surtos meu projeto principal é ter paz e ficar em meu cantinho mesmo.
    Meu projeto é esse: voltar a alugar um quarto, depois de quase dois anos. Mas antes tenho que comprar as coisas que tinha antes de sair viajando por ai: um notebook, uma TV, um home theather e um frigobar. O note já comprei, e quase me roubaram em São Paulo. Levei algumas pancadas, mas não dei mole para os três meliantes que me cercaram. Mineiro é pacífico, mas não costuma afinar não...
    Já a TV e o home theather provavelmente irei comprar no próximo pagamento. A Dilma fez uma gracinha este ano(por que será?) e antecipou o 13° da galera aposentada. Para mim foi ótimo, vai ser alguns dias a menos no abrigo ou nas ruas. Mas se a "presidenta" pensa que conseguiu o meu voto... Aliás, se a Dilma fosse como eu, seria uma caminhante ou uma caminhANTA?
Aliás, muitos albergados estão preocupados com as eleições, a maioria está com a Dilma, por causa do bolsa crack, quer dizer, bolsa família.
    O frigobar fica para o próximo mês. Não tem como pagar aluguel e adquirir certas coisas. Chega a ser uma quase obsessão comprar os eletrônicos que tinha quando morava em Ipatinga.  Já perdi a conta de quantas vezes sonhei acordado, me vendo assistindo uma TVLCD de 32 polegadas ou curtindo um som no home theather. É mesmo uma obsessão: não quero o som comum, estéreo, tem que ser home thather! É uma sensação muito boa ouvir um show, parece que estamos no meio da plateia, com as caixas espalhadas pelo quarto. Coloco duas atrás da cama e as outras quatro perto da TV. O som do público sai nas caixas traseiras, e os instrumentos, juntamente com outros efeitos(ecos, reverber) saem "dançando" pelas caixas.
    Já o note é onde encontro os meus amigos, e onde aprendi muitas coisas, através das pesquisas, inclusive sobre a esquizofrenia. Aprendi também que não devemos nos impor limites, pois havia colocado em minha cabeça que nunca iria aprender a mexer em um computador e muito menos digitar sem olhar para o teclado. Já o frigobar é uma questão de saúde mesmo, onde guardo as frutas e verduras, além de yogurte. Tomo também um produto natural chamado Enziplus, que me dá um bem estar danado, com a sensação de que tudo está funcionando perfeitamente em nosso organismo. E essa boa sensação física acaba refletindo na parte mental, pois creio que está tudo muito ligado.

    No início me senti deslocado no albergue, apesar de ser a terceira vez que vou para lá. A turma havia mudado. Encontrei alguns que ainda estão por lá. Fiquei feliz por revê-los, mas de um certo modo triste também, pelo fato de ainda não terem saído dessa situação. Morar em albergue é um pouco complicado: fila para entrar, para tomar banho, para guardar a mochila, pegar a toalha, jantar, devolver a toalha, etc... A conversa do pessoal às vezes não é das mais sadias. Não me considero melhor nem pior do quem está por lá, mas me interesso por outros assuntos. É um sacrifício ter que ouvir tanta coisa que não nos interessa e que não achamos graça nenhuma. Mas esse sacrifício vai valer a pena, meus empréstimos estão quitados e, na ponta da caneta, vai dar para me virar e pagar um aluguel. Estou há muito tempo sem ficar em um cantinho, tirando às vezes em que ficava no meio do mato nas andanças...
    Já me perguntaram e creio que muitos perguntam por que eu não trabalho. Oras, se eu tivesse condições de trabalhar, eu não teria me aposentado. Adorava o que fazia, viajar e trabalhar com sonorização para shows, conhecer lugares novos e pessoas, mas hoje em dia isso não dá mais para mim. Aliás, o convívio social não é para a minha pessoa, tenho que ser realista, creio que dificilmente serei a mesma pessoa despreocupada de antigamente. Não creio que um medicamento irá mudar a minha mente.
     Morar em um albergue é como estar preso em um regime semiaberto, onde temos que nos apresentar todos os dias para dormir no local. Mas o pior de tudo mesmo é o preconceito: andando de mochila, e não muito bem arrumado, somos muito discriminados, principalmente no bairro. Eu ligo muito para isso, infelizmente. Sempre procurei ser um cara correto e ser confundindo com um meliante me deixa um pouco irritado, às vezes. Outro dia machuquei o meu dedão do pé e foi uma dificuldade para conseguir duas pedras de gelo no bairro onde se situa o abrigo. Em uma sorveteria, um cara, ao me ver, disse:
    - Hoje o ambiente não tá legal não...
    O engraçado é que provavelmente ele não deve dizer isso para os traficantes que moram naquele bairro...
     Eu entendo o lado de quem mora perto de um abrigo. Infelizmente uma minoria de usuários do serviço ficam na porta o dia inteiro, alguns aprontam, brigam, chegam a urinar nos postes. Eu mesmo não queria um abrigo em frente de minha casa. Mas sair discriminando todos ai já é um pouco de maldade.
     Na internet já sofri um pouco de preconceito por morar na rua, mas não preciso esconder nada de minha vida. Me considero um cara vitorioso por ter sobrevivido a tudo o que passei. Claro que não teria conseguido passar por todas aquelas situações complicadas sem a ajuda das pessoas. Foi por esse motivo que resolvi escrever o livro: queria contar que ainda existem pessoas boas neste mundo. Não disponibilizo o livro gratuitamente pois sonho um dia em vê-lo publicado. Se puder ganhar alguma grana com ele, ótimo, se não der, tudo bem. Tenho consciência que livro no Brasil para se ganhar dinheiro tem que vender bastante mesmo. Mas o importante é que esse história de sobrevivência e aventura foi registrada a tempo, pois consegui me lembrar da maioria das coisas que aconteceram antes, durante e depois dos surtos. É um engano acreditar que todos os portadores esqueçam dos fatos ocorridos durante os surtos, pois o que acontece é que ficamos fora da realidade, e não desmemoriados. Não perdemos o raciocínio, apenas pensamos baseados na realidade que se apresenta em nossa mente.
    Creio que vou ficar mais algum tempo no abrigo, ou nas ruas. Mas tenho que fazer isso. Já estou cansado desta vida. Parece que é uma vida boa, andar por ai sem destino, sem ninguém para nos mandar fazer isso ou aquilo. Mas tem a questão da higiene, do sono, da violência. Como costumo ficar praticamente 23 horas no dia no local onde moro, tenho que ficar mais um tempo nas ruas e comprar o restante do que quero ter. Não adianta nada morar em um quarto e não ter nada o que fazer. Acho que provavelmente piraria se fizesse isso.
    Morar no abrigo é a melhor opção no momento. Dá para ficar no parque durante o dia, que é muito tranquilo e cercado por enormes árvores, e de manhã o canto dos pássaros é um bom calmante.
    Às vezes, um cara do albergue, que afirma ter nascido na Nigéria vem conversar comigo. Ele é psicótico também, mas não é agressivo. Vive fazendo previsões de catástrofes, e diz algumas coisas sem sentido, mas ele não me incomoda, a não ser quando estou querendo ouvir música. Gravei um pouco de suas previsões, claro que, por motivos óbvios não gravei seu rosto, gravei o vídeo com a câmera do celular virada para o alto. Acho uma falta de ética e consideração gravar uma pessoa que não está em plenas faculdades mentais.


    E tem também o Chimbinha, um cachorro vira latas que mora no parque. Fiz apenas um carinho nele e agora não desgruda de mim. Não me deixa brincar com os outros cachorros e rosna quando alguém se aproxima de mim. No final da tarde ele me acompanha até a saída do parque, e para no portão. Ele fica me olhando, como se perguntasse se eu não o poderia levar para onde moro. Mas, por causa do barulho dos carros, acaba entrando novamente para o parque.
   Se pudesse, adotaria o Chimbinha. Ele é negro e vira lata, mas não sou preconceituoso e nem racista.

a torcedora afirmou que xingou o goleiro de macaco por que estava com raiva por causa do jogo...



então ela tem raiva há muito tempo...