Esse documentário que estou postando esta semana, é sobre um projeto criado no norte da Finlândia, voltado para os portadores de esquizofrenia. Neste país estão sendo obtidos os melhores resultados no mundo inteiro no tratamento desse transtorno.
Vamos divulgá-lo, quem sabe os nossos profissionais brasileiros não abaixem a guarda e reconheçam que o tratamento deixa muito a desejar. Houve uma evolução em relação à década de 50 com os manicômios, mas, como portador, posso dizer que os medicamentos atuais não são essa maravilha como andam pregando, e que falta muito para dizer que o tratamento em nosso país seja satisfatório.
-obs: não consegui postar o vídeo no blog, mas ele está disponível no youtube:
https://www.youtube.com/watch?v=vLCJfqiY3MA
Tratamento ideal?
Bem, quem me acompanha no blog sabe o quanto me sinto insatisfeito com o tratamento que é dado aos portadores de sofrimento mental em nosso país.
Gostaria, antes de tudo, ressaltar que existem sim bons profissionais, alguns bem intencionados, mas o método usado pela maioria não creio que seja dos melhores. Se esses métodos estivessem obtendo bons resultados, não existiriam, por exemplo, tantos grupos nas redes sociais abordando o sofrimento mental.
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questões como essa são frequentes... |
Outra questão é sobre o blog. Se os resultados dos tratamentos feitos no Brasil fossem satisfatórios. o que escrevo não teria razão nenhuma de ser escrito e de ser tão visualizado. Recebo o apoio de muitos portadores de esquizofrenia como também dos familiares e parentes dos mesmos, como também dos namorados(as) e esposos(as). Muitos que visitam o blog aparecem em busca de respostas que não foram encontradas nos consultórios. Está faltando alguma coisa, com certeza, os nossos profissionais deveriam se reciclar, abrir seus horizontes, buscar alternativas no tratamento, pois o que vemos não é nada animador no que se refere a recuperação de um portador de transtorno mental. Digo recuperação e não o "controle" ou o que eles chamam de "estabilização".
Não vou relatar a minha opinião, acho que a maioria sabe o que acontece no Brasil no que se refere a tratamento psiquiátrico.
Em se tratando do SUS, ai é que a situação se complica. Até que alguns profissionais são sérios, bem intencionados, mas a estrutura não ajuda. Por exemplo, em uma certa cidade onde morei, a consulta demorava, em média, cinco minutos! Era um único psiquiatra para uma cidade de 70 mil habitantes! Ele tinha o seu consultório particular, e aparecia no centro de saúde mental da cidade todos os dias, mas atendia apenas uma hora cerca de dez pacientes.
Me lembro bem da minha primeira consulta, em Belo Horizonte. Já havia me recuperado quase que totalmente do meu primeiro surto psicótico grave. Mas ainda muitas dúvidas rondavam a minha cabeça, não tinha ainda a mínima ideia do que havia ocorrido comigo, pensando que se tratava de algo espiritual. Fui então à um posto de saúde, conversei cerca de dez minutos com um psiquiatra, mas, como ainda estava morando nas ruas e não tinha um endereço fixo, não poderia ser atendido. Oras, que política de saúde é essa que um morador de rua não tem nem o direito de ser atendido? Fiquei irritado com o psiquiatra, pois ele poderia ter me avisado sobre isso antes de me ouvir. Comecei então a falar em voz alta na recepção. Disse que, a partir daquele dia, o meu endereço seria o do posto de saúde, e que não sairia de lá enquanto não fosse atendido. Infelizmente somos obrigados a dar um piti nos postos de saúde para sermos ouvidos e atendidos. As recepcionistas ficaram assustadas, uma chegou a comentar que eu era doido. Então me deram o endereço de um CERSAM(é tipo um CAPS) e tive que andar cerca de 7km até chegar até lá.
Estava me sentindo bem fisicamente e rapidamente cheguei ao local.
- Eu gostaria de ser atendido... - disse, ao ver uma enfermeira.
- Mas você não precisa estar aqui! - ela me respondeu rapidamente, ao olhar para mim.
Creio que já contei isto aqui no blog: a maioria dos profissionais da saúde mental pensam que, se uma pessoa estiver tomando banho, penteando os cabelos e usando roupas limpas, não precisa de atendimento nenhum.... Ou seja, quem está se vestindo adequadamente está em seu perfeito estado de saúde mental!
Foi isso o que aconteceu no CERSAM. Então, voltei ao posto de saúde, e, depois de uma nova reclamação, me deram um endereço de um outro local que poderia ser atendido.
Não perdi tempo e fui até a este posto de saúde, andando mais cerca de 5km, mas tive que esperar 60 dias até ser atendido, pois a consulta com o psiquiatra era concorrida... Fiquei esses dois meses nas ruas, mas, estava tranquilo, as alucinações haviam desaparecido. Conseguia dormir tranquilamente, nas calçadas,sem medo de nada... Quando chegou o dia, fiquei totalmente frustrado com o atendimento. Em menos de dez minutos, já sai praticamente diagnosticado e com a receita nas mãos, mas sem informação e sem orientação nenhuma.
O que acabei de narrar foi somente um dos poucos descasos que aconteceram comigo, e que acontecem diariamente em todo o Brasil. Era o meu primeiro surto psicótico, estava confuso, pensando que espíritos estavam me atormentando, e que tinha muitos inimigos. Obviamente que existem exceções, em Ipatinga-MG, fui muito bem atendido, a consulta durava cerca de meia hora, e devo boa parte da minha pequena recuperação aos pessoal que trabalhava neste lugar.
Mas o pior de tudo é a falta de diálogo mesmo, e a falta de informação. O atendimento geralmente se resume a uma entrevista com a psicóloga e depois a administração dos dopantes antipsicóticos...
No meu caso, sinto que era meio tratado como se tivesse um retardo mental, pois nenhum profissional chegou para mim e disse claramente o que eu tinha ou poderia ter. Apenas recebia a receita dos remédios com os psiquiatras e as psicólogas se resumiam a fazer perguntas e anotações...
O tratamento perfeito
Mas esse falta de informação e diálogo não acontece em todo o mundo. O tipo de tratamento usado no Brasil não é realizado em todos os países. No norte da Finlândia existe o projeto Diálogo Aberto. E é lá que são obtidos os melhores resultados em todo o mundo no tratamento da esquizofrenia. De todos os pacientes, apenas 30% chegam a tomar antipsicóticos. O restante é tratado com terapias, sendo que a maioria são ocupacionais. E também o respeito e o diálogo com o paciente, acima de tudo. Esses itens são fundamentais para a recuperação de um portador de esquizofrenia.
Vale ressaltar que, dentre esses 30% que tomam o antipsicótico, apenas a metade os tomam por um longo período, e alguns pelo resto de suas vidas. Ou seja, menos de 15% tomam os remédios por toda a vida. Já no Brasil.... Os que não tomam os antipsicóticos não o fazem não por que melhoraram, e sim pelo fato de não tolerarem os efeitos colaterais desses medicamentos. Na Finlândia quando o portador para de tomar, é por que já está recuperado.
Na Índia e em outros países do terceiro mundo, os resultados também são melhores do que nos Estados Unidos e na Europa, onde os antipsicóticos são a base do tratamento. Então, qual a razão de números tão animadores no tratamento da esquizofrenia na Finlândia? A resposta é simples, e está no próprio nome: Diálogo! A consulta é uma via de mão dupla, onde o paciente é ouvido e pode opinar sobre o tratamento. Isto mesmo, os portadores podem falar o que pensam a respeito do tratamento. Me lembro que, em uma certa cidade, o psiquiatra quase não me ouvia, chegando a me ameaçar, dizendo que eu iria para um hospício, caso não melhorasse, ou seja, tínhamos que nos recuperar na marra...
No documentário, os profissionais afirmam que aprendem com os pacientes, e que não sabem o que irão fazer na primeira consulta. Ou seja, não se acham os donos da verdade, por estudarem por alguns anos o assunto. Na norte da Finlândia, o paciente escolhe onde quer ser atendido, ou em casa ou em um outro local. E também afirmam que o tratamento e a abordagem na primeira crise é muito importante e decisiva para não se ter recaídas. Os familiares fazem parte das reuniões e também podem dar suas sugestões e opiniões, Enfim, é um diálogo aberto...
Na Finlândia, o tratamento não consiste nos remédios, como acontece no Brasil. A informação é dada ao paciente e aos familiares, e é o que eu sempre digo aqui no blog. A informação é uma arma importantíssima no combate à esquizofrenia. O respeito também é muito importante. Creio que fui tratado como uma pessoa com déficit mental em quase todas as consultas que tive... E mesmo se tivesse(ou se tenho, sei lá) não merecia ser tratado com respeito e ter acesso à informação?
Ocupar a mente também é fundamental. Por isso falo tanto na questão do
passe livre. Infelizmente em Belo Horizonte a maioria dos portadores de esquizofrenia não tem esse direito. Geralmente quem tem direito à esse benefício são os portadores que tenham um déficit de inteligência considerável.
Mas a esquizofrenia não é sinônimo de incapacidade de raciocínio lógico e de falta de inteligência. Ter um certo nível de inteligência não reduz em nada o sofrimento causado por esse transtorno. A informação ajuda e muito, mas não é a solução. A maioria dos portadores quando conseguem se aposentar, depois de muitos anos de sofrimento nas perícias, acabam recebendo apenas um salário mínimo. Os não aposentados dependem da boa vontade e compreensão de seus familiares. Enfim, devido ao alto valor das passagens dos ônibus, não temos condições nenhuma de realizar qualquer atividade para melhorar a nossa qualidade de vida. Não temos o direito de ir e vir, a verdade é essa.
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ocupar a mente deveria fazer parte do tratamento |
Infelizmente os portadores só ganham o vale transporte apenas para frequentarem o CERSAM para tomarem a medicação, almoçarem e ficarem sem fazer nenhuma atividade. O ideal seria o passe livre, para podermos ir a uma biblioteca, à um parque, fazer algum curso, enfim, termos a liberdade e o direito de ir e vir. Mas acho muito estranho não encontrar pessoas que lutem pelo passe livre. Cheguei a entrar em contato com um vereador aqui da cidade, que foi muito atencioso comigo. Mas ele queria que alguém da saúde mental me apoiasse nesta luta e reivindicação, para que ele pudesse ter uma noção de quantas pessoas seriam beneficiadas com o passe livre para os portadores de esquizofrenia. As pessoas com quem conversei não se mostraram muito entusiasmadas com essa causa... Sinceramente, nesses 13 anos de esquizofrenia, não vi uma pessoa reivindicar esse direito pessoalmente, só alguns gatos pingados na internet apenas.
Creio que esse benefício seria um ganho enorme de qualidade de vida, mas, infelizmente, no Brasil, os profissionais pensam que o tratamento deve consistir apenas nas medicações e nada mais.
Neste documentário, vemos quanto importante é o paciente. Quando o telefone toca, as entrevistas são pausadas, para que o paciente seja atendido o mais rápido possível. Isso se chama respeito, e também gostar do que se faz. Dá para notar que os profissionais entrevistados gostam do que fazem.
Eu tenho a mesma opinião do que esse pessoal do norte da Finlândia, me identifiquei muito com esse tipo de tratamento. Este blog deveria se chamar Reclamações de um Esquizofrênico, devido a minha insatisfação com o tratamento usado no Brasil para se combater a esquizofrenia.
Concordo com eles também quando se referem à psicose. A piração, de um modo geral, é uma resposta aos fatores externos, como traumas, tragédias, stress, vida difícil, etc. Não é apenas um fenômeno biológico, causada pelo excesso de dopamina.
E, por esse motivo, de início, o pessoal do Diálogo Aberto não usa os antipsicóticos quando se deparam com um paciente em crise. São usados sedativos de início, e depois as terapias. Se o paciente desejar, pode escolher em ficar internado, caso se sinta mais seguro no local. Eu mesmo iria querer me internar durante os meus surtos, pois, aonde eu ia, enxergava inimigos por toda a parte. Enfim, iria procurar um refúgio, e foi o que fiz, no meio do mato. A fraqueza e a debilidade física funcionaram como um sedativo,...
Quem me dera se fosse tratado assim no meu primeiro surto psicótico, talvez nem estaria aqui neste blog escrevendo estas linhas. Como já disse, na primeira consulta o psiquiatra sequer olhou para a minha cara, apenas perguntou o que eu tive, e então tentei resumir toda aquela piração, e em menos de dez minutos sai de lá com a receita nas mãos e praticamente diagnosticado. Ele não chegou a perguntar como eu estava me sentindo naquele momento, o que achei um erro grave.
Resumindo: o Diálogo Aberto da Finlândia é, como o próprio nome diz, um tratamento onde a consulta é uma via de mão dupla, onde os pacientes podem opinar sobre o tratamento e são respeitados. As queixas dos pacientes são ouvidas e provavelmente tentam resolver da melhor forma. Os medicamentos são deixados de lado e são usado somente em último caso, o que não ocorre no Brasil Quando eu queixava de um medicamento, um certo psiquiatra dizia sempre a mesma coisa: "Mas esse remédio é tão bom...."
A indústria farmacêutica aparece de vez em quando na Finlândia, oferecem brindes, almoços para o pessoal do Diálogo Aberto, mas parecem não conseguir muita coisa não..
Lá nos Estados Unidos o DSM não para de crescer a cada edição e novas doenças são criadas, e assim novos medicamentos vão surgindo. Mas tem como fugir disso...