quinta-feira, 22 de fevereiro de 2018

Médico se recusa a operar paciente com esquizofrenia


   
    Boa parte das pessoas que seguem o blog sabe das dificuldades que tenho enfrentado por causa de uma lesão que tive no final do ano de 2014. Vou nesta postagem resumir tudo pois sempre têm pessoas acessando o blog pela primeira vez. E esta será a postagem fixa sobre o meu pé, para não se tornar um assunto repetitivo. E também é uma postagem de uma pessoa que já não sabe mais o que fazer para resolver essa situação, devido ao preconceito de um médico e da precariedade do SUS.
    Pois bem, no final de 2014 estava passeando tranquilamente em um parque ecológico aqui de Belo Horizonte quando, de repente, bati o dedão do pé esquerdo na raiz de uma árvore. Sempre ando rápido, e então o choque foi um pouco forte e logo senti e pressenti que esse acidente poderia me trazer problemas mais sérios. Afinal foi em um local que utilizamos constantemente, que é a articulação do hálux (dedão do pé). Se fosse nos dedos da mão...

1º atendimento pelo SUS
    Fui no posto de saúde e, o médico, sem ao menos olhar o meu pé, simplesmente sugeriu para que eu passasse água morna no local.
   Por uma semana passei compressas de água morna no meu dedão, sem resultados. Fiquei sem saber o que fazer, pois consulta particular com médico especializado estava totalmente fora do meu orçamento. O jeito foi esperar e acreditar que seria apenas mais uma lesão passageira. Sempre gostei de jogar meu futebol desde criança, e perdi a conta de quantas vezes me lesionei e tive inchaços no pé, mas que logo voltaram a se normalizar com o passar do tempo.
   Mas, como pressenti no início, as coisas só pioravam com os dias, mesmo parando minhas atividades e só andando para ir almoçar no restaurante popular. Mudei então de bairro e fui á um outro posto de saúde, já com o osso da articulação um pouco deformado. Dessa vez o médico foi muito atencioso, olhou o meu pé e me encaminhou para um profissional especializado.

2º atendimento pelo SUS
    Consulta com ortopedista pelo sus demora alguns meses e é preciso ter muita paciência. Esta primeira até que não demorou muito, uns cinco meses, mais ou menos. No dia estava esperançoso, afinal seria uma consulta com um ortopedista. Mas, para minha decepção, o médico também não olhou o meu pé, e, o pior, disse que eu tinha a mesma coisa no pé direito e que aquilo era coisa da idade mesmo... Como assim? Dedo quebrado é normal? Ele, além de médico, é adivinho? Como poderia afirmar que eu estava com o dedo do pé direito quebrado também? Ele simplesmente indicou que eu fizesse 20 sessões de fisioterapia...
    Até que fui esperançoso nessas sessões de fisioterapia, pois na época não sabia que o meu dedo do pé esquerdo estava quebrado. Com o tempo, observando o perfil da maioria das pessoas que estavam ali, vi que não tinha nada a ver o meu problema com fisioterapia. A maioria das pessoas que estavam ali eram idosos com problemas nas articulações, e o restante eram pessoas que haviam quebrado algum osso da perna ou pé e estavam imobilizados há algum tempo, ou seja, precisavam apenas reforçar a musculatura das pernas. 
    Sei que não sou nenhum garoto, mas, antes da lesão, aos 44 anos, conseguia jogar o meu futebol por duas horas seguidas, sem sentir dor nenhuma no final da brincadeira. O corpo aos poucos vai dando sinal do que somos ou não somos capazes de fazer. E sempre procurei ouvir esses sinais.
    Chego a pensar que não existe algo espiritual contra a minha pessoa também. Pois era um dos momentos mais felizes de minha vida. Estava andando por aí pela Estrada real, o ar puro das montanhas havia renovado as minhas energias. Também havia conhecido a cidade de São Paulo e boa parte do lindo litoral desse estado. Psicologicamente estava muito bem, até consegui andar pelo centro de São Paulo sem precisar de tomar nenhum pedacinho de diazepan. Pode parecer tolice, mas  não é para quem não conseguia sair de casa sem uma cartela de diazepan no bolso em uma pequena cidade do interior de Minas Gerais. Se psicologicamente estava bem, fisicamente me sentia melhor ainda. Não sentia dores pelo corpo, mesmo após duas horas jogando futebol sem parar. Havia controlado minha compulsão por doces, meus exames estavam tudo em ordem, apenas os triglicerídeos estavam um pouco acima do normal, quando normalmente ele ficava na faixa dos 450mg para cima.
    Estava tão bem que tinha planos de conhecer o restante do Brasil que não conhecia: o centro-oeste e o norte, já que tive o privilégio de conhecer boa parte do nordeste na época em que trabalhava como operador de som.  E o sudeste que não conhecia acabei conhecendo nas minhas andanças.

3º atendimento pelo SUS
    Como a fisioterapia não havia dado resultado, insisti novamente neste posto de saúde, pois as dores em outra articulações estavam piorando, pois estava andando usando mais a parte externa do pé, para não forçar e inchar ainda mais o dedão, resultado: o tornozelo acabou não aguentando e tive que ir de muletas para o hospital...
    Consegui um atendimento no hospital da Baleia, aqui mesmo em Belo Horizonte. O atendimento é bom, tudo organizado e sempre respeitam os horários.  Mas na questão da ortopedia também tive mais uma frustração. Quem me atendeu nas duas vezes em que lá estive foram dois médicos residentes, que foram muito atenciosos. Mas essa atenção toda não serviu para nada, pois quem deu a palavra final foi o médico chefe, que deveria ter por volta de 80 anos Ele ficava sentado, já estava um pouco debilitado por causa da idade. Ele apenas olhou o meu pé por uns cinco segundos e logo foi dizendo que não havia cirurgia para esse tipo de problema, que era para esquecer. Pesquiso sobre o assunto na internet há muito tempo, mas não discuti, ele provavelmente deve pensar que não sei usar um computador, como ele não deve saber usar, por causa da época em que nasceu. Ele me receitou anti-inflamatório, uma pomada e a palmilha milagrosa, que custava em torno de 300 reais...
   O anti-inflamatório dá uma sensação muito boa, até ajuda a relaxar na hora de dormir, mas é um medicamento que só aconselho a usar depois de tentar as compressas de água quente, pois podem trazer vários problemas à saúde, principalmente nos rins.
não há tornozelo que aguente... 
não dá para viver á base de antiinflamatórios 
    No dia em que meu tornozelo inchou, tive que pedir uma muleta emprestada através das redes sociais. O local estava doendo muito, ainda mais por estarmos no inverno. Cheguei na UPA por volta das dez horas da manhã. Tomei soro mas não adiantou muito. Fui levado para o hospital, depois de muito insistir. Só fui atendido por volta das oito horas da noite, para receber mais soro, e sem resultados também. Tive ainda que esperar duas horas pelo resultado do exame de sangue, que não teve nada de anormal. E ainda expliquei a situação para o teimoso médico, de que o tornozelo havia inchado por causa da lesão no dedão e do meu andar incorreto. Mas ele insistiu para que fizesse o tal exame... Saí por volta da meia noite, com as mesmas dores de que estava sentindo antes. Naquele dia pensei em fazer o pior, pois tentei sair do hospital com a agulha do soro ainda no braço, pois estava com blusa de frio. Depois de um bom tempo perambulando pelo hospital consegui sair, o porteiro telefonou para o médico e fui liberado mesmo com a agulha no braço. Chegando em casa, abri a válvula que regula o soro e coloquei a ponta no balde, pensando que iria jorrar sangue até que acabasse... Mas, para minha sorte ou azar, o sangue já havia secado e entupido a via do soro.

4º atendimento pelo SUS
    Após uma nova mudança de endereço, insisti novamente em um outro posto de saúde. Depois de muitas conversas com a gerente, consegui uma vaga em uma unidade de reabilitação. Como sempre a mesma demora para a consulta, o atendimento, etc.. Consegui a palminha ortopédica que logo no primeiro dia detonou o meu joelho, como vocês podem ver na foto. A palmilha é feita baseando-se apenas no formato do pé, os profissionais esquecem de que os calçados tem formatos diferentes. E foi o que aconteceu. O tênis que uso e que me dá mais conforto para o dedão quebrado já tem o arco elevado, como podem observar na foto. A palmilha também tem. Resultado, em poucos metros o meu joelho ficou inchado. E esta palmilha custa em torno de 300 reais...  

a palmilha milagrosa do sus tem um arco muito elevado e não combina com todos os calçados... 
e quase que fico sem joelho também 
    No dia 27/04 foi marcado o retorno com o ortopedista, para avaliar o uso dessa palmilha. Ele simplesmente não acreditou que ela havia causado uma lesão em meu joelho. Disse que era outra coisa que havia causado aquilo. Mas respondi que o joelho desinchou um dia depois de ter tirado a palmilha. Ele não respondeu. A maioria dos ortopedistas que consultei pelo sus não conversam, não dialogam, são monossilábicos e parecem não gostar de serem questionados. Temos que fazer tudo o que mandam, não aceitando opiniões e nem sugestões, mesmo que se forem dadas com a intenção de ajudar. Acredito que o paciente tem que participar do tratamento e da consulta, afinal o feedback do paciente pode ajudar sim na questão do melhor tratamento para cada caso.
    Esse tênis que consegui achar consegue dar uma boa amenizada na situação, é bem macio e confortável, mas rapidamente se desgasta, pois o solado é feito de EVA. A solução que encontrei foi colocar mais EVA e um solado antiderrapante, para fazer com que dure mais. Gostaria de agradecer publicamente mais uma vez a ajuda que as pessoas me deram, pois tive que comprar material para fazer mais uma vez os solados dos tênis que uso e também do chinelo. Também me ajudaram quando tive que comprar o suplemento glucosamina, que não adiantou muito não. 
    Isso ajuda, mas as dores nas outras articulações pioram a cada dia. Tenho que andar de uma maneira totalmente incorreta, o dedão do pé direito já está com problemas devido à sobrecarga. O tornozelo e a musculatura da perna direita é que sofrem mais.
a solução é ir improvisando um tênis com maior amortecimento

    Isso deixou minha qualidade de vida bem abaixo  do que era antes. Minha vida era andar, correr, jogar futebol. Era isso o que não me deixava pirar. Era o meu melhor antipsicótico, era a minha alegria, a minha diversão, que para mim não precisa necessariamente cair na balada e encher a cara de drogas e álcool. Não preciso de drogas, acho que já nasci meio maluquinho mesmo.
     Desde criança estou acostumado a jogar bola quase todos os dias. E o stress saia todo juntamente com o suor. Então, atualmente minha saúde mental também está muito prejudicada, pois procuro sair de casa para fazer o estritamente necessário. E ainda tenho que andar 6km para ir e voltar do almoço no restaurante popular. A sensação é de que estou sempre com o corpo cansado, de que havia andado cerca de 50km...


Uma nova esperança....
    Procurando na internet por atendimento gratuito na ortopedia em Belo Horizonte encontrei a Rede Sarah, o que renovou minhas esperanças de voltar a andar normalmente. Em agosto do ano passado meu email foi respondido e foi feita a minha primeira consulta. O atendimento é muito bom, as instalações são ótimas. O ortopedista logo na primeira consulta solicitou uma ressonância magnética e a tomografia computadorizada. 
      Meses depois a consulta do retorno foi realizada e o médico disse que seria necessário fazer a cirurgia, chamada artrodese, pois havia uma fratura completa no dedão do pé esquerdo. Nessa consulta ele condicionou a cirurgia à um parecer favorável do psiquiatra em que costumo consultar e também de uma pessoa para me acompanhar durante o procedimento. Também foi marcada uma consulta com o psicólogo da Rede Sarah.
    Como pego o meu diazepan no posto de saúde, tive que ir no Cersam, conversar meia hora com o psicólogo, para depois ser encaminhado ao psiquiatra, que conversou comigo por cerca de 40 minutos. Engraçado é que estive naquele mesmo Cersam durante meu primeiro surto psicótico grave. Estava morando nas ruas ainda, mas já estava quase que recuperado. Mas não consegui atendimento, pois a enfermeira não me deixou entrar, afirmando que eu não precisava estar naquele lugar. Acredito que ela me viu falando normalmente e eu estava de barba feita e cabelo cortado, e já estava me vestindo normalmente, pois havia ganho algumas roupas. 
    Meses depois voltei a Rede Sarah confiante,  com o parecer favorável do psiquiatra e também afirmei que iria ter acompanhante na operação. O ortopedista ficou meio sem reação, o psicólogo também estava lá, mas pouco falava. Acredito que a área dele não seja transtornos mentais, pois ele não conhecia a quetiapina e nem a risperidona, medicamentos muito usados no controle da esquizofrenia. Ainda me comprometi a usar um antipsicótico chamado melleril por dez dias antes da operação, à pedido do psiquiatra do Cersam.
    Mas o ortopedista ficou meio sem saber o que fazer. Notei um misto de indecisão e medo em sua expressão. Medo pode ser uma palavra forte, mas todos nós temos medos, o que não temos é a coragem de admitir nossas fraquezas. A indecisão nesse caso vinha justamente por causa do medo.
Ele insistiu para que eu continuasse usando o tênis que estou usando atualmente.  Afirmei que o tênis era apenas um alívio.
    Voltei ao Cersam, na intenção de pedir uma ajuda nesta questão. Pedi para que entrassem em contato com a rede Sarah, mas também não obtive uma resposta positiva. Apenas uma mulher preencheu uma folha afirmando que não havia entendido o que eu estava pretendendo. A verdade é que eu é que não estava entendendo o ortopedista da Rede Sarah e apenas pedi que o Cersam entrasse em contato com eles para esclarecer qualquer dúvida que o ortopedista tivesse. Mas parece que os profissionais da saúde em geral querem separar o homem, ou seja, o que é problema mental é questão para os psiquiatras, e o restante é para os médicos das outras especialidades, como se fossemos separados mesmo. O pessoal da saúde mental deveria também ajudar na questão física, encaminhando os pacientes para exames e assim descartar qualquer problema físico que fosse confundido com uma depressão, por exemplo.
o psiquiatra deu o parecer favorável para a realização da cirugia. 

   Parecia que ele queria me dizer alguma coisa, e estava com receio de me dizer, com medo de que me deixasse revoltado ou até mesmo triste. Ou seria apenas preconceito dele em operar uma pessoa com esquizofrenia? 
     Ele afirmou que o hospital é apenas especializado em ortopedia e que não havia equipe especializada em psiquiatria, caso ocorra algo de grave comigo. Resumindo, ele tem receio de que eu tenha um "piripaque" e que saía por aí agredindo todo mundo e quebrando o hospital inteiro. O que me deixa intrigado é que ele sabia da minha condição de esquizofrênico desde o início, pois preenchi o formulário não ocultando nenhuma informação.
   Ou seja, fiquei praticamente um ano indo e voltando à esse hospital para simplesmente receber um não como resposta, pelo simples fato de ter esquizofrenia. Não me lembro de ter me exaltado ou ter sido violento em nenhuma das consultas que tive nesse hospital. Aliás sempre estive muito calmo, pois o atendimento lá é ótimo, tem água gelada, os banheiros são muito limpos e as cadeiras confortáveis e além de tudo são pontuais.
    Apesar de tudo,não recrimino o ortopedista desse hospital pela falta de conhecimento sobre o transtorno, eu mesmo não sabia nada antes de surtar, e tinha um monte de preconceitos sobre o tema. Já cheguei a brincar com um vizinho em uma cidade em que morava no interior aqui de Minas, não tendo a mínima noção do quanto o estava ferindo emocionalmente. Hoje sei na pele o que é isso. 
    Não me considero melhor nem pior do que ninguém. Mas será que esse médico não percebe que a situação só piora com o passar do tempo? Por que ele marcou uma nova consulta, já que cumpri as exigências? A cada dia que passa sinto mais dores nas outras articulações e na musculatura das duas pernas.  E a minha saúde mental piora a cada dia também. Esporte é saúde, e como disse, o meu antipiscótico principal  e natural é a atividade esportiva.
   Não sei o que fazer, gostaria de completar os outros dois caminhos da estrada real, gostaria de sair andando por aí sem ter que ficar prestando atenção ao caminhar, sem ter que colocar a carga no dedão do pé esquerdo. Gostaria de frequentar parques ecológicos, de tentar ir a shows, de fazer uma caminhada para manter a minha saúde física e a mental principalmente. Gostaria apenas de ter o direito de ir e vir. Por favor, compartilhem, quem sabe esta postagem não chegue nas mãos de quem possa me ajudar na realização desta cirurgia? O link que explica o procedimento cirúrgico  está abaixo. A matéria é do ano de  2015.

    Queria agradecer à todos os leitores do blog que me ajudaram até hoje nesta questão do meu dedo do pé esquerdo, seja através de ajuda financeira como através dos incentivos. Na postagem abaixo falo sobre como me ajudar na questão do colágeno, que o último médico que consultei pelo sus me receitou. Irá ser a última vez que posto pedindo ajuda, pois já tentei tudo o que poderia ser feito.
   Não sei bem no que o colágeno poderá me ajudar, afinal o dedo está quebrado. Foi uma fratura por stress. A lesão inicial não foi tão grave assim, o que complicou foi o atraso no atendimento e o não atendimento, para falar a verdade. 
    Essa será a postagem definitiva sobre o meu problema no pé.  Afinal o objetivo principal do blog é falar sobre esquizofrenia e outros transtornos mentais Pretendo ir a um hospital particular para saber o valor de uma cirurgia. Caso não seja muito alta, irei fazer um empréstimo e sair pela internet tentando encontrar alguma ajuda.
    Não quero fazer sensacionalismo e nem querer chamar a atenção. Mas tudo tem o seu limite. São praticamente quatro anos com o mesmo problema sem uma esperança real de solução. Aliás, nem é o mesmo problema, pois a situação só piora com o passar do tempo. É muito triste você saber o que irá acontecer com o seu corpo, que sua saúde física e mental está piorando cada vez mais pelo fato de não haver um atendimento digno na área da ortopedia em sua cidade.
    Não acredito que esteja pedindo muito. Só queria ser tratado como um ser humano normal e voltar a fazer o que mais gostava de fazer, que é simplesmente andar normalmente e sem dores.

quinta-feira, 15 de fevereiro de 2018

Divagações esquizofrênicas 17


ainda existe esperança... 
  Outro dia desses, no local onde estava morando, surgiu um problema comum em lugares onde são alugados vários quartos e se tem uma cozinha coletiva: alguém estaria supostamente afanando comida alheia da geladeira.... Os "maconhistas" do local chegaram a jogar algumas indiretas que o esquizo seria o principal, ou melhor, o único suspeito desses roubos.
    Na verdade nem entro na cozinha, tenho o meu frigobar que ganhei de um amigo. E também não uso o fogão, afinal a única coisa que sei fazer é o tradicional ovo cozido, que aprendi a fazer depois de consultar o google sobre o tempo de cozimento dessa rica fonte de proteínas que agora foi abolido pela comunidade médica. Antigamente tinha pavor só de pensar em comer ovo cozido, pois a conversa na época era de que apenas uma gema continha colesterol para mais de dois dias de que o nosso organismo precisa. E, como "bom" hipocondríaco que sou me limitava a comer uns dois ovos por mês, no máximo.
    Mas, voltando ao assunto do suposto sumiço dos alimentos da geladeira, confesso que no início fiquei um pouco chateado com essa história e desconfiança de minha pessoa. Afinal eu era a pessoa que tinha a menor renda naquele local. Mas logo no dia seguinte a proprietária do imóvel apareceu e reiterou a sua confiança na minha pessoa. Eu então afirmei que isso era coisa da "oposição dos maconhistas" que estavam tomando conta do local. Ela, imediatamente me pediu nomes e me disse que iria imediatamente pedir que procurassem outro local para morar... Fiquei feliz e triste ao mesmo tempo. Feliz pela confiança e triste por ter que enfrentar mais essa situação envolvendo usuários de drogas. Minha consciência iria pesar, afinal tinha um maconheiro que dependia daquele local, pois ele pagava o aluguel em troca de alguns serviços para a dona do imóvel. E também outros maconhistas que não tinham renda também moravam lá. Resolvi me mudar para um local mais tranquilo e com pessoas mais responsáveis e que trabalham. Gostaria de reiterar que não sou moralista, cada um faz da vida o que bem entender, desde que não prejudique o próximo. No meu caso, os maconhistas estavam prejudicando o meu sono, pois eles queriam impor um horário não muito comum, que era de dormir por volta das duas horas da madrugada e acordar depois das dez horas da manhã...
     Isso sem contar o som alto e as baixarias que citei na postagem "Meus vizinhos funkeiros" . Como sempre paguei meu aluguel religiosamente em dia e fui um inquilino exemplar, me vi no direito de fazer reclamações sobre o comportamento desses maconhistas... E aí foi como mexer em um vespeiro, mas não tenho medo desse tipo de gente que não é chegada ao trabalho. E, como eles não tinham nenhum argumento contra a minha pessoa, o jeito foi começar a reclamar de um suposto sumiço de alimentos da geladeira.... O engraçado é que só sumia alimentos dos usuários dessa erva danada que só traz confusão. O ambiente naquele lugar era ótimo até a chegada do primeiro maconheiro. Quando saí do local eram três, fora os que vinham de fora para usar a maconha fedorenta dos inferno...
     Então me lembrei da época do meu primeiro surto psicótico grave, em que fiquei morando nas ruas de "Beuzonte" por cerca de cinco meses. Estava pesando 25kg a menos, quando comecei a voltar à realidade. Estava com uma mania de perseguição absurdamente exagerada, e a minha principal preocupação era fugir dos meus "inimigos imaginários"... Se engana quem pensa que toda pessoa que tem esquizofrenia cria um amigo imaginário e fica conversando com ele toda hora....
     Mas nos surtos a sensação que tive é a de que a região do cérebro responsável pela fome ficou meio desativada ou até mesmo desligada, sentindo apenas a necessidade de beber muita água.  Mas em compensação parecia que a região do cérebro responsável pela audição ficou muito mais ativa, daí talvez venha uma provável explicação para as alucinações auditivas.
Durante o surto a região da audição parece estar mais ativa... 
    O pouco que conseguia comer acaba vomitando pois logo vinha uma voz afirmando que a comida estava envenenada. Foi assim quando encontrei um pé de manga na BR e comi quatro mangas deliciosas, quando comprei um biscoito recheado com coca-cola e  também quando um policial rodoviário me ofereceu um marmitex. É muito estranha essa situação,  a gente fica vários dias sem se alimentar, e aparece um marmitex e sem receio jogo o alimento no lixo. E não lembro de ter sentido o meu estômago roncar...
    Mas não saí do surto de uma hora para outra, foi um processo bastante demorado e que demorou alguns meses até voltar a trabalhar novamente. Mas a sensação de fome voltou de uma hora para outra, era como se a região do cérebro responsável pela saciedade estivesse desativada e por algum motivo foi ativada, assim de um dia para outro. Estava no meio do mato quando isso aconteceu, e não havia nada para comer, só umas goiabinhas ainda bem verdes...
    Mas, por causa da mania de perseguição absurda não saí do mato, mesmo com aquela fome toda. Fiquei por um bom tempo imaginando tudo de gostoso que havia comido em minha vida: as lasanhas de minha avó, os deliciosos caldos de feijão vendidos na praia de Boa Viagem, no Recife, e por ai vai... 
    Somente quando dois urubus ficaram me observando por mais de uma hora que resolvi sair do mato, estava tão fraco que provavelmente não iria conseguir me defender caso essas aves resolvessem me atacar.  Naquele momento já estava um pouco menos paranoico e as vozes já haviam sossegado Acredito que a debilidade física meio que serviu como um sossega leão para mim. 
     Já no centro, tive uma dificuldade imensa ao passar na frente das padarias. Tinha que fazer um enorme esforço para não "pegar" aquelas tortas maravilhosas do balcão. Uma vez vi uma mulher fazendo churrasco na rua e pensei que ela fosse permitir que eu pegasse um para matar a minha fome. O resultado é que, além de não comer churrasco, quase fiquei sem dedo, pois ela não hesitou em se proteger com uma faca que parecia estar bem afiada. 
      Era triste e atentador passar nas padarias. Uma fome tremenda, o estômago roncando, mas não tive coragem nem de pedir, pois é muito ruim ficar recebendo "nãos" o dia inteiro. 
    E também não pedia nada pelo simples fato de imaginar que as pessoas que estavam ao meu redor já sabiam o que eu estava pensando... Às vezes ficava lendo cartazes e outdoors só para "afugentar" as pessoas que estavam invadindo a minha mente. 
    A solução que encontrei para matar a fome foi comer o lixo de uma padaria no Barro Preto, um bairro aqui de BH, situado perto do centro da cidade. Todos os dias, por volta das sete horas da noite a funcionária colocava o lixo no passeio para que o caminhão recolhesse...
    E então lá ia eu, na esperança de encontrar algo para matar a minha fome. Ia rasgando os sacos, e separando os pães, bolos e salgados, que, para a minha sorte, não estavam estragados. Na verdade estavam um pouco ressecados, pois o controle de qualidade da padaria parecia ser bem rígido. Depois de pegar os alimentos, fechava novamente todos os sacos e deixava o local como havia encontrado. 
    A dona da padaria parece que até gostou da minha atitude, pois certo dia encontrei um sanduíche de carne, recém preparado no meio daquele lixo todo.... E, com o passar dos dias, notei que os pães e os bolos estavam cada vez mais novos e macios. 
    Em uma dessas minhas idas à padaria, cheguei até a ganhar um bolo de aniversário. Mas não era a data do meu nascimento, ao lado da padaria havia uma confeitaria, e o pessoal de lá me deu um bolo que parece que deu errado, ficou um pouco torto, sei lá. Só sei que estava uma delícia e com o recheio de doce de leite.  O bolo só não estava decorado, o que achei bom, pois o glacê geralmente me dá uma diarreia, e, morando nas ruas é o que menos queremos que aconteça. 
     Depois da padaria ia para o prédio do Instituto Estadual de Florestas, para dormir debaixo da marquise do prédio, que deveria ter uns 20 andares. O segurança me tratou muito bem durante o tempo todo que fiquei por lá, acredito que foi a primeira pessoa com quem conversei de verdade depois de voltar a realidade no meu primeiro surto psicótico grave. Costumo dizer que a solidariedade das pessoas foi o meu melhor antipsicótico naqueles dias. O segurança sempre reservava alguns sanduíches de mussarela e presunto que era oferecido aos funcionários do IEF. A única exigência que ele fazia era para que deixasse o local limpo. 
    Me lembro que, certa vez, logo no início da minha volta ao centro de Belo Horizonte, parei em frente a uma lanchonete. A fome estava de doer o estômago, e então tentei pedir com o olhar alguns doces que estavam em um recipiente. Tinha a quase certeza absoluta de que podia me comunicar com as pessoas telepaticamente. Tentei decifrar os gestos do dono de bar, e arrisquei a colocar a mão no pote. Ele não disse nada e continuou a lavar os copos na pia Esse foi o sinal de que poderia pegar algumas cocadas. Então, calmamente abri o pote e peguei quatro cocadas. Fechei normalmente, e, de repente, tive a sensação de que estava sendo observado. Quem nunca teve essa sensação? Parece que é algo que dá na região da nuca. E o engraçado é que geralmente vamos de encontro a alguém que realmente está nos olhando. Essa sensação de estar sendo observado não seria algo relacionado à psicologia (paranoias) e sim algo mais ligado ao sexto sentido mesmo...

    Mas realmente do outro lado da avenida haviam três pessoas em frente de um carro de uma emissora de TV (foi possível ver o logo da "poderosa"...). 
    O cara do meio estava segurando uma câmera e a apontava em minha direção, ou seja, provavelmente estava me filmando. Então saí correndo e entrei em uma garagem, onde havia um carro aberto e com a chave na ignição. Por um momento cheguei a pensar em entrar naquele veículo e sair fugindo daquele lugar, mas não estava totalmente fora da realidade, e sabia que dirigia mal pra caramba. E como matar a fome era a prioridade naquele momento, comi rapidamente aquelas quatro cocadas brancas e depois peguei uma mangueira e enchi a minha barriga com água, para aumentar ainda mais a  sensação de saciedade! Nunca na minha vida as cocadas foram tão deliciosas! Me lembro até hoje do alívio que senti depois que enchi a minha barriga. 
    E assim, com o meu bom comportamento, sendo um bom mendigo, fui muito ajudado pelas pessoas do bairro onde estava e engordei 20kg em apenas um mês! Não tenho vergonha de dizer que fui um mendigo, teria vergonha de dizer que fui um traficante, um ladrão ou coisa do gênero...
    Não posso dizer que foi um período feliz de minha vida, mas tive muitos momentos de felicidade durante esse momento que morei nas ruas. Conheci muita gente bacana, o que amenizou e muito o sofrimento que é não ter um local para viver em paz. 
    Voltando ao assunto inicial do sumiço dos alimentos da geladeira, me pergunto: se não roubei nem no momento mais difícil de minha vida, por que roubaria agora? 
    Felizmente a proprietária do imóvel me conhece a mais de um ano e não deu atenção à queixa dos "maconhistas", principalmente de uma estudante que era sustentada pelos pais. E o engraçado é que só sumia alimento da galera da erva danada... E, para completar, como já relatei,  ela ainda me disse que eu poderia dar os nomes dos maconhistas que estavam me incomodando, e que iria mandá-los todos embora. Não é por nada, mas sou um bom inquilino: não ligo som alto, não gosto de discussões e sempre procuro pagar religiosamente em dia. Não devo as pessoas, somente ao bancos, que não gostam muito de negociar os juros abusivos. O único "defeito" que tenho é a de ser calado.. Digo defeito pois as pessoas parecem estranhar uma pessoa extremamente reclusa, e acham normal as fofocas e outras maledicências que a  língua pode provocar em um ser humano. Mentir é normal, falar mal dos outros também. Ficar calado é estranho, é loucura... 
    Mas preferi sair daquele local, que no início não havia um maconhista e hoje tem metade dos moradores usando a erva. Não sou totalmente contra quem fuma um baseado e fica na sua, o que complica é que alguns ficam muito bobos e agitados, parecendo que usaram cocaína ou outro estimulante, sei lá. Se fossem "cachacistas" que estivessem perturbando o ambiente estaria relatando aqui no blog sem maiores problemas....
Nem os traficantes estão aguentando certos "maconhistas"...

     Por mais que os maconhistas dessem queixa do sumiço dos alimentos, a proprietária nem me chamava  a atenção. E um deles chegou ao cúmulo de afirmar que alguém havia roubado 200 reais do quarto onde estava.. O engraçado é que não houve arrombamento e ele nem chamou a polícia... A alegação dele é que 200 reais não é nada... Vá entender a cabeça desses caras... 
     Mas, é aquele velho ditado, a mentira tem pernas curtas. Às vezes ela anda um pouquinho e faz alguns estragos na vida da pessoa, mas no final a verdade sempre prevalecerá.

Vamos tomar cuidado com as "dorgas"...

quinta-feira, 8 de fevereiro de 2018

Nise, uma heroína nacional


Projeto de lei visa tornar Nise da Silveira 'heroína nacional'

    A alagoana Nise da Silveira (1905-1999) ajudou a escrever a história da psiquiatria no Brasil e no mundo. Ela enxergou a riqueza de seres humanos que estavam entre o estigma da loucura e a exclusão total. Por ressignificar o tratamento de pacientes com esquisofrenia, explorando a capacidade criativa e imaginativa de cada um, Nise pode ser tomada como uma heroína. E o Projeto de Lei 9262/2017, da deputada Jandira Feghali (PCdoB-RJ), quer oficializar esse título.
    Apresentado no fim dezembro do ano passado na Câmara dos Deputados e atualmente em tramitação, o projeto quer que o nome de Nise Magalhães da Silveira seja incluído no "Livro dos Heróis e Heroínas da Pátria", destinado a honrar "brasileiros e brasileiras que tenham oferecido a vida à pátria, para sua defesa e construção, com excepcional dedicação e heroísmo".
    "São pouquíssimas mulheres que estão no livro. Em outubro, nós fizemos uma audiência pública e conseguimos provar o valor e a importância de Nise da Silveira para a história do Brasil. Agora, no início deste ano, quando a Comissão de Cultura voltar, vamos apresentar para votação e acredito que será aprovado. Nise da Silveira é uma figura muito expressiva", afirma a deputada Jandira Feghali, autora do projeto, em entrevista ao HuffPost Brasil.
    Até o momento, o projeto segue aguardando designação de relator Comissão de Cultura (CCULT) e, caso aprovado na Comissão de Constituição e Justiça (CCJ), segue para o plenário da Câmara e depois, do Senado. No texto, a deputada destaca que Nise transformou "tratamentos agressivos e nada resolutivos a partir de um novo olhar sobre os pacientes" já que "havia uma confusão entre hospital psiquiátrico com cárcere".
 Apesar da participação política das mulheres no Brasil, apenas 6 estão no chamado "Livro de Aço", que conta com cerca de 45 nomes. Entre elas estão Jovita Feitosa, voluntária do Exército na Guerra do Paraguai; Clara Camarão, que combateu os holandeses na Batalha dos Guararapes, a enfermeira Ana Néri e as revolucionárias Anita Garibaldi, Bárbara de Alencar e Zuzu Angel.
    No passado, o termo "heroínas" não fazia parte do livro. Em 2017, o Senado aprovou a alteração da Lei 11.597/2007, que criou o documento, para explicitar que ele se destina a registrar o nome de "brasileiros e brasileiras". Anteriormente a Lei referia-se apenas "ao registro perpétuo do nome dos brasileiros ou de grupos de brasileiros" que dedicaram sua vida à pátria.
    O "Livro de Heróis e Heroínas da Pátria" é um registro de personagens que protagonizaram momentos marcantes da história do Brasil e ajudaram a construir a identidade nacional. Com páginas de aço, ele fica exposto no terceiro pavimento do Panteão da Pátria e da Liberdade Tancredo Neves, localizado na Praça dos Três Poderes, em Brasília (DF).
    "Nise apontou falhas na psiquiatria, contestou práticas e demonstrou soluções, dando novos contornos e sentidos aos tratamentos e às relações entre psiquiatras e pacientes. Em seus 94 anos de vida, a alagoana publicou dez livros e escreveu uma série de artigos científicos", lembra o texto do PL.
    O texto ainda celebra que "Nise promoveu uma verdadeira revolução não só no tratamento das pessoas com transtornos mentais, mas também na visão que os outros tinham sobre elas. É certo afirmar que ela foi um divisor de águas entre um tratamento desumano e que retirava as pessoas do convívio social para o acolhimento e a humanidade de um tratamento que buscava, verdadeiramente, compreender o universo daquelas pessoas e ajudá-las".

A revolução de Nise da Silveira
    Nise da Silveira foi a única mulher a se formar na turma de 1926 da Faculdade de Medicina da Bahia. Lutou contra terapias de choque nos anos 1940, trocou cartas com Carl Gustav Jung (que, pela distância linguística, entendia o nome "Nise" como masculino e a percebia como um homem), criou um método para tratar pacientes com transtornos mentais por meio da arte, desafiou o Estado Novo, foi presa e enfrentou a ditadura militar. Em seus 94 anos de vida, a alagoana publicou dez livros e escreveu uma série de artigos científicos.
    A história da psiquiatra já foi tema de documentários e em 2016 voltou às telas com o filme inédito Nise – O Coração da Loucura, dirigido por Roberto Berliner e estrelado por Gloria Pires. O longa, baseado no livro Nise - Arqueóloga dos Mares, do jornalista Bernardo Horta, traz um recorte acessível e emocionante da atuação da psiquiatra e sua defesa da arte como principal ferramenta de reintegração de pacientes chamados "loucos".
    O filme se passa em 1944, quando Nise trabalhou no Hospital Pedro II, antigo Centro Psiquiátrico Nacional, no Rio de Janeiro. Ela se recusou a seguir o tratamento da época, que incluía choque elétrico, cardiazólico e insulínico, camisa de força e isolamento. Ao dizer "não", a psiquiatra foi transferida, como "punição", para o Setor de Terapia Ocupacional do Pedro II. A reportagem da revista Cult lembra que esse era um espaço desprestigiado na época.
    Porém, essa transferência foi fundamental para a revolução que Nise provocaria na psiquiatria: foi nesse setor do hospital que ela implementou, junto com o psiquiatra Fábio Sodré, a Terapia Ocupacional no tratamento psiquiátrico e revolucionou a forma como os esquisofrênicos eram tratados. De um tratamento que os transformavam em animais, passaram a ser olhados como seres em (re)construção

Autora do texto: Andréa Martinelli
Fonte:Huffpost
http://www.huffpostbrasil.com/2018/02/07/o-projeto-de-lei-que-torna-a-psiquiatra-nise-da-silveira-uma-heroina-da-patria_a_23354146/?utm_hp_ref=br-homepage