A noite no posto de gasolina foi bem tranquila, só interrompida quando a chuva de vento começou a cair e a inundar o chão da borracharia onde havia montado a barraca. Tive que fazer uma pequena mudança mas deu para descansar bem e acordei bem disposto.
Mas por volta das seis horas da manhã a chuva ainda continuava, me deixando um pouco desanimado para começar a pedalar os 66km até Diamantina, já que boa parte do caminho é feito em estrada de terra. Por que logo no último dia iria chover?
O jeito foi esperar e, para a minha alegria a chuva cessou por volta das sete horas e o sol apareceu, aquecendo meus ânimos também. Finalmente iria completar os quatro caminhos da estrada real!!!
Tomo um bom café da manhã, afinal pode ser o último dia dessas pedalanças 2019. Se tudo der certo devo chegar hoje mesmo em Diamantina. O caminho é feito basicamente por subidas e descidas de média intensidade, quase sem retas. Mas tem um visual bem bacana, com formações rochosas bem interessantes e diferentes das quais havia visto até o dia de hoje nesta viagem.
E segui o caminho, olhando para os lados para contemplar aquelas formações rochosas bem bacanas, lembrando um pouco São Thomé das Letras. E havia também muitas vertentes de água pelo caminho, me deixando mais tranquilo em relação ao banho do dia. E também o suprimento de água para beber. Nada como uma água pura e limpa direto da fonte.
Devo ter chegado em Milho Verde por volta de onze horas. E fui logo pegando um rango caseiro, pois ainda teria que andar cerca de 33km por muitas subidas íngremes, segundo o site da estrada real. É um distrito bem pequeno, a impressão que se dá é que o local tem mais pousadas do que casas. Confesso que esperava um movimento maior, por ser um sábado. Provavelmente boa parte dos turistas devem estar nas cachoeiras que são muitas na região. Procurei alguma lanchonete ou padaria para comer alguma coisa de sobremesa. Não sei muito da história deste distrito, mas pensava que teria muitos quitutes de milho verde. Queria comer alguma coisa de milho: sorvete, bolo, pamonha, qualquer coisa. Mas não achei. O jeito foi comprar um picolé para adoçar a boca.
Depois segui para o distrito de São Gonçalo do Rio das Pedras, distante 6km de Milho Verde. Muita subida em terreno irregular. Como disse, a estrada real não tem dia de 100% de tranquilidade. Na maioria das vezes tem algum perrengue, alguns simples e outros bem complicados.
Mas essa parte final do caminho tem um visual bacana e é para ser feito com calma e tranquilidade. E foi o que fiz. Já não queria mais me desgastar e fui pedalando com tranquilidade e serenidade, com a certeza e a confiança de que a missão será cumprida. Boa parte dos dias que fiz esse caminho da estrada real de bike não tive paciência, pois estava um pouco cansado por ter vindo de outra pedalada longa pelo litoral do Espírito Santo. E também pelo fato da bike não ter amortecedor e estar levando um bocado de carga. A verdade é que no trecho difícil do caminho dos diamantes me estressei um pouco e encarei a viagem mais como obrigação do que uma curtição devido à obsessão de terminar os 4 caminhos da estrada real. A gente cisma com um negócio e nada consegue tirar de minha cabeça.
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São Gonçalo do Rio das Pedras |
Depois de São Gonçalo segui o caminho passando por alguns distritos menores em uma estrada de terra com alguns buracos, mas nada de muito complicado. A beleza do lugar valia a pena, aquele visual me dava uma sensação de paz que há muito tempo não sentia. Acho mesmo que a última vez que me senti assim foi quando estava viajando a pé. pelo caminho velho da estrada real, em 2012.
Confesso que foi melhor ir a pé do que de bike. A pé o contato com as pessoas é bem maior. E também com os cachorros. Toda vez que passava em frente de uma casa no caminho vinha aquele monte de dogs latindo. De bike até que não tem tanta vantagem quando a estrada é de terra, ainda mais quando estamos levando muita bagagem. Bicicleta eu prefiro andar na Br mesmo.
De repente o tempo começa a fechar. Logo atrás de mim nuvens escuras começam a aparecer e parecem que estão me seguindo. Mas como já disse, perdi o medo da chuva e fui tomar banho em uma vertente de água enquanto não me molhava com a água que iria cair dos céus.
Por volta das duas e meia da tarde finalmente consigo chegar ao as asfalto que me levaria à Diamantina. São 18km , porém com muita serra. As nuvens carregadas estão agora por todos os lados, e dá para ver que em algumas regiões está caindo muita água. Mas, por incrível que pareça não chovia aonde eu estava. Às vezes passava uma chuvinha bem fraquinha e bem ligeira, não chegando nem umedecer a minha roupa. Só ajudava a dar uma refrescada boa.
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De tarde o tempo fechou... |
E continuei subindo aquela serra que parecia não acabar mais. E na subida fica um pouco difícil de se calcular o quanto andamos por causa da sensação de sofrência. Andamos pouco mas pensamos que andamos muito. Mas o cansaço valia a pena, pois quanto mais subia mais bonito ficava o visual. Pesquisei na internet sobre essa região e ouvi dizer que esse trecho antes de Diamantina era tudo mar. Estava ficando bastante cansado de ter que ficar empurrando a bike sem descanso. Sabia que iria ter que partir para o sacrifício se quiser chegar em Diamantina ainda hoje.
Mas era um cansaço gostoso, que era vencido pela vontade de cumprir mais essa missão. Um filme de toda a viagem começa a passar em minha cabeça: a incerteza do início, quando estava pedalando meio sem jeito pela primeira vez a bike com bagageiro dianteiro. As dificuldades que passei, o sol forte, as chuvas, a lama do caminho, as pessoas que conheci e conversei durante o percurso...
Estava me sentindo mais leve não por que havia perdido 4kg nas pedaladas. Era uma leveza interior, por que estava completando uma viagem que muita gente me disse que não iria conseguir fazer. E também por que estava completando os quatro caminhos da estrada real, coisa que pensei que nunca mais iria conseguir depois que havia quebrado o dedão do meu pé esquerdo. Passei alguns anos um pouco mal por não conseguir andar mais como andava antigamente.
Mas mais uma vez consegui meio que renascer das cinzas e estou completando uma viagem de mais de 3000km pela região sudeste.
Essa ânsia de me fazer chegar ao destino me dava uma força incrível e nem mesmo quando vi uma serra super íngreme ao fundo da BR fiquei desanimado. Comecei a subir na maior vontade. Um garoto de bike me acompanhou no início da subida me fazendo perguntas do caminho.
Já devia ser por volta de seis horas da tarde e faltava cerca de 8km para o final. Claro que dei vários gritos, que ecoavam nos montes e vales daquela bela região. Era uma mistura de êxtase e de alívio. Esses anos todos fiquei pensando em como iria completar os 4 caminhos da estrada real.
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serra braba antes de chegar em Diamantina |
Depois de subir cerca de 5km de serra íngreme finalmente encontrei uma reta. O visual era ainda mais bonito. E passavam poucos carros na BR. E não fui atingido pela chuva que me cercava pelos quatro lados. Já conseguia avistar as luzes da cidade de Diamantina, mas ainda teria que pedalar muito para chegar ao centro da cidade.
Devo ter chegado na entrada da cidade por volta das nove horas da noite. É tudo muito escuro. Mas estava com uma energia incrível e não pensava em montar a barraca em outro lugar a não ser no centro de Diamantina. E fui passando pelos bairros, pegando informações com os moradores. Muito morro em ruas de pedra.
Mas nada era empecilho naquela hora. Já estava quase no meu limite físico e não parava para descansar. Com muito esforço e sacrifício cheguei no centro de Diamantina por volta das dez horas da noite. Muitos barzinhos abertos com cadeiras espalhadas pelas calçadas. Tinha um que chegava a fechar a rua, pois tinha apresentação de artistas. A vida noturna em Diamantina dizem que é muito agitada, como também o cenário musical. Havia muitas pessoas também saindo das igrejas.
Sensação boa de ter chegado ao final dessa missão. Não vibrei, não gritei, sou um cara bastante tímido. Mas fiz aquele lanche na padaria. para comemorar Difícil descrever o que estava sentindo naquele momento. O que posso relatar é que estava me sentindo mais leve, que havia tirado um peso de meu ombro.
Fui para a rodoviária, pois foi difícil achar algum lugar coberto e plano para montar a barraca. O funcionário que vendia passagens foi muito gente boa e permitiu que eu montasse a minha humilde residência assim que ele fechasse. Estava mais do que feliz. Estava tão feliz que nem me importei quando apareceu um cara estressado e infeliz querendo implicar comigo. Ele até chamou a polícia e disse para os guardas que a última vez que um maluco havia montado barraca na rodoviária tinha quebrado tudo. Claro que nem liguei para o fato, pois além de muito feliz estava muito cansado para dar atenção aquele tipo de pessoa. E o cara estava tão sem razão que os policiais nem conversaram comigo, pois eles viram que eu estava apenas no meu cantinho querendo descansar para pegar viagem no dia seguinte. E estava tão feliz que não seria qualquer coisa que iria me tirar do sério....
Às vezes chego a pensar que as poucas pessoas que implicam com os viajantes de bike não queriam ter a oportunidade de fazer o mesmo, de sentir a sensação ímpar da liberdade de pedalar por onde quiser, de sentir o ventinho no rosto pelas estradas do nosso Brasil.
A volta
Acordei por volta das seis e meia da manhã.. Dormi que nem uma pedra de tão cansado que estava. Era domingo e foi o melhor dia da semana para iniciar o caminho de volta para casa, em Belo Horizonte. O céu estava limpo, estava fazendo aquele friozinho gostoso. Esperei a padaria abrir e claro que comprei pão de queijo para celebrar o dia. E também um diamante negro de sobremesa.
Peguei a BR 259 e depois seguir pela 040 para voltar para BH. A BR 259 é uma delícia sentido Diamantina-Belo Horizonte, pois tem diversas descidas de 5km! E também tem um lindo visual, com muitas formações rochosas características da região. Não tirei fotos, pois queria curtir aquele dia maravilhoso. Acho que se até chovesse seria um dia lindo para mim.
Claro que cantei durante a viagem. Cantei e gritei também. Foi uma sensação única, pois tentei comparar com alguma coisa que já havia sentido em minha vida e não encontrei.
Parei para dormir em uma cidade antes de Curvelo. Foi em um posto e o forró correu solto na casa de shows ao lado e só fui dormir por volta das quatro da manhã.
Depois segui a BR 040 até Sete Lagoas. Muita reta entediante, mas estava de bom astral, com aquela sensação boa de dever cumprido. Estava com saudades de uma caminha e uma tv.
Choveu muito de noite em Sete Lagoas. Uma chuva fria que me pegou pelo meio do caminho e cheguei todo ensopado no posto de gasolina.
Nesse último dia antes de chegar em Belo Horizonte acordei por volta das cinco da manhã, queria chegar na parte da tarde para alugar um quarto e curtir uma caminha, depois de mais de dois meses dormindo em colchonete.
Quando cheguei na minha cidade natal, comecei a pedalar com a sensação que um motorista de fórmula 1 dirige o seu carro em direção ao podium depois de vencer uma corrida.
Agradecimentos
Na maioria das vezes procuro não citar nomes ou pessoas com receio de estar cometendo alguma injustiça. Mas vou tentar:
Gostaria de agradecer à todos os leitores do blog e da minha página no facebook. Algumas pessoas me ajudaram financeiramente, pois a bike deu alguns defeitos durante a viagem. E claro que também agradeço aos que me deram força com palavras de incentivo. Sei muito bem o que pensamento positivo pode fazer. Não é para qualquer um viajar 3050km em uma bike simples aos 50 anos.
Gostaria de agradecer também: aos mecânicos de bike que encontrei pelo caminho, todas as pessoas que vieram conversar comigo e me incentivar. Todos os proprietários de restaurantes que me forneceram comida quando tive que gastar com a manutenção da bike e ficava sem grana. Os donos de postos de gasolina que deixaram montar a minha barraca. Gostaria de agradecer imensamente à todos os motoristas de caminhão e carretas que conheci e também aos que não conheci por me respeitarem na BR. Nesses 52 dias de pedalanças não tive nenhum problema e nenhum acidente. E também agradeço aos motoristas de carro que também respeitaram bastante o esquizo ciclista.
Também não posso deixar de agradecer à todas as pessoas que me forneceram água geladinha no caminho. Teve um cara que até me ofereceu sorvete quando me viu meio cansado sentado na BR. Também teve uma senhora que me ofereceu um delicioso bolo com cafezinho quando fui pedir apenas água.
Gostaria também de agradecer ao pessoal da Casa das Bicicletas Bifão, em Mantena-MG.
Também gostaria de agradecer aos donos de comércio que me deram desconto quando a grana estava curta e também ao pessoal que faz caldo de cana e pastel de queijo, que foi uma das delícias desta viagem. Sentir o delicioso caldo de cana descendo pela goela em um dia quente é uma das melhores coisas do caminho.
Provavelmente esqueci algumas pessoas, mas muito obrigado à todos de verdade.
E, claro, ao Criador, este sempre agradeci e continuo agradecendo até hoje. Apesar das dificuldades só tenho que agradecer.
Em breve irei postar no meu canal do youtube o filme que estou editando com os vídeos e as fotos da viagem. Assim que estiver pronto avisarei por aqui.
E em breve também mais pedalanças, talvez ainda este ano, caso consiga fazer a manutenção que preciso fazer na bike.