Antes de começar a postagem, gostaria de mencionar que às vezes uso o humor para retratar a minha esquizofrenia. Não tenho o costume de brincar ou zombar com a dor alheia.
Como a maioria deve saber, tenho esquizofrenia, a tal de F20 que não tem nada a ver com caminhonete.
Como a maioria deve saber, tenho esquizofrenia, a tal de F20 que não tem nada a ver com caminhonete.
E um dos sintomas clássicos da esquizofrenia é a alucinação auditiva, as vozes.
Mas é difícil de se lidar com elas? São muito irritantes? O que elas me dizem?
No meu caso logo no primeiro surto grave já dei um fora nela. Estava perambulando pela BR 040, quando parei para descansar. Não estava conseguindo ficar muito perto das pessoas no centro da cidade, pois imaginava que o mundo inteiro queria me pegar. Era um belo dia de sol naquele verão do ano de 2001.
De repente a voz me disse:
- Você é uma alma penada!
Sem brincadeiras e exagero, naquele momento chorei de alegria por ter recebido aquela noticia. Afinal estava surtado e imaginando que o mundo inteiro queria me trucidar. Mas não seria uma morte simples, com um tiro na cabeça. Em minha imaginação queriam que eu tivesse uma passagem bem sofrida. Acho que o meu sentimento de culpa exagerado tenha influenciado nessa alucinação, pois desde criança era muito encucado com esse lance do bem x mal, o que era certa ou errado, etc... Não me achava mau o suficiente para queimar nas chamas eternas do inferno, mas também não me achava um santinho para ir para o céu.
Antes de surtar por volta dos 32 anos havia feito uma análise de toda a minha vida, e comecei a me culpar por tudo de errado que havia acontecido comigo e com outras pessoas. Se o atentado de 11 de setembro nas torres gêmeas tivesse acontecido antes do surto, provavelmente iria assumir a autoria...
Mas por que achei a mensagem da voz do além boa naquele momento? Como disse, imaginava que estava sendo perseguido. E alma penada é invisível né?
Então meus problemas estaria resolvidos com essa minha nova condição de alma penada. Os meus inimigos iriam me alcançar mas passariam direto por mim e eu ainda iria dar risada e pregar uma peça neles.
E, além disso alma penada pode ir para onde quiser, não se cansa, pode dar sustos nos outros, pode entrar aonde quiser sem ser notado. Estava até planejando ir para o Espírito Santo curtir uma praia, mas tinha dúvida se alma penada poderia sentir a água gelada e a brisa do mar. Enfim, seria uma alma penada do bem, assim como o Gasparzinho, o fantasminha camarada.
E também alma penada não precisa se preocupar com alimentação e muito menos com roupas (detesto lavar roupas). Enfim, até que a vida de alma penada não seria má coisa para aquele momento específico de minha vida...
Então sai pela BR mais feliz do que nunca e o engraçado é que eu estava me sentindo mais leve mesmo.
De noite, quando passei na entrada de um condomínio, um monte de cachorro começou a latir. Dizem os contos mineiros que eles conseguem enxergar alma penada. Continuei perambulando pela BR e entrei em um posto de gasolina. Havia perdido a noção do tempo, a noite estava demorando a passar e cheguei a imaginar que viver na escuridão fazia parte do meu castigo. Então subi em uma cabine de um caminhão e perguntei as horas para o motorista que estava dormindo. Era madrugada e eu fui logo perguntando, não tendo o cuidado de acordá-lo devagar. Obviamente ele se assustou e muito, pois estava dormindo com a janela aberta. Mas, na minha cabeça ele havia se assustado por que tinha avistado uma alma penada.
No dia seguinte, ainda estava com dúvidas se realmente era uma alma penada ou não. Resolvi sentar na entrada de um restaurante para esclarecer de uma vez por todas sobre a minha condição de alma penada ou de ser humano. . Se não me enxergassem e passassem por mim, realmente eu era uma criatura do além. Se me pedissem licença, aquela voz teria sido algo de minha cabeça.
Não deu dois minutos e uma pessoa me disse educadamente que não poderia ficar ali sentado. Foi o suficiente para acreditar que não era uma alma penada. Mas a voz continuou e continua até hoje a me perturbar. E sempre será um novo desafio tentar decifrar o que ela quer dizer, ou então ignorá-la.