domingo, 12 de dezembro de 2021

A difícil arte da diversão para um esquizofrênico...

                                                              Um cara de sorte....

   Há alguns anos atrás, estava de bobeira, como sempre, viajando pelas ondas da internet, sempre deixando a aba do facebook aberta. Rolando a página me deparo com uma postagem do Zeca Baleiro dizendo que  estaria aqui em "Beuzonte" para um grande show em homenagem ao grande compositor Vander Lee, que, infelizmente, não está mais entre nós. Quem acompanha o blog sabe o quanto admiro esses dois compositores. 
   Despretensiosamente escrevo na timeline do Zeca que gostaria de ganhar um ingresso para o show, pois a grana estava por demais curta. E continuei a minha navegação na internet, sem esperanças de que o meu pedido fosse visto. Na verdade era mais uma brincadeira do que um pedido. Mas não é que, ao  ver as notificações vejo que alguém havia respondido o meu comentário? Ao olhar a resposta, a surpresa: uma pessoa estava me oferendo um ingresso, e combinamos então de nos encontrar na portaria do local do show uma hora antes do evento. 
    E agora? pensei... Sou um grande fóbico social, não vou à um show desde 2004, quando desisti definitivamente de trabalhar. 
     Não vou conseguir ir à este show, mas também seria uma enorme desfeita recusar a generosidade daquela mulher. Então, me dei mais esta missão: ir ao show do Zeca Baleiro, no palácio das artes provavelmente lotado, e sem um miligrama de diazepan na cachola...
    Não gosto de drogas, sejam elas lícitas ou ilícitas, e sei que vou conseguir vencer essa minha dependência química do "pan nosso de cada dia"...


    Dito e feito: domingo saí de tarde para almoçar e fiquei de bobeira até as sete horas da noite, horário combinado para pegar o ingresso com a Fabiana (nome fictício), em frente ao Palácio das Artes. Minha mania de perseguição é tão grande que tenho a certeza absoluta que as pessoas que querem me prejudicar também irão querer prejudicar a quem me dá uma ajuda, por isso não coloquei o nome dessa generosa pessoa que me cedeu o bilhete. 
    No horário marcado ela apareceu, vestida conforme combinado no facebook. E a foto do perfil dela é atual, então não foi muito difícil reconhecê-la. A cumprimentei e, sorridente me  deu o ingresso que, para minha surpresa era da primeira fila!!! Fiquei sem entender nada, e muito menos consegui encontrar palavras para agradecer aquele gesto. Uma pessoa logo apareceu perguntando se eu queria vender o ingresso, o que recusei, é claro. Dinheiro no mundo nenhum valeria a chance de ver um show com três grandes compositores homenageando um outro grande compositor que é o Vander Lee. Apesar da grana estar curta nem cogitei em vender aquele ingresso, que deveria valer uma boa grana, mas não sou e nem tenho a pretensão de ser um cambista, ainda mais com um ingresso que me foi dado... 
   O motivo desse show é um pouco triste. O Vander Lee gravou um DVD no meio do ano passado, no Rio de Janeiro. Era em comemoração dos seus vinte anos de carreira, mas,  um mês e meio depois veio a falecer, para a enorme tristeza de seus muitos fãs no Brasil inteiro. Então o projeto  não foi finalizado e o Zeca Baleiro e o Maurício Tizumba resolveram fazer esta homenagem para concluir a edição deste DVD. 
ingresso para a primeira fila!!!
    Já tive algumas chances de ir ao show do Zeca Baleiro, até quando morava em Ipatinga, mas minhas paranoias e pensamentos persecutórios falaram mais alto naqueles dias e então resolvi ficar em casa mesmo, como sempre faço todas as noites. Percebi que a situação era grave mesmo quando o meu time do coração foi jogar em Ipatinga e eu não fui ao estádio, que ficava a menos de 1km de onde morava... 
     Entrei no palácio das artes e nem sabia o que fazer com aquele papel impresso. Fui na bilheteria pensando que teria que trocar por um ticket, mas era só apresentar na entrada do teatro que o funcionário com o leitor de código de barras iria verificar a autenticidade do ingresso. Antes havia comprado uma pipoca, pois sempre procuro algo para comer quando estou ansioso. 
   Fui para o meu lugar meia hora antes do show. Obviamente estava tenso e um pouco travado.   Coloquei então o meu disfarce de "gente normal" que acredito ser bem convincente, pois a maioria das pessoas quando me conhecem não dizem que tenho algum tipo de transtorno mental... Mas acho que elas enlouqueceriam se em suas mentes se passasse por alguns segundos o que sempre se passa em minha cabeçona...
    Fiquei no meu assento, e feliz por ter encontrado um amigo que não via há uns vinte e cinco anos atrás: o operador de som do show era simplesmente um cara que começou a trabalhar juntamente comigo em uma empresa de sonorização aqui em Belo Horizonte. Como ainda estávamos aprendendo o ofício, passamos momentos difíceis montando e desmontando  equipamentos de som em algumas festas e shows aqui em BH. Mas hoje ele é um grande operador de som e fiquei feliz em saber que está bem e sendo muito requisitado pelas bandas aqui de Minas Gerais. 
    Aos poucos o teatro foi se enchendo até ficar completamente lotado. Afinal, são três grandes artistas reunidos para homenagear um outro grande artista que se foi: o Vander Lee.
    Como me havia prometido, nem levei uma cartela de diazepan no bolso. Era um risco e tanto, mas gosto desse tipo de desafio. Eu, que em 2002 estava nas ruas de Belo Horizonte, com 25kg a menos, comendo lixo e pensando que o mundo iria acabar, agora estou no palácio das artes assistindo como um ser humano qualquer um show de seu cantor preferido. 
    Eu que, por volta de 2003 não conseguia sair de casa em uma pequena cidade do interior de Minas Gerais sem uma cartela de diazepan no bolso. Certa vez quando esqueci e estava longe de casa, corri até a uma padaria e me empanturrei de torta de chocolate até quase não conseguir andar direito. A  "emapanturração", principalmente com doces, servia para me acalmar, mas minha barriga também estava a ponto de estourar. Chocolate e as massas também me dão uma acalmada...
   Mas, voltando ao show,  a campainha soa pela primeira vez, para avisar que o show iria começar em dez minutos. O público não fala muito e a acústica do teatro é muito boa, o que não faz aquele burburinho de vozes ficar quase que insuportável para mim.
    Estou relativamente tranquilo e feliz comigo mesmo. Minha musculatura estava tensa, mas confiante de que não iria sair correndo para fora do teatro durante o show. 
    E a campainha do teatro soou pela segunda vez anunciando o início da apresentação. Silêncio total na plateia e o show se inicia com o Maurício Tizumba, que também é humorista, fazer a primeira parte do espetáculo. O som está alto, mas muito bom. Como disse, ganhei o ingresso para a primeira fila, e estava de frente para uma caixa de som. Mas o som mesmo alto não estava ferindo os ouvidos, devido a qualidade dos equipamentos de hoje em dia. E também graças as mãos e ouvidos do meu amigo operador de som. 
Chico Cesar fez um grande show... 

     O show tem um leve clima nostálgico, mas até que o Maurício Tizumba com o seu humor faz a plateia rir por diversas vezes. Saiu muito aplaudido e logo depois entrou o Zeca Baleiro. O som ficou melhor ainda, pois a voz dele é mais para o grave e não tanto aguda. Ele falou pouco, creio que pelo motivo da homenagem ser o DVD das músicas do Vander Lee. Mas foi muito aplaudido também. Timidamente tiro o meu velho celular para tirar umas fotos, os vizinhos de acento estão filmando com celulares muito melhores e mais modernos. Até que tinha um celular razoável, que acabei vendendo, pois a situação aqui em Belo Horizonte está complicada e estão matando quem reage aos assaltos. Agora posso andar tranquilo pelas ruas com o meu novo celular antigo, e, para completar, uso um papel de parede que simula uma tela quebrada... 
  Depois que perdi a timidez do meu velho celular tiro mais fotos e até gravo um trechinho de uma música. O áudio saiu bem distorcido, pois como já relatei, estava bem em frente de uma caixa de som. Afinal, não vou à um show há bastante tempo e esqueci que tinha que diminuir o volume do microfone. Mas logo coloco o celular no bolso, não consigo curtir um show e filmá-lo ao mesmo tempo... Temos que sentir o som, os instrumentos... 
   Já no meio do show estou um pouco menos tenso e até bato palmas para acompanhar as músicas. Mas o desconforto ainda é muito grande, não adiantando dizer em pensamento para mim que as pessoas foram ao teatro para ver o show e não ficar me observando. E ainda tem as câmeras que estão gravando o show, o que aumenta e muito a sensação de estar sendo observado.  Rapidamente uma timeline se passa em minha mente e relembro dos shows que via antes dos surtos... Ficava completamente distraído, não reparando em nada à minha volta, somente os olhos voltados no palco e os ouvidos nos instrumentos... Meus olhos ficam um pouco marejados ao lembrar desses bons tempos e também por causa da lembrança e das homenagens ao Vander Lee, que parecia ser um cara tipicamente mineiro, pelo seu jeito de falar nas entrevistas que eu vi.
    Incrível como a plateia interage com os músicos, não sabia que  o Vander Lee tinha tantos admiradores, o que me faz sentir melhor, pois é bom ter um gosto musical diferente da maioria, mas também nem tanto diferente, para não me sentir um grande extraterestre.

    O show vai chegando ao fim, e para deixar meus olhos mais marejados ainda, a última música quem canta é o próprio Vander Lee. Não, ele não ressuscitou, é que o telão do teatro  foi abaixado e rodaram um vídeo com ele cantando, e a banda no palco acompanhou a música ao vivo, ou seja, foi uma música ao vivo com o falecido cantando. Bem,  acho que expliquei bem a situação...
   Muitas e demoradas palmas no final.  Olho ao redor e vejo que há um misto de emoções na plateia. Deu para notar algumas com os olhos marejados, e outras sorridentes, por causa do grande show que tinham acabado de ver. No meu caso estava também com essa mistura de sentimentos. Triste por saber que não existirão novas composições do Vander Lee, e alegre e aliviado por ter conseguido vencer mais este pequeno desafio. Espero calmamente sentado no meu banco a maior parte da plateia sair para poder ir embora. Estou um pouco mais leve, pode parecer pouca coisa, mas não é para quem estava praticamente morto por volta do ano de 2003 e que desde então não conseguia ir a um show. 
   Antes de sair do teatro, vou a mesa de som e cumprimento o meu amigo operador de som pela qualidade do áudio. Técnico de som é igual juiz de futebol, é muito importante mas não pode aparecer para a plateia. Se aparece é por que algo não está acontecendo do jeito que deveria estar acontecendo. 
   Vou para casa a pé. Foram quatro quilômetros que andei sem maiores problemas, parecia que estava 10kg mais leve. Analisei o meu comportamento durante o show e acho que o meu disfarce de gente normal foi realizado com sucesso, foi difícil esconder o meu entusiasmo, pois parecia uma criança quando vai à praia pela primeira vez ou então um cachorrinho quando ouve o barulho da corrente quando seu dono a pega para passearem juntos...
    Infelizmente sei que nem sempre vou ter esse tipo de diversão, acredito que mais dia menos dia a mania de perseguição e algumas vozes irão tirar o prazer de uma saída de casa. Mas não vou desistir, a vida é feita de desafios. E ultimamente tenho voltado a gostar dos desafios, do bom combate e da boa luta... Quem sabe um dia se o Yanni voltar ao Brasil eu consiga ver um show desse cara. Quando estive em São Paulo, no ano de 2014,  cheguei a ir ao ginásio do Ibirapuera, mas resolvi não comprar o ingresso, pois não saberia como iria me sentir no meio de tantas pessoas. 
    O "show homenagem" foi demais, recomendo a todos que assistam quando os caras estiverem em sua cidade. Me considero um sortudo, apesar de tudo. Afinal ganhei um ingresso para assistir um dos meus cantores prediletos e ainda na primeira fila... 
   A luta continua, um passo de cada vez e acredito que ainda terei mais desafios pela frente.
   Abraços à todos e até a próxima postagem.