quarta-feira, 4 de setembro de 2013
Divagações esquizofrênicas
Estou dando um tempo em um abrigo aqui em Belo Horizonte enquanto não começo uma outra viagem. Esse abrigo não é tão grande e, por isso, é bem tranquilo. Às vezes rola algumas discussões, a maioria das vezes por motivos banais. Aqui têm pessoas de todos os tipos e formatos: idosos, jovens que saíram de casa, usuários de droga que trabalham e usuários de droga que não trabalham, pessoas de outros estados procurando oportunidades de trabalho e até um esquizofrênico, este que vos escreve
Tenho que tomar muito cuidado, existem algumas regras no abrigo, como em qualquer lugar, mas é algo parecido como em uma cadeia(suponho isso por ouvir nos noticiários, nunca estive preso). A principal regra é ser humilde, não ficar contando vantagens de ter feito isso ou aquilo, de ter alguma coisa, etc. Bem, quanto a isso, até que não preciso me preocupar muito, sem falsa modéstia me considero um cara humilde. Não me acho melhor do que ninguém, já tive até um certo complexo de inferioridade antes dos surtos. Mas uma experiência de quase morte muda muita coisa em nossos conceitos, e hoje não tenho tantos problemas quanto a isso, me sinto um pouco vitorioso por ter saído dos surtos sem prejudicar ninguém.
Mas, para a maioria das pessoas no abrigo humildade tem um sentido diferente, e qualquer vacilo pode ser motivo para uma discussão e uma provável briga. As pessoas ali já têm uma vida sofrida e não costumam tolerar "pessoas que se acham". Tenho que tomar muito cuidado, por exemplo, ao brincar e zoar um colega. Eles podem estar pensando que estou "tirando" a pessoa e ai pode ser complicado. Só brinco com a pessoa quando a conheço muito bem e, mesmo assim, depois de muita convivência.
Também é perigoso viajar na pessoa, ou seja, cismar, implicar. Quando um cara diz "cê tá viajando demais em mim hein?" é um sinal de que a paciência dele pode estar se acabando. Acender a luz do quarto, depois das dez horas, então nem se fala. É sinônimo de confusão e a insatisfação é geral. Caguetar alguém já é briga na certa, o melhor é cada um cuidar de sua vida.
Já estou meio que enturmado e acostumado com a maioria dos caras lá do abrigo, apesar do meu jeito caladão de ser. Sei que algumas pessoas de lá devem achar que sou meio playboy, por não conversar com todo mundo, mas é difícil explicar para os caras que algumas pessoas são mais introvertidas do que as outras. É preciso achar os termos corretos, as palavras exatas, na linguagem deles, para tentar explicar esses assuntos relacionados ao comportamento humano. Se usarmos termos mais acadêmicos, é como se estivermos falando grego. Não dá para dizer esquizofrenia, bipolaridade, transtorno mental, etc. Temos que falar na linguagem que eles usam. Até que tento, mas é complicado, apesar da convivência. Para eles, todo transtorno mental se resume em "doido" e "22".
Talvez alguns usuários do abrigo estejam me achando "meio playboy" por estar andando com uma mochila de marca boa. Já até me perguntaram o preço dela e tudo, e claro que falei que custava um pouco mais barato. Já disse que sou aposentado para alguns caras, e acho que muitos moradores de rua já sabem disso, mas sinto que há um respeito por minha pessoa, pois sempre procuro ficar na minha. A mochila do Paraguai que comprei não durou nem uma semana, então tive que investir numa trilhas e rumos.
Um carioca do abrigo com quem converso às vezes me disse para ser mais comunicativo e tal, de parar de usar o relógio( do Paraguai também). Disse que isso pode soar mal, que estou sendo mitido e tudo. Mas, desde quando querer saber as horas é mitidez? Se fosse um relógio de ouro, tudo bem né? Respondi ao carioca que esse é o meu jeito de ser e que estaria fingindo se eu me tornasse um cara mais comunicativo, que se enturmasse fácil com todo mundo. Bem que eu queria ser assim, mas sou um mineiro bem mineiro mesmo.
Mas, apesar disso, esses dias estão sendo muito bons. Perto do abrigo tem um parque ecológico, com muito espaço e área verde. E o melhor, ele não é tão movimentado assim durante a semana. Está dando para tirar o stress do centro da cidade, está dando até para malhar nos aparelhos instalados no local. Está sendo muito melhor do que andar todos os dias pelo centro da cidade. Aquilo me deixava meio ansioso, e ai vinha a comilança de doces. Já no parque não sinto tanta necessidade do açúcar para o meu organismo. Também o apelo visual ajuda muito, no centro à todo instante vemos aqueles doces e tortas deliciosos.
Por falar em malhar, estava certa manhã fazendo exercícios quando chegaram algumas senhoras. Me perguntaram as horas e ficaram conversando enquanto se exercitavam. Uma mulher, com um sorriso no rosto, perguntou se eu trabalhava. Com a maior naturalidade, disse que era aposentado e que tinha uns "probleminhas" na cabeça, mas que atualmente eu estava mais ou menos controlado. Nesse momento se fez um silêncio total, e as senhoras não disseram mais nada, só um outro grupo é que conversava sobre shampoos e outras coisas do gênero. Particularmente não ligo tanto para esse preconceito e falta de informação, mas provavelmente a maioria dos portadores não gostam nenhum pouco dessa situação constrangedora. Por isso entendo por que escondem o fato. Não disse para elas que tinha esquizofrenia, isso provavelmente seria até pior, por falta de conhecimento sobre o assunto, que até já foi abordado na novela caminho das Índias, da Rede Globo.
Mas parece que só isso não foi o suficiente...
-obs: no próximo post falarei sobre a viagem na estrada real, seguindo o caminho de Sabarabuçu.
Grande Julio, que bom ler notícias suas. Já estava preocupado com seu sumiço, rs.
ResponderExcluirAproveite bastante as "férias" aí no abrigo, e mantenha-nos sempre atualizado dos seus planos e viagens. Tem uma galera aqui do outro lado do PC que curte muito sua escrita e gosta muito de você.
Grande abraço, fique com Deus, até mais!
Valeu Wendell, acabei de fazer mais um caminho da estrada real(são quatro no total) e vou postar as fotos na semana que vem. Foi muito bacana também, tem muitas cachoeiras e belas paisagens. A próxima viagem que irei fazer é em São Paulo, no litoral sul até o norte(270km), se chama "passos dos jesuítas", é muito bonito também esse caminho. Mande um abraço ai para seus amigos e fique com Deus também.
ResponderExcluirMeu amigo Júlio César, gostei muito de seu Blog. Os relatos de suas viagens são muito precisos e interessantes. Parabéns. Um Abraço do Pr. Rogélio.
ResponderExcluirObrigado Pr. por ter visitado o blog e por ter me ajudado na questão da barraca, agora estou andando bem mais rápido e estarei bem para a próxima viagem. Fique com Deus.
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