A princípio, o título deste post pode soar meio estranho, sensacionalista, mas, quem acompanha o blog talvez tenha uma noção do que irei postar hoje, aproveitando também a data de ontem e o domingo de páscoa, em que os cristãos relembram a trajetória de Jesus Cristo no calvário e a sua ressurreição.
Para resumir o início da história toda, durante a fase aguda dos sintomas positivos acreditei piamente que tinha o vírus da AIDS, devido aos boatos que circulavam em uma pequena cidade do interior de Minas Gerais em que morava na época.
A depressão então não demorou a chegar. E, juntamente com ela, o desânimo, a fraqueza e a falta de energia. Esse estado de ânimo para mim, já era o começo dos sintomas do HIV. Para piorar tudo, neste período tive dengue duas vezes quase que seguidamente. Também tive algumas diarreias, o que é um fato raro em minha vida, apesar da comilança de doces para diminuir a ansiedade. E é fato que uma pessoa em depressão pode ter a imunidade baixa... Estava emagrecendo tanto que as minhas calças começaram a ficar muito largas em mim, mas nem sequer pensei em comprar um cinto, amarrando as minhas calças com arame. "Para que um cinto, se vou morrer em pouco tempo?" - era o que eu pensava naquele momento difícil de minha vida.
Para mim era o começo do fim. Só estava à espera dos sintomas mais fortes da AIDS aparecerem para dar cabo à minha vida. E de nada adiantava fazer os exames, pois acreditava que também os laboratórios estavam contra a minha pessoa, alterando o resultado, para assim evitar que eu tivesse o direito aos medicamentos e assim morresse mais rapidamente e com maior sofrimento.
Apesar de estar naquele estado lastimável, tanto fisicamente como mentalmente, trabalhei por um bom tempo até que minhas energias se esgotassem, indo parar nas ruas pela segunda vez. Só que dessa vez uma assistente social me levou para uma cidade vizinha, onde fui muito bem recebido e tive um bom tratamento psiquiátrico. Demorou um pouco, mas consegui me recuperar dos surtos e comecei a me sentir melhor fisicamente. Esses dois fatores me encorajaram a fazer mais um teste de HIV. Confesso que quase não dormi nos dias em que fiquei esperando o resultado, ainda tinha a crença de que havia contraído o vírus da AIDS. Mas, era uma dúvida agora, já não era uma certeza absoluta como no momento em que passei na cidade onde morava.
E, no dia, quando peguei o resultado, foi como se tivesse ganho na loteria, como se fosse um escravo que havia ganho sua carta de alforria. Foi uma sentença de vida, enfim poderia voltar a viver normalmente, beijar na boca, ser feliz de novo. A paranoia do complô dos laboratórios não existia mais! E esse fato devo em grande parte ao bom atendimento que tive naquele lugar, além de ser uma cidade bem maior, onde as pessoas não se preocupam tanto com a vida alheia. Com todo respeito a Jesus, e sem complexo messiânico, a sensação que tive é que havia ressuscitado, pois estava morto psicologicamente há algum tempo.
Já no primeiro surto, quase morri no sentido literal mesmo. Havia perdido 25kg, chegando a me refugiar no meio do mato, para fugir das pessoas que eu imaginava estar me perseguindo. Sai de lá quase que no limite, chegando a ter fortes tonturas quando o sol do meio dia batia em minha cabeça.
Estava à cerca de 20km do centro de Belo Horizonte, e demorei oito horas para voltar, descansando a cada 200 metros que andava.
Era o ano de 2006, me lembro bem dessa data. O meu time havia ganho a copa do Brasil daquele ano, o que me deixou maluco de felicidade! Naquela época os sintomas negativos ainda não haviam dado o ar de sua graça e praticamente pirei, mas foi uma loucura positiva. Estava eufórico com a conquista do meu time e, para comemorar, resolvi ir à cidade onde fui tão caluniado e zoado por boa parte da população (agradeço de coração aos que não ficaram contra a minha pessoa). A minha primeira providência foi tirar umas 30 cópias do teste. E nesse ato aconteceu uma feliz coincidência, pois quem estava trabalhando na papelaria e que me atendeu foi uma mulher que morava na mesma rua em que eu morava e certo dia chegou a afirmar que eu estava com AIDS, ao me ver mais magro. Eu tinha o costume de engordar e emagrecer com frequência, pois descontava a minha ansiedade na comida, mas também gostava de jogar um futebol e fazer caminhada.
Quando ela terminou de fazer as cópias, peguei uma e dei para ela:
- Toma, esta é de presente para você! - eu disse, com um ar de felicidade.
- Obrigado... - ela me respondeu, meio sem graça e cabisbaixa.
E então sai pelas ruas desta cidade, distribuindo as cópias para quem eu visse pela frente e colando algumas nos postes, afirmando a todos que tinha sido curado da aids. E, claro, que soltei foguetes no campinho onde costumava jogar bola.
Pode parecer loucura, mas foi uma das melhores sensações que tive em minha vida. Eu havia renascido, só estava a espera dos sintomas aparecerem para morrer biologicamente, pois na parte mental eu já estava morto...
Não foi paranoia minha os boatos e comentários naquela cidade. Sei distinguir hoje o que foi paranoia da realidade (a maioria das situações, nem todas...). Certa vez o dono de um restaurante desta cidade chegou a questionar com uma funcionária o fato de eu estar almoçando em seu estabelecimento. Talvez ele ainda pense que o vírus se transmita pelos talheres...
Aquele dia ficou marcado para sempre na minha vida. Meu time há muitos anos não ganhava nada além dos estaduais e eu simplesmente havia nascido de novo! Ainda não tinha os sintomas negativos, e até hoje me questiono se não são piores do que os positivos.
Atualmente os sintomas negativos prevalecem em minha mente, e sinto que isso tem alguma ligação com o fato de não surtar como antigamente. Mas não enxergo isso como uma vantagem, pois, se nos sintomas positivos temos as alucinações, os surtos, temos também a energia e a vontade de recomeçar quando temos as crises. Ia para as ruas, emagrecia, me estrepava todo, mas, quando me recuperava, tinha forças para continuar a luta.
Na minha humilde opinião, esse é um dos desafios que os cientistas tem que enfrentar no que se refere a recuperação de um portador de esquizofrenia. Não entendo como são indicados os mesmos medicamentos dopantes para quem está com os sintomas negativos. Oras, se estamos com apatia e desânimo, por que nos receitam remédios que nos dão sono? Aliás, são os mesmos antipsicóticos usados no tratamento dos sintomas positivos, e isso não me deixa convencido. Se os psiquiatras em sua maioria afirmam que a esquizofrenia seja o desequilíbrio do cérebro, não seria correto afirmar que os neurotransmissores não seriam diferentes para os dois tipos de sintomas que são bem diferentes um dos outros? Explicando melhor, se no caso dos sintomas positivos(alucinações, surtos) a causa seria a dopamina em excesso, nos sintomas negativos(apatia, desânimo) a causa não seria uma outra substância que talvez esteja faltando ao portador? Olhando por esse ângulo, não vejo então coerência em receitar os mesmos medicamentos para os dois tipos de sintomas, como é o caso da risperidona.
como um mesmo medicamento pode ser usado para sintomas tão diferentes? |
"Risperidona é indicada no tratamento de uma ampla gama de pacientes esquizofrênicos
incluindo:
- a primeira manifestação da psicose.
- exacerbações esquizofrênicas agudas.
- psicoses esquizofrênicas agudas e crônicas e outros transtornos psicóticos nos quais os sintomas positivos (tais como alucinações, delírios, distúrbios do pensamento, hostilidade, desconfiança), e/ou negativos (tais como embotamento afetivo, isolamento emocional e social, pobreza de discurso) são proeminentes.
- alívio de outros sintomas afetivos associados à esquizofrenia (tais como depressão, sentimentos de culpa e ansiedade).
- tratamento de longa duração para a prevenção da recaída (exacerbações agudas) nos pacientes.
- esquizofrênicos crônicos."
Fonte: http://www.medicinanet.com.br/bula/8315/risperidona.htm
Já o segundo desafio é encontrar os medicamentos para os sintomas positivos. Até que os sintomas são controlados, mas os efeitos colaterais e as reações adversas fazem muita gente desistir do tratamento, pelo simples fato de tirarem a nossa vontade de fazer simples tarefas do dia a dia.
O desafio está ai, acabar com os sintomas até que conseguem(até a lobotomia acaba), mas o problema maior é fazer isso sem afetar a qualidade de vida do portador.
Esse é um dos meus sonhos. Quero estar ainda vivo para ver tantas pessoas livre desse mal que acomete 1% da população e que até hoje é cercado de estigmas e preconceitos. Parece pouco, mas faça as contas olhando em conta a população de sua cidade. O que acontece é que nem todos assumem a condição, para não serem discriminados pela sociedade, pois infelizmente não temos muito canais para nos expressarmos. Mas não desisto, sonho ainda que um dia irão encontrar os medicamentos ou as terapias que irão tratar a esquizofrenia sem afetar a nossa qualidade de vida. Sonho em um dia andar por ai livremente sem as paranoias e a mania de perseguição que me persegue. Sair por ai, ir ao cinema, ver um jogo de futebol, comprar roupas, e por ai vai. Quando a esquizofrenia aparece, mudamos nossos sonhos, e simples fatos se tornam sonhos..
qualquer pessoa está sujeita a passar por situações difíceis... |
-obs: quem acertar o meu time vai ganhar um livro Mente Dividida em PDF...
Muito bom seu blog, estou descobrindo minha doença aos 30 anos e seu blog está me ajudando a entender tudo melhor. Tu é torcedor do Flamengo, pode enviar a cópia do livro para gzilles@hotmail.com . Ansioso para iniciar a leitura do mesmo! Continue escrevendo pra gente. Abraços, Gustavo.
ResponderExcluirSou Flamenguista desde 1978, era doente, fanático mesmo, mas hoje sou um Flamenguista saudável, que leva o futebol na brincadeira mesmo.
ExcluirBoa noite, tu é torcedor do Flamengo :D Pode enviar a cópia do livro pro meu e-mail gzilles@hotmail.com . Parabéns pelo blog, estou adorando a leitura, me faz entender um pouco melhor a patologia que me atormenta desde o início do ano quando tive meu primeiro surto psicótico. Faz uma semana que iniciei tratamento com Risperidona e um antidepressivo para conter os sintomas positivos e negativos. Estou curioso para ler o seu livro. Continue escrevendo! Abraços, Gustavo.
ResponderExcluirAcertou, vou enviar o livro para o email que você me passou. Tudo de bom para você e sucesso no tratamento. Obrigado pela participação e pela visita ao blog.
ExcluirVocê é Flamenguista! Que lástima......
ResponderExcluir2x0 contra o Vasco, acertei?
O livro é meu? :)
Sempre estou por aqui, lendo, aprendendo, crescendo.
Um abraço.
Rafaela
Sim, acertou. Aposto que é vascaína... Vou enviar o livro, pode me enviar o email, não vou publicar nos comentários. Obrigado pela participação e pela visita ao blog... Saudações rubro negras...
ExcluirOi, td bom? Eu usava Clo (cloridrato de clomipramina) até pouco tempo atras. Mas meu nivel de serotonina esta mtu baixo, entao o médico decidiu que será melhor para mim tomar fluoxetina. Mas ainda tenho 2 caixas de clo fechadas, estou procurando alguem que use ele com receita, para fazer o repasse. Qualquer coisa pode entrar em contato cmg, filhaicv@hotmail.com
ResponderExcluirOlá, obrigado por participar do blog e por dispor os medicamentos. Se não encontrar alguém que use a Clo, entregue à um Caps que provavelmente será utilizado. Você fez algum tipo de exame para detectar os níveis de serotonina? É que no Brasil ouvi opiniões divergentes sobre o exame de serotonina, mas já vi em vários sites que ele existe sim. Tudo de bom para vc e sucesso no tratamento.
ExcluirGostei muito do post, foi muito esclarecedor. Descobri porque sempre me me dei bem somente com fluoxetina e clonazepan, deve ser porque eu tenho sintomas negativos .A ultima vez que fui ao psiquiatra ele me pediu um exame de sangue prolactina e outros hormônais também uma ressonancia (ainda não fiz nenhum) mas é claro que vou fazer assim que possível.
ResponderExcluirVou comprar o seu livro,
Alguma vez na vida você pensou que seria um escritor?
Meu amigo você é um grande escritor, pabéns!
Depois entrarei em contato para lhe pedir o livro.
Olá. Fico muito feliz em saber que o que escrevo ajuda de alguma maneira as pessoas a entenderem melhor o que é a esquizofrenia e seus sintomas. Na verdade, eu sempre gostei de ler, e comecei a escrever por volta dos 23 anos, mas nunca pensei em ser um escritor, aliás, nem me considero um escritor, apenas registro o que sinto, o que penso, e algumas coisas interessantes que acontecem em minha vida. Escrever para mim é um hobby e é melhor ainda quando ajudo pessoas com os meus escritos. Obrigado pelas palavras e tudo de bom para você.
ExcluirOlha Julio acho que a medicina tem que evoluir muito! tive depressão muito tempo juntamente com ansiedade. Só que antidepressivos faz a pessoa dar um up e ficar mais anciosa ainda e remédios pra anciedade deixa a pessoa zen até demais, o que não é legal pra uma pessoa depressiva... aí me diz o que a pessoa faz? Só ajuda divina mesmo.
ResponderExcluirConcordo com você, por isso creio que a pessoa deva tentar alternativas naturais, como o ômega 3, uma boa alimentação, principalmente rica em vitamina b( a vitamina dos neurônios), fazer exercícios físicos, para liberar a serotonina, a endorfina e outras "inas" mais. E tem várias outras alternativas, caso não deem resultado, ai sim o jeito é apelar para os medicamentos, mas nunca de desistir das terapias naturais.
ExcluirOi Júlio, tudo bem?
ResponderExcluirSim estou lendo seu blog de trás para o início; (e daí?, eu leio do jeito que eu quiser..kkkkk)
Bom vamos lá...desculpe minha ignorância, não entendi e gostaria que vc me explicasse o que quis dizer quando falou que até a lobotomia acaba.
Obrigada por existir!
Olá
ExcluirFico sempre feliz com a sua participação e pode ler o blog da maneira como lhe convier. Seria mais interessante do começo para o início, pois creio que melhorei um pouco o meu texto com a prática. Por exemplo, quando faço o post, primeiro escrevo no caderno, depois passo para o blog e depois jogo no word para corrigir os erros. Ultimamente tenho tido poucos erros para serem corrigidos. Mas é como te falei, o blog é assim mesmo, sem muitas regras, já me deram conselhos para ter mais visualizações, mas ai teria que seguir regras, o que não gosto muito de fazer, principalmente quando estou escrevendo. Em relação ao lobotomia, não entendi direito a sua pergunta, seria a lobotomia química?
Você é flamenguista como eu quero seu livro saudações rubro negras samueljackrock@hotmail.com
ResponderExcluirOlá
ExcluirSim, sou Flamengo desde 1978, quando vi o Zico jogar pela primeira vez, no Maracanã. Claro que tinha outros grandes jogadores, e a torcida também me fez ser Flamengo, apesar de nascer aqui em Belo Horizonte. Vou lhe enviar uma cópia do livro no formato PDF para o seu email.
Obrigado pela visita ao blog.