Nesta postagem irei falar sobre como ocorreu minha precoce aposentadoria. A imagem que encontrei para ilustrar esta publicação não condiz muito com a minha situação, afinal não tenho grana para sair por aí viajando por aí. As outras imagens que tentei achar pesquisando sobre aposentadoria mostravam velhinhos, e algumas delas segurando uma boa quantia de dinheiro na mão.
Na verdade me aposentei aos 40 anos, e consegui o auxílio doença aos 35 anos de idade. Fiquei longos cinco anos fazendo intermináveis perícias até me aposentar. Foi um processo cansativo, na época me davam dois meses de afastamento e mal dava para me esquecer que teria que marcar uma outra perícia. Esses anos todos fiquei muito ansioso, o que me detonou um pouco. Ficava me perguntando como deveria agir na perícia, se deveria ir sozinho, se deveria exagerar em algum relato, enfim cheguei até a pensar a "dar uma de doido", fazendo gestos estranhos, etc... Mas, no final resolvi apenas contar a verdade, tudo o que havia passado e tudo o que estava passando. Ia as perícias com a mesma roupa que andava para ir ao restaurante popular. Usava meus tênis e não tomava nenhum medicamento para ficar com cara de dopado. E ia sozinho nas perícias depois que havia saído do albergue. Afinal a esquizofrenia é um transtorno que geralmente nos fazer isolar de tudo e de todos.
Muitos pensam que tenho vida boa, que foi só ir no INSS e dizer que estava doentinho para conseguir me aposentar. A coisa não é tão simples assim, foi complicado por demais o processo. No livro que escrevi, chamado "Mente Dividida", conto com detalhes como foi que tudo aconteceu.
Antes de entrar nos detalhes, gostaria de dizer que a melhor coisa do mundo antes de surtar era trabalhar: era um ramo que gostava (música). Gostava tanto que trabalhei 17 anos seguidos e ininterruptos mexendo nas carrapetas da mesa de som. Era a minha alegria participar da alegria das pessoas, trabalhando em aniversários, festas de aniversário das cidades, cavalgadas, etc.. Só não gostava muito de trabalhar dentro da USIMINAS, pois, além de ser muito quente, por causa dos enormes fornos, o clima era um pouco tenso, pois os eventos geralmente eram inaugurações, E tinha aquela formalidade toda do hino nacional, com presença das autoridades e políticos. Até já fiz evento pro lula... Era um saco. Sempre ficava muito tenso no início, pensava que os caras iriam me matar se o CD desse algum problema na hora de tocar o hino nacional.
Não tinha finais de semana, feriado, etc... E nem reclamava disso, a minha diversão era o próprio trabalho. Férias só tirava uns 15 dias e já sentia saudade de mexer na mesa de som.
Mas, como boa parte dos leitores do blog sabem, os surtos começaram a aparecer por volta dos 30 anos de idade, e a situação ficou completamente fora de controle.
Creio que foi por volta do ano de 1999 que tive um surto mais ou menos leve. Cheguei a ouvir algumas vozes, mas o pior mesmo foi a mania de perseguição. Tentei tirar minha vida, mas, como podem perceber foi em vão. Havia pedido demissão do serviço, mas tempos depois consegui um outro trabalho.
Já em 2002 o surto foi grave. Novamente pedi demissão do serviço, e virei morador de rua por um período de cinco meses. Consegui me recuperar bem, com a ajuda de várias pessoas legais que encontrei pelo caminho.
Voltei a trabalhar e acredito que não demorou uns quatro meses para surtar. Tentei os medicamentos, mas não conseguia trabalhar dopado. Pedi demissão do serviço. Mas não saí por aí perambulando pelas BR's. Já estava esgotado fisicamente e psicologicamente.
Então a solução que encontrei, ou melhor a não solução, foi desistir da vida. Mas não tentei tirá-la, apenas me deitei na rua e esperei o tempo passar. No dia anterior havia almoçado em uma churrascaria, era como se fosse a última refeição que iria fazer em minha vida. E também fui na zona, pois também queria ter a minha última relação sexual.
Então comprei um colchonete, um radinho e um monte de pilhas. Ouvindo música iria me desligar do mundo e o meu fim talvez seria menos doloroso. Me deitei no centro da cidade em uma sexta feira, por volta das quatro horas da tarde.
E passei o final de semana, ali, parado, sem ser incomodado por ninguém. Somente um cara que me ofereceu um lanche no domingo de noite.
Mas na segunda feira o tumulto começou. Algumas pessoas que não queriam o meu bem passavam por mim com aquele sorriso sarcástico. Outros percebi um olhar de misericórdia. Na parte da tarde a coisa complicou de vez: apareceu a polícia e até uma ambulância. Afinal havia passado o final de semana inteiro comendo quase nada e não me lembro de ter bebido água. Muitas pessoas pararam no local para ver o que estava acontecendo. Deu para ouvir o policial conversando com uma assistente social, que tentava argumentar a meu favor, dizendo que eu era um cara trabalhador e que gostava muito de praticar esportes. Cidade pequena tem essa vantagem ou desvantagem de todo mundo conhecer todo mundo.
- Pensei que ele estava fingido para se aposentar...- ouvi um transeunte comentar.
A assistente social parece ter convencido o policial, pois ela me levou para um asilo, onde permaneci por 3 dias, pois na cidade não havia um albergue. Depois me levaram para a cidade vizinha, onde fiquei um ano morando em um albergue. As madrugadas costumavam ser tensas, pois havia muitas brigas por causa de drogas e cachaça. Mas ficava quieto no meu canto e os demais albergados me respeitavam.
Após um ano fui ao psiquiatra. Já não aguentava mais ficar no meio de multidão de pessoas. sempre quando ia no centro tinha que usar o diazepan ou então me empanturrar de torta de chocolate. Não estava mais suportando sons altos. O jeito foi pedir para o psiquiatra um laudo para tentar a aposentadoria. Anteriormente havia conseguido o auxílio doença, mas tive que continuar trabalhando pois morava em um quartinho na firma que trabalhava. Somos os melhores amigos dos donos de firma enquanto somos produtivos, mas quando entramos no auxílio doença... Fui ridicularizado por todos na firma e quase sofri agressão do dono da empresa. Tive que aguentar tudo aquilo calado, não tinha mais forças para reagir. Foi nessa época que resolvi ir para rua e comer a minha última refeição.
O atendimento na psiquiatria nesta cidade era muito bom, o que contribuiu para a minha melhora parcial. Comecei a estudar a esquizofrenia e então me entendi um pouco, pois sempre pensava que era uma pessoa extremamente tímida.
O psiquiatra me deu um laudo e assim fiquei cinco anos fazendo as perícias. É uma tensão muito grande, a gente não dorme direito, não sabe como será o nosso futuro.
Depois de cinco anos recebi a carta do INSS afirmando que havia conseguido a aposentadoria. Me senti no início mais aliviado do que propriamente alegre. Mas, com o passar do tempo esse alívio deu um lugar a um enorme vazio em minha existência. Afinal minha vida não tinha sentido algum e tinha que me virar com um salário mínimo.
Tentei fazer alguns bicos como operador de som, em eventos mais simples, tipo voz e violão, no máximo uns dois microfones. Mas o problema não era a quantidade de microfones, e sim a quantidade de pessoas que iam à esses eventos. Desisti de tentar os bicos quando fiquei um pouco mal em um evento que tinha apenas um microfone, um sax e um violão, mas haviam cerca de mil pessoas em um pequeno salão. Tomei diazepan, me empanturrei com brigadeiros, pão de queijo e cheguei á conclusão de que não valeria a pena todo aquele sofrimento. E não estava mais aguentando os sons altos, e ficava meio sem referência se o som estava bom ou não. Os sons mais agudos pareciam que entravam dentro de minha cabeça Naquele dia quase que pedi para o saxofonista parar de tocar, o som do instrumento é muito bonito, mas é um pouco irritante, mesmo quando não colocamos microfone nele.
E então minha vida andou sem sentido desde o ano de 2005. Não vou mais em shows, não fui ao estádio quando o meu time foi jogar na cidade onde morava. Não vou em festas, não tenho mais vontade de trabalhar como operador de som.
Atualmente só saio de casa para ir almoçar e jogar futebol Até que consigo fazer outras coisas, mas até que acostumei com essa situação e hoje até que curto essa solitude.
Os medicamentos que prometem nos socializar me deixam com muito sono. Ou seja, se não saio por causa de uma certa fobia social que tenho, também não iria sair tomando os medicamentos pois iria ficar dormindo o dia inteiro. E isso acontece com várias pessoas que tem esquizofrenia e não conseguem tomar os antipsicóticos.
Nesses anos todos as viagens que fiz foi a pé, com a minha mochila e a minha barraca, pelos caminhos da Estrada Real. Na solidão do caminho, onde se pode ouvir até o bater de asas dos pássaros e que tenho a paz plena. Mas não tenho o que reclamar, afinal, se não fosse a ajuda das pessoas, não estaria aqui para contar essa história de uma aposentadoria precoce....
Hoje até encontro um sentido para a minha vida, procuro ajudar as pessoas que estão passando hoje o que passei no início dos meus surtos, seja através do blog, no canal do youtube ou nas redes sociais.
Mas não desejo o que passei e ainda passo para ninguém, nem até para o meu pior inimigo, seja ele imaginário ou não.
O desafio
E, para piorar tudo, ainda tenho que ouvir de alguns vizinhos onde moro que tenho vida boa, que teve algum esquema para me aposentar. Tenho um vizinho que tem uns 60 anos. Ele é muito obeso e tem uma enorme dificuldade para andar, pois tem diabetes e algumas outras complicações. Ele é bem sarcástico e tenho que ouvir algumas indiretas. Isso não me atinge mais. Às vezes até respondo algumas provocações dele. Mas aí ele fica dando uma de vítima para seus amigos e aí saio como vilão da história. Será que ele tem inveja da minha precoce aposentadoria?
Outros vizinhos também não veem com bons olhos a minha situação. Quando estava nas minhas andanças estava economizando uma graninha pois não estava pagando aluguel. Consegui comprar uma TV LCD, um home theather e um notebook. E hoje passo boa parte do meu tempo assistindo shows, filmes e documentários, pois, graças ao bendito cado HDMI consigo ver a tela do note na tv e assim assistir coisas assistíveis...
Resumindo, considero a aposentadoria um prêmio, um prêmio para uma pessoa que procurou e foi por toda sua vida um cara correto e que mesmo nos momentos mais difíceis de sua vida não fez mal a ninguém. Procurei seguir sempre o caminho do bem, o caminho que achei correto seguir, mesmo sabendo que não é esse exatamente o melhor caminho para se dar bem financeiramente em nosso país. Mas a consciência tranquila não tem preço. Nunca fui de bajular ninguém e não será agora que farei isso. Não tem coisa melhor do que sermos quem realmente somos, sem disfarças e segunda intenções.
Resumindo, considero a aposentadoria um prêmio, um prêmio para uma pessoa que procurou e foi por toda sua vida um cara correto e que mesmo nos momentos mais difíceis de sua vida não fez mal a ninguém. Procurei seguir sempre o caminho do bem, o caminho que achei correto seguir, mesmo sabendo que não é esse exatamente o melhor caminho para se dar bem financeiramente em nosso país. Mas a consciência tranquila não tem preço. Nunca fui de bajular ninguém e não será agora que farei isso. Não tem coisa melhor do que sermos quem realmente somos, sem disfarças e segunda intenções.
bendito cado HDMI que estais na TV... |
Esses vizinhos provavelmente devem ficar um pouco indignados ao chegarem cansados de seus trabalhos, ao me ver deitado na cama assistindo um filme ou ouvindo música.
Ai me veio a ideia de fazer este desafio: convido à qualquer pessoa maior de 18 anos a passar o que passei. O prêmio será o meu salário de aposentado até o resto de minha vida. Posso até assinar um documento e colocar tudo no cartório. Mas a pessoa terá que passar por tudo o que passei e se responsabilizar por algum dano físico que venha lhe acontecer durante "as provas". E tudo isso ainda será fichinha perto do que passei, pois só irei colocar no documento as provações físicas que tive que passar, pois não tem como induzir uma pessoa sentir o que passei na parte psicológica, afinal não tem como fazer uma pessoa surtar e a ter alucinações visuais e auditivas sem que a faça usar drogas.
É isso, quem quiser aceitar o desafio do esquizo, pode me enviar um email. Posso ser louco, mas sou um cara de palavra.
eu tenho esquizofrenia desde dos 14 anos me aposentei com auxilio doença aos 19 anos nao vejo sentido mais na vida pois tudo que faço da errado e tambem tenho depressao e o que o medico fala viver para mim perdeu o brilho mesmo tomando um coquetel de remedio os que tomo sao haldol comprimido e injetavel biperideno olanzapina escitalopram litio clonazepam a vida e um desafio se tomo os remedio durmo o dia inteiro se nao fico mal com as vozes nao sei o que fazer parece que para mim a soluçao final e o suicidio mals um pequeno desabafo de um esquizofrenico
ResponderExcluirEntendo a sua situação, os medicamentos são complicados de se tomar, ainda mais em grande quantidade como você está tomando. Mas procurei uma segunda opinião, um outro profissional? Talvez em doses menores você consiga se estabilizar. Digo doses menores e também menos comprimidos, já que não consegue ficar sem nenhum medicamento.
ExcluirObrigada por compartilhar conosco a sua experiência , seus relatos ajudam bastante
ResponderExcluirNão conhecia teu blog, mas agora sou grata por ter chegado até ele. Excelente texto e excelente relato. Parabéns por tua força.
ResponderExcluirEu penso em voltar ao trabalho. Ainda mais tendo um filho. O INSS é humilhante. Importante lutar pelo meu filho. É tudo que tenho. Espero que Ele me aceite quando crescer. Obrigado mesmo só para desabafar. Amigo abraço.
ResponderExcluirPor acaso cheguei em seu blog. Eu tive um surto de stress agudo no serviço e tirei 16 dias de atestado e abriu INSS.
ResponderExcluirNo começo fui só diagnosticada com TOC mas ao longo dos meses, fui mergulhando mais no que eu poderia ter além disso e acabei descobrindo que tenho asperger (agora tbm denominado como espectro autista só que grau leve pq não tem deficiência no intelecto)
Tanto que devido a esta doença tenho memória eidetica, QI acima da média, tanto que eu nunca precisei estudar pra uma prova ou vesribular. Era só prestar atenção na aula e me saía bem... Sempre fui Boa com desenhos, instrumentos musicais, canto, escrita e apesar de me sentir introspectiva por dentro, ter um pensamento muitas vezes contrário do que as pessoas pensam, por fora pareço comunicativa e compassiva. É como se eu tivesse tipos de personalidades diferentes para cada situação. E sempre mantendo a minha vida privada o mais privada possível ao mesmo tempo.
Eu até descobrir a minha condição, nunca entendi o porquê de começar um projeto super focada e depois perder o interesse chegando à ter repúdio, e que mesmo eu fazendo o que era certo para os outros, para mim não era no meu interior e nunca entendia a necessidade daquilo que estava sendo feito.
Pois na minha concepção do serviço aquilo era travado, não funcionava na prática só na teoria. Quando tive o surto de stress agudo devido a pressão e injustiça no serviço (os asperger repudiam injustiça ao máximo), fui ao psiquiatra e abriram inss.
Me deram só 1 mês. E eu ainda tendo crises de choro e trauma em pensar a voltar ao trabalho... pois também já tenho país falecidos. Quando pedi pra adiar a perícia do INSS pois não me sentia pronta para voltar, deu indeferido e o cara nem analisou os papéis, nem me olhou na cara, fui humilhada e me senti tratada como uma escrava.
Hoje eu to recorrendo a advogado e à justiça para conseguir meus direitos. É difícil conviver com espectro autista ainda mais com depressão aguda devido ao falecimento dos meus pais (meu pai em 2014 devido a infarto e minha mãe tinha um tumor na cabeça. Eu ac9mpanhei todo o tratamento dela)... E ainda para piorar minha tia faleceu no domingo retrasado, devido a uma queda e trauma (ela tinha 80 anos) no pós operatório.
E muitas pessoas me acham insensível quando não vou a enterro, velório ou ver o caixão ser enterrado. Mas na verdade eu evito, pois cada vez que isso ocorre com um ente querido, parece que é mais um prego sendo martelado no meu peito fazendo um buraco e deixando ele cada vez mais vazio...
Olá
ExcluirMe identifiquei muito com sua história, cheguei por um momento até a imaginar se não sou asperger. Mas não tenho essa facilidade que você tem nos estudos e outras situações que relatou.
Também me identifiquei quando disse que tinha várias personalidades para cada situação. Acho que a palavra correta seria adequação mesmo ao ambiente.
Também procuro evitar ir à enterros, sinto algo parecido.
Mas em relação ao inss não desista, mas também não desista de tentar voltar a ter uma vida normal ou pelo menos bem próxima do normal. Não sei muito sobre o espectro autista, mas me parece que você é jovem ainda e deve encontrar forças para continuar a luta para ter uma vida próxima do normal.
Obrigado pela visita ao blog
Meu primeiro surto foi a um ano atrás, tive alucinações e delírios a todo momento mas a pior era a sensação de está sendo filmado, fui diagnósticado com esquizofrenia paranoide e hoje me encontro afastado do trabalho, hoje sou uma pessoa q se socializa muito pouco e eu n era assim, isso é hórrivel quase n saio do meu quarto
ResponderExcluirMas você tem outros sintomas além da mania de perseguição?
ExcluirEu sou diagnosticado com F29, mas não ouço vozes. Tenho dificuldade para sair em público, pegar ônibus pra mim é impossível e as vezes acho que as pessoas estão contra mim, entre vários sintomas. Será que por não ouvir vozes e falar sozinho eu posso não receber pensão?
ResponderExcluirOlá. Essa parte jurídica não entendo muito. Mas se você já foi diagnosticado antes talvez não tenha problemas se o laudo do seu psiquiatra atestar que o transtorno te impede de trabalhar e se sustentar. Mas é sempre bom se informar com advogados, assistente social, etc....
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