Após uma longa e intensa batalha contra a balança, finalmente consegui chegar ao meu peso ideal, que é em torno de 82 quilos. Pode até parecer bichice isso, coisa de mulher e tal, mas ter tirado um excesso de oito quilos de minhas costas me deixou mais ágil e bem disposto, sem contar que os triglicérides voltaram a uma taxa que é considerado aceitável.
Deveria ser motivo de total alegria para mim essa pequena conquista, pois não foi fácil diminuir o delicioso pudim de leite e outros quitutes da culinária mineira. Sem contar que sou um chocólatra assumido, coisa que geralmente é de mulheres também, mas o fato é que o chocolate contém uma substância que ajuda na captação da serotonina (olha eu falando que nem médico de novo), e que dá a famosa sensação de bem estar, e por isso as mulheres recorrem a essa gostosura, principalmente quando estão com tpm
No meu caso, fico bem humorado, alegre, disposto, tudo fica mais colorido em minha vida quando como chocolate. Cheguei a pesquisar no google outros alimentos que poderiam ajudar na produção da serotonina, mas, infelizmente, só o chocolate e os carboidratos é que conseguem fazer isso. Algumas frutas, como a banana, até cheguei a ler que ajudam um pouco nessa questão, mas o efeito não é tão imediato e intenso como o dos achocolatados, massas e açúcar em geral. Gostaria de deixar bem claro que essa substância é fabricada naturalmente pelo organismo da pessoa, não precisando de nenhum alimento para tê-la em nosso corpo. Mas, em algumas pessoas, parece que o cérebro não consegue fabricar ou captar essa substância, o que pode gerar uma depressão.
O chocolate é como se fosse uma droga para mim. Aliás, acho que é uma droga, pois considero droga qualquer substância que altere o estado de ânimo natural da pessoa. Em poucos segundos depois de ingerir, meu cérebro parece que diz: obrigado! O problema é que o meu corpo não pode dizer o mesmo, pois, além de engordar muito, os triglicérides estavam em 420mg, quando o limite é de 200mg, ou seja, mais do que o dobro.
A necessidade de comer chocolate e carboidratos, aliado ao fato de me preocupar com a minha saúde, me fizeram engordar e emagrecer várias vezes. Isso fez com que aparecessem boatos de que eu estava com aids, há uns dez anos atrás. Começou aos poucos como um bochicho, apenas no bairro, mas acabou virando uma bola de neve e, em pouco tempo, o boato se espalhou rapidamente pela cidade onde eu morava naquela época.
Para piorar, nessa época tive dengue e fiquei muito mal. O boato acabou "virando realidade' e o zun zun zun foi geral. E, para piorar mais ainda, depois de me recuperar da dengue, peguei uma virose braba. Nesse momento, os moradores da cidade, que prefiro preservar o nome, já haviam decretado o meu fim. Prefiro preservar o nome do município, pois pode ficar parecendo que guardo rancor dos moradores dessa localidade. Procuro nunca alimentar esses sentimentos negativos e também sei que existem pessoas boas por lá e que não gostam de ficar comentando a vida alheia. Já morei em diversas cidades do interior de Minas Gerais, rodei boa parte do Brasil, e não me lembro de ter tantas inimizades como tive nessa cidade, pois sempre fui um cara bem retraído mesmo.
Então, de tanto ouvir que estava com aids, que eu mesmo acabei acreditando naquilo, apesar de sempre usar preservativos em minhas relações sexuais. Como diz o velho ditado: " Uma mentira dita várias vezes acaba virando verdade". Fiquei muito deprimido, e pensei em me matar assim que os primeiros sintomas da aids aparecessem, pois não queria sofrer morrendo aos poucos, apesar de saber que já naquela época os remédios para a aids davam uma boa perspectiva de vida ao indivíduo.
Por onde eu andava na cidade, reparava que as pessoas olhavam para mim de uma maneira diferente, algumas com pena, outras com um ar de discriminação e preconceito, chegando ao cúmulo de um dono de restaurante não ter gostado da minha presença em seu estabelecimento. Talvez ele pense que o vírus da aids possa ser transmitido pela saliva através dos talheres, ou então por simples preconceito mesmo. Também senti na pele o preconceito que os portadores do vírus hiv sofrem, ao fazer uma manutenção no sistema de som em um clube da cidade. Uma mulher que estava se bronzeando na beira da piscina, ao me ver, perguntou para um funcionário com um ar de repugnância:
- Esse cara está frequentando o clube agora?
Um fato que me deixou para baixo nessa onda de boatos ocorreu quando reencontrei uma garota que tinha conhecido anos atrás. Fiquei feliz ao vê-la e pensei em ir conversar com ela, mas logo desisti quando reparei em seu olhar um misto de raiva e reprovação. Depois fiquei sabendo que ela ficou desesperada pensando que poderia ter contraído o vírus da aids, sendo que ficamos apenas nos beijos e abraços e nunca chegamos "aos finalmente".
Com tudo aquilo acontecendo fui cada vez mais ficando deprimido. Já não saia mais de casa e conversava o mínimo possível. Depois de algum tempo, resolvi fazer o teste do hiv para pegar os medicamentos e começar a fazer o tratamento. Mas, para a minha surpresa, o teste deu negativo. Já estava tão paranoico que imaginei que o laboratório havia falsificado o resultado, para que assim eu não pudesse pegar os remédios e sofresse mais e morresse mais rápido.
Pensei em fazer o teste em outra cidade, mas a mania de perseguição era tão grande que cheguei a imaginar que todos os laboratórios do Brasil tinham o meu nome e a minha foto, e que havia uma conspiração para não darem o "suposto verdadeiro" resultado do exame. Cogitei em fazer o exame no Paraguai, mas naquela época estava sem grana, pois ganhava por serviços prestados e, como estava muito pra baixo, já não estava conseguindo trabalhar bem.
Certo dia, tive um flash back e em minha mente veio a cena de uma relação em que o preservativo se rompeu. No mesmo instante, imaginei que havia transmitido o vírus da aids para a mulher com quem estava e me senti um verdadeiro assassino. Um filme começou a passar em minha cabeça e me lembrei de duas relações em que não usei o preservativo. Então, o número das supostas vítimas havia subido para três, em minha mente. Um enorme sentimento de culpa se alojou em minha cabeça, sendo que, quando estava surtado, em duas ocasiões pedi para que policiais me prendessem, chegando a dizer que era um réu confesso. Na primeira vez, o policial achou engraçada a situação, pois me apresentei à ele com as mãos juntas na posição para serem algemadas e repetindo que era um réu confesso. O policial, sorrindo, falou de Deus para mim e me ofereceu um marmitex, que, apesar da fome em que estava, acabei jogando fora, imaginando que a comida poderia estar envenenada. Na segunda vez, os policiais não foram tão amistosos assim, pois eu havia telefonado de um orelhão dizendo que era um réu confesso. Em poucos minutos, a viatura chegou ao local e me abordaram com uma arma. Após me revistarem, me deixaram na br.
Demorou alguns anos para que essa ideia de que estava com aids saísse de minha cabeça. Mudei de cidade e o tratamento na área de saúde mental aqui é bom, muito melhor do que onde ocorreram os boatos. Sem contar o fato de que aqui as pessoas não ficam falando sobre mim como acontecia na outra cidade, acho que pelo fato de ser bem maior. Com o tempo e o tratamento fui melhorando aos poucos e, depois de quatro testes negativos, finalmente acreditei que não tinha nenhum vírus da aids. Um peso enorme saiu de minhas costas, não era mais um assassino e poderia voltar a beijar na boca de novo!
Mas, nem tudo está bem. Ainda hoje, aqueles comentários ecoam em minha mente, principalmente quando consigo voltar ao peso normal. Fico feliz e triste ao mesmo tempo por ter conseguido emagrecer, pois, imagino que as pessoas estão comentando que estou com aids. Cheguei a ter uma pequena alucinação auditiva, quando fui conferir o meu peso em uma farmácia. A voz dizia que eu estava com aids. Na hora, acreditei realmente que algum funcionário da farmácia havia dito isso, e sai rapidamente do local. Mas, depois de alguns dias, analisando a situação, cheguei à conclusão que foi paranoia minha mesmo.
Caminhando pela cidade a sensação que tenho é que todos estão olhando para mim, observando minhas roupas que ficaram largas e falando que tenho aids. E quando por algum motivo tenho que ir em uma unidade de saúde, essa sensação aumenta e muito. Mas hoje em dia a situação é bem diferente. Tenho consciência das minhas paranoias, o que, apesar de não resolver o problema, ajuda e muito a conviver melhor com as pessoas.
Hoje não me importaria tanto se uma pessoa fizesse um comentário de que estou com aids. Aprendi a acreditar mais em mim mesmo do que em outras pessoas. Claro que é uma situação chata, mas, pessoas que precisam de falar da vida alheia por simples falta de assunto não merecem um pingo de nossa preocupação. Portanto, se você é alvo de pessoas desse tipo, simplesmente ignorem e as deletem de suas cabeças.
"As coisas mais belas são ditadas pela loucura e escritas pela razão."
André Gide