Este post faz parte de uma série que estou preparando, com perguntas e respostas feitas por amigos portadores dos mais variados tipos de transtornos mentais, estudantes, amigos e parentes de portadores, além de pessoas interessadas no tema.
Foi um amigo que me deu essa sugestão, ao ver um dos vídeos que publiquei no meu canal no youtube. Poderia responder as perguntas pelo próprio canal, mas, como já relatei inúmeras vezes, falar não é o meu forte, e além de tudo eu tenho a língua presa, é um saco ficar falando o S, às vezes chego até a pronunciar o X no lugar do s, mas não é para dar uma de carioca não, é por que fica mais fácil shasuhasuashuashaus Só quem tem a língua presa é que irá entender completamente essa troca de letras.
Gostaria também de deixar bem claro que não sou o dono da verdade, as respostas são de uma pessoa que infelizmente tem a prática e um pouco da teoria sobre o assunto. O psiquiatra, o psicólogo pode estudar o máximo que for possível, cursar a melhor universidade, mas entender completamente o que um portador de sofrimento mental passa não depende apenas de teorias, é necessário outras coisas que o dinheiro não compra.
Também não me considero capaz de resolver os problemas das pessoas com sofrimento mental. Apenas procuro ajudar da melhor maneira possível, com tudo o que aprendi estudando e principalmente pelo conhecimento adquirido pelas experiências que tive e com as lições que só a vida nos ensina. E também é uma forma de retribuir um pouco toda a ajuda que recebi nos momentos mais difíceis da minha vida. Então, sempre que puder, irei publicar dez perguntas em cada postagem com o título acima. Quem tiver alguma pergunta é só fazer por email que respondo aqui no blog. Sugestões de temas também serão bem vindas. Sem a participação dos leitores o blog ficaria pouco interessante na minha opinião, aprendi e muito com os comentários postados. O meu email é:
juliocesar-555@hotmail.com
Perguntas e respostas
1-Como era a sua vida antes da esquizofrenia?
Levava uma vida praticamente normal. Fui uma criança bem arteira, estudei em um colégio razoável, fiz o ensino médio completo e também o curso técnico de eletrônica. Saí de casa aos 17 anos e comecei a trabalhar como operador de som. Com o tempo, acabei me tornando um bom profissional nessa área. Era uma pessoa distraída, e não reparava em nada em torno de mim. Apenas me achava uma pessoa excessivamente tímida e um pouco complexada, mas não era nada de tão grave assim. Hoje creio que também era um cara meio inocente, até um pouco bobo para a minha idade. Não tinha paranoias, e conseguia andar pelas ruas sem me preocupar com as outras pessoas, era realmente muito distraído e um pouco aéreo. Confesso que tenho saudades desse tempo que acredito que não irá voltar.
2- Que idade você tinha quando recebeu o diagnóstico e qual a sua idade atual?
Na verdade nenhum psiquiatra ou psicólogo falaram comigo sobre o assunto. Sempre fui atendido pelo SUS e as consultas eram bem rápidas. Em uma certa cidade a consulta durava não mais do que cinco minutos. Os psiquiatras apenas ouviam minhas queixas e me passavam a receita do medicamento. Já as psicólogas apenas se limitavam a fazer algumas perguntas e anotações. Como não ficava muito tempo morando na mesma cidade, não fiquei muito tempo fazendo sessões com uma mesma psicóloga.O primeiro surto grave aconteceu aos 32 anos de idade, mas só tomei conhecimento que tinha esquizofrenia quando fui fazer a minha primeira perícia no INSS, quando já não estava conseguindo mais trabalhar, devido as recaídas que tive. O laudo recebi no ano de 2005 e atualmente tenho 46 anos de idade. Fiquei três anos, indo de uma igreja para outra, pensando se tratar de algo espiritual. Até mesmo depois de receber o laudo ainda tinha essa desconfiança, que só foi realmente acabar depois que resolvi fazer um curso de informática e comprar um computador e assim estudar o assunto com mais profundidade.
3- Quais foram os sintomas que levaram ao diagnóstico e como foi a sua primeira crise?
Mania de perseguição exagerada, muitas alucinações auditivas e algumas visuais.A primeira crise tive aos 32 anos de idade. Estava trabalhando e comecei a imaginar que os outros funcionários da empresa onde trabalhava estavam tramando algo contra a minha pessoa. Esse sentimento de que havia um complô contra mim foi se espalhando para o bairro, e em pouco tempo, comecei a pensar que praticamente o mundo inteiro estava querendo o meu fim. Cheguei a ouvir pessoas combinando um plano para me matar e onde eu ai sentia que todas as pessoas estavam me observando. Também comecei a sentir um complexo de culpa exagerado, chegando a imaginar que tudo o que acontecia de errado era minha culpa. Pensava que a minha comida estava envenenada e fui duas vezes ao hospital para pedir socorro. Aconteceu outras coisas, mas basicamente foi isso, e, então pedi demissão na firma onde trabalhava, com a intenção de fugir dos inimigos que eu pensava que estavam me perseguindo naquele lugar.
Aconteceram muitas coisas. Como não era agressivo, não cheguei a ser internado, e então morei nas ruas de Belo Horizonte por cerca de cinco meses, até conseguir me recuperar. Registrei tudo no livro que escrevi, chamado Mente Dividida, que vendo no formato impresso como também em PDF.
4- Você já foi internado alguma vez na vida? Como foi a experiência?
Nunca fui internado, pois, como já afirmei, mesmo durante os surtos psicóticos, não era agressivo. A minha principal reação era apenas fugir e fugir. Fui para as Br's, mudei de cidade, tentei o autoextermínio algumas vezes, numa tentativa de fuga dos inimigos que estavam em minha mente, mas que na época tinha a certeza absoluta que estavam em todos os lugares. Mas não fui agressivo e também quase não externava o que se passava em minha mente.
5- Você toma medicamentos para controlar a doença? Já teve que trocar de medicamentos alguma vez?
Atualmente estou tomando apenas o diazepan, que é para a ansiedade e agitação. É como se fosse um SOS, em uma situação em que eu possa ficar agitado. Os remédios usados contra a esquizofrenia infelizmente possuem muitos efeitos colaterais. Troquei inúmeras vezes de medicamentos, mas todos tiveram reações adversas quase que incapacitantes, como sonolência, fraqueza, aumento de apetite exagerado, e outras reações que são chamadas de reações extrapiramidais: acatisia, que é a vontade de ficar andando sem parar, agitação motora e enrijecimento muscular, dentre outros. Hoje em dia, devido a experiência prática no assunto, posso sentir algumas vezes quando estou prestes a surtar, e ai recorro aos antipsicóticos, mas por um breve tempo, até sentir que estou novamente estabilizado.
6-Como a sua vida mudou após o diagnóstico?
Após o diagnóstico, a minha vida melhorou um pouco, pois passei a estudar o assunto. No início acreditava ser algo de origem espiritual. Comecei a frequentar igrejas, para ver se me libertava desses supostos espíritos, mas em vão.
Depois que tive o acesso ao diagnóstico pude entender melhor a esquizofrenia e, consequentemente, a mim mesmo. Fiz uma análise de todo o meu passado, e cheguei à conclusão de que realmente havia algo de errado comigo.
7- Você trabalha? A doença já afetou seu ritmo profissional?
Sou aposentado. Infelizmente na área em que trabalho o profissional tem que ficar várias noites acordado, se deslocando de uma cidade para outra. Trabalhava como operador de som, e ainda tinha o problema do som alto e de ter que conviver com multidões nos shows. É realmente uma profissão estressante. A vida social também foi bem afetada. Já não era grandes coisas antes, agora ficou praticamente inexistente.
8- Como é a sua relação com familiares e amigos?
A minha relação com a família não era boa e nem ruim. Apenas não existia. Se por um lado não brigávamos, também não havia diálogo. Em relação aos amigos, na infância e adolescência era um garoto divertido e alegre, meio maluquinho mesmo e tinha bastante amigos. Com o tempo a sensação de que as pessoas não gostavam de mim foi aumentando e fui então me tornando uma pessoa mais reservada.
9- Como as pessoas reagem ao saber que você tem esquizofrenia?
Geralmente ficam surpresas, pois o preconceito e a falta de informação ainda é muito grande, A maioria das pessoas pensam que esquizofrenia seja sinônimo de agressividade, de falta de capacidade de raciocinar, déficit mental, falta de higiene, dentre outras coisas. Já me perguntaram como sei usar o computador se sou um esquizofrênico. Já até disseram que não tenho esquizofrenia por saber falar razoavelmente bem. E também fizeram o desafio clássico: “Você é doido? Então rasgue essa nota de 50 reais!” A resposta foi óbvia: “Posso até ser meio maluco, mas burro não sou né?”
10- Você já passou por alguma
situação de preconceito por sofrer com a doença?
Se considerarmos preconceito como
um pré-julgamento sem ter um conhecimento da causa, sofri e ainda sofro todos
os dias. Mas não fui hostilizado, apenas algumas pessoas procuraram me evitar,
principalmente no mundo virtual, já que ultimamente tenho tido pouco contato com
as pessoas no mundo real. Já ouvi muitas indiretas, que finjo ter esquizofrenia
para ter conseguido me aposentar, dizem que tenho uma vida boa (me aposentei
com um salário mínimo). Dizem que o que tenho é frescura, já que não podem ver
e nem sentir o que eu tenho.
Nos sites de relacionamento o preconceito acontece de uma forma bem clara. Quando encontro uma pessoa interessante, procuro entrar em contato. A conversa chega a fluir bem, me pedem mais fotos, mas, quando ficam sabendo da minha condição de portador de esquizofrenia, já não retornam mais as mensagens. No começo chegava a mentir, afirmando que trabalhava como técnico em eletrônica, mas foi por pouco tempo, não gosto de me passar por uma outra pessoa.
Perguntas de estudantes de psicologia
O TCC não é mais obrigatório. Algumas estudantes de psicologia entram em contato comigo e com vários portadores de esquizofrenia para fazerem uma série de perguntas, para seus trabalhos de conclusão de curso. Umas são honestas e francas, chegam e falam a verdade, e fazem as perguntas. Outras se aproximam, fazem o pedido de amizade, fazem inúmeras perguntas, algumas fingem realmente querer a nossa amizade, mas, depois que conseguem o conteúdo para seus trabalhos, acabam sumindo e nos excluindo de seus círculos de amizades. Acho isso uma falsidade que nem vou comentar, o correto seria falar a verdade mesmo, apesar de que a maioria dos portadores não gostam de responder as mesmas perguntas de sempre. Eu mesmo já não respondo mais, pois são as mesmas perguntas de sempre. Já teve estudante fingindo ser jornalista e entrando em contato comigo, afirmando que iria sair no jornal, etc. Fiquei empolgado, mas até hoje não vi nenhum depoimento meu em nenhum jornal, elas prometiam me passar o link da matéria, mas até hoje nada. Então, o TCC não é mais obrigatório, e também é uma falta de sensibilidade dos professores, não saberem que qualquer pessoa se sente incomodada se for "investigada" ou observada. Nos caps e nos centros de convivência aparecem vários estudantes, e já cheguei a ver em um caderno de um estudante anotações sobre vários portadores de esquizofrenia. O pessoal das faculdades chegam nesses centros de convivência, entram em contato com os portadores, alguns estudantes começam a puxar conversa, fazem suas observações, e até filmam certas situações em que o portador não é perguntado se quer mesmo ser filmado. Não seria mais correto primeiro falar a verdade e depois começar o contato e as perguntas?
Se comer não use o fone de ouvido...
Outro dia estava almoçando tranquilamente no restaurante popular. E, como sempre, ouvindo músicas no fone de ouvido na maior altura. Isso me ajuda a me desligar um pouco do mundo à minha volta. Mas dessa vez me desligou de uma maneira que me fez pagar um mico, quer dizer, um micão (que expressão mais antiga shaushasuhasuas).
Não sei que carne estava comendo, mas o caldo do osso estava uma "dilícia". Sou uma pessoa simples, e não tenho vergonha de comer o frango com a mão e chupar o caldo dos ossos. Essa carne que estava comendo não era frango, mas o caldinho do osso estava muito bom mesmo. De repente um cara na outra mesa me encarou com uma cara não muito boa. Havia poucas pessoas no restaurante, geralmente almoço mais tarde, quando o movimento é pequeno. Um outro cara que estava passando no corredor também me encarou por um breve momento. Achei estranho, mas continuei a saborear o caldinho do osso da carne que estava no prato. Ai as mulheres que estavam no balcão começaram a rir, deu para ouvir suas risadas, bem ao fundo, por causa da música alta. Olhei para o lado e elas estavam olhando para mim. Somente neste momento é que fui me dar conta da situação: quando estava chupando o caldo do osso da carne, dava para ouvir o som que fazia, parecido um pouco com um tipo de assovio, sei lá... Ai disse para mim mesmo:
- Como você é burro cara! Se está dando para ouvir você sugando o caldo do osso com essa música alta no fone, então o restaurante inteiro está ouvindo também!
Fiquei meio sem graça, me ajeitei na cadeira, fiz cara de sério de como não estava acontecendo nada e passei a sugar o caldo da carne com menos vontade, apesar de estar muito gostosa.
O "rançoso"...
Como já citei no post "A corrente do bem", passei a cuidar de um cachorro que foi meio que abandonado pelo seu dono, não vou entrar em detalhes sobre como isso aconteceu. Foi uma maneira de retribuir toda a ajuda que recebi nos momentos difíceis da minha vida e também que ainda recebo. Apesar de tudo o que aconteceu depois que a esquizofrenia apareceu em minha vida, posso dizer que sou um cara privilegiado ou sortudo, por ainda estar vivo e poder contar um pouco da minha história.
Ele estava triste, "amuado", magro. Afinal, mudou de habitat e também perdeu seu irmão, o rançosinho. Provavelmente ele deve ter se perdido ao sair na rua à procura de alimento. Não aguentei ver a tristeza dele e passei a comprar ração, a brincar com ele e até dei um banho, meio que forçado, para tentar tirar um pouco do ranço, acho que ele nunca havia tomado um banho em sua vida. E ficou mais complexado ainda, pois, quando estava jogando água nele, encostei na tomada que estava pendurada e tomamos um choquinho assustador. Já estou acostumado a levar choques, pois trabalhei como operador de som por vários anos. Mas, e o rançoso? O que se passou na cabeça dele? Coitado, agora é que nunca mais vai querer saber de tomar banho.
Mas agora ele já está mais animado e forte, dou ração para ele de manhã e de tarde, além de não deixar faltar água. E o principal também não falta, que é um pouco de carinho. Como ele não tinha nome, resolvi batizá-lo. Mas nenhum nome apareceu em mente. Estava pensando em colocar Pacato, pois ele é bem quietinho e não mexe com ninguém, só não gosta muito que um outro cachorro invada o território demarcado por ele. Mas com os humanos e fora do território, ele é um doce. Me sugeriram Paçoca e outros nomes. Mas resolvi que ele mesmo iria escolher o seu nome: o primeiro que gritei foi rançoso, e logo ele veio correndo em minha direção. Não tive dúvidas: seu nome seria mesmo Rançoso, pois o cheiro ainda continua, porém um pouco mais fraco. Falta ainda comprar um talco para acabar com as pulgas, ele vive o dia inteiro coçando daqui e dali, mas nesta semana vou comprar um talco para acabar com esse sofrimento.
Na minha opinião, os cachorros tem sentimentos, parecem ser um pouco diferentes dos outros animais. Eles nos olham bem nos nossos olhos quando gostam da gente, dão sinais para se comunicar, percebem quando estamos tristes. Enfim, são seres que merecem o nosso respeito.