quinta-feira, 28 de março de 2013

Caminho do Padre Anchieta: 5º dia e último dia

praia de Meaípe
    São cinco e meia da manhã. Acordo com muitas dores, tanto no tornozelo esquerdo como em toda a musculatura da perna direita, que teve que trabalhar muito para compensar o fato de não poder firmar a perna esquerda no chão.
    Tento calçar o tênis, mas, como o meu pé está muito inchado, não consigo colocá-lo no meu pé e tenho que prosseguir a caminhada de chinelo mesmo, o que atrasa ainda mais a chegada ao destino final.
    Não consigo avistar nenhuma padaria por perto e início a minha caminhada até Meaípe, que deveria ser o ponto de parada do dia anterior. Estou 10km atrasado em relação ao tempo que o pessoal da Abapa, que faz o percurso em quatro dias. Para chegar a Anchieta hoje mesmo, terei que percorrer 33km, tarefa um tanto o quanto difícil nas condições em que o meu tornozelo se encontra.
    Planejo então percorrer algo em torno de 20km e deixar para o dia seguinte o restante, para chegar em Anchieta de dia. Mas as dores e a dificuldade em caminhar aumentam cada vez mais com o tempo. Não está acontecendo como das vezes anteriores, quando as dores praticamente desapareciam a medida em que o corpo esquentava. Penso por um momento em pegar um ônibus até Anchieta, para dizer que não desisti no meio do caminho, mas logo descarto a ideia, pois assim estaria enganando a mim mesmo, pois queria fazer o trajeto assim como fazia o Padre, sozinho e com suas próprias pernas.
    Depois de sair da Praia de Areia Preta, pego uma BR que vai até Meaípe, mas,  para o meu desespero, é uma subida um pouco forte. Paro várias vezes no trajeto, ando tão lentamente que vários idosos conseguem passar por mim.
    Eu tinha levantado naquele dia, mas não tinha acordado, estava praticamente rastejando. Precisava de comer algo, tomar um café, um chocolate, qualquer estimulante para me despertar, mas Meaípe parecia sempre distante, apesar dos meus esforços em tentar chegar a essa praia.
    Raramente fico de mau humor, mas naquela manhã estava. Poderia me aparecer a Gisele Bundhchen me dando bom dia com o mais belo sorriso que não iria mudar em nada o meu humor. Como já disse anteriormente, de manhã o meu estado de ânimo não é dos melhores, fico apenas calado, não fico de mau humor descontando em outras pessoas.
    Pergunto a várias pessoas onde poderia encontrar uma padaria e a resposta é sempre a mesma:
    - Vá em frente! Siga em frente!
    Fico chateado, pois o mineiro sempre é muito solicito quando é perguntado sobre algum destino, faltando apenas desenhar um mapa para que a pessoa chegue ao local desejado.
    Mas finalmente, depois de muito sofrimento, encontro uma padaria legal na BR, antes de chegar a Meaípe. Desabo na cadeira, peço dois pães com manteiga e um copo de café com leite e novamente me assusto com o preço: quatro reais!
    Aproveito para descansar um pouco, mas em vão. Poderia tomar o melhor café do mundo, tomar um bom banho frio, ou então tomar um choque de 220V que nada iria alterar o meu estado de ânimo, isso é do meu organismo mesmo, é o meu ritmo biológico. Foi a parte mais sofrida do percurso, bem pior do que na praia deserta, onde fiquei meio perdido.
    A alternativa correta seria tratar o tornozelo para depois seguir o caminho, mas como sei que o atendimento no SUS(Seu Último Suspiro) não é dos melhores, principalmente no tempo de atendimento, resolvo prosseguir para terminar o martírio o quanto antes. O caminho, que antes era diversão, se tornou uma obrigação e uma questão de honra.
   A praia de Meaípe mais parecia uma ilusão de ótica: sempre dava para avistá-la, mas sempre continuava longe, mesmo depois de um bom tempo de caminhada .Estou meio que me arrastando na BR, mais parecendo um daqueles zumbis andando no clip Thriller, do Michael Jackson.
    Depois de muito desgaste físico e emocional, finalmente chego a tão famosa praia de Meaípe, que já foi classificada pela Guia 4 Rodas como uma das mais bonitas praias do Brasil. Mas, devido ao meu estado, prefiro não dar um mergulho, além de ser perigoso entrar na praia com apenas uma perna de apoio.
    A minha intenção inicial era não ter um prazo definido para concluir o percurso, queria curtir as praias, as paisagens, parar para refletir um pouco, etc. Mas, devido as dores queria terminar o quanto antes o caminho
    Consigo achar uma lan house, e fico cerca de duas horas em frente ao PC, não por ter o que acessar, mais para descansar um pouco mesmo. A internet é bem lenta e cara. A minha mania de perseguição me faz pensar que na lan house existe um pc lento para pessoas indesejáveis e que eu era uma delas.
    Às onze horas vou almoçar. No restaurante o atendimento não é dos melhores, além de lento. Tive que pedir para apressarem o meu PF, pois não podia perder muito tempo, já que ainda pensava em terminar o caminho naquele dia mesmo, ainda que chegasse a Anchieta de noite. A comida é pouca, apesar do preço. A sensação que tenho é que Meaípe toda me conhece e que não foram com a minha cara. Peço também uma Coca Cola e, de sobremesa, como um chocolate, para tentar aumentar os níveis de serotonina em meu organismo(baixou o psiquiatra!)
    Após um descanso de quase duas horas, não sei por que, me sinto renovado e o meu estado de ânimo muda completamente. Consigo calçar o tênis e caminho com mais firmeza. Estou tão animado que ligo o celular e começo a cantar em voz alta as músicas do aparelho, já que estou em uma BR e não tem ninguém por perto para escutar tamanha desafinação.
faltando pouco
     Estou tão animado que começo a pensar que poderei chegar a Anchieta hoje, mesmo que de noite. Pelos meus cálculos, devem estar faltando cerca de 20km, e, como as dores diminuíram, não seria difícil completar o caminho.
    O percurso depois de Meaípe, é, em sua maior parte, na BR. Enquanto caminhava na calçada perto da praia não sentia nenhum cansaço, acho que o visual me dá um ânimo extra. Mas, quando a BR muda de percurso e sai do mar, o cansaço começa a tomar conta de mim. O visual é monótono e fico meio entediado. Para piorar, é uma serra, e tive que parar várias vezes para descansar e prosseguir a caminhada. Novamente, penso que o melhor a se fazer é terminar o caminho no dia seguinte, para não forçar demais a minha musculatura, principalmente da perna direita, já muito desgastada nesses três dias de caminhada.
    Mas, depois de finalmente sair da BR, o trecho é feito em estradas de terra, o que me faz sentir meio que em Minas Gerais. Começo a me sentir melhor  a cada placa que avisto indicando o quanto faltava para se chegar ao destino, quase não parando para descansar. Aliás, era pior parar naquele momento, pois as dores voltavam.
    E assim fui indo, mais no embalo do que propriamente pela força física. Em um vilarejo, entrei em um bar para pedir água. O relógio na parede indicava três horas e quarenta minutos da tarde. Logo após sair do bar, retomei a caminhada e avistei uma placa indicando que faltavam 12km para se chegar ao ponto final. Foi ai que tive a certeza que iria conseguir finalizar  o percurso naquele dia mesmo, mesmo que tivesse que caminhar a noite, só torcendo para que o caminho continuasse por estrada de chão e que o Padre não tivesse feito muitas estrepolias para chegar ao final.

     Rapidamente cheguei a praia de Castelhanos, tirei algumas fotos e continuei a caminhar, para as dores não voltarem. Sinceramente, não sei de onde estava tirando tanta energia e força de vontade, já que de manhã estava pensando em desistir, de terminar o caminho de ônibus, devido as dores. Agora, já ao anoitecer, até cumprimentava os bois e as vacas que encontrava pelo caminho. Era como a bateria de um celular, que de manhã estava quase que desaparecendo a última barrinha do simbolo da pilha, mas que, de tarde uma força misteriosa a tinha recarregado completamente, estando as três barrinhas da pilha cheias.
    E foi assim, avistando as placas, indicando 6, 4, 3, 2 km que cheguei a Anchieta. Logo na entrada, uma turma jogava bola e um cara errou o passe, vindo a redonda parar perto de mim. Quase não tive forças para chutá-la, estava andando meio que no embalo mesmo.
    E continuei o caminho, quando avistei um viaduto há um km de distância. Não gostei da ideia de ter que atravessá-lo, pois não gosto de altura e já estava no limite de minhas forças, podendo sentir alguma tontura no meio do mesmo.

entrada da igreja
    Mas, para a minha felicidade, encontrei uma placa do caminho de Anchieta que indicava que eu deveria virar a direita ao invés de seguir em frente e passar pelo viaduto. Continuei o caminho, cada vez mais ansioso para chegar ao final. Sentia que estava perto e as dores e o cansaço não me incomodavam como antes. Não contive a minha alegria quando avistei a entrada da igreja. Peguei a minha câmera para registar o momento e perguntei as horas para uma mulher que passava no momento.
    - São seis horas. respondeu.
    Não acreditei na coincidência do horário e perguntei novamente, desta vez para um cara:
    - São seis horas.
    - Mas em ponto?- perguntei meio incrédulo.
    - Sim, são seis horas mesmo.
    Animado com a coincidência do horário, subi as escadarias da igreja, que não eram muitas. Levantar a perna era uma tarefa um tanto o quanto difícil naquele momento, quase tendo que levantá-las com a ajuda das mãos, mas a vontade de chegar ao final era maior do que as dores e o cansaço que estava sentindo.
    Não sei descrever a sensação que tive ao ver a porta da igreja e a placa que indicava 100km
 percorridos! Não tive vontade de sair gritando, pulando, como um jogador que faz um gol.
enfim o fim
     A sensação não era de ter ganho algo, não tive vontade de sair gritando:
    - Eu sou o cara! Eu sou foda!
    Não, a sensação era outra. Era de vitória sim, mas principalmente a do dever cumprido. Eu não havia  competido com ninguém e não tinha ganho um jogo, apenas tinha superado alguns obstáculos, dificuldades e as minhas limitações, devido as dores. Era uma sensação de alívio principalmente. E claro que tem a parte espiritual também, que não sei detalhar o que a caminhada ou peregrinação pode fazer com uma pessoa.
    Sentei-me na escadaria da igreja e comecei a refletir, fazendo uma analogia entre a caminhada e a vida.
    A vida para mim é um caminho, ou vários caminhos que podemos escolher. Existem partes do caminho que são difíceis(como a praia deserta), os percalços( a contusão no tornozelo), as coisas belas(as paisagens), as dificuldades (o cansaço). Às vezes, pensamos em desistir, pensamos que não temos forças para continuar, mas, de onde menos se espera, encontramos energias para seguir até o fim e superando os obstáculos.
    Assim é a vida. A vida é um caminho, caminhar é viver, e viver é caminhar.
cansado, mas com a sensação do dever cumprido

quinta-feira, 21 de março de 2013

Caminho do Padre Anchieta: 4ºdia

nascer do sol na praia deserta

    Acordo por volta das seis horas da manhã, com muitas dores musculares e mal conseguindo me apoiar na perna esquerda, pois o tornozelo esquerdo amanheceu muito inchado. 
    Olho para a frente e só consigo avistar praia e vegetação. Por alguns instantes, penso em desistir, já que a  minha água está acabando e por temer em ficar perdido naquela praia deserta. 
    Me imagino voltando para Belo Horizonte e sinto que nunca me perdoaria por ter desistido no meio do caminho. Me lembro do filme "Retroceder sim, desistir jamais" e também do "Tropa de Elite" com o seu famoso bordão: " Missão dada é missão cumprida". E, como sou muito teimoso, resolvo continuar, mesmo que tenha que chegar a Anchieta de muletas. 
    O vento é muito forte nesta praia, e qualquer vacilo na hora de desmontar a barraca pode ser fatal, pois não tenho condições físicas de sair correndo atrás de minha humilde residência com toda essa ventania. 
    A viagem, que a principio tinha um misto de espiritualidade, diversão e aventura, toma rumos dramáticos. A sensação agora é de que estou pagando alguma promessa ou pagando pelos meus pecados. A areia fofa não deixa a caminhada render e, com a mochila pesando quase oito quilos, chego a cambalear algumas vezes. Me sinto um pouco Jesus Cristo, mas nada a haver com complexo messiânico, a situação mesmo é que me faz pensar nisso. 
    Depois de cerca de uma hora de caminhada, bate um certo desespero em mim. Nenhum sinal de vida por perto, a água acabando e as dores aumentando, principalmente na musculatura da perna direita, que tem que trabalhar dobrado, já que não consigo firmar por completo a perna esquerda no chão.
único ser vivente que encontrei na parada na praia deserta

perdido na praia deserta
      Resolvo ligar o meu celular e, por incrível que pareça, há sinal naquele local. Ligo então para a polícia (sempre ligamos 190 para resolver qualquer problema!) Uma voz feminina muito sexy atende no outro lado da linha. Pergunto qual a distância entre Barra do Jucu e Setiba, mas  a atendente não soube me responder, se limitando a dizer apenas que é longe, já que Barra do Jucu fica em Vila Velha e Setiba em Guarapari. Xinguei a atendente(mentalmente, é claro) por não ter nem se dado ao trabalho de ter consultado o google, já que havia dito que estava perdido em uma praia deserta. Resolvi ligar para a polícia, pois não tinha a noção exata do quanto havia andado. A areia fofa deixa a caminhada bem lenta e cansativa, e a sensação que tenho é a de que andei o dobro do que realmente havia andado. 
    Bebo o resto de água que havia na garrafinha e continuo a caminhada. Após quase uma hora de sofrimento, finalmente consigo avistar, bem ao longe, um conjunto de casas. Fico aliviado e um peso enorme sai de minhas costas. 
    Os lugares, na praia, parecem, no visual, estarem bem mais perto do que imaginamos. Andei por um bom tempo e as casas não se aproximavam de acordo o tempo que caminhava. Estava quase no meu limite, quase me arrastando, o calor fazia a minha garganta implorar por água quando avistei uma pequena casa branca meio que isolada na praia. Ouvi um barulho de motor e avistei um antigo ônibus azul se aproximando. Peguei minhas garrafinhas de água e fiz sinal para que parassem. Pedi para que enchessem as garrafinhas dizendo que estava meio perdido na praia. O motorista estava quase enchendo a primeira garrafinha quando um dos ocupantes pediu para que parasse, dizendo que eu iria encontrar vilarejos pela frente. Fiquei espantado diante de tanta falta de compaixão e agradeci, ironicamente:
    - Obrigado pela gentileza, vocês são muito legais. 
    Bebo a água toda e não consigo matar toda a minha sede. A solução é a casinha branca, que está há uns 200 metros de distância. Reúno todas as minhas forças e rapidamente chego ao local. Bato palmas e sou recebido amistosamente por dois cães vira latas. Brinco um pouco com eles e volto a insistir nas palmas. Começo a pensar que não há ninguém na casa naquele momento. Quando já estava pensando em desistir, aparece uma loira, aparentando ter no máximo uns 35 anos. Se parecia fisicamente com a princesa Diana, só que bronzeada. Até o corte de cabelo é igual. 
    Desesperadamente peço água e pergunto quanto ela me cobraria para tomar um banho de ducha em sua casa, mas, para o meu azar, ela responde:
    - I am not understanding!
    Fico mais desesperado ainda, falo vagarosamente "eu querer tomar banho", "lavar cabelo", "quanto custa, money", mas tudo em vão. Ela apenas me olhava com uma cara de quem não está entendendo nada. Devido ao cansaço e ao meu desespero, esqueço o pouco do que sei do inglês básico e nem pergunto "Whats your name?" ou "How are you?".
     Apenas consigo lembrar que água em inglês é water e, mostrando as garrafinhas, finalmente  ela entende alguma coisa do que estou falando. Entra em sua casa, e ao voltar, um outro cachorro aparece, só que ele é pequenino e nada amistoso e me dá uma leve mordida em minha perna. Comento com ela usando gestos: "Cachorro grande legal, cachorro pequeno bravo", mas não adianta, ela realmente não entende nada de português e continua a ficar olhando para mim. A sensação que tive é que ela estava se perguntando: "Esse cara é maluco?"
    Ela é bonita, mas tem um olhar meio triste, parecido com o da princesa Diana. Ficamos um tempo em silêncio, um olhando para a cara do outro. Queria conhecê-la, saber sobre a sua vida, o motivo de morar em uma praia meio deserta. Fiquei com raiva de mim mesmo por não saber inglês e então me despedi:
    -Thank you. 
    Ela disse algo que não entendi e retomo o caminho. Logo avisto uma placa indicando o caminho do Padre  Anchieta e fico mais animado, só lamentando o fato de haver tantas placas em Vila Velha e nenhuma na praia deserta.
Praia em Setiba
     Poucos metros depois, começo a avistar as casas de Setiba, todas muito bonitas. O lugar está praticamente deserto e penso que as casas são de propriedade de  pessoas com boa situação financeira que passam o final de semana naquele lugar. Consigo encontrar uma ducha na praia e tomo um banho e finalmente consigo lavar o meu cabelo, já que o local é pouco movimentado. Depois, tomo um belo café da manhã e continuo no caminho. Avisto uma outra placa indicando o Caminho do Padre e nela vejo que estou no quilometro 51, ou seja, estou no meio do trajeto. A essa altura, nenhuma dor me faria desistir. 
    Depois de Setiba, o caminho ainda é feito em praias, só que povoadas. Caminho pela calçada, para não me cansar mais ainda. Por volta das onze horas, paro para almoçar e descansar. O dono do restaurante foi muito legal comigo e até me deixou descansar na mesa durante uma hora, enquanto a bateria da câmera carregava. Foi a pessoa com quem mais conversei durante o percurso até o momento. 
    Depois do descanso, tento me levantar.  Como sempre, quando dou uma parada, as dores aparecem e tenho a impressão que o tornozelo está mais inchado. O dono do restaurante, ao ver o meu tornozelo, diz:
    - Hoje você não chega a Guarapari não!
    - Chego sim, quando o corpo esquenta, as dores diminuem. - respondi.
na metade do caminho
     Comprei algumas bananas e continuo o caminho, que muda um pouco de cenário nesse trecho. Saio da praia e entro em um trilha no meio de uma densa mata. Aqui falta algumas setas que indicam o percurso. Fico meio perdido naquele matagal mas logo encontro alguns moradores que me informam o caminho a seguir.
    Saindo da trilha, o caminho é feito em sua maior parte em pedras ao redor da praia, onde foram construídas belíssimas casas. Alguns pontos são perigosos, mas nada que assuste, desde que se preste atenção aonde está se pisando. Cheguei a pisar em uma pedra escorregadia e quase cai na água, o que poderia levar tudo a perder(câmera, documentos, cartões de bancos, etc).
    Esse trecho é um pouco cansativo e enjoado também. É um vai e vem pelas pedras que avançam pelo mar, um sobe e desce que parece não ter fim. Já da para se avistar Guarapari, e poderia se chegar rapidamente  a essa cidade se o trajeto fosse em linha reta.
    Após quase três horas nesse trecho, finalmente chego a cidade das areias medicinais, por volta das 15 horas. A orla é toda cercada por prédios modernos. Encontro um amigo de Ipatinga, o Breno, que também é operador de som. Conversamos por quase duas horas e ele sugeriu, ao ver o meu tornozelo, que eu fosse ao pronto socorro, mas descartei a ideia, dizendo que quem está quase morrendo já é mal atendido, imagine um andarilho com uma contusão no tornozelo.
    Na hora de reiniciar a caminhada as dores voltam com mais intensidade, como sempre. Parece que o corpo tem que esquentar ou então o cérebro emitir uma substância meio mágica para aliviar um pouco as dores. Faltam cerca de 10km para se chegar a Meaípe, que, teoricamente, seria o ponto de parada do terceiro dia de caminhada. Mas, como meu tornozelo está muito inchado e dolorido, decido parar em uma praça na Praia da Areia Preta.
    São sete horas da noite e, como ainda há muito movimento, espero um bom tempo até que as coisas se acalmem. Armo minha barraca e entro para dormir e descansar, para enfrentar o último dia de caminhada.
minha humilde residência

quarta-feira, 20 de março de 2013

Caminho do Padre Anchieta: explicação


 Bem, creio que esse deveria ser o primeiro post dessa série sobre o caminho do Padre Anchieta, pois nele farei uma breve explicação sobre esse caminho e sobre os motivos de percorre-lo só agora, aos 44 anos de idade, já que nunca havia feito algo parecido em minha vida antes.
    Esse caminho, que também é conhecido como o caminho de Santiago brasileiro, foi criado por uma ONG chamada Abapa(Associação Brasileira dos Amigos dos Passos de Anchieta). O percurso era feito regularmente pelo Padre Anchieta a pé, nos seus últimos dez anos de vida, pois ele era reitor na antiga Vila de Nossa Senhora da Vitória, mas sua moradia fixa era na vila de Rerigtiba(hoje Anchieta).
    O caminho é cercado por diversas e lindas paisagens, que vão desde praias desertas e povoadas, passando por trilhas, vilarejos e rodovias. O caminho, organizado pela Abapa, é percorrido em quatro dias, e é realizado anualmente. Maiores informação no link no segundo parágrafo.

convento da Penha
   -1ºdia: A caminhada começa realmente em Vila Velha, já que Vitória é uma ilha. A subida para o convento da Penha é longa, mas é bom para irmos pagando um pouco dos nossos pecados. Depois, são percorridos cerca de 25km pelas praias de Vila Velha até o Balneário de Barra de Jucu, ponto da primeira parada.

praia deserta entre Barra do Jucu e Setiba
      - 2 dia: Esse é o dia mais cansativa de todos, pois a maior parte do percurso é realizado em praias, na maioria desertas. É aconselhável que o andarilho saia cedo nesse dia, para não se cansar e ter que passar a noite em uma praia deserta(que, na minha humilde opinião, não é algo tão ruim assim não). São 28km entre Barra do Jucu, em Vila Velha, até Setiba, em Guarapari. É recomendável também que a pessoa, depois que passar pela praia da Ponta da Fruta, leve bastante água e frutas, como banana e maçã, por conter potássio e evitar dores musculares, pois boa parte da caminhada é feita na areia fofa. A segunda parada é em Setiba, cercada de lindas e tranquilas praias.

Guarapari
     -3º dia: Neste dia, são percorridos 24km entre Setiba e Meaipe. A maior parte desse trecho também é feita em praias, só que povoadas, ou seja, o andarilho pode optar por andar na calçada, para não se cansar tanto. Um pequeno trecho é feito em uma trilha cercada por uma densa mata, mas bem sinalizada pela ONG. O final do trecho desse dia é feito em pedras na beira da praia, mas não é perigoso andar por esse trecho, desde que se tome cautela para não pisar em uma pedar escorregadia. É preciso paciência, pois dá para se avistar Guarapari, mas, dando-se a impressão que rapidamente se chegará a cidade, mas, por estar em pedras, não tem como se apressar muito nessa parte do caminho.


     4º dia: São 23km, entre Meaipe até Anchieta, na igreja matriz da cidade. O caminho na etapa final é mais tranquilo. São prais povoadas e algumas desertas, mas sempre dá para se andar na calçada e na rodovia. A parte mais cansativa desse último dia é um trecho da rodovia, antes de Ubu, já que é uma serra e o visual é sempre o mesmo. O final, até Anchieta, é feito em estradas de terra, entre vilas e povoados, o que deixa o percurso mais agradável.

    Essa caminhada geralmente é realizada em grupo, organizada pela ONG Abapa, mas nada impede que a pessoa o faça sozinho, com seu companheiro(a) ou em um pequeno grupo, desde que se tome os devidos cuidados e que vá preparada. E que goste de aventura também.
   Eu, óbviamente, optei por fazer o caminho sozinho. Eu e minha barraca, já que o preço das pousadas não são muito camaradas. A vantagem de se fazer o caminho sozinho são muitas: A pessoa o faz no seu ritmo, em quanto tempo que achar melhor, pode parar em algum lugar que achar interessante, dar um bom mergulho nas belas praias, ou simplesmente parar para meditar e contemplar as paisagens.
    As desvantagens são os perigos de andar sozinho no mundo de hoje, então não acho muito seguro uma mulher fazer esse caminho sozinha. Se precisarem de um guia, é só me avisarem rsrsrsrs
    O motivo que me levou a fazer esse caminho não é religioso, pois, como já disse anteriormente, minha tribo sou eu e não sigo uma religião específica, apesar de respeitar a maioria delas. Acredito em Deus e acho que o ato de caminhar nos eleva espiritualmente. Jesus e seus discípulos caminhavam muito. Os muçulmanos fazem sua caminhada até Meca e creio que vários outros povos façam suas peregrinações.
    Além da parte espiritual, tem a curtição também. Gosto de sair andando por ai, curtindo a natureza, as paisagens, aventura, etc. Fiquei sabendo desse caminho há uns vinte anos atrás, mas nunca tive coragem de fazê-lo. Quando estava surtado, aos 32 anos de idade, pensei nesse caminho, mas, como estava muito longe do trajeto, não o fiz, já que estava na BR 040, que vai para o Rio de Janeiro, já que estava fugindo dos inimigos que estavam em minha mente.
    Enfim, a vida é uma caminhada. É preciso viver, caminhar atrás do que queremos. Sair caminhando por ai não quer dizer necessariamente loucura, pois, se fosse, teriam que construir um mega hospício na Espanha, do tamanho do Maracanã, no mínimo, para internar todo mundo que faz o Caminho de Santiago.

sábado, 16 de março de 2013

Caminho do Padre Anchieta 3ºdia

    Ao amanhecer, a minha impressão sobre Barra do Jucu mudou totalmente de figura. Estava em uma pequena praia, mas muito bonita. O nascer do sol foi muito bonito e vários pescadores saíram com seus barcos para o mar em busca de seu sustento, que são os peixes.
    Resolvo lavar minhas roupas na ducha, já que não havia muito movimento no local. Depois subo para  alto de uma pedra(video acima) para curtir o lindo visual da praia e da cidade, enquanto espero minha roupa secar em uma pedra. Logo depois, não resisto e dou um mergulho na praia, pois não pretendia voltar a caminhar de manhã, pois sou muito devagar nesse período do dia, e pretendia recompensar o tempo perdido caminhando durante a noite.
tornozelo detonado
    A água estava ótima e não queria sair da praia tão cedo, mas, para minha infelicidade, choco o meu tornozelo contra uma pedra que estava no fundo do mar. O local fica bastante inchado e começo a mancar muito, mas a ideia de desistir nem passa pela minha cabeça.
    Depois do almoço parto para a praia de Setiba, que é o ponto da segunda parada, já em Guarapari. A dor no tornozelo aumenta a cada passo, mas é suportável, apesar de atrasar e muito a caminhada.



 


   Quase na saída da cidade, tenho uma visão no mínimo curiosa: Um castelo construído quase na beira da praia! Não resisto e bato no portão para tentar conhecer o dono da exótica construção, mas apenas um cachorro latia dentro da construção. Será que o dono tem hábitos noturnos?
     Depois do castelo, entro na parte considerada a mais cansativa do percurso, pois são praticamente 28km de caminhada nas praias, a maior parte desertas. A areia não deixa a caminhada render, pois a é muito fofa. Tanto o tornozelo esquerdo como a musculatura da perna direita começam a doer muito, já que a perna direita tem que fazer o dobro do esforço, pois não consigo pisar com firmeza no chão com a perna esquerda. Depois de passar pela Praia da Fruta, tudo começa a ficar deserto, medonhamente deserto. De um lado o mar, e do outro só se via vegetação. Fico com um pouco de receio de não conseguir vencer este trajeto e de que a água acabe no meio do caminho.
    Já está escurecendo e, para piorar, não existem as setas indicando o caminho de Anchieta nesse trecho do percurso. Penso que estou no caminho certo, pois só existe a praia e a vegetação, mas receio que possa existir uma placa no caminho indicando um desvio no meio da vegetação, que parece não ter fim. Chego a pensar que talvez tenha ultrapassado a suposta placa, pois já anoiteceu e as únicas coisas que podem ser avistadas são as estrelas do céu e as luzes de Vila Velha, bem ao longe.
    Estou no meu limite, quase não consigo mais caminhar pela areia fofa. Chego a cambalear por alguns instantes, mas não desisto, pensando que a qualquer momento irei encontrar a tal placa salvadora. Mas, por volta das oito horas, já exaurido e sem energias, praticamente desmaio na areia da praia.
    Depois de alguns minutos, consigo me recuperar e bebo um gole de água, que tento racionar o máximo possível. Tento armar a barraca, que passa a ser uma tarefa bastante difícil, já que o vento é muito forte e qualquer vacilo ela poderá sair voando pela praia afora e com certeza não teria forças para correr atrás dela
    A noite na praia deserta foi tranquila, como não poderia deixar de ser, pois ela realmente é totalmente deserta. Só um ou outro ruído que me deixam um pouco assustado, mexendo com a minha imaginação, pensando que poderia haver um outro maluco como eu por perto.
    O céu estava estrelado, mas às vezes se ouvia um ou outro trovão, para o meu desespero, pois a barraca não é forte o suficiente para aguentar chuvas e não havia no local para me abrigar por ali.
    Não consegui dormir, pois o som das ondas batendo na praia era muito forte. Algumas dúvidas surgiram em minha mente durante a madrugada:
    - Será que eu havia errado o caminho?
    - Será que eu estava indo para o Rio de Janeiro?
    - Como iria fazer se a água acabasse?
pegando um bronze



perdido na praia deserta

quinta-feira, 14 de março de 2013

Caminho do Padre Anchieta 2º dia

A caminhada: início
Convento da Penha
      Passei a madrugada na rodoviária. Não dormi e também não descansei, preocupado com minha mochila. Quando estava quase cochilando alguns moradores de rua se aproximaram de mim. Provavelmente estavam me vigiando.
    De manhã pego um ônibus para a cidade de Vila Velha, onde realmente começa a caminhada do Padre Anchieta. É domingo e quase não vejo pessoas pelas ruas. São oito horas da manhã e resolvo montar  pela primeira vez a barraca, pois estava com muito sono e não iria aguentar andar muito nessas condições.
     Já dentro do meu novo lar tomo um comprimido de diazepan, para poder relaxar um pouco, pois a noite na rodoviária de Vitória foi cansativa. Vez ou outra escuto um transeunte fazendo algum comentário, estranhando o fato de uma barraca estar montada naquele local. 
    Por volta do meio dia resolvo almoçar e desmonto a minha barraca. Com alguma dificuldade, consigo achar um restaurante aberto.  O preço é um pouco mais caro do que em BH: enquanto na capital mineira o self service à vontade custa por volta de oito reais, na capital capixaba custa dez reais. Depois procuro o albergue da cidade, mas, por ser um domingo não consigo entrar. Pinta um desânimo e a vontade de desistir. Estava muito cansado, o último banho que havia tomado tinha sido no sábado, às cinco horas da manhã, antes de pegar o trem para Vitória. Estava muito sujo, principalmente por causa do minério de ferro que fica impregnado em nosso corpo durante a viagem. 
   Então procurei um outro lugar tranquilo para armar a minha barraca e passar o domingo, a espera do atendimento no albergue na segunda feira de manhã. Acho um lugar bastante calmo, chamado de Prainha, onde dezenas de barcos de pescadores estão amarrados uns aos outros. Há várias palmeiras e o vento é bem forte. Acho o lugar perfeito para montar a barraca, ainda mais por ser ao lado de um posto policial. 
    Fiquei apreensivo no início, esperando uma retaliação de algum morador ou por parte da polícia, afinal era o meu primeiro dia  como morador de barraca de camping. Mas não fui incomodado por ninguém naquele domingo de sol. Uma vez ou outra me assustava ao ouvir passos durante a madrugada. Caiu uma chuva fraca e alguns pingos caíram em cima de mim, pois a  barraca não é das melhores e não aguenta chuva forte. Vou ter que contar com a sorte também. 
    Acordo com o barulho de algumas motos. O local é usado por instrutores de auto escolas. Vou a padaria tomar o café da manhã e me assusto com o preço: dois pães com manteiga com café com leite custam quatro reais. Não tenho escolha e faço a minha refeição matinal. Penso que a minha viagem terá que ser o mais breve possível, por causa dos custos. Não poderei curtir as praias e as paisagens como havia planejado. 
    Já no albergue, consigo finalmente tomar um bom banho e lavar minhas roupas. A sensação que tive depois do banho é que tinha ficado dois quilos mais leve. Do albergue dá para se avistar o Convento da Penha, que fica bem no alto de um formação rochosa. A caminhada até lá não vai ser nada fácil, o sol está forte e quase não há nuvens no céu. 
    No albergue converso com uma assistente social que, além de bonita, é bem legal, fui logo com a cara dela. Todas as funcionárias são legais, mas a que mais me identifiquei foi essa. Deveria ter uns 23 anos e tinha um sotaque bem legal, não sei de onde, pois até hoje não descobri se capixaba tem algum sotaque. Falamos sobre vários assuntos, inclusive o Caminho do Padre Anchieta. Foi uma das poucas pessoas que não me disseram que eu estava maluco, e me deu a maior força, dizendo que o caminho é muito bonito. Ela disse que nunca viu alguém fazer esse caminho sozinho. 
    A outra assistente social me aconselhou a fazer a caminhada em grupo, dizendo que poderia ser perigoso e tal, mas respondi que não teria graça, que sozinho poderia fazer o caminho no ritmo que quiser, curtir as paisagens e praias. 
    Vila Velha é uma cidade com poucos moradores de rua, pelo pouco que deu para perceber. Esse albergue(ou centro de apoio) é pequeno e as assistentes sociais conhecem todos os moradores pelo nome. Havia pessoas de passagem também, como eu. Conversei um bom tempo com um ciclista de Belo Horizonte também, que estava andando por ai também, meio sem rumo. 
    Depois do almoço o sol se esconde entre enormes nuvens escuras e parece que vai cair muita chuva, mas, para minha alegria, só chuviscou, o que serviu para refrescar o calor que estava forte. 
  O esforço pela subida a convento(700m) foi totalmente recompensado. A vista é maravilhosa. Não havia muitos turistas no dia e deu para curtir a vontade o lugar. Mas não tanto o quanto queria, pois tinha muito o que andar até chegar ao primeiro ponto de parada, que é Barra do Jucu, ainda em Vila Velha. 
    Desço apressadamente e vou para a orla de Vila Velha. Na praia da Costa vou logo entrando no mar, mas quase fui derrubado por uma onda, e o local já é bem fundo logo na entrada da praia. Percebi que não havia nenhum banhista no local e resolvo seguir a caminhada na calçada mesmo. Metros depois avisto uma placa avisando que o local era perigoso para o banho. Acho que deveria haver mais placas com esse aviso. Passo pela praia de Itapoã e de Itaparica rapidamente. Estava andando em um bom ritmo e só tive uma leve distensão na coxa.
placas colocadas no percurso
    Depois da praia de Itaparica havia dois caminhos para Anchieta: a rodovia ou as praias desertas. Claro que sigo as placas que indicam o caminho das praias, apesar dos avisos da recepcionista do motel onde peguei água dizer que o local é perigoso. Já é noite, as praias são desertas, ou melhor, quase desertas, a não ser pelos pernilongos que deveriam ser gigantes,  e não dava nem para parar para beber água que eles atacavam em grupo. Não queria voltar, a minha intenção era montar a barraca numa dessas praias, mas não tinha como ficar naquele local, sem repelente contras os pernilongos. Tudo estava escuro, não dava para enxergar nada em minha volta. Para piorar a situação, o terreno é completamente arenoso e macio, me deixando um pouco cansado. Fiquei na dúvida quando encontrei um cruzamento, pois não deu para enxergar nenhuma placa com algum aviso. Depois de quase duas horas de caminhada, finalmente chego no balneário de Barra de Jucu.
A primeira impressão não foi das melhores, pois a entrada é uma ponte sobre um rio com um cheiro não muito bom. Olho o preço de algumas pousadas e, apesar do cansaço, não fico em nenhuma delas. Armo a minha barraca na praia mesmo e tomo um banho nessas duchas para se tirar a areia do corpo, por volta da meia noite. 
    Tive que esperar esse horário pois um grupo de jovens ficou malhando até esse horário. Quando terminaram, perguntei para eles se havia um local barato para dormir e eles me indicaram um quarto que custa  vinte reais, mas, como já havia armado a barraca, resolvo dormir na praia mesmo. 
Barra do Jucu

segunda-feira, 11 de março de 2013

Caminho do Padre Anchieta: 1º dia

09/03
viagem de trem BH Vitória, próximo a cidade de Aimorés

    Acordei no albergue por volta das cinco da manhã. Vou logo a estação ferroviária, apesar da pouca distância. Sempre fui um pouco ansioso quando o assunto é pegar o transporte para uma viagem e quase sempre chego no local do embarque com bastante antecedência
    O trem parte para Vitória às sete e meia da manhã, mas as seis em ponto já estou no terminal, pronto para embarcar. Estava com saudades de viajar de trem e não achei ruim por ter que escolher essa opção de transporte, por ser a mais barata.
    Curti bastante a viagem, por causa das belas paisagens. Montanhas, rios e vales enfeitavam a minha janela. Como uma criança registrei tudo em minha câmera.
    A viagem inteira escutei músicas em meu celular. E, como ele é uma salada musical, ouvi todos os ritmos, desde Martinho da Vila atá música clássica, passando por heavy metal, mpb e outros. Além do Yanni né? Mas, o ritmo que mais se adequou ao percurso foi o country, por combinar com as paisagens.
    O melhor da viagem se deu quando o trem se aproximou da cidade de Aimorés, onde o Rio Doce se alarga e faz uma bela combinação com montanhas e vales. Fiquei encantado com a paisagem, o que me fez seguir a viagem em pé, entre os vagões, para melhor curtir o visual. Coloquei minha cabeça para fora do vagão e senti o vento batendo em minha cara, como um cachorro que sai para passear no automóvel do seu dono.

    A chegada não foi das melhores. Estava um pouco suado e impregnado com o pó do minério de ferro que toma conta do ar do percurso. Na estação ferroviária perguntei para um motorista de táxi onde fica a rodoviária. Ele me disse que era só seguir adiante. De repente, fico de frente para um viaduto, mas só para veículos, não havia sequer um cantinho para os pedestres passarem. Mas como não queria voltar, resolvi cruzar o viaduto para chegar a Vitória. Somente neste momento que fiquei sabendo que a capital capixaba é uma ilha! Nunca fui fá das aulas de geografia...
    Eram mais ou menos nove horas da noite, e o movimento era intenso, principalmente de ônibus e caminhões, que passavam bem rente a mim, me fazendo balançar um pouco, por causa do vento, já que estava andando em sentido contrário. Isso me fez lembrar a época em que estava surtado. Andava de madrugada pelas BR's de Minas e sinceramente não sei como não fui atropelado por algum ônibus, que quase me derrubavam ao passarem por mim, de tão magro que estava.
    Fiquei com muito medo, mas também era uma adrenalina gostosa, confesso. Um cara de carro gritou algo para mim, mas não dei importância. Apesar de ter um pouco de medo de altura, achei o desafio emocionante. Para quem estava há quase dez anos trancado, isso foi uma brincadeira, perigosa, mas foi uma brincadeira. O viaduto não era muito largo e, quando se aproximava um ônibus ou caminhão, eu tinha que parar e me segurar na proteção lateral da ponte, para não balançar muito. Não olhei nenhuma vez para baixo, principalmente quando estava bem acima do mar. Sabia que, se fizesse isso, poderia ficar tonto e me sentir mal. No final me senti recompensado, como se tivesse ganho um jogo.
    Já na rodoviária, resolvo comer um pedaço de broa e uma vitamina. Quase me engasgo ao comer o primeiro pedaço, de tão seco e duro que o bolo estava. Tive que deixar a vitamina para depois, para pegar uma água e  desentalar o pedaço da broa que ficou na minha garganta. Acabei jogando-a fora, pois não estava própria para consumo. E disse para o dono da lanchonete:
    - Você tem que pegar umas receitas de broas de Minas Gerais, essa sua está muito ruim!
    - Que isso, fiz esta broa hoje! respondeu o dono.
    -"Nuss", imagina ela daqui a dois dias! retruquei.
    - Ah! Então experimente o meu pão de queijo, que é o melhor que tem! sugeriu ele.
    - O que! Pão de queijo? Você vem falar de pão de queijo com um mineiro? respondi
    A discussão sobre quem tinha a melhor culinária durou cerca de meia hora, mas foi em tom amistoso. No final, recomendei, com educação, para que não vendesse um produto assim tão sem qualidade, impróprio para o consumo. E era um pouco caro também, o pedaço custou três reais.
    Passei a madrugada na rodoviária mesmo, já que o orçamento para a viagem não permite dormir em hotéis. Não consegui dormir e nem relaxar, por causa da preocupação com minha mochila.


   -Obs: Gostaria de dizer que não sou muito adepto do termo "o esquizofrênico". Isso soa como um rótulo, como que afirmando que todos os portadores são iguais uns aos outros. Não é bem assim, cada portador tem a sua individualidade. Eu tenho a minha, e o que eu posto no blog não é a verdade absoluta dos fatos, a minha intenção não é essa. Tenho meus erros e defeitos, e o que eu sinto que pode ser bom para mim não quer dizer que necessariamente irá ser bom para todos os portadores. Gostaria de agradecer o carinho e o apoio que tenho recebido desde o momento em que sai de Ipatinga. Está sendo um pouco difícil mas tenho tido momentos felizes e principalmente a liberdade, o que é uma necessidade para mim. Irei atualizar o blog sempre que possivel, pois ele agora no momento está mais funcionando como um diário, por causa das minhas viagens.

quinta-feira, 7 de março de 2013

Nas ruas 03/03: como não fazer o nada?

Um domingo de sol

    Hoje, domingo, me dei o direito de não fazer nada(mas se o nada é nada, como não fazer o nada?). Nada de andanças, nada de lan house. Assim que tomei o café da manhã, peguei meu pedaço de papelão e me deitei na calçada, perto do albergue mesmo, no bairro Floresta.
    O silêncio era total, quase nenhum transeunte se avistava no local. Além de um bem-te-vi, a única coisa que se ouvia era o som de um transformador de energia elétrica, meio zoerento, desses que ficam no poste. Um silêncio quase que total, como há muito não ouvia. Aquela calmaria toda acabou de tirar as minhas dúvidas sobre o que fazer naquele domingo, e resolvi iniciar uma sessão de "silencioterapia" naquele local.
    Aos poucos, a rua próxima a essa em que faço os meus posts é ocupada por cerca de uns cem moradores de rua, ou mais. Uma Van branca se aproxima e os moradores de rua(inclusive eu), educadamente fazem uma fila, para pegar um marmitex e um copo de suco. Nada de confusão, brigas, discussões, etc. A educação e o respeito entre os moradores de rua me surpreendeu. Antes, um cara, que deveria ser o pastor, falou de Deus e fez uma oração.
    A comida era simples, mas gostosa e bem temperada. Em nenhum momento os ocupantes da Van citaram nomes ou denominações religiosas. Bem louvável a atitude dessas pessoas. O mundo seria bem melhor se as pessoas usassem a religião para fazer o bem e não para se promoverem.
    A simplicidade da comida me fez refletir: Ultimamente andava muito preocupado com coisas não tão importantes: queria uma TV LCD, um home theather com entrada hdmi, um smartphone mais moderno e outras coisas que a tecnologia meio que nos escraviza e endivida.
    Mas hoje, almoçando aquela simples e gostosa comida, mudei um pouco os meus pensamentos. Pensei na simplicadade. Gostaria de salientar que, se a pessoas tem condições financeiras, não é nada demais acompanhar a tecnologia e ter os aparelhos mais modernos. O problema é quando nos endividamos ou deixamos itens mais importantes, como a saude e alimentação, em segundo plano, para se adquirir uma tão desejada TV 3D.
    Como disse, hoje me dei o direito de não fazer nada e cultivar a simplicidade. Que ela encontre um terreno fértil para se desenvolver em mim.
     Depois do almoço, bateu aquele soninho. Esperei dar quatro horas da tarde para assistir um jogo de futebol no meu celular, que tem TV digital, que comprei na época em que queria seguir a tecnologia. Já estava até pensando em comprar um outro, pois até hoje não vi um outro aparelho ficar ultrapassado tão rapidamente como esse tal de celular. Mas hoje, mudei de ideia, se estiver tocando músicas e recebendo chamadas está de bom tamanho.
   
Adeus Minas Gerais
Oh Minas Gerais
Quem te conhece não te esquece jamais
   Provavelmente este é o último post em BH. Como sempre, a despedida é meio complicada, mas não por me despedir de uma pessoa em particular, mas, desta vez, de não mais ver minha terrinha natal. Gostei de voltar para BH, pois a última vez que estive em minha cidade foi há onze anos atrás, e, mesmo assim, estava surtado. É bom andar por ai, ainda mais ficando nas ruas, em um local onde conhecemos. É meio complicado andar em uma terra estranha. Confesso que estou com muito receio e um pouco de medo de sair andando por ai nas ruas de Vitória, pois não sei quais são os locais perigosos daquela cidadee. Já estive lá a trabalho, e mesmo assim há muitos anos atrás, quando ainda nem existia o crack.
    No próximo sábado, estarei viajando de trem para Vitória, para percorrer o Caminho do Padre Anchieta, que pensava em fazer há muitos anos atrás, antes dos surtos, mas, não sei por que, não o fazia, talvez por falta de coragem mesmo.
    Hoje não foi um bom dia. A maionese literalmente desandou na madrugada. No almoço havia comido maionese pura e, mesmo sabendo que meu estômago não se dá bem com gorduras em geral, comi uma generosa porção. Quando estou confiante demais, peco em fazer estas estrepolias. Resultado: Passei a madrugada inteira visitando o banheiro, e, numa dessas visitas, um cara pegou o meu lençol e cobertor. Para piorar ainda mais a situação, no quarto um cara roncava demasiadamente alto. Pelo volume do ronco, imaginei que o cara fosse bem gordo, mas não, era bem magrinho mesmo. Não sei se existe um motivo biológico, mas a maioria dos roncadores são bem gordos. Também já ouvi falar que geralmente as pessoas gordas tem maiores chances de se tornarem tenores. Mas esse cara foi, sem sombra de dúvida, o mais barulhento de todos esses dias em que estive no albergue. Creio que, se existir uma pesquisa sobre o assunto, ela deve indicar que um entre cada vinte brasileiros ronca. Presuponho isso pois cada quarto do albergue tem dez beliches, e todo dia havia um roncador para atrapalhar o sono da galera, uns roncando baixo, outros nem tanto.
    Após passar a madrugada visitando o banheiro, fiquei um caco de manhã. Assim que sai do albergue, fui logo para o meu cantinho no estacionamento para dormir tentar dormir um pouco De tarde comi uma maçã e duas bananas, e passei o dia inteiro tomando suco de goiaba e tomando suco de caju(olha a maldade!). A minha alimentação se baseou nisso, pois, além de meu estômago não estar aceitando muita coisa, um médico me disse que era bom ingerir esses alimentos nos casos de dessaranjos intestinais.
    Para piorar ainda mais a situação, o sol estava escaldante, algo em torno dos 35°C. A mochila estava pesada como nunca e meus passos estavam meio titubeantes. Confesso que cheguei a pensar em desitir naquele momento de ir para Vitória, pois não estou no melhor da minha forma física, e, com esse imprevisto, estava bem fragilizado. Mas, por experiência própria,(já tive duas diarreias brabas por causa da gordura) sabia que um dia seria o tempo necessário para me recuperar, e foi o que aconteceu. De tarde já estava um pouco melhor, e a temperatura havia diminuido. Passei o dia inteiro descansando no bairro de Lourdes, perto do centro. Lá é um pouco menos movimentado, não consigo descansar no centro, por causa do movimento de pessoas e carros, além de ser um pouco perigoso.
     Na volta pro albergue, quando já pensava que as coisas não podiam piorar, descubro, ao abrir a mochila, que a tampa do shampoo abriu  e melecou tudo o que havia dentro dela.  Tive que lavar a maioria das minhas roupas novamente. Enfim, não foi um bom dia, mas nem tudo são flores no caminho.

Perigos
    Após vários dias nas ruas sem maiores problemas, ocorreram duas situações de perigo, ambas na avenida dos Andradas, no centro de BH.
    Engordei dois quilos nessas minhas andanças, ou seja, não estou andando tanto assim, estou mais quieto no meu canto aqui na terrinha, e comendo muito também. Apesar de ser meio paranoico com o peso e gostar de estar pesando 83kg, não achei ruim ao ver a balança acusar que estava pesando 85kg. Esse aumento de peso pode causar a impressão que estou mais forte e intimidar os possíveis larápios mal intencionados, e creio que foi isso que aconteceu nessas duas situações.
    Na primeira, estava sentado em frente a uma loja, perto do centro de referência para moradores de rua, completamente distraido, vendo e deletando alguns videos e fotos da câmera para aumentar o espaço livre. Um cara se aproximou e ficou parado a minha esquerda, mas não dei muita atenção. Mas quando se aproximaram mais dois caras do meu lado direito me dei conta da situação. Estava meio que cercado por prováveis usuários de drogas que queriam algo para alimentarem seus vícios. Eles eram bem magros e me senti como um animal mais forte sendo rodeado por raposas e lobos. Coloquei rapidamente a câmera na minha mochila e me levantei, meio que estufando o peito. Isso foi o suficiente para intimidá-los e pude então ir embora tranquilamente. Essa situação serviu para me deixar mais alerta e não ficar dando bobeira ai com a minha câmera, que é novinha, mas não é das mais caras.
    A outra situação ocorreu na mesma avenida, próximo ao restaurante popular. Eram por volta de nove horas da manhã e, como tinha dormido mal na noite anterior, resolvi pegar um pedaço de papelão e dormir ali mesmo, apesar da intensa movimentação e dos perigos do local. Mas não tinha como pegar no sono naquele local, pois, vez ou outra, aparecia uma pessoa me observando, pronta para dar o bote em minha mochila. Estava de olhos fechados, mas alerta. Uma mulher tentou pegar a minha mochila, mas, quando senti a sua presença, abri meus olhos e a encarei. Ela, meio sem graça, disse que estava procurando um pedaço de papel.
    Logo já tinha umas cinco pessoas ao meu redor, e então me levantei. Pela aparência fisica, deveriam ser usuários de crack. Um cara chegou perto de mim e, ao ver o meu celular, disse que poderia conseguir várias pedras de crack com ele. Respondi educadamente que o aparelho estava estragado, para evitar confusão. Mas nem se passou dez minutos e o cara voltou, insistindo para ver o celular. Repeti que o celular estava com defeito, e, para não entrar em conflito com ele, fingi que também estava querendo o crack, e disse que poderia causar confusão se passasse o aparelho estragado para alguém que vendia drogas. Mas como o cara era muito chato e insistente, na terceira vez em que ele me pediu o telefone, tive que falar mais alto:
    - Já é meu irmão, vaza daqui!
    Não sou de usar esse tipo de linguagem, mas, naquele momento,  achei que era necessário falar daquele jeito para o cara e sua turma irem embora dali. E deu resultado, pois, mesmo sendo em maior número, eles, ficaram assustados com minha resposta e "vazaram". Não vale a pena, mesmo que estando super cansado, ficar dando bobeira em locais frequentados pelos usuários de crack.
    Não sou de briga, mas, se for necessário, terei que me defender, mas espero nunca ter que enfrentar essa situação, pois confio e muito no meu anjo da guarda, como disse várias vezes antes. Não falo muito de religião e crenças, para não causar conflitos, respeito a religião e a crença de cada um, e também respeito aqueles que não tem nenhuma crença.
     Mas, no geral, não posso reclamar de nada, pois até agora, nos locais onde costumo ficar, não fui importunado em nenhum momento. Como disse antes, os moradores de rua até agora me respeitaram muito, assim como eu respeito eles, sei que a maioria não está ali por que querem.
-obs: gostaria de pedir desculpas novamente pelos prováveis erros de português, e por não poder fazer um texto mais elaborado. Uma coisa é postar em nossas casas, na maior tranquilidade. Postar em uma lan house é um pouco complicado, ao vermos o contador na telinha indicando os minutos se passando. Poderia escolher a melhor palavra para o texto, colocar mais links, etc. Mas, por enquanto, vou ter que postar assim mesmo, sem ter que me importar com certos detalhes. Até a próxima, quem sabe em Vitória ou em outra cidade.

segunda-feira, 4 de março de 2013

Nas ruas: Centro de convivência

Minha tribo sou eu
    Hoje(27/02) resolvi ir ao centro de convivência para portadores de transtornos mentais, no bairro Carlos Prates, ainda aqui em Belo Horizonte. Estava ansioso para conhecer novas pessoas que possuiam o mesmo tipo de transtorno do que eu: a esquizofrenia.
Logo após o almoço no restaurante popular, resolvo ir a pé mesmo, para ir me exercitando e me preparando para a caminhada do Padre Anchieta. Já estou olhando o preço de algumas barracas, que provavelmente sairá mais barato do que ficar dormindo em pousadas e hotéis, além de deixar a caminhada mais com cara de aventura, me deixando mais livre para escolher o tempo para percorrer o caminho que, se for para dormir em pousadas, dura exatos quatro dias, andando cerca de 25 km por dia. Nesse ritmo não dá nem para curtir e aproveitar as belas paisagens e praias, e muito menos refletir e meditar. 
    Mas, voltando ao assunto inicial, depois de caminhar por uns 4 km, finalmente chego ao centro de convivência. Vou entrando direto para a recepção, onde sou atendido com uma certa frieza. Me apresentei e disse que gostaria de conhecer o lugar e os frequentadores. A recepcionista disse que eu poderia ficar a vontade. Fui logo para a sala de TV, onde vários usuários estavam estáticos em frente ao aparelho, assistindo um programa de esporte. Seus rostos estavam inexpressivos e estavam todos calados. Um ou outro soltava um comentário qualquer sobre o que via na TV. Não sei se isso é devido ao efeito dos medicamentos, o embotamento afetivo, a tristeza por serem vitima da patologia ou o conjunto de tudo isso. Me senti como o personagem do filme, Um estranho no ninho, apesar de termos algo em comum. 
    Concordo que os medicamentos atuais são um grande avanço em relação ao que era praticado no passado para se tratar os casos de esquizofrenia, mas, convenhamos, ainda existe muito para ser melhorado nesses medicamentos, para que atuem mais na mente do que no físico. Os usuários pouco falavam, pouco demonstravam sentimentos, não se via um sorriso ou se ouvia uma gargalhada, apenas assistiam a televisão, meio robóticos. Não é uma crítica maldosa, mas isso para mim é como se fosse uma lobotomia química, mas sei que é o que se pode de fazer de melhor no momento, e acredito que, com o tempo, os cientistas irão melhorar cada vez mais esses medicamentos, sem os indesejados efeitos colaterais e reações adversas. É um mal necessário, e, se pesarmos os prós e os contras, é melhor ficar assim do que agressivo e surtado, nos casos mais graves. Gostaria de dizer que não sou a favor da antipsiquiatria, mas também não sou 100% a favor da psiquiatria, acho que andam pegando pesado demais na classificação de doenças. 

   Não é isso o que eu quero para mim, não consigo viver nesse estado total de apatia, mas não condeno quem vive assim, talvez o caso dessas pessoas sejam graves e seja necessário esse tipo de tratamento.
    Os usuários finalmente começaram a falar. Estavam comentando sobre um passeio, que seria ou no Jardim Zoológico, ou no Parque das Mangabeiras. Confesso que fiquei um pouco triste com essa situação. Gostaria de ter dito que eles mesmos poderiam fazer o passeio, que poderiam se deslocar para esse e vários outros lugares, que eram pessoas livres e não presos condenados. Não que eu tenha algo contra os centros de convivência, muito pelo contrário, fiz muitos amigos lá em Ipatinga em um desses. Mas o portador não precisa necessariamente ir todos os dias nos centros, resumir praticamente sua vida ao centro. Elas podem ir aonde desejarem, pois são portadores de esquizofrenia, não são pessoas que não possam viver livremente na sociedade. 
     Então, me sentindo meio fora do ambiente, resolvo ir embora. Acredito que não me enquadro em lugar nenhum, que não pertenço a nenhuma tribo, apesar de respeitar todas elas e todos os estilos de vida. A cada dia que passa, acredito que a solitude seja o meu lugar. Sozinho é onde eu tenho paz e consigo me encontrar. Não quero com isso dizer que as pessoas não prestem, que eu sou melhor do que os outros e tal, não é isso, é apenas o meu  jeito peculiar de ser. 
  
    Na maioria das vezes, escrevo os posts sentado em uma calçada, atrás de uma grande empresa, e é um lugar bastante tranquilo. No começo, as pessoas me olhavam com estranheza e desconfiança, deveriam estar pensando: o que que esse maluco está escrevendo em seu caderno? Com o tempo, alguns funcionários foram se acostumando com a minha pacífica presença no local e chegam até a me cumprimentar, o que me deixa muito feliz. Um simples oi de um funcionário me deixa muito feliz, é como se ele estivesse dizendo que me acha um cara do bem e que não estou atrapalhando em nada, o que é difícil de acontecer hoje em dia, quando todo mundo desconfia um do outro. Até os moradores de rua foram conversar comigo, estranhando o fato de eu ficar muito tempo sentado na calçada, no papelão. Alguns até me aconselharam a procurar uma igreja, mas respondi que era o meu jeito mesmo, que era meio caladão e tal. Seria um pouco dificil explicar sobre a esquizofrenia para todos eles, mas, sempre que dá, procuro falar sobre o assunto para o maior número de pessoas, para tentar tirar o estigma que o transtorno carrega, também na vida real, além de fazer isso no blog. 
-Obs: me desculpem não fazer o texto mais elaborado, estou na lan house e, como disse anteriormente, tempo é dinheiro mais do que nunca nesses lugares. O corretor ortográfico também não funciona nesse pc que estou usando, então adiantadamente peço desculpas por alguns erros de português.

    Não é a primeira vez que coloco esse vídeo da música do Zeca Baleiro, mas, ele fez uma sacada bem legal ao fazer esta música. 

sábado, 2 de março de 2013

O teste

    Andando em pleno centro de BH, de bermuda, chinelo e mochila nas costas, pude sentir na pele como as pessoas são julgadas de acordo com as aparências. Não vou bancar o hipócrita e dizer que não olho a aparência da pessoa, mas tenho consciência de que posso me enganar, sem contar o fato de que atualmente ando desconfiado de todo mundo, coisa de mineiro e esquizofrênico.
    Andando de bermuda, pude perceber que muitas mulheres, ao me verem, prontamente colocavam a mão em suas bolsas. Outras até mudavam de caminho só para não passar perto de mim. Foi uma dificuldade saber a data naquele dia, pois algumas pessoas simplesmente me ignoraram, fato que me deixou um pouco triste.
    Resolvi então fazer um teste, com calça comprida, tênis e uma camisa pólo. As pessoas não me olhavam mais com desconfiança e respondiam todas as minhas perguntas.
    Pense na cara que fazemos quando presenciamos um morador de rua roubando um supermercado e na naturalidade em que ficamos quando abrimos uma página na web e nos deparamos com uma notícia de um político envolvido em um escandâlo financeiro.
    Não é preciso nem dizer que o maior bandido nessa história é o político. A grana que ele rouba teoricamente seria para investir na educação e saúde, ou seja, quanto menos educação, mais meninos irão para o mundo do crime, sendo tão perigosos ou mais do que os adultos, por saberem que nada irá lhes acontecer, por que esses mesmos políticos não conseguem ou não querem votar uma lei para diminuir a maioridade penal. A coisa tá tão séria, que, pela primeira vez, eu vejo um advogado tentando provar que o seu cliente é culpado. Isso está acontecendo na "torcida organizada" gaviões da fiel, que tem até advogado próprio( que deve trabalhar bastante). Acho que a maioria sabe do ocorrido na Bolívia, quando um "torcedor" do corinthians atingiu o torcedor do time adversário com um sinalizador e, por infelicidade, o mesmo atingiu o menino no olho e morreu na hora. Para se livrar de mais essa, o advogado está tentando provar que o seu cliente é culpado! Isso mesmo! Adivinhe quantos anos ele tem? Nem precisa falar né?
    Eu mesmo não sabia o que fazer com um garoto de aproximadamente 14 anos, quando morava em Ipatinga. Simplesmente ele infernizava a vizinhança toda, soltando bombas, arrumando a maior gritaria de madrugada, ao se envolver com o tráfico de drogas. Certo dia, ele, do nada, me acerta um pedaço de laranja bem em cima de minha cabeça. Tive que ter o maior auto controle, para não revidar, sabe quando fazemos força de que nada está acontecendo? Foi isso que fiz, pois sei que, se encontar o dedo no menino e provocar um arranhão, sou eu quem vai parar na delegacia. Então, ele se aproveita da situação e acha graça em tudo, e nós, que procuramos ser corretos e honestos, sofremos com essa situação toda, que está acontecende no Brasil inteiro. Mas, como bom brasileiro que sou, não desisto nunca e creio que um dia algum deputado honesto e trabalhador mude essa situação.
    Mudando de assunto, uma coisa que sinto saudade em Ipatinga(além da cama, é claro) era o fato da vizinhança toda me conhecer. Cidade do interior de Minas é assim, quase todos se conhecem no bairro. Isso é bom para quem é um bom e pacato cidadão como eu. Sempre tive fama de bom pagador, tirando o cartão de crédito, que quer me cobrar juros exorbitantes, não devo nada a ninguém. Creio que,  em oito anos em que morei em Ipatinga, atrasei o aluguel um mês, pois houve um problema com o meu benefício.  Tinha credibilidade e comprava fiado no bar da esquina, em dois restaurantes e no depósito de material de construção. Hoje, me sinto meio mal quando sou visto com desconfiança pelo centro de Belo Horizonte, quando saio por ai andando de bermuda e mochilas nas costas. Também não é para menos, a situação está complicada no país todo, o crack está fazendo pequenos marginais, entre outros perigos. Nunca vi tanta polícia nas ruas de BH como estou vendo agora. Para mim, sinceramente, é bom, pois, como disse anteriormente, ter a consicência tranquila não tem preço.
no centro de BH