Mais uma postagem com perguntas e respostas sobre o tema esquizofrenia. Não sou estudante, nunca frequentei uma faculdade, mas a vida me ensinou muito e sempre procurei aprender com os meus erros, além de ser uma pessoa bastante curiosa. Tudo isso aliado a experiência prática no tema me fez sentir capaz de responder algumas perguntas, ou pelo menos tentar ajudar a tirar um pouco as dúvidas das pessoas sobre essa tema tão complicado e ainda cercado de mistérios que é a esquizofrenia. Sintam-se à vontade para fazerem mais perguntas, que irei deixando acumular até dez questões, que acho um número interessante para uma postagem.
1- Você já sabe diferenciar o que é real do que não é real?
Atualmente não tenho tido tantas alucinações como no início, por volta do ano de 2002. Existe uma classe de sintomas da esquizofrenia que são chamados de sintomas negativos, que é a apatia, o desânimo, a falta de interesse, etc. Creio que estou mais nessa fase dos sintomas negativos e não tenho tido tantas alucinações. Só a mania de perseguição que ainda me persegue. Esse tipo de sintoma até hoje não sei como vencê-lo, mas já lido melhor com ele do que há uns dez anos atrás. Infelizmente no momento em que ocorre essas situações, não tem como saber se são reais ou não, se tem algum fundamento para tê-los, creio que pela tensão que ficamos na hora em que ouvimos uma voz, por exemplo.
Por exemplo, "penso que os traficantes pensem" que eu seja algum informante da polícia, e também chego a pensar que a polícia pensa que eu seja um traficante, um usuário de drogas. Tenho que ficar analisando os fatos, para tentar "administrar" essa paranoia, se ela tem algum fundamento ou não. Talvez os traficantes possam pensar que eu seja um "caguete" por ser um cara calado e pouco conversar com as pessoas. E por outro lado chego a pensar que a polícia pense que eu seja um traficante, por não estar trabalhando e ter uma renda e morar relativamente perto de uma "boca de fumo".
Por exemplo, "penso que os traficantes pensem" que eu seja algum informante da polícia, e também chego a pensar que a polícia pensa que eu seja um traficante, um usuário de drogas. Tenho que ficar analisando os fatos, para tentar "administrar" essa paranoia, se ela tem algum fundamento ou não. Talvez os traficantes possam pensar que eu seja um "caguete" por ser um cara calado e pouco conversar com as pessoas. E por outro lado chego a pensar que a polícia pense que eu seja um traficante, por não estar trabalhando e ter uma renda e morar relativamente perto de uma "boca de fumo".
Esse tem sido um grande desafio para mim, conviver com esses delírios persecutórios e ter uma vida próxima do normal. Já as alucinações auditivas hoje em dia são bem raras, e, quando acontecem, no momento penso que são reais, pois são bem nítidas as vozes. No dia seguinte analisando melhor a situação, às vezes consigo chegar à conclusão de que não foi real aquela voz, de que não foi ninguém que disse aquilo que ouvi.
2- Como são as suas alucinações visuais? Você vê pessoas que na verdade não estão ali?
No meu caso em particular as alucinações visuais foram em menor número do que as auditivas, mas foram bem estranhas de se explicar. Certa vez, quando estava surtado, vi algo parecido com um machado vindo em minha direção, me lembro que no momento até me abaixei para desviar dele. Hoje sei que não foi real, pois não me lembro de ter ouvido nenhum barulho, pois era para o machado ter batido na parede ou no portão.
Também vi várias pessoas, e em alguns casos foi possível chegar à conclusão de que foram realmente alucinações, ao fazer a análise dos fatos. Por exemplo, quando estava perambulando pelas Br's, cheguei a ver dois colegas de trabalho, que não via a cerca de 16 anos atrás. Mas eles estavam com a mesma aparência, até o carro que o dono da firma dirigia continuava no mesmo estado, um fiat 147. No momento é claro que pensei que era real, pois eles pararam bem em minha frente. Não disseram nada, me lembro que o carona chegou a me oferecer algo, mas nem havia prestado atenção, de tão surpreso que estava. Hoje sei que não era possível aquilo ter acontecido, pois, além de não terem mudado a aparência, não falaram nada comigo, sendo que o dono da firma era uma pessoa bem extrovertida e sorridente. Sinceramente até hoje não sei explicar como aconteceu aquilo, pois no final eles foram embora, dando a partida no carro. E não eram parecidos com eles, eram os caras mesmo que estavam dentro do carro, só que com a mesma aparência de 16 anos atrás, até estavam usando o uniforme azul da firma.
Tive várias outras alucinações visuais, durante os surtos. Via pessoas que conheci em outras cidades em Belo Horizonte, passando por mim e me olhando. Se fosse realidade, pelo menos algumas delas teria falado comigo. Na Br, de noite, cheguei a ver um vulto parecido com a "morte" meio que deslizando pela estrada. Confesso que na hora fiquei muito assustado, e tinha a certeza que ela queria algo comigo. Mas ela passou direto, e, quando a vi pela segunda vez já estava acostumado e não cheguei a me assustar. Hoje sei que foi uma alucinação, pois não poderia ser uma pessoa, pois não estava andando, e sim deslizando pela Br, e naquela velocidade uma pessoa teria que correr.Os temas místicos muitas vezes aparecem nos surtos psicóticos, é como se fosse um eco da mente, em que nossos medos e receios saem do nosso inconsciente e podem aparecer por meio das vozes e alucinações visuais.
3- Como é o delírio persecutório?
Como já relatei na primeira pergunta, imagino que as pessoas estão contra mim. Penso que os traficantes querem me pegar por que "penso que eles pensam" que eu seja um "caguete". E penso que os policiais desconfiam de que eu seja um traficante, por não trabalhar e ter uma renda.
Andando pelas ruas, penso que estão todos olhando para mim, apesar de não encontrar motivos para atrair a atenção das pessoas. Não adianta analisar os fatos, esse tipo de pensamento é um pouco difícil de não ter. Se por acaso riem, penso logo que estão rindo de mim. E se estão sério demais, penso que é por que fiz algo de errado e estão me censurando. Também chego a exagerar no número de câmeras, penso que estão em todos os lugares, em todas as ruas.
A situação fica mais complicada quando tenho algum tipo de alergia ou então fico doente, e então logo imagino que algum "inimigo" conseguiu me envenenar, colocando algo em minha comida. Resumindo, no delírio persecutório chego a imaginar que tudo gira em torno de mim, e que todo o mundo está contra mim.
Sim, e creio que muitas pessoas também têm, independentemente de serem ou não portadoras de esquizofrenia. Mas no meu caso, isso é muito recorrente, e chega a prejudicar a vida social, pois não tem como marcar alguma coisa, pelo simples fato de não saber como estarei naquele dia marcado. Essa variação de humor é mais comum na bipolaridade, mas também pode ser um dos sintomas da esquizofrenia, tanto é que alguns psiquiatras chegam a diagnosticar um portador de esquizofrenia como bipolar, e o contrário também chega a acontecer. Abaixo um link com as semelhanças e diferenças entre a esquizofrenia e bipolaridade.
http://entendendoaesquizofrenia.com.br/website/?p=3733
5- O que preciso fazer para namorar uma pessoa esquizofrênica? Já estou namorando, só preciso saber os cuidados, e o que não devo fazer, pois gosto muito dela e quero ajudá-la a ser feliz.
Bem, é uma pergunta que tem uma resposta simples. Seja você mesmo, sem mentiras, sem falsidades. Não existe a pessoa "esquizofrênica". Cada pessoa que tem esquizofrenia tem a sua maneira de ser e pensar. Tem suas qualidades e defeitos. Não existe um padrão de pessoa com esquizofrenia, infelizmente é um rótulo que a sociedade nos colocou. Existe sim alguns comportamentos que são os sintomas da esquizofrenia: desconfiança exagerada, o retraimento, isolamento e outros sintomas parecidos. O que você pode fazer é se informar ao máximo sobre o assunto, para assim lidar melhor com o seu companheiro(a).
E também tratá-la como se fosse uma pessoa normal, que não tem nenhum problema. A melhor maneira de tratar uma pessoa com "problemas" é tratá-la como se não tivesse problemas. Quero dizer com isso é que o sentimento de pena, dó, não é muito legal. Mas às vezes é preciso ter paciência em algumas situações, deixar algumas questões para serem resolvidas depois. Mas no geral não tem nada demais, nenhum cuidado exagerado deve ser tomado. Claro que tudo depende da gravidade do caso e do tipo também.
6- Qual a relação entre a depressão com a esquizofrenia?
Bem, se considerarmos que a depressão é uma doença endógena, podemos então dizer que não existe muita relação entre a esquizofrenia e a depressão. Existem sim os sintomas negativos da esquizofrenia que são bem parecidos com os da depressão, que são: a apatia, a falta de energia, de interesse, o embotamento afetivo, etc.
Creio que, depois do primeiro surto psicótico principalmente, possa bater uma tristeza tão grande na pessoa que possa ser confundida com a depressão. O diagnóstico pode também causar um desânimo muito grande. Então, devemos em primeiro lugar saber diferenciar tristeza, desolamento da depressão.
Hoje em dia também se fala na depressão exógena, que acontece em razão de circunstâncias de nossas vidas: uma perda, um trauma, etc. Creio que o diagnóstico da esquizofrenia, as incertezas, o preconceito, tudo isso possa levar à esse tipo de depressão, se bem que prefiro usar a palavra tristeza mesmo. Pois, na minha opinião, quando existe um motivo para essa situação, não se deve chamar de depressão, pois não existe medicamento que cure a tristeza de uma alma.
7- Você faz algum tipo de terapia psicológica?
Já fui em diversos psicólogos (as). Mas no meu caso em particular não surtiram efeito ou melhoraram a situação, pois nas terapias apenas me faziam perguntas e anotavam tudo em um caderno. O que mais precisava no início era de informação sobre o que eu realmente tinha, pois vivia indo nas igrejas para espantar o "tinhoso", pois pensava se tratar de algo puramente espiritual. Mas nas igrejas ficava ainda mais confuso, pois, quando ia na frente, muitas pessoas caíam, menos eu. Cheguei a pensar que o espírito que estava em mim era muito forte, e que precisaria de um exorcismo. Como disse antes, as questões religiosas e místicas podem estar muito presentes, principalmente durante os surtos.
8- Como são seus delírios?
Existem definições diferentes sobre a definição da palavra delírio, mas na psiquiatria ela quer dizer basicamente pensamentos que não correspondem com a realidade.
Antes de surtar, tinha um delírio de que era superprotegido pelo meu anjo da guarda e então não temia praticamente nada, chegando a me envolver em situações complicadas. Não sei se foi coincidência ou não, sempre passava por essas situações ileso. Acho que passava tanta autoconfiança nessas situações que as pessoas sentiam um pouco de medo de mim. Me lembro que cheguei a encarar um cara bem forte quando tinha uns 16 anos. Parecia um lutador de sumô e estava dando porrada em todo mundo, aplicando alguns golpes de alguma arte marcial. Quando se deparou com a minha pessoa, fiquei encarando-o firmemente nos olhos, com a certeza de que seria protegido. O cara simplesmente não fez nada e seguiu atrás de outros caras.
Hoje em dia o que mais me atrapalha são os delírios persecutórios mesmo. Por exemplo, penso que todas as pessoas pensam que eu seja um ladrão. Se uma mulher segura sua bolsa com firmeza perto de mim é como se estivesse me chamando de ladrão. E quando não segura só falta eu agradecer a pessoa por não desconfiar de mim. Quando entro em algum estabelecimento penso que todos os seguranças estão me monitorando. Se algum por acaso fala no rádio de comunicação, então é o fim para mim, tenho certeza absoluta que estão falando de mim.
9- O que as suas vozes costumavam falar?
No início, as vozes eram comentaristas, ou seja, apenas comentavam algo sobre a minha pessoa. Comentavam se eu estava gordo, se estava magro, se estava com a mesma roupa do dia anterior, enfim sobre a minha aparência, sobre algo que havia feito, etc. Também ouvi algumas vozes me culpando por tudo o que havia feito de errado em minha vida, e depois sobre tudo mesmo, até mesmo coisas que não havia feito. O sentimento de culpa exagerado é um dos sintomas da esquizofrenia também. À medida que a situação foi piorando as vozes passaram a ser ameaçadoras, chegando a ouvir que queriam me pegar, me matar, etc. Felizmente não tive muitas vozes de comando, me pedindo para fazer coisas.
Durante os surtos as vozes ficavam descontroladas, parecia tagarela mesmo. Fica até difícil lembrar com detalhes os diálogos que tive com elas. Me recordo que às vezes tinha que ficar lendo os outdoors imaginando que as pessoas liam a minha mente e ficavam falando na minha cabeça. Então, para espantá-las ficava lendo e repetindo as coisas para que as supostas pessoas parassem de ficar lendo os meus pensamentos.
10-As suas vozes já pediram para você fazer algo que pudesse trazer danos à sua vida (ou de outras pessoas)?
À vida das outras pessoas até que não. À minha vida sim, pois uma voz chegou a afirmar que eu era uma alma penada, e então parei de me alimentar, chegando a perder cerca de 25kg e me refugiei no meio do mato. Mas não cheguei a ouvir as vozes de comando, que pedem para fazer coisas contra as pessoas. As vozes quando são muito intensas e insistentes, chegam a prejudicar a nossa saúde, pois não dormimos e nem nos alimentamos direito, sem contar o stress que elas podem nos causar.
CDE- Central de Downloads do Esquizo
Esta semana na CDE estou disponibilizando o livro Holocausto Brasileiro, que retrata como era o tratamento dos considerados loucos pela sociedade durante boa parte do século XX. Pelos relatos, não só os considerados loucos, mas os que eram excluídos pela sociedade eram levados de trem até esse hospital, na cidade de Barbacena, em Minas Gerais.
Neste livro-reportagem fundamental, a premiada jornalista Daniela Arbex resgata do esquecimento um dos capítulos mais macabros da nossa história: a barbárie e a desumanidade praticadas, durante a maior parte do século XX, no maior hospício do Brasil, conhecido por Colônia, situado na cidade mineira de Barbacena. Ao fazê-lo, a autora traz à luz um genocídio cometido, sistematicamente, pelo Estado brasileiro, com a conivência de médicos, funcionários e também da população, pois nenhuma violação dos direitos humanos mais básicos se sustenta por tanto tempo sem a omissão da sociedade.
Pelo menos 60 mil pessoas morreram entre os muros da Colônia. Em sua maioria, haviam sido internadas à força. Cerca de 70% não tinham diagnóstico de doença mental. Eram epiléticos, alcoólatras, homossexuais, prostitutas, gente que se rebelava ou que se tornara incômoda para alguém com mais poder. Eram meninas grávidas violentadas por seus patrões, esposas confinadas para que o marido pudesse morar com a amante, filhas de fazendeiros que perderam a virgindade antes do casamento, homens e mulheres que haviam extraviado seus documentos. Alguns eram apenas tímidos. Pelo menos 33 eram crianças.
Para acessar a CDE, basta clicar no link abaixo ou então na imagem situada no lado direito superior do blog.
https://onedrive.live.com/?cid=A884A13FCDDC52A3&id=A884A13FCDDC52A3%21118
Quem tiver algum link de algum livro sobre qualquer tipo de transtorno mental, se puder me passe, para disponibilizar para as pessoas. A informação é a base de tudo e a melhor arma contra o preconceito e a falta de respeito contra as pessoas consideradas "diferentes" pela sociedade.
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