Esquizofrenia e a mania de grandeza
Bem, essa semana vou falar de um dos sintomas da esquizofrenia, que, apesar de não ser um dos mais comentados, é bem interessante. Acho que isso não ocorre com todos os portadores, mas comigo isso aconteceu e de uma certa maneira engraçada.
Trata-se dos delírios, mais especificamente da mania de grandeza, em que pensamos ter dons ou poderes especiais. Fazem parte dos sintomas positivos, que até hoje não sei por que classificaram essa classe de sintomas como positivos, pois não vejo nada de legal nessa história. Acho que mudando até o nome da patologia já ajudaria bastante.
No meu caso, eu acreditava ter superpoderes, que era imbatível e que nada de mal poderia me acontecer. Não tinha medo de praticamente nada e dizia que o meu anjo da guarda era forte. Cheguei a testar isso perigosamente uma vez, ao entrar em um dos lugares mais perigosos de Ipatinga, há uns vinte anos atrás. Era uma rua super apertada, e todos diziam que era um lugar bastante perigoso e não tinha saída para outro lugar quando já se entrava por essa rua. Mas, eu, como tinha essa crença no meu anjo da guarda, resolvi fazer o teste. Logo na entrada da rua ouvi os comentários dos moradores: "Nossa" Esse menino é doido!". Caminhei até o final da rua sem ser incomodado, sem olhar para os lados e confesso que não estava com muito medo. No fundo, até sentia um pouco de prazer com esse tipo de emoção. Depois resolvi voltar e de repente um cara gritou:
- "Ô" cabeludo!
Confesso que na hora fiquei um pouco com medo, mas, quando olhei para o lado, vi que era um cara com quem eu jogava bola no parque Ipanema, onde havia uns campinhos de terra. Se o cara era barra pesada, não sei. Só sei que eu, nas peladas no parque dava uns "chega pra lá" nele quando ele vinha fazer gracinha comigo querendo dar uma de Neymar.
Hoje, não sei se o anjo da guarda ainda me protege, provavelmente deve ter pedido aposentadoria também, pois ficar protegendo o maluquinho aqui era uma tarefa um pouco desgastante. Não que eu fosse um cara brigão e que gostasse de me meter em confusões, mas a crença de que nada poderia me acontecer era bem maior do que o normal e por esse fato não temia nada e ninguém.
Me lembro da época em que era metaleiro, na adolescência. Nos finais de semana ia para a Savassi, bairro onde a night em Belo Horizonte é mais agitada. Óbvio que não ia à boate ou para me misturar com os mauricinhos e patricinhas daquela época. Ia para o point dos metaleiros, que era uma galeria de lojas, que não funcionava a noite. Os barzinhos do bairro em sua maioria não nos aceitavam, e até com uma certa razão, pois não consumíamos quase nada, só ficávamos tomando cachaça barata que comprávamos no supermercado. Na verdade eu nem bebia cachaça, mas, para me enturmar com os metaleiros, fingia que bebia e que ficava bêbado, não precisa de nada para mostrar minhas maluquices. Não me dava bem com bebidas destiladas, dava vexame e esquecia de tudo o que havia feito no dia anterior. Sabe quando você toma um porre e a pessoa no outro dia comenta que você tava maluco e que fez alguma coisa bem maluca mas você não sem lembra daquilo? Isso acontecia sempre quando eu bebia, e era bem pouco o que eu conseguia beber sem vomitar.
Mas sinceramente acho que havia um preconceito dos donos de barzinhos em relação aos metaleiros. Acho que éramos julgados pelo nossa maneira de vestir, calças jeans rasgadas, botinas parecidas com as do exército, camisas pretas com caveira e, claro, cabelos grandes. Cheguei a perder dois estágios no curso de eletrônica por causa do cabelo grande, achava que, para ouvir metal, tinha que ter cabelo grande. Mas éramos julgados erradamente, pois não gostávamos de brigas, a maioria não usava drogas, e o visual era mais uma forma de rebeldia mesmo, coisa de aborrecente e tals. Podem ter certeza que tem mais drogas e baixarias em um baile funk e em uma rave do que em um show de metal.
Então, voltando ao assunto dos super poderes, certo dia eu estava na galeria com a turma, quando, de repente, um japa metaleiro que mais parecia um lutador de sumô, começou a sair distribuindo pancada para todos os lados. Cadeiras voaram, foi um corre corre danado, pois o cara parecia saber lutar kung fu ou uma outra luta marcial. Mas eu não fugi, mantive a calma e fiquei em pé na entrada do bar. De repente o japa veio em minha direção mas não esbocei nenhuma reação, apesar de japa ser bem mais forte do que eu. Apenas cruzei meus braços e olhei fixamente para os olhos dele. A convicção que eu tinha superpoderes era tão grande que acho que até o japa acabou acreditando nisso, que apenas me ameaçou:
- Amanhã no show você não me escapa!
E saiu correndo para pegar outros caras. Eu ainda peguei uma cadeira e tentei acertar as costas dele, mas, para minha sorte, não consegui acertá-lo.
Falando em superpoderes, fica fascinado quando via filmes em que os personagens faziam coisas sobrenaturais. Queria ser um mágico, ou mago, queria ter o poder de fazer coisas como fazer a chuva cair, dominar a natureza, fazer coisas aparecem e desaparecem.
Cheguei a ler alguns livros sobre magia e até me interessei por alquimia quando o Paulo Coelho começou a fazer sucesso com seus livros. Acreditava realmente que o homem poderia transformar qualquer metal em ouro. Queria fazer isso, não para ficar rico e sair por ai desfilando com carrões e sim para não depender das pessoas e morar sozinho, sem depender de ninguém. Ai já tinha alguns elementos da esquizofrenia, apesar de ainda não ter surtado. Mas, depois descobri que transformar metal em ouro é apenas uma metáfora na alquimia, era usada para simbolizar a transformação interior da pessoa. Cheguei até a mandar uma carta para o Paulo Coelho, pedindo para que me ensinasse como ser um bom alquimista. Generosamente uma pessoa que trabalhava com ele na época me enviou uma carta dizendo que ele estava viajando.
Fiquei muito triste quando em Timóteo, cheguei a ser caluniado por pessoas que não tem um pingo de cultura, que disseram que eu era macumbeiro, pembeiro, etc, só por me interessar por magia, tarot, horóscopo, etc. Na verdade eu me interessava por tudo, era sócio da biblioteca municipal e estava sempre lendo, inclusive a bíblia. Não foi a toa que comecei a surtar nessa cidade, que me desculpem as pessoas de bem que lá moram, mas que existem muitas pessoas por lá que, por não terem o que fazer, vivem dando pitacos na vida alheia, por falta de assunto também.
Envolvi em várias situações complicadas por acreditar que eu era superprotegido por forças sobrenaturais e de que nada de mal iria me acontecer. Por volta dos 25 anos, criei uma inimizade com um policial civil, que não devolveu a bola de futebol para o pessoal que jogava pelada em frente ao barracão onde eu e ele morávamos. A partir daquele dia, criei uma antipatia por ele, pois achei que foi abuso de poder, ainda mais contra crianças que estavam apenas jogando bola.
Eu sentia que havia algo de errado com ele, me parecia ser um cara falso, fazia muito esforço para ser uma pessoa gentil com a esposa do dono da firma onde eu trabalhava na época. Certo dia, começamos a discutir e então eu disse para ele:
- Aí cara, você só é homem com esse revólver ai na sua cintura!
O policial ficou uma fera, quis tirar o revólver e deixá-lo na mesa para partir para cima de mim. Mas, como aconteceu no caso do japa, não perdi a calma e apenas fiquei encarando o policial. Felizmente, apareceu a turma do "deixa disso" e não houve nenhum confronto. Ainda bem, pois o policial era um pouco mais forte do que eu, e com certeza mais preparado para brigas.
Dias depois, ele sumiu do nada, sem dar notícias. Disseram que ele foi transferido para outra cidade. Mas, meses depois, me deparo com uma foto dele no jornal, e a notícia dava conta que ele havia matado uma pessoa em troca de dinheiro. Bem que estranhei o fato dele aparecer de uma hora para outra com um fusca super bacana e conservado, e notei que havia algo de diferente em seu olhar.
Uma situação parecida ocorreu quando estava vendo um jogo de futebol em um bar, pois, como era meio cigano naquela época, não pensava em comprar televisão, pois logo tinha que vendê-la por um preço bem abaixo para me mudar. No final do jogo, o cara começou a falar mal do meu time e eu comecei a discutir com ele, coisa boba mesmo. Mas ele queria partir pra briga e eu não afinei, fiquei apenas olhando para o cara que era bem mais forte do que eu. Ele me mandava calar a boca e eu continuava a falar, e, se não fosse de novo a turma do "deixa disso" iria rolar uma briga ali.
Durante os surtos, também não tive medo, quer dizer tive sim um pouco, mas sempre mantive a calma, apesar de todas aquelas alucinações auditivas e visuais. Não expressava o que se passava em minha mente, e acho que esse foi um dos fatores que contribuíram para que eu não fosse internado. Eu apenas fugia dos meus inimigos, pulando de cidade em cidade, até depois de algum tempo descobrir que eles estavam em minha mente. Mesmo pensando que praticamente o mundo inteiro queria me ver morto, não perdia a calma. Me lembro de um dia, na época em que ainda morava nas ruas, em que estava me preparando para dormir, quando vi um cara passando na calçada com a camisa de um time rival do que eu torço. Até hoje não sei se isso foi real ou não, mas, se foi alucinação, foi a alucinação mais real que já vi até hoje. O cara parecia o colhada, um dos personagens do Chico Anysio. Tanto é que resolvi sair dali imediatamente, pois na hora cheguei a imaginar que a torcida desse time estaria atrás de mim para me matar.
Quando já estava melhor fisicamente e psicologicamente, mas ainda morando nas ruas de Belo Horizonte, me lembro que, certo dia, estava na calçada de um bar vendo um jogo de futebol, quando, de repente, um cara tentou pegar a minha carteira que havia ganho do vigia do prédio onde eu costumava dormir na calçada. O cara era mais forte do que eu, e estava acompanhado de um bando que fazia arrastão pelo centro da cidade. Mas, como das outras vezes não tive medo, coloquei a carteira dentro da minha cueca e cruzei os braços e encarei o bandido de frente. Ele ficou imóvel e, depois de algum tempo, foi embora. Os outros moradores de rua ficaram impressionados por eu ter enfrentado o bandido, que era bem conhecido e diziam que era perigoso. Mas, a minha crença de que eu era protegido era tão forte que acabava passando isso para a outra pessoa, que ficava meio sem reação.
Bem, se eu ficar aqui contando todas as situações perigosas que passei por causa dessa minha crença, iria dar um livro. Aliás, grande parte dessas situações está no meu livro. Já perdi as contas de quantas vezes vi uma pessoa apontando uma arma para mim, mas, mesmo nessas horas, não perdi a calma, por acreditar no meu anjo da guarda. Me lembro de alguns nesse momento, em que tiraram a arma, a apontaram para mim, e, depois de alguns segundos, desistiram. Durante o meu primeiro surto, foi uma sorte muito grande não ter sido atropelado, pois eu ainda estava fora da realidade e andava distraído pelas ruas e avenidas de Belo Horizonte, mas, os motoristas sempre foram atenciosos e desviavam ou então apertavam o freio de seus carro em cima de mim.
O pastor psicólogo que me atendeu gratuitamente durante o período em que estava morando nas ruas me disse que passei pelo vale da sombra da morte.
Bem, se foi sorte, destino, proteção divina ou de meu anjo da guarda não sei. O fato de eu ainda estar vivo já considero uma grande vitória para mim, apesar de não levar uma vida que gostaria. Como disse no outro post, depender do sus é muito complicado. Mas, pesando os prós e os contras, tenho mais que agradecer do que reclamar e assim vou levando a vida, e também deixando ela me levar, como diz a música do Zeca Pagodinho. Hoje ainda acredito em anjo da guarda, mas é uma fé e crença que tenho, mas procuro não abusar tanto dos serviços dele, acho que ele já trabalhou muito por mim e procuro ser um pacato cidadão. Aliás, sempre fui um pacato cidadão, é que eu entrava em situações complicadas por não temer nada e não por gostar de confusões.
obs: a enquete sobre o SUS agora está normal, os votos não estão mais sendo zerados, então podem votar que seu voto valerá para sabermos como anda a situação da saúde pública no Brasil. Se bem que isso todo mundo já sabe né? Mas não custa nada votar na enquete né?