Nesta manhã ensolarada de inverno pus-me a refletir o por que de ser chamado de doido por algumas crianças nestas minhas andanças.(claro que achei e acho tudo muito engraçado, vindo de crianças, claro que não existe maldade nenhuma)
Será que tenho mesmo cara de maluco? Ou seria o fato de um estranho carregando seus penduricalhos e chegando a uma pacata cidade do interior de Minas Gerais? É que, carregando o colchonete no ombro e mais a enorme mochila, fico mais parecendo um burro de carga. rsrsrs
Mas, para mim, o que mais explica o fato é a velha lenda do homem do saco. Quem, quando criança, nunca ouviu sua mãe dizendo a frase: "Cuidado com o homem do saco! Se fizer bagunça e ir para a rua, ele vai te pegar!"?
Eu mesmo, como era um menino bagunceiro e dos mais pirracentos, já ouvi essa frase algumas vezes. O engraçado é que nunca havia sentido medo quando avistava essas figuras andando pelas ruas do bairro Prado, onde passei toda a minha infância em Belo Horizonte. Pelo contrário, a minha curiosidade fazia me aproximar deles, e bater um longo papo. Tinha uma enorme curiosidade em saber por que eles andavam daquele jeito. A minha cabeça de criança ainda não sabia direito o que era desigualdade social e muito menos o que era transtorno mental.
Me lembro que, ao me aproximar de um deles, fui raptado por um pequeno espaço de tempo, sendo resgatado pela mãe de um colega da vizinhança.
Guardo na lembrança, uma mulher que morava na pracinha em frente onde morava. Ela andava muito suja, encardida. Fazia sua comida em latas de tinta. Mas o que mais me chamava a atenção era o fato dela gritar de madrugada. Eram palavras ininteligíveis. Não era português, tinha certeza absoluta disso. Também não era inglês, já que na época tinha alguma noção de inglês básico, graças as aulas dadas pela professora Beth e pelas músicas internacionais que não cansava de ouvir, muito mais do que as nacionais.
- Como você gosta dessas músicas, se você não entende nada do que eles estão cantando? - pergunta a minha avó.
Então, que língua era aquela? Para mim, mais parecia alemão, de tantas consoantes que tinha. É que a mulher também tinha a mania de escrever em cartazes e pregá-los em cartazes.
Certo dia, não resisti e fui conversar com a misteriosa mulher. Perguntei o seu nome e, para a minha surpresa, demonstrando a maior lucidez respondeu:
-Aparecida. ( o nome dela era esse mesmo, consigo me lembrar bem de fatos antigos, mas o incrível é que esqueço com frequência o nome de uma pessoa que acabou de se apresentar. Acho que o meu processador(cérebro) está bom. O que deve estar com problemas é o HD( as lembranças). Acho que os arquivos recentes devem estar sendo deletados e enviados para alguma região do cérebro difícil de se acessar. É um dos efeitos do pan nosso de cada dia.
Voltando ao assunto, a Aparecida falava português! Fiz outras perguntas para ela, e pude perceber que ficava meio sem graça, com um leve sorriso no rosto, evitando ao máximo de olhar em meus olhos.
Me lembro também de um senhor, que andava com um enorme saco pelo bairro. Não tive medo dele. O engraçado é que ele, também de madrugada, gritava palavras sem sentido. Não demorou muito e lá fui eu entrevistá-lo. Assim como a mulher que escrevia cartazes, conversou normalmente comigo, sem demonstrar grandes sinais de loucura. Disse que morava em Campinas-SP e que veio andando até Belo Horizonte.
As respostas que essas pessoas me davam não esclareciam em nada as minhas dúvidas, pelo contrário, me deixavam ainda mais intrigado. Se eles eram loucos, como sabiam falar normalmente? Como sabiam onde estavam? Por falar em "louco", tinha um que era bem engraçado, e que aparecia no bairro de vez em quando. Carregava uma pequena mochila e falava inglês". Quer dizer, algumas palavras eram em inglês, mas a maioria dava para perceber que era ele quem inventava na hora. O "inglês"(era assim que a turma da rua o chamava) fazia a alegria da gente sempre quando aparecia no bairro. Ele começava a falar e nós também acabávamos entrando na brincadeira, falando naquele idioma esquisito, que misturava o pouco do inglês que sabíamos com palavras inventadas. Nós perguntávamos algo e ele, sem gaguejar, respondia na hora.
Apareceram outros homens do saco e "loucos" na minha infância, mas esses foram o que mais me chamaram a atenção. Poderiam ser loucos, mas não me fizeram mal, conversaram comigo, responderam as minhas perguntas, mesmo sendo um pirralho ainda. Quem na infância nunca viu e temeu o lendário homem do saco?
Bons tempos aqueles em que tínhamos que temer apenas dos lendários homens do saco...
-obs: escrevi este post em plena praça Raul Soares, no centro de BH, aproveitando a tranquilidade do feriadão(15/8), da padroeira da cidade. Será que os poucos transeuntes me acharam louco ao me ver com o saco(a mochila) escrevendo em um caderno sentado no banco da praça? Algumas pessoas me olhavam com curiosidade. O que será que eles estão imaginando o que estou escrevendo? Palavras sem sentido?