domingo, 28 de dezembro de 2014

Seja o seu papai noel o ano inteiro

    Natal, fim de ano... Para uns, tempo de confraternização, festas, trocas de presentes, muita bebida e comilança. Para outros, depressão total, solidão, saudades, sendo um martírio ouvir aquelas músicas natalinas e os comerciais de televisão lembrando que é tempo de se festejar.
    Existe ainda outras tribos específicas em relação ao fim de ano: a dos mais espiritualizados e que ainda hoje acreditam ou querem acreditar que Jesus nasceu realmente nesta data . Existem os introspectivos e que aproveitam essa época para fazer um balanço de suas vidas e uma profunda análise de como foi o ano que se passou.
    Talvez exista um grupo que fique indiferente à esta data, aquelas pessoas solitárias ou os que só pensam no trabalho, odiando as festas e os feriados.
    Independente de qual tribo você pertença, não espere que o bom velhinho saia do pólo norte para deixar suas meias cheias de presentes. Não espere que alguém faça algo por você. Olhe para dentro de si mesmo e veja o que você pode fazer para melhorar a sua vida: uma limpeza interior, esquecer o passado, perdoar alguém e perdoar a si próprio, sei lá...
    Não espere que o príncipe ou a princesa encantada entre em seu quarto. Ninguém irá te encontrar com você lá dentro. Em um grupo do facebook já vi a pergunta: "Será que uma companhia irá melhorar a minha depressão?" Respondi mais ou menos assim: Se você ficar trancada dentro do quarto, dificilmente irá encontrar alguém.Se você sair por ai, gostar de si mesma, se libertar dos medos e traumas, será mais fácil encontrar alguém para ser um complemento de sua felicidade e não a peça fundamental para este estado de espírito.

Meu mundo
    No início de fevereiro de 2013 eu estava saindo do meu quartinho na cidade de Ipatinga-MG. Cheio de sonhos, queria conhecer o Brasil inteiro, depois de ficar oito anos preso em meu mundo. Estava preso não por ter cometido um crime, mas refém e escravo da esquizofrenia, em que o mundo à minha volta não prestava, tudo era uma bosta mesmo. Meu quartinho era o meu refúgio e meu mundo: tinha uma tv(de tubo mesmo), um bom PC, um home theather da CCE e um frigobar.
    Havia pintado o meu quarto e, de, dentro dele, não se dava a impressão que eu morava próximo a crackolândia da cidade. Saia apenas para almoçar e voltava rapidamente para o meu mundo. Não era a vida que tinha pedido à Deus, mas pelo menos tinha a paz. A solidão me traz a paz, pois, depois que passei a me conhecer melhor, depois dos surtos, aprendi a conviver melhor comigo mesmo e com os meus pensamentos, não fazendo tantos questionamentos como fazia antigamente. 
    Mas, infelizmente o crack começou a se expandir pelo entorno da crackolândia da cidade. O aluguel era barato, o quarto muito bom e espaçoso, mas a situação estava ficando complicada demais. Uma das coisas mais importantes para um portador de esquizofrenia é a paz. Sem ela, tudo fica mais difícil. Todo mundo já deve saber o que o crack faz, não só com o usuário, como também o estrago que ela faz em quem está indiretamente envolvido, como a família e os vizinhos. O negócio é tão complicado que até os traficantes de algumas comunidades do Rio desistiram de vender essa droga de droga.
os próprios traficantes proibiram a venda da droga....
    Dos oito anos que morei em Ipatinga, cerca de seis anos foram relativamente tranquilos. Até dava para dormir de janela e porta aberta, por causa do forte calor que se faz no leste de Minas Gerais. Mas, com o avanço da droga, a situação se tornou insustentável: brigas entre os usuários, roubos, funk rolando madrugada adentro. Fiquei mais dois anos neste lugar, na esperança que as coisas melhorassem, mas só pioraram. Depois de muito resistir, e até a brigar com um crackudo, cheguei à conclusão de que não poderia parar essa epidemia chamada crack. 
    Estava pagando alguns empréstimos com o banco, e o aluguel em outros lugares da cidade era caro, Para piorar, o restaurante popular da cidade havia fechado, por falta do pagamento da prefeitura. O prefeito da época havia fechado tudo o que tinha direito, inclusive deixou uma lagoa artificial secar por não mandar consertar uma simples bomba de água. Todos os peixes morreram. Resolvi então fazer algo que sempre cutucava a minha mente: sair viajando por ai, por esse país maravilhoso chamado Brasil. Vendi "tudo" o que tinha, comprei uma barraca, uma mochila e pus o pé na estrada. 
    O primeiro ano foi melhor do que eu imaginava: conheci lugares e pessoas maravilhosas, não tinha que pagar aluguel e poderia escolher onde morar. Além de tudo, ainda dava para me alimentar melhor, pois a grana do aluguel comia quase metade do meu salário de aposentado. Não sabia que ainda tinha forças para andar 30km em um dia com 11kg nas costas. Não considero essa fuga uma loucura, seria pior ficar trancado naquele lugar cercado de usuários de crack e no ambiente que essa droga faz. Se foi uma loucura, poderia se dizer que foi uma loucura positiva. Liberdade, ar puro, paz, belas paisagens, era tudo o que eu queria naquele momento. E desde pequeno gostei de caminhar, que, para mim é um ato sagrado. Também sonhava em viver fora do sistema, chegando a me imaginar morando perto de uma cachoeira e nada mais. 
    Depois de um ano de andanças, uma parada em São Paulo. O stress e a correria da capital paulista não me fizeram bem. Além do preconceito contra quem está nos abrigos ou morando nas ruas, ainda tinha a violência. Quase desmaiei quando tentaram roubar este notebook que estou escrevendo estas linhas neste momento. Tive que ser resistente para não deixarem levar o que eu havia comprado com tanto custo. Resolvi então voltar a morar em um cantinho novamente. Mas, para isso tinha que acabar de pagar os meus empréstimos e comprar algumas coisas, pois não adianta nada se trancar em um quarto e não ter o que se fazer dentro dele. 
     Eu sou um mochileiro, que anda de chinelo, cabelo grande e, às vezes, deixo a barba por fazer. No interior de Minas não sofri muito preconceito, apenas algumas abordagens da polícia, pois o mineiro é muito desconfiado, mas muito acolhedor. Já nas capitais o preconceito, ou até o medo mesmo, é muito grande. Já estive nas ruas no ano de 2002, devido aos surtos psicóticos que tive naquela época. O cenário era um pouco diferente, o crack era mais usado e consumido nas capitais e nas crackolândias. Hoje em dia está tudo mudado: em plena luz do dia, no centro de Belo Horizonte se pode ver pessoas acendendo o cachimbo. 
usuário de crack na AV. Santos Dumont, em plena luz do dia
     Hoje, estando nas ruas por vontade própria, dá  para se constatar a diferença, ao ver o andar apressado das mulheres segurando firmemente suas bolsas. Creio que, se tivesse surtado hoje, certamente não seria tão ajudado como fui no ano de 2003. Quando se vê uma pessoa suja e mal arrumada nas ruas, o primeiro pensamento que aparece em nossas mentes  é de que ela está usando o crack. 
      Quando não era mochileiro, era um morador de albergue, e o preconceito também existe. Não tinha mais vontade de montar a barraca em Belo Horizonte, pois fui roubado certa noite quando deixei a música do celular ligada e dormi.  Resultado: um meliante, provavelmente usando uma faca, fez um buraco na minha humilde residência e fiquei sem o meu aparelho. O jeito foi morar no albergue até juntar a grana para comprar as coisas para o meu quartinho. 
      Morar em um abrigo e ser aposentado tem a vantagem de se ter a possibilidade de se juntar uma graninha, mas aparecem uma série de desvantagens pequenas, mas, que juntas se tornam um problemão: acordar às cinco horas da manhã em pleno horário de verão,  e ter que sair mesmo debaixo de uma forte chuva. O pior também é, ao sair, não ter o que fazer, um objetivo a ser alcançado. O jeito era procurar um refúgio, no parque perto do abrigo e que era pouco frequentado, mas muito bonito. Havia também aquele desgaste para simplesmente carregar o celular nas tomadas que encontrava por ai: não poderia desgrudar o olho um minuto sequer, ou seja, tinha que ficar olhando para o aparelho por cerca de três horas diretas.... À todo instante olhava o aparelho, na esperança de que as barrinhas ficassem cheias, e a última era uma eternidade para ser carregada... Para lavar a roupa, a mesma coisa: tinha que esperar que secassem quase que completamente, não tem essa de que os larápios perdoam os pobres, se tiver algo interessante eles metem a mão mesmo. Roubaram uma camisa novinha que eu tinha da Argentina quando a deixei secando em uma grade perto de uma igreja. 
    Além disso, o abrigo em Belo Horizonte estava com um clima um pouco tenso. Na primeira vez que havia ficado por lá, no ano passado, as coisas eram bem tranquilas. Mas, depois que voltei para lá, em agosto deste ano, as coisas haviam mudado e muito, inclusive o perfil de quem usava o albergue. Havia muitas discussões tolas, algumas brigas, roubos de celulares, conversas não muito sadias e falta de respeito com o sono alheio. Algumas pessoas estão lá para tentarem realmente mudarem de vida, se tornam evangélicos, tentam se livrar das drogas e vícios, mas, uma boa parte não quer saber de nada mesmo...
      Essa situação acabou me deixando a ponto de surtar. Ser confundido com esse tipo de pessoa me fez muito mal. Não sou santo, mas também sou um cara que procura ser o mais correto possível. Em minha cabeça, aonde eu ia, imaginava que as pessoas estavam me chamando de ladrão. Encarava como uma ofensa quando uma mulher passava segurando a bolsa perto de mim, pensava que aquele gesto era única e exclusivamente por causa de mim.
    Essas pequenas dificuldades, juntamente com o preconceito, me fizeram ter uma saudade imensa do tempo em que eu morava no meu quartinho em Ipatinga. Alguns filmes nos fazem pensar que sair por ai sem destino é uma aventura sensacional, o que não é verdade. 

 O meu presente
     Então bolei o meu projeto: comprar tudo o que havia vendido e alugar um cantinho, agora em Belo Horizonte. Era um desafio e tanto, queria as coisinhas de volta, mas melhores de que quando tinha em Ipatinga. Queria uma TV LCD, um bom notebook e um home theather da LG. 
    Foram oito meses morando em albergues, passando os dias em praças, parques e bibliotecas, até conseguir a grana para comprar os aparelhos e deixá-los na casa de um amigo. Foi muito difícil, e tive que ter uma paciência de Jó, Eu, um cara que desde os 17 anos sempre morou sozinho, agora tinha que conviver com cerca de 200 pessoas em um mesmo espaço. Encarei como um teste e acho que fui bem, quase não me envolvendo em confusões. Ambiente de abrigo é um pouco carregado, cada um tem sua história de vida, e muitos problemas. Qualquer coisinha pode ser motivo para uma forte discussão e por mínimos detalhes pode virar briga física mesmo.
    Então, no início de dezembro já comecei a procurar alguns quartos. O aluguel aqui em BH é caro, e tive que fazer as contas para ver se daria para alugar um quarto em um local tranquilo e seguro. Se não gastasse grana com bobeira, e parando de comer bobagens, até que daria para ir levando... 
  Ocorreu tudo naturalmente. Com a proximidade do natal, a necessidade do isolamento foi se tornando maior e, finalmente, depois de muita procura, exatamente no dia 23, consegui encontrar um pequeno quarto, não muito longe do centro da cidade. 
    No dia 24, comprei um pequeno objeto, mas de fundamental importância para mim: uma antena de TV. Passei o natal no abrigo, quieto em meu canto, enquanto o resto da galera saboreava um rango especial de natal, organizado pelo pessoal do albergue. Passei a noite sonhando comigo, em meu canto, assistindo uma TV, com tranquilidade e paz, acima de tudo. Aliás, sonhei com isso por oito meses seguidos. Não podia ver uma TV que dava aquela angústia no peito. No dia 25, logo de manhã, me dei o melhor presente de natal que poderia ganhar: sai do abrigo sem me despedir de ninguém, peguei os aparelhos e as roupas na casa do meu amigo e peguei um táxi até o meu novo lar. 
     Estava agitado, alegre, aliviado. O pesadelo finalmente havia acabado. Rapidamente acomodei os meus pertences no quarto. As minhas velhas roupas se tornaram novas. Só quando perdemos é que damos valor à pequenas coisas: deixar o celular carregar  enquanto dormimos, assistir um filminho antigo na TV(não precisa ser a cabo), lavar a roupa, colocar amaciante e deixar secá-la sem preocupações... Poder ouvir uma música à noite, poder relaxar todos os nossos músculos em uma caminha bem macia, ouvir o som do silêncio, tomar um banho na hora que sentir vontade, acordar na hora que desejar... 
     Mas, o melhor presente que me dei não foi material: não foi o home theather da LG, nem o notebook e muito menos a TV de 32 polegadas. O melhor presente que ganhei de mim mesmo foi a privacidade, a solitude e, principalmente a PAZ!
     Esse foi o presente que me dei. E você, se permitiu dar um presente para si mesmo ou ficou esperando o papai noel aparecer?


Música: Meu Jardim
Artista: Vander Lee
Tô relendo minha lida, minha alma, meus amores
Tô revendo minha vida, minha luta, meus valores
Refazendo minhas forças, minhas fontes, meus favores
Tô regando minhas folhas, minhas faces, minhas flores

  Tô limpando minha casa, minha cama, meu quartinho
Tô soprando minha brasa, minha brisa, meu anjinho
Tô bebendo minhas culpas, meu veneno, meu vinho
                                 Escrevendo minhas cartas, meu começo, meu caminho                              

Estou podando meu jardim
Estou cuidando bem de mim

segunda-feira, 22 de dezembro de 2014

Quetiapina: parte 2

    Há muito tempo ando estressado e com o nível de energia lá embaixo. Como já disse anteriormente, a minha vida está parecendo um vídeo game mesmo, preciso urgentemente fazer algo para aumentar a minha vida deste jogo para conseguir chegar ao final desta fase.
    Houve o caso do opala preto que avistei em frente ao abrigo e algumas vozes comentaristas andam me perturbando um pouco. Tive poucas vozes de comando até hoje, e me sinto aliviado por isso. Não deve ser nada agradável ouvir uma voz lhe mandando fazer coisas como agredir uma pessoa, etc As poucas vozes que tive não foram muito sérias, apenas me mandavam entrar em alguns estabelecimentos comerciais. Em 2003, quando entrei em uma lanchonete, todo sujo. o balconista não teve muita paciência e foi logo me dando um forte soco no peito. Só não parei no meio da rua por que havia uma árvore no meio do caminho.
Mas no geral só tive ajudas nos momentos mais difíceis, não posso reclamar de maus tratos durante os surtos.
    Mas chega de falar do passado. Depois de oito meses me sentindo um estrangeiro em São Paulo, senti que era hora de voltar para Belo Horizonte e para o abrigo, para acabar de juntar uma grana e concluir o projeto de morar novamente em um quarto. Mas infelizmente o abrigo não é mais o mesmo. Não vou entrar em detalhes, mas as coisas agora costuma ficar meio tensas por lá. O resultado não poderia ser outro: stress total e a sensação de que se continuar assim, poderei surtar de novo. Então tenho que dar uma "apagada" geral para colocar os pensamentos em ordem e dar uma respirada.
    Analisando todos os medicamentos que já havia experimentado, cheguei a conclusão de que clorpromazina seria o ideal para esse caso, apesar de ter me dado um baita torcicolo da última vez que a experimentei no início do ano em São Paulo.
    O clínico geral com quem pego a receita do diazepan me disse que não poderia trocar a medicação. Foi marcado então uma consulta com a psicóloga da unidade de saúde, mas eu não poderia esperar um mês para conversar sobre a situação. O clínico me informou que eu iria me consultar com um psiquiatra com que eu havia encontrado há uns doze anos atrás. Ele foi o primeiro com quem conversei. Me lembro muito bem,  a consulta demorou cerca de uns sete minutos e o cara nem olhou para mim, apenas fazia algumas anotações e respondia friamente às minhas perguntas. Eu não gosto muito que me encarem fixamente por muito tempo(acho que ninguém gosta) mas também não precisa ter medo né?
    Então desisti de tentar o medicamento com este psiquiatra, provavelmente não teria paciência e nem tempo para ouvir um esquizofrênico que acha que sabe alguma coisa e que já tenha em mente a medicação a ser usada. Procurei então um hospital, indicado por um amigo que frequenta o parque. Infelizmente o pessoal da psiquiatria já estava de férias e só seria atendido em janeiro.

Cersam
     A solução foi procurar o Cersam. na primeira tentativa não fui atendido, me disseram que eu poderia continuar com a risperidona, que em Belo Horizonte não é fornecida gratuitamente. Além de tudo, este medicamento me dá um prejuízo danado, ao aumentar ainda mais a minha gula por doces e massas. 
    E a coisa estava tensa no Cersam naquele dia. Um cara com as mãos enfaixadas, já sedado, conversava com as enfermeiras. O SAMU também havia chegado com um cara totalmente apagado, provavelmente deve ter tomado um sossega leão. Um senhor reclamava que o seu filho estava andando pelado pelas ruas. Ou seja, o meu caso era "fichinha" em relação ao que estava sendo atendido por ali. 
   Fui embora e desisti da clorpromazina, é cansativo e muito frustante não ser atendido quando mais precisamos. Ou será que o pessoal espera o caso virar uma emergência? Mas, depois de alguns dias vi que a coisa estava piorando e resolvi pegar um encaminhamento para o Cersam com uma assistente social do abrigo em que estou ficando no momento. Nem quando estou no parque, ouvindo música clássica ou Yanni, estava conseguindo relaxar e parar de pensar que estou sendo observado. O parque era o meu refúgio e no ano passado era como se fosse um paraíso para mim. Estava dando algumas más respostas para alguns abrigados e não estava com a mínima paciência para ouvir o que era discutido ou conversado nas dependências do albergue. Para falar a verdade, geralmente a conversa não me interessa mesmo. 
    Mas ninguém tem nada a haver com as minhas paranoias e voltei então ao Cersam. As coisas estavam mais calmas desta vez. Devia ser umas oito horas da manhã e fui informado que o psiquiatra só chegaria na parte da tarde. Como era o dia do almoço de confraternização do natal, fui convidado a ficar por lá mesmo
    No refeitório havia muitos pacientes. Alguns deitados no chão, outros isolados em seus cantos. Um ou outro era mais agitado e comunicativo. Prestei atenção em quase todos os pacientes e alguns se aproximavam bastante do que é considerado normal pela sociedade, acho que se estivessem na rua passariam desapercebidos. Havia muitos que estavam tranquilos, mas seus olhares não demonstravam nenhum emoção ou sentimento, creio que devido ao fato de usarem os medicamentos. 
    Havia também três estagiárias bonitas, e os caras não davam muita trégua para elas. Uma parecia incomodada e acabou se retirando do refeitório, dizendo estar incomodada com a fumaça dos cigarros que os pacientes fumavam. As outras duas tiravam algumas fotos e pareciam estar se divertindo com a festa. 
     Quanto a mim, não estava me sentindo bem, apenas resumia a cumprimentar os pacientes e responder algumas perguntas que me eram feitas. O almoço estava uma delícia, mas não queria almoçar, a única coisa que desejava naquele momento era ter em mãos a clorpromazina e o fenergam para dar uma desligada do mundo. 

O psiquiatra
    Por volta das três horas da tarde fui atendido pelo psiquiatra, que parecia ter cara de gente boa. Mas na hora de me atender me pareceu ser uma pessoa esquisita: coluna ereta, sem encostar na cadeira. E olhava fixamente para mim, e parecia que não piscava os olhos. Os óculos de grau davam a impressão que seus olhos eram maiores do que realmente eram. Ele fez algumas perguntas e só respondia: sim, sim sim...
Sentei-me de lado para evitar aquele olhar invasivo, e ele parecia estar meio estressado com tanto serviço naquele Cersam. Comecei a ficar nervoso e confesso que com muito custo não xinguei o cara. Por que será que ele não encosta na cadeira, dá uma relaxada e conversa normalmente comigo?- me perguntei. 
    No final da consulta, ele, só para me contrariar, não me passou a clorpromazina. Disse que eu tinha que tomar um novo medicamento chamado quetiapina, pois era o melhor para o meu caso. Não deu muita atenção quando eu disse que me senti bem quando usei a clorpromazina, apesar de ser um dos primeiros medicamento usados para combater os sintomas da esquizofrenia. Havia dito que a quetiapina me havia dado muito sono na única vez que a usei, mas ele mesmo assim o receitou para mim. E, para comprovar que eu estava tomando o medicamento, o engoli no Cersam mesmo, por volta das quatro da tarde, para também conseguir acordar cedo no dia seguinte.  

A soneira
    - É de quantas miligramas? - perguntei para a enfermeira na hora de tomar a quetiapina.
    - Não sei...- ela me respondeu, me mostrando que a embalagem já cortada não tinha essa informação. 
    Resolvi tomar mesmo não sabendo a dosagem, não estava mais aguentando aquela situação e tinha que apagar por pelo menos uma noite. o problema seria acordar no dia seguinte, às cinco horas da manhã. Levantar e acordar, com condições de andar né? A clorpromazina eu conheço, não dá muito sono, o fenergam, que é usado para tirar a alergia ao medicamento, é que nos dá a sonolência. Mas o bom que a ressaca não dura muito tempo, ao contrário da maioria dos antipsicóticos. 
    Depois de tomar a quetiapina, fui correndo pegar o ônibus de volta para o abrigo. Para a minha sorte o remédio só começou a fazer efeito depois que já havia chegado e estava na fila de entrada. Comi um pedaço de bolo antes, pois sabia que seria difícil estar com vontade de jantar às sete e meia da noite. Com alguma dificuldade consegui tomar um banho e cair na cama. Comecei a falar meio embolado com os vizinhos de beliche e apaguei. 
    De manhã, aquela canseira e dificuldade para me levantar. Fui me arrastando para o banheiro e depois para o refeitório. Não conseguia raciocinar direito e peguei algumas coisas na mochila. Assim que sai do abrigo, comi dois pedaços de pudim. Estava com muita fome, uma sensação menor do que a risperidona, mas esse medicamento parece aumentar o apetite também. 
    Fui para o Cersam chateado, o psiquiatra não me ouviu, quando lhe disse que era meio fraco para remédios. Queria tomar metade da dose mínima, e provavelmente me deu inteira, pela experiência que tive no ano passado. Estava muito mais lento e cansado do que na primeira vez que havia experimentado a quetiapina. 
    Conversei com a assistente social e ela me disse para dar um crédito para o psiquiatra, dizendo que ele era muito bom. Para mim psiquiatra bom é aquele que conversa normalmente com a gente. Ela também disse que esses efeitos colaterais da quetiapina duram apenas três meses! Do jeito que ela me disse isso, parecia que era algo muito simples ficar noventa dias com aquela enorme sensação de cansaço e sonolência. Como já disse, tenho que me virar sozinho, não posso ficar tanto tempo parado. 
parece que os sentimentos somem quando uso a quetiapina...
     Mas o pior da quetiapina é a robotização, tanto no sentido físico como no emocional. Ficamos lentos demais e não ficamos muito tranquilos também, mas também não achamos graça em nada! Me parece uma lobotomia química, para ser sincero. Não sou contra os medicamentos, sempre costumo dizer isso, preciso sempre estar repetindo, para não ser mal interpretado. Digo que são um mal necessário em alguns casos, e algumas vezes pode ser por algum tempo apenas. 
     Voltando ao Cersam. o psiquiatra aparecia de vez em quando para chamar os pacientes. Se assustou quando me viu pela primeira vez, pois eu não estava com cara de quem estava satisfeito com a medicação. 
    - Olha o que você fez comigo! - era o que eu queria dizer com um olhar de poucos amigos. 
    Devia ser umas três horas da tarde e a ressaca da quetiapina não havia cessado, e já estava quase na hora de tomar mais um comprimido. Como iria reagir tomando o remédio já estando sonolento e cansado? 
    Acho um pouco de responsabilidade desse pessoal dar os medicamentos às pessoas e depois dispensá-las. Se por acaso essas pessoas moram um pouco longe e têm que atravessar ruas e avenidas movimentadas:? Vi que poderia ficar mais sonolento e cansado do que já estava e resolvi que o melhor a ser feito era tentar uma outra alternativa...

Conclusão
sonhar não custa nada...
     No meu caso, em particular, é um dilema e tanto tomar ou não os medicamentos. Não se pode chegar à uma conclusão, pois moro sozinho desde os dezessete anos e sempre tive que me virar. Para mim, é quase impossível tomar os medicamentos e exercer qualquer atividade renumerada, a não ser que o seu patrão seja bastante compreensivo. Se o transtorno é incapacitante, os medicamentos não deixam de ser também de uma certa forma. 
    No início do ano eu não fui ao show do Yanni, em São Paulo, por causa das minhas paranoias. Cheguei a ir até o ginásio do Ibirapuera, mas não comprei o ingresso. Mas, se estivesse tomando algum medicamento, também não iria, pelo fato de estar sonolento e meio robotizado, não achando graça em nada. Analisando os fatos, prefiro não tomar os remédios e ficar em casa, mas com as minhas emoções, para, pelo menos rir e chorar com os filmes e coisas que assisto na TV. Sem emoções jamais! E também, por que não, sonhar um pouco de vez em quando. Não há nada demais em sonhar, o que não podemos fazer é ficar muito tempo no mundo do sonhos...
    Não escrevo este blog para desestimular as pessoas a tomarem os medicamentos. Relato apenas as minhas experiências com eles. Cabe a cada portador estudar não só a patologia como os remédios e tudo o que possa melhorar a sua qualidade de vida. Cada um, com a ajuda do psiquiatra, deve tentar achar o melhor medicamento e a dose certa para cada caso, o que às vezes pode se tornar uma difícil tarefa. 
    Dizem que em três meses nos "adaptamos" aos medicamentos. Não creio que o termo certo seria adaptação e sim se acostumar, viciar mesmo, como acontece com o diazepan, que, no início dá até uma pequena sonolência. Mas, com o passar do tempo já não faz mais o mesmo efeito e ai temos que ir aumentando a dose. Já cheguei a tomar 20mg e a tomar o levozine mas vi que, se continuasse naquele ritmo, iria ficar como o Michael Jackson, tendo que tomar até anestesia para dormir. O levozine faz dormir, mas temos que colocar um pinico debaixo da cama, pois é quase impossível ir ao banheiro de madrugada. Já o diazepan sinto que atrapalha um pouco a minha memória. Então resolvi ir aos poucos diminuindo o diazepan e hoje tomo apenas 5mg e, quando estiver em um ambiente tranquilo, tomar 2mg para, quem sabe, um dia estar livre dos medicamentos. 


-obs: desculpem os prováveis erros de português, é que, apesar do corretor do blog, estando em uma lan house, não dá para se fazer um trabalho como se estivesse em meu quarto. 1
    

segunda-feira, 15 de dezembro de 2014

Divagações esquizofrênicas


Domingo...
    -Tá na hora! Não se esqueçam de entregar os lençóis! - nos avisa o monitor do abrigo, nos acordando às cinco horas da manhã em pleno domingo de horário de verão. 
    Se não fosse a violência urbana, continuaria dormindo na minha barraca. Fui feliz enquanto estive nela, por cerca de quatro meses, no bairro Barro Preto em Belo Horizonte. Alguns vizinhos até já tinham se acostumado comigo, me davam água gelada e às vezes frutas. Mas certo noite dormi com o rádio do celular ligado. Resultado: um meliante, ao ouvir a música, passou uma faca ou algo parecido e levou o meu aparelho. 
    A chuva cai com uma certa intensidade, deu para se notar pelo barulho dos pingos caindo no chão. Pelo jeito vai ser assim o dia inteiro. Mas desde o começo do ano não reclamo mais quando São Pedro resolve abrir a torneira do céu. Não tomo o café no abrigo. Foi servido café e biscoitos em uma bacia. A galera pega os biscoitos com a mão mesmo, e alguns deixam cair um monte  na bacia novamente, ao encherem as mãos. No banheiro dá para notar que alguns saem sem lavar as mãos. 
    Vou para debaixo de uma marquise, à espera da padaria abrir. Aliás, foi uma das coisas que mais senti saudades enquanto estive em São Paulo. Lá não tem tantas padarias como em BH. O mineiro que gosta de uma broa de fubá e um pão de queijo sofre um pouquinho na capital paulista. 
    Domingo, para mim, como albergado é um tédio: lan house fechada, e o restaurante popular também não funciona. Não vou aos lugares de doações, onde fornecem almoço para o pessoal dos abrigos e moradores de rua. Não por que eu me ache melhor do que eles, mas não gosto muito de agitação mesmo. Apesar de estar juntando uma grana para alugar um quarto, prefiro gastar do meu próprio bolso para comprar um lanche e ficar no parque mesmo. Em dias de chuva, só existe um lugar para se ficar no parque, debaixo do telhado de uma casinha. Neste domingo quase ninguém apareceu, só um cachorro molhado e rançoso insistia em ficar ao meu lado se abrigando da chuva. 
    Se domingo já é complicado para mim nesta momentânea situação, um domingo chuvoso é um convite a não fazer nada. Nessas horas dá saudades de ver o Globo Rural nas manhãs de domingo. Já perdi a conta de quantas vezes sonhei com um cobertor, uma cama e uma TV. Nada mais. O silêncio também não pode faltar. Domingo que é o verdadeiro dia da preguiça para mim, apesar de não cair na night e ficar de ressaca.
    Mas a minha vida é um vídeo game mesmo. Acho que estou na penúltima fase dessa parte de minha vida. O mais difícil já passei. Foram quase dois anos viajando por ai e morando em albergues. 

Natureza Selvagem?

    O primeiro ano das andanças foi uma maravilha. Estava com um ânimo que há muito tempo não sentia, depois de ficar oito anos trancado em meu quarto em Ipatinga. Estava um pouco acima do peso, devido ao sedentarismo. Mas a alegria e a novidade da liberdade compensavam a falta de preparo físico. 
     Me senti, ao sair por ai, como o cara do filme Na natureza selvagem. Mas, para mim o que está selvagem é o nosso mundo mesmo, principalmente as capitais. Podemos ser atacados a qualquer momento por marginais e usuários de crack. Tenho mais medo deles do que de cobras e outros animais que talvez possa encontrar nas minhas viagens pelo interior de Minas Gerais. A maioria dos animais precisa se sentir ameaçada para atacar uma pessoa. Mas precisamos de tomar banho, de nos alimentar corretamente, de escovar os dentes, não dá para viver no meio do mato para sempre...
    Não tenho preconceito contra os usuários de crack. A maioria quer sair dessa, mas não consegue... Alguns são acomodados mesmo. Mas a verdade, é que tenho medo da pessoa que o crack faz a pessoa ser, ou seja, um indivíduo sem controle e desesperado para alimentar o seu vício, roubando até os próprios familiares. 
    
Preconceito?
     No início de janeiro será a segunda vez que procuro um quarto, como um portador de esquizofrenia. Na primeira vez tive sorte. Estava em uma rua, olhando para a janela de um quarto, quando um senhor parou seu carro perto de mim e me perguntou se estava à procura de quartos para morar. Respondi que sim, e ele me levou à um prédio onde alugava vários quartos. Me mostrou um que era muito bom, espaçoso e com cerâmica no chão. O preço era razoável e me alugou no mesmo instante, sem sequer me perguntar o nome. 
    Hoje sei que o aluguel era relativamente barato por estar perto da crackolândia da cidade. Mas deu para viver tranquilamente por cerca de seis anos. O consumo de crack aumentou e a situação naquele lugar se tornou insustentável, o que me motivou a sair viajando por ai.
    Agora vou procurar um quarto novamente. E, provavelmente terei que falar que sou aposentado e, consequentemente, portador de esquizofrenia. Será que vou ser discriminado? Não seria melhor mentir neste caso? Acho que sim, mas não sou muito bom em inventar histórias...

Divulgação do livro
    No último dia 12, houve um evento no espaço Suricato para divulgar o meu livro. Não apareceu muita gente, o livro não foi um sucesso de vendas, mas não fiquei decepcionado. Foi algo muito positivo para mim, pois considero que obtive uma pequena vitória: consegui falar para um grupo de pessoas, sem precisar tomar o pan nosso de cada dia! Foi até positivo não ter aparecido tanta gente, pois fiquei um pouco nervoso, mas deu para falar alguma coisa. 
    Por volta do ano de 2003 eu não conseguia nem sair de casa, em uma pequena cidade do interior de Minas, sem antes tomar um diazepan. E não raramente tinha que engolir mais um no meio do caminho até o centro da cidade. Não foi fácil falar, com o nervosismo não consegui decorar o que eu tinha que dizer, e tive que recorrer a uma colinha. Mas o mais importante foi feito, que é falar um pouco sobre a esquizofrenia. Não sei quanto tempo vai demorar e se estarei aqui para ver, mas sei que um dia esse preconceito e o estigma que cerca a esquizofrenia irá acabar. E sei que estou fazendo a minha pequena parte neste processo. 

                                                                   Música: Rise
                                                              Artista: Eddie Vedder

Erguer-se

Tal é o jeito do mundo
Você pode nunca saber
Apenas onde colocar toda a sua fé
E como ela crescerá

Vou me erguer
Queimando buracos negros em memórias negras
Vou me erguer
Transformando erros em ouro

Tal é a passagem do tempo
Rápida demais para se envolver
E de repente engolida por sinais
Abaixe-se e observe

Vou me erguer
Encontrar minha direção magneticamente
Vou me erguer
Jogar minha pressa no buraco

sábado, 6 de dezembro de 2014

Teste de esquizofrenia

 
esquizofrenia paranoide F20
    Certo dia resolvi dar mais uma pesquisada sobre a esquizofrenia, e, na primeira página do youtube, depois de digitar o nome do transtorno, me deparei com o teste abaixo:
   De uma maneira simples, segundo o teste, quem conseguir visualizar uma outra máscara na parte de trás da mesma não é esquizofrênico. Quem conseguir ver o fundo oco da máscara giratória é esquizofrênico. Maiores detalhes sobre o teste, é só clicar no link(as palavras na cor azul lhe direcionam para a página, sem sair do blog). Segundo os pesquisadores que elaboraram o teste, o cérebro do esquizofrênico, por causa de algumas "falhas nas conexões", não consegue distinguir certas imagens.
    Na minha humilde opinião de portador e pesquisador, um transtorno mental, que ainda nem têm suas causas definidas com 100% de certeza, não pode ser diagnosticado ou detectado com um simples teste de imagem. A esquizofrenia não é só cérebro, é a mente também. É um conjunto de comportamentos, pensamentos, se fosse tão fácil assim os psiquiatras não demorariam tanto tempo em certos casos para diagnosticar o problema, sendo que muitas vezes a esquizofrenia é confundida com a bipolaridade.
    A maioria dos amigos portadores que tenho na internet conseguiram ver as duas máscaras. Poucos afirmaram ter visto apenas o fundo oco da máscara giratória(cerca de 10%).
    Como o teste pode diagnosticar com precisão se uma pessoa é esquizofrênica ou bipolar, já que os sintomas são parecidos? Será que os cérebros não seriam parecidos também?
    E até mesmo a esquizofrenia tem os seus subtipos: simples, catatônica, indiferenciada, a mais comum que é a paranoide, etc. E mesmo em se tratando da paranoide, pode haver muitas diferenças de um caso para outro. Alguns surtam mais, outros são mais agitados, outros mais retraídos, alguns são agressivos quando estão surtados.
esquizofrenia catatônica
    É como disse o autor do livro "Cadê minha sorte?": Não existe a esquizofrenia, e sim as esquizofrenias.
    Na minha opinião, um teste virtual mais confiável seria um questionário abordando temas como o comportamento da pessoa, se ela se sente vigiada, se imagina ter o seu pensamento invadido, etc. E mesmo assim esse teste não seria conclusivo, ou seja, ele apenas poderia aconselhar a pessoa a procurar um psiquiatra para uma abordagem mais completa.
    Creio que a psiquiatria em geral está olhando muito para o lado orgânico do transtorno, e se esquecendo um pouco da mente humana. Uma amiga holandesa chegou a comentar comigo sobre isso no facebook, disse que em seu país as coisas são um pouco diferentes.
    Me lembro que, por volta do ano de 2005, li em um antigo CID que o complexo messiânico e o sentimento de culpa exagerado eram sintomas da esquizofrenia paranoide F20. Hoje em dia não esses sintomas não estão mais incluídos, por que será?

sexta-feira, 5 de dezembro de 2014

Lançamento do livro

    Pessoal, nesta sexta haverá aqui em Belo Horizonte um evento para uma Divulgação do Livro Mente Dividida. Quem mora na capital e região está convidado. As informações estão no convite. O evento será no Espaço Suricato , situado no bairro Floresta, em frente à Polimig,  próximo à avenida Silviano Brandão, à Quatro quarteirões da avenida Cristiano Machado. Depois haverá algumas apresentações musicais. 
   Lembrando que o livro  continua à venda, basta enviar e-mail com o assunto "Livro" para:
   juliocesar-555@hotmail.com

    Localização do espaço suricato