São Mateus-Guriri-Barra Seca
Fiquei mais dois dias em São Mateus, apenas esperando o tempo passar para sacar o meu pagamento. Não gosto muito de cair na estrada sem algum dinheiro para comer.
Mas, após mais uma noite quentíssima naquele lugar, decido sair da cidade, à procura de uma refrescância e, claro, de praias. Estava quente até debaixo das sombras das árvores, um calor muito estranho, que não havia sentido até então. Fico numa moleza danada após o almoço.E também não viajei 780km para voltar para casa sem curtir um marzão.
Como sempre em São Mateus acordo por volta das cinco e meia da manhã, quando o sol começa a clarear por aqui. Por volta das seis horas um cara parecido com um morador de rua que tinha visto no centro da cidade sentou-se bem perto da minha barraca, enquanto estava arrumando minhas coisas depois de ter acordado. O cara não tirava o olho de minha mochila menor, onde geralmente guardo a grana que gasto na viagem.
Quando vou para o banheiro encontro mais três moradores de rua. Claro que estranhei, pois tal fato não havia acontecido nesses dias em que estou dormindo no posto de gasolina.
Para completar, quando vou deixar a roupa que havia lavado secar na grama em frente ao posto, um outro morador de rua, ficou me observando, como se estivesse esperando um momento em que eu me afaste da mochila para assim dar o bote e pegar meus pertences. Parece que os moradores de rua da cidade estão de olho na minha mochila menor, pois sempre mexo nela para pagar o que estou consumindo nesse tempo em que estou em São Mateus.
Quando estava andando de bike pelo centro da cidade já havia notado esse comportamento dos moradores de rua. Eles ficavam também me encarando, como se eu fosse uma presa fácil. É incrível como existe gente ruim neste mundo. Ganho pouco, só consigo ir para a praia se viajar de bike e ainda tem gente querendo subtrair o pouco que tenho. Claro que não estou querendo afirmar que os larápios devam roubar somente dos ricos. Roubo é roubo, nunca deveria ser praticado, mas que o ato ganha uma dramaticidade maior quando a vítima é pobre, isso ganha.
O jeito era sair de São Mateus. Alguns até gostavam de mim, conversavam comigo e faziam perguntas sobre as minhas viagens. Já outros eram indiferentes. Mas um bom número de pessoas não digeriam muito bem a situação, me chamando de vagabundo e dizendo que eu deveria trabalhar. Obviamente não dei importância à esses comentários, sou feliz e estou em paz comigo mesmo. Não preciso de me preocupar com a opinião alheia, falar até cachorro fala, tem até alguns vídeos no youtube de cachorro falando.
Então almocei por volta das onze horas no mercado central. As telhas de alumínio tornavam o ambiente mais quente ainda, beirando o insuportável.
Pedalei até uma árvore para descansar um pouco, e esperar a temperatura abaixar. Mas não adiantou muito, o calor só aumentava, até mesmo debaixo de uma sombra estava difícil de ficar.
Molho a cabeça e a camisa e reúno forças para recomeçar as minhas pedalanças. Não poderia ficar naquele lugar por mais tempo. Os dias passavam e o calor só aumentava.
Apesar do forte calor consigo pedalar bem até Guriri, que fica distante cerca de 20km de São Mateus. A maior parte do percurso é plana, não desgastando muito a musculatura.
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a água do mar em Guriri estava morna, por causa do forte calor, estava uma delícia. |
Tomo um bom banho de mar, coisa que não fazia desde 2014, quando fazia minhas
andanças pelo litoral de São Paulo.
Havia muitos trios elétricos estacionados na avenida da orla, o carnaval de Guriri é bem conhecido pelos mineiros. Quero fugir da muvuca dessa festa e então parto para o vilarejo de Barra Seca, distante cerca de 75km de Guriri.
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será que o motorista do trio sofre quando a banda toca? |
A estrada é um pouco ruim, com muitas costeletas e areia, o que faz a bike derrapar com frequência, já que o pneu traseiro é liso. A bicicleta na verdade não é específica para esse tipo de terreno. Mas o visual do caminho me deixa mais animado.
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claro que nem entrei nesse restaurante.... |
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muita areia pelo caminho |
Depois de Barra Seca tem o simpático vilarejo de Barra Nova, onde tenho que fazer a travessia de barco pelo rio de mesmo nome. É um lugar bastante tranquilo, com casas simples e algumas pousadas. Silêncio e sossego imperam naquele lindo lugar.
O barco é pequeno e balança bastante, e eu, que não sei nadar, fico com um pouco de medo. Mas a vista é muito bonita e vale a pena. O rio também não é muito fundo.
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travessia de barco pelo rio Barra Nova |
Estou mais animado agora, desde Guriri uma forte brisa tem me acompanhado pela viagem. O clima fica um pouco menos quente. Essa brisa me deixou tão animado que resolvo seguir o caminho pela beira da praia mesmo depois do pôr do sol. Barra Nova é um local bastante agradável, ideal para quem busca paz e tranquilidade.
Por volta das sete horas, escuridão total na praia. Como a maré está baixa, dá para andar de bike sem atolar uma boa parte do percurso. A brisa começa a dar lugar a um forte vento frio.
Estava achando sensacional a ideia de dormir na praia, olhando para as estrelas no céu. Estava precisando ficar sozinho comigo mesmo por um bom tempo. Moro de aluguel em quartos, e nem sempre temos um bom ambiente.
Quando a bike começa a atolar na areia, começa a empurrá-la e vejo muitos siris e caranguejos. Alguns saem correndo quando me vêem, mas outros inexplicavelmente ficam parados, correndo o risco de serem pisoteados ou atropelados pela bike. E muitos outros estavam fazendo amor na areia. Então, com o risco iminente de fazer uma matança de siris e caranguejos, resolvo montar a barraca naquela escuridão. O céu não está limpo, a lua não está aparecendo, mas tenho a sensação de que não irá chover esta noite.
Deito na areia para descansar, e fico curtindo aquele momento, escutando o barulho das ondas do mar, me refrescando com a brisa do mar e olhando para o céu. Seria o homem mais feliz do mundo se todos os pedidos fossem realizados, a cada vez que vi uma estrela cadente.
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é bom curtir uma praia à noite |
Nenhum sinal de vida humana por perto. No mar, apenas a luz de um navio que está parado.
O vento começa a ficar muito forte e frio, e fica impossível montar a barraca. Por sorte não havia tomado banho de mar em Barra Nova. O jeito foi pegar a minha blusa de frio, colocar o lençol na areia e usar a manta para me cobrir.
Mas o vento é tão forte que preciso usar o lençol para impedir que chegue até o meu corpo. A manta tem buraquinhos e o vento estava me fazendo sentir muito frio.