Tudo começou meio sem pretensão alguma: aos 40 anos de idade havia acabado de comprar meu primeiro PC nas casas Bahia em 12 suaves prestações. Bem, na verdade, as prestações não foram tão suaves assim, quem ganha um salário mínimo não tem nada de suave quando o assunto é grana.
Havia feito um cursinho de informática para comprovar se a esquizofrenia não havia afetado a minha capacidade de racionar e aprender coisas novas. É muito complicado o início, a descoberta do diagnóstico. Ficamos cheio de dúvidas, e a cognição era a principal incerteza que tinha na época.
Confesso que fiquei bastante receoso de passar vergonha naquele cursinho repleta de garotas e caras na faixa dos vinte anos de idade. Eu era um quarentão que nunca havia encostado um dedo sequer em um teclado de computador em toda a minha vida. Mas, para minha surpresa me saí muito bem no curso. A professora perguntava coisas e eu respondia sem ter muita certeza da resposta estar correta, mas demonstrava tanta convicção que acabou impressionando os alunos e até a professora, que ficava olhando para o alto, como se estivesse pensando se as minhas respostas estavam realmente corretas. Acho que os políticos usam um pouco essa tática....
Mas me saí tão bem no cursinho que no dia de prova os outros alunos chegavam a disputar um lugar próximo a minha pessoa para pegar uma colinha...
E fiquei fuçando no paint e no word do PC enquanto pagava as prestações, pois não sobrava grana para pagar o plano de internet.
sem internet.... |
No paint ficava brincado de artista pós modernista... Já no word assim que o abri pela primeira vez, quase que instantaneamente comecei a fazer um diário e de primeira veio o título que até hoje uso no blog que escrevo até os dias de hoje. Sempre gostei de ler e de escrever, era como uma terapia para mim, pois falar não é o meu forte. Me sentia bem mais leve depois que colocava no meu caderninho coisas que eu pensava e sentia. Até coisas banais do cotidiano gostava de escrever.
Era um entusiasmo inicial de quem havia acabado de descobrir o mundo da informática. Sempre gostei de som e de aparelhos eletrônicos, mas informática era uma incógnita para mim. Ficava admirado quando via uma pessoa digitando velozmente sem ao menos parar para olhar o teclado.
Quem sabia usar e mexer nos programas para mim era como se fosse um ser superior, um sábio, uma pessoa com inteligência acima da média.
Assim que acabei de pagar as penosas prestações do meu primeiro PC contratei um plano de internet com a incrível velocidade de 150Kbps!!!
Naquela época até que dava para navegar nas comunidades do orkut e outros sites, pois as páginas não eram tão pesadas como são atualmente. Claro que tinha que ter um pouquinho de paciência e tempo, coisas que tinha de sobra naquela época.
E assim, com todo aquele entusiasmo inicial achei que poderia até criar um canal no youtube e gravar vídeos, apesar de minha voz não ser muito boa e ainda por cima ficar "puxando" a letra s.
Mas os vídeos ficaram uma merda e então resolvi começar a escrever este blog. Mas nunca imaginaria, nem nas mais positivas suposições que os meus escritos iriam alcançar a marca de um milhão de visualizações. Considero essa marca muito expressiva, afinal é um blog que fala sobre um assunto que não chama muito a atenção das pessoas que não tem um envolvimento direto com o assunto. E quem tem um envolvimento direto geralmente procura se informar com os profissionais da saúde mental, e não com um mero portador do transtorno....
Afinal, como o blog chegou a esses números?
Não me considero um escritor, apenas me esforço para passar de uma maneira simples o que penso e sinto sobre os mais variados temas, principalmente o que as pessoas chamam de esquizofrenia.
No início insistia muito em compartilhar nos grupos do facebook as minhas postagens aqui do blog. Muitas pessoas gostavam e outras nem tanto, afirmando que eu não era psiquiatra para ficar falando sobre o assunto. Mas acredito que o fato de ser uma pessoa com esquizofrenia ajudou um pouco a alavancar as visualizações. As pessoas querem saber sobre o assunto na visão de quem tem o transtorno. Por mais que um profissional estude o assunto, nunca irá saber realmente o que é ter esse transtorno e também os efeitos colaterais dos medicamentos, que são os principais empecilhos para o início ou continuação de um tratamento.
Mas apenas ficar insistindo em divulgar não é tudo. De nada adianta divulgar se o conteúdo não é interessante. Acredito que minha vida e minha história são bem interessantes, tanto é que escrevi um livro contando um pouco sobre o meu caminho nesta jornada.
O respeito também que tenho pelos seguidores e quem acompanha o blog também ajudaram. Sempre procuro responder os comentários com toda a atenção possível. Não respondo por responder, aquela coisa automática. Se respondo é por que tenho realmente a intenção de ajudar. Às vezes não estou bem e não respondo alguns comentários. Mas são bem poucos, pois se no dia não estou bem deixo para responder depois.
Acredito que também um fator que ajudou o blog a alcançar estes números seja a falta de atenção e carinho que alguns profissionais da saúde mental têm com seus pacientes. Não são todos, mas boa parte parece não ter interesse em informar e conversar com os pacientes e familiares sobre o assunto. Não estou dizendo para se preocuparem demasiadamente com os problemas dos pacientes, pois se fizerem isso não terão nem forças para chegar ao final do dia. Digo o mínimo de atenção e cuidado. Se o tratamento da esquizofrenia no Brasil tivesse realmente ótimos números provavelmente o blog não teria razão de existir e nem seria acessado. Espero que os profissionais da saúde entendam essa crítica que considero construtiva. Acredito que ainda se tem muito a melhorar, apesar dos progressos alcançados nos últimos anos.
Minha terapia
Mas que uma terapia, o blog deu um sentido à minha tediosa vida de pós aposentado. No início achei bem legal ter me aposentado, afinal não foi nada fácil lutar contra aquela loucura toda sozinho. Mas tive a sorte de encontrar muita gente boa pelo caminho e graças à elas pude retornar à realidade.
Precisava realmente de ficar sozinho no meu cantinho, era onde podia respirar e ficar em paz. Mas aqueles surtos todos deixaram uma pequena sequela: me fizeram ser uma pessoa mais antissocial que já era antes de ter pirado. Mas não reclamo: o mundo de hoje está muito chato, está tudo muito dividido, polarizado. As pessoas estão deixando de serem amigos por convicções políticas, por defenderem posições, por levantarem bandeiras, etc...
Mas confesso que tenho saudades de quem eu era: um cara antissocial, mas que conseguia sair de casa por ser extremamente distraído e não reparava nada em minha volta. Sinto saudades de coisas simples, de ir ao cinema, à um show, ir ao zoológico dar pipoca aos animais....
Hoje não consigo ir sozinho à esses lugares: a mania de perseguição me persegue aonde eu for. Para falar a verdade, até que consigo ir, mas deixa de ser uma diversão para ser algo bem desagradável. Me lembro que uma vez uma pizza de quatro queijos desceu meio quadrada goela adentro quando estava em um shopping de Ipatinga-MG. Quando pedi a pizza, ainda havia poucas pessoas na área de alimentação. Mas como a pizza demorou para chegar as mesas começaram a ficarem ocupadas e o jeito foi engolir de qualquer jeito, sem parar para sentir o gostinho do queijo.
E o blog foi muito elogiado no início. A vida de aposentado estava me deixando meio pra baixo, sem um sentido para continuar a viver. Era uma monotonia massacrante: acordar, levantar, almoçar, assistir TV e tentar dormir. Mas as palavras de incentivo e a receptividade que o blog teve me deu um novo ânimo. Pessoas relatavam que estavam sendo muito ajudadas e esclarecidas com os meus escritos. E então comecei a estudar mais e mais a esquizofrenia para tentar ajudar as pessoas que estavam passando pela mesma situação que eu havia passado.
No início dos sintomas ficamos muito assustados: afinal levávamos uma vida relativamente normal e de repente começamos a ter uma série de pensamentos e comportamentos bem complicados. Pensamos que o mundo inteiro está contra a gente e que somente a gente tem esse problema. Pensamos que nada e ninguém poderá nos ajudar, nem o Chapolin Colorado... Então, descobrir que não somos a única pessoa do mundo a ter aqueles sintomas dá um certo alívio e conforto.
No meu caso a internet só me fez bem. Claro que acontecem situações desagradáveis, mas que também acontecem no mundo real. Conheci muita gente bacana e aprendi muito com outras pessoas que tinham os mesmos problemas que eu, principalmente nas comunidades do orkut e atualmente nos grupos do facebook. A internet pode ser fantástica, basta soubermos filtrar o conteúdo. Na TV aberta infelizmente não existem muitas opções, meu controle remoto está todo estragado de tanto ter que ficar mudando de canal. E humildemente acredito que o meu humilde blog tem muita coisa boa, e as pessoas podem acessar quando quiserem. Não são obrigadas a ler o que posto. E no mundo virtual ainda se tem a vantagem de apenas com dois cliques bloquear pessoas e coisas que não te agradam...
Mas tudo tem um limite: ficar o dia inteiro na internet também não dá. Temos que procurar sair, nos exercitar, socializar, enfim, viver o mundo real também.
O blog é uma troca. As pessoas dizem que os meus escritos as ajudam, e isso me faz sentir uma pessoa melhor. Também as participações das pessoas através dos comentários das postagem ajudam e muito a enriquecer o conteúdo. Não sou o dono da verdade e nem tenho a pretensão de ser. Aprendi e muito com os comentários.
Então, os parabéns por esse milhão não são somente para o autor deste blog, e também para quem o acompanha. Muitas pessoas me disseram que me acompanham desde o início, no ano de 2012. Muito obrigado por me acompanharem e pelas palavras de incentivo. Não é fácil conviver com a esquizofrenia sozinho. Mas descobri que tenho uma força interior muito grande e tudo isso me fez uma pessoa mais forte.
Sempre tive em mente esse número: "Um milhão". Mas pensava em um milhão em dinheiro. Era uma pessoa antissocial, pensava que o mundo estava contra mim. Queria ganhar na loteria e assim poder viver mais isoladamente, principalmente depois dos 25 anos de idade, por causa da competitividade no mercado de trabalho. Não queria o dinheiro para ostentar luxo. Iria comprar uma casinha perto da praia ou então no interior e viver na minha paz interior.
Mas acho que o destino me reservou apenas esse um milhão de visualizações. Não reclamo de nada, pois não sou apegado ao dinheiro. Claro que gosto, mas não faço loucuras para conseguir.
Em breve irei começar as minhas pedalanças pelo Brasil. Confesso que já pensei de parar de escrever este blog, mas, como disse, é mais do que uma terapia para mim. Irei postar o diário e as fotos de minhas viagens, compartilhando tudo de bom que acontecerá nessas viagens. Sei que tenho um bom anjo da guarda me protegendo. Ele está um pouquinho cansado de minhas aventuras, mas ele é gente boa e não irá nunca me abandonar.