Conceição do Mato Dentro-Dom Joaquim-Nossa Senhora do Porto 60km
O resto da tarde anterior em Conceição do Mato Dentro passei descansando na pracinha central e deixando a roupa lavada secar na grama do canteiro do jardim.
Queria dormir no coreto da praça, mas o lugar é um pouco movimentado. É legal dormir em um coreto. Dá uma certa sensação de segurança. Dormi em vários na minha andança pela estrada real. Mas agora são as pedalanças, e também tenho que cuidar de deixar a bike presa na corrente.
Dei umas voltas pela cidade e acabei encontrando um posto de gasolina, onde consegui também tomar um bom banho, que lavou até a minha alma e me fez sentir um pouco mais leve.
Por volta das dez horas da noite montei a minha humilde residência a fim de descansar minhas canelas para o dia seguinte. Não sou um cara muito de hábitos noturnos e logo peguei no sono.
A noite foi tranquila até por volta das quatro horas da madrugada, quando chegou um cara chato buzinando sem parar, pensando que o posto ficasse aberto 24 horas por dia.
O cara era bem insistente e quando percebeu que não havia ninguém começou a me chamar:
- Ô do a barraca!....
Claro que não atendi e continuei a fingir que estava dormindo. Depois de muita insistência o cara finalmente resolveu encostar o carro e esperar o posto abrir. Parecia que ele estava apertado e querendo ir no banheiro ocupado....
Por volta das cinco e meia já estava acordado, por causa da claridade que se fazia no local, pois o horário de verão já havia acabado finalmente.
Após o café segui para a cidade de Dom Joaquim, distante 25km de CMD.
A estrada estava muito boa, quase sem carros pela frente. Foi uma delicia ter aquele caminho só parar mim. Descer na velocidade máxima que a bike conseguia imprimir me dava uma sensação de liberdade que há muito tempo não sentia. O céu estava nublado e por volta das dez horas da manhã já estava em São Joaquim. Era domingo e quase não se via pessoas pelas ruas daquele lugar, a não ser na praça central, onde fica a igreja matriz.
Por sorte encontrei uma tomada que estava energizada no coreto da praça. Claro que aproveitei para carregar o celular, a câmera e a lanterninha. Nunca me passou pela cabeça ter um celular bom para essas viagens, com certeza iria estragar nos primeiros dias.
Onze horas já estava almoçando no único restaurante daquele lugar. Me assustei com a quantidade de pessoas que estavam almoçando, pois não havia visto tanta gente andando pela cidade.
Sempre quando paro em algum lugar as pessoas me perguntam de onde venho e para onde vou. Quando respondo que sou de BH e que vou para o Espírito Santo as pessoas sempre demonstram muita surpresa.
- Você está pagando promessa?- um deles me perguntou.
Outros não falavam nada, apenas ficavam olhando para o alto admirados e surpresos.
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A pequena e pacata Dom Joaquim |
Depois do almoço começou a chuviscar, mas nem pensei em esperar o tempo melhorar. Depois da torrencial chuva que enfrentei na Serra do Cipó já estava me sentindo um ser meio que aquático, e não seria qualquer chuvinha que iria me parar no caminho.
Mas, na saída da cidade, uma surpresa nada agradável: a estrada para Nossa Senhora do Porto era de terra!!!
Chuva e estrada de terra é a pior combinação possível em uma viagem maluca como essa. E era uma péssima estrada de terra: buracos, pedras e a famosa costeleta que faz a bike e o nosso esqueleto trepidarem até não aguentarmos mais. O caminho todo não tinha refresco, ou você escolhia os buracos, a lama ou a costeleta. Com o tempo o chuvisco acabou virando uma forte chuva e encontrei duas "lagoas" pelo caminho.
Era arriscado demais passar com a bike nessas lagoas. O jeito foi tirar o chinelo e andar no lago para dar uma examinada e ver por onde passar. Se escorregar poderia perder os documentos, o dinheiro e os cartões do banco. Ou seja, merda total logo no terceiro dia de viagem.
Por alguns momentos penso em desistir, é muita sofrência para um dia só essa estrada, pois a bike não é preparada para esse tipo de terreno. Se soubesse teria escolhido passar pela cidade do Serro, o que aumentaria em mais 40km o percurso, mas não teria que passar esse perrengue todo.
Mas de antemão já sabia que o caminho teria perrengues e missão dada é missão cumprida pelo esquizo.
Depois da lagoa vi pelo segundo dia seguido um carro sport tipo jeep. O engraçado é que ele passou quase no mesmo horário do dia anterior. E depois voltava pelo mesmo caminho depois de cerca de umas duas horas. Será que ele está me seguindo ou os carros eram apenas parecidos?
Logo a minha paranoica mente imaginou que o motorista sabia de minha viagem e que estava me difamando pelo caminho. Quando ele passou de volta decorei o nome que estava pintado na porta. Se ele aparecer amanhã vou parar o carro e tirar satisfações...
Quando estava morando em BH um vizinho que está doente e que vivia implicando comigo premeditadamente me provocou para gravar no celular minhas reações. Provavelmente ele deve ter espalhando para seus amigos. Muito difícil eu reagir as provocações, nem ligo quando acontece nas ruas, mas todo dia ficar ouvindo vizinho me provocar é complicado e uma vez ou outra eu reagia e ele gravou as minhas reações. Claro que o xinguei e o ofendi, falei umas besteiras, mas apenas me rebaixei ao nível dele. Talvez ele tenha algum tipo de inveja de mim, pois procuro sempre cuidar de minha saúde e acredito estar bem para meus 50 anos de idade. Ele está com 60 e mal consegue ficar em pé. O cara é chegado numa cachacinha e ainda por cima tem diabetes. Ou seja, o cara não se cuida e ainda vem descontar em cima de mim....
Mas vamos falar de coisa boa. Depois da chuva e da péssima estrada chego detonado à Nossa Senhora do Porto. A bike está toda enlameada e o eixo traseiro está empenado de tanto passar pelas buraqueiras do caminho.A magrela estava fazendo um nhéc nhéc na roda traseira, o que me deixou na dúvida se conseguiria chegar em Guanhães no dia seguinte para achar uma oficina de bike.
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Nossa Senhora do Porto |
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a bike chegou detonada e eu também com "zóio" de zumbi. Estava no limite físico... |
Se em Dom Joaquim havia poucas pessoas nas ruas, em Nossa Senhora do Porto dava para se contar os habitantes que tinha avistado. É uma cidade simpática, mas a impressão que se dá é que foi abandonada por um ataque de zumbis e que poucos haviam escapado e a maioria tinha saído do lugar à procura de cérebros.
Consegui encontrar duas senhoras que estavam enfeitando a igreja para a missa dominical e fiquei proseando um pouco esperando o tempo passar. Como havia poucas pessoas naquele lugar resolvi que iria dormir no coreto da pracinha.
Esperei umas duas horas minhas roupas secarem em uma barraca que estava montada ao lado da igreja. E também é claro, estava descansando, pois o dia não foi nada bom para meus músculos. Estava mais cansado do que no primeiro dia, quando andei 100km.
Quando finalmente resolvo subir para o coreto, a decepção: o chão estava todo sujo de fezes de pássaros. Pensei em dar uma limpada no lugar, mas o cheiro também não estava bom e não seria qualquer limpeza que iria deixar aquele coreto habitável. Nessa hora bateu um desânimo daqueles. Pensava que finalmente poderia dar uma cochilada. Não havia encontrado nenhum outro lugar coberto para montar a minha barraca, que não aguenta muita chuva. O coreto parecia abandonado, assim como a cidade.
Encontrei um senhor e pergunto onde poderia encontrar papelão para forrar o piso da barraca e ele me disse que eu poderia dormir no "clube". Perguntei se teria que pagar alguma coisa e ele me disse que não era necessário.
Juntei as poucas forças que tinha e voltei para a entrada da cidade, na tentativa de achar o tal clube. Quando finalmente o encontro, a decepção: .os banheiros estão desativados, o bar fechado, só tem dois garotos tomando banho na piscina, apesar da chuva que insiste em cair naquela tarde.
O clube é bem bacana e agradável, é cercado pela natureza e tem uma piscina de água que vinha de uma montanha..
Escolhi um local para montar a minha barraca antes que escurecesse, afinal o clube também está abandonado...
E dito e feito, por volta das sete horas a escuridão toma conta do lugar. Acho bom e ruim. Bom por que poderia ficar sozinho um tempo. E ruim pois poderia ser perigoso.
Entro para a minha barraca e confesso que fiquei com um pouco de medo. Não vi nenhum policial naquela cidade enquanto estive no centro.
Ouço passos do lado de fora da barraca. O cara vinha de alguma outra entrada do clube. Ele passou direto e foi em direção à entrada. Logo deduzi que o clube servia de ligação entre a cidade e um outro local qualquer.
Mas me sentia bem naquele lugar, sozinho e escutando o barulho da chuva.