Não tenho a pretensão de, neste post, definir se a esquizofrenia é uma deficiência ou não. Não me julgo capaz para tal ato, mas creio que tenho o direito de dizer o que penso e sinto sobre esse assunto tão controverso, ainda mais quando a questão do passe livre é discutida.
Em Ipatinga-MG, por volta do ano de 2007, consegui o passe livre sem maiores problemas e quase nenhuma burocracia. Compareci no dia marcado no posto de saúde, o médico apenas conferiu o laudo e os documentos e depois me deu a concessão parar ir à empresa de ônibus que administra o trasporte coletivo da cidade.
Já em São Paulo, tentei em diversos lugares, mas sem sucesso. Na capital paulista o passe livre, que é chamado de bilhete único especial, é válido em todo o estado, ou seja, ele é municipal e intermunicipal.Logo nos primeiros dias de São Paulo fui à um Caps, próximo do abrigo Arsenal da Esperança, a fim de renovar o estoque de diazepan. Em relação ao antipsicótico até hoje não sei o que fazer, não decidi se tomo ou não tomo, às vezes sinto que é necessário, e outras vezes sinto que é urgentíssimo usar. Quando estou sozinho, não vejo tanta necessidade de tomar esses medicamentos.
afinal, quem não enlouquece e não se estressa com um trânsito desses? |
Estava um pouco assustado com todo o stress e correria de São Paulo e senti que era preciso voltar a tomar a cloprormazina, para, pelo menos, dar uma sossegada até me acostumar com Sampa.
Fui atendido por duas mulheres que me fizeram um enorme interrogatório, um pouco cansativo e também muito chato, por ter que reviver com alguns detalhes os surtos psicóticos que tive.
Depois da longa entrevista, que é chamada de acolhimento, uma das mulheres me perguntou onde eu morava. Quando respondi que estava ficando na Mooca, simplesmente ela me disse que não poderia fazer nada por mim, pois não estava no Caps da área de abrangência. Mas por que ela não me perguntou o meu endereço antes de começar a conversa?
Ela então me deu o endereço de um outro Caps, localizado no bairro Bela Vista, muito mais distante deste primeiro que fui, que era na praça da Sé, em que tinha que pegar apenas o metrô da linha vermelha. Já no bairro Bela Vista eu teria que pegar dois ônibus, gastando a quantia de doze reais. Oras, que área de abrangência é esta? Depois eu que sou o doido...
Então, no dia seguinte, logo cedo, depois de muito perguntar, consegui achar o tal bairro Bela Vista. São Paulo é uma cidade com enorme extensão territorial( não quis dizer cidade grande, hoje "tô" com os níveis de serotonina altos, pois acabei de tomar um toddynho e comer uma broa). Além disso, os paulistas não são tão solícitos na hora de dar informações, como os mineiros, que só faltam desenhar um mapa para ter a certeza que a pessoa chegará ao destino desejado. Já estava ficando irritado com tantos "não sei", até encontrar um taxista gente boa, que, após procurar no mapa, me indicou quais linhas de ônibus deveria pegar para se chegar ao Caps do Bela Vista.
Bem, chegando lá, fui atendido por uma mulher que logo começou a fazer o interrogatório novamente. Estava cansado de tanta dificuldade para se pegar um simples diazepan e fui um pouco rude com ela:
- Não tem jeito de me dar esse remédio sem essa burocracia toda?
Ela ficou séria, a sensação que nos passam é de que um esquizofrênico não pode ficar irritado por que corre-se o risco de ter o local totalmente destruído. Ela então disse que eu poderia frequentar o Caps e ficou balançando a carteirinha do passe livre, como que dizendo:
- Olha o que vou te dar se você vier aqui!...
Recusei o passe livre, pois, naquele momento só queria ter o diazepan e voltar a tomar a cloprormazina , pois sentia que poderia surtar dentro de algum tempo, por não ter me adaptado à São Paulo. Disse a ela que iria frequentar o futebol, apenas para encerrar a conversa e ir embora.
Três meses depois, já mais calmo, voltei ao mesmo Caps. Fui atendido por uma psicóloga, que me fez o tradicional interrogatório de acolhimento. Engraçado quando nos tratam quando chegamos à um Caps tranquilo, calmo, mais ou menos arrumado e com o cabelo mais ou menos penteado. Os funcionários olham entre si com que a perguntar:
- O que esse cara está fazendo aqui, ele é normal, não precisa de remédios!
Parece que esses funcionários e alguns profissionais baseiam seus diagnósticos apenas na aparência física da pessoa, eles não acreditam que uma pessoa possa estar extremamente perturbada e ainda assim estar se vestindo adequadamente e estar conseguindo esconder suas emoções.
Desta vez, respondi todas as perguntas com tranquilidade, pois já estava mais adaptado à cidade, quer dizer, já tinha me acostumado com a louca correria dos paulistanos. Mas foram tantas perguntas que até pensei se ela não estava pensando que eu estava fingindo ter esquizofrenia apenas para obter o passe livre.
No final da entrevista, ela me disse que não era preciso ser atendido no Caps, pois eu estava estabilizado. Ou seja, eu não teria direito ao benefício, pois o mesmo só pode ser preenchido por médico especialista, o psiquiatra. Então, se eu der um "piti" eu consigo o passe? Pois na primeira vez iria conseguir o benefício por ter sido apenas ríspido com a atendente. Às vezes somos tão mal atendidos no SUS que só alterando o tom de voz para sermos atendidos. Se chegarmos com educação e humildade, o máximo que ouviremos é um simples não. Estou cansado de ver mães dando piti para que seus filhos sejam atendidos...
Desisti então de conseguir o passe livre. A minha intenção em São Paulo era dar um tempo para pagar os meus empréstimos e voltar a alugar um cantinho em Belo Horizonte. E, para dar esse tempo, eu teria que ocupar o meu tempo, para não ficar gastando todo o meu dinheiro(todo? até parece...) com bobagens, que no meu caso, não são tão bobagens assim. Sinto que o chocolate, as massas, o açúcar me dão a famosa sensação de bem estar. A sensação quando não como estes alimentos é a de que estou murchando. Irei fazer o exame de serotonina para ver no que vai dar. Se a serotonina estiver baixa, irei tentar alguma alternativa natural e, se não der resultado, ai sim partirei para um medicamento.
Então, sem o passe livre, fiquei em São Paulo, retirado em parques e bibliotecas. Isso foi bom, pois, no silêncio que tive, pude dar uma boa revisada no livro Mente Dividida, já mais experiente na arte de escrever, com as postagens do blog. Creio que o resultado ficou bom, para adquirir é só seguir as instruções ao lado.
Voltando ao assunto, eu não aguentei muito tempo ficar sem fazer nada, estava me sentindo um estrangeiro na capital paulista. Tentei novamente o passe livre, desta vez no Caps Itapeva, mas novamente me alegaram que eu estava estabilizado e só seria necessário ser atendido em uma unidade de saúde. Para piorar, o cara me fez duas entrevistas, em dias diferentes. No segundo dia, estava acompanhado por uma psiquiatra não muito simpática, que me olhava com ar de superioridade e sempre ficava me questionando:
- Qual remédio você toma?
- Tomo 0.5mg de risperidona, é o máximo que aguento tomar - respondi.
- Ah! Mas essa dose não faz efeito!
- Então por que essa dose é vendida nas farmácias? - perguntei.
Percebi que ela ficou meio sem graça e pediu para sair da sala. Ela disse que a risperidona dá pouco sono. Essa afirmação me deu a certeza de que estava ela pensando que eu estava mentindo. Creio que o mal de alguns profissionais da área de saúde seja pensar que todos os pacientes são iguais, e que a mesma dose deva ser aplicada a todos, já que supostamente o efeito será o mesmo. Acho que deve ser levada outras questões, como as condições de saúde do paciente, por exemplo. Algumas pessoas, por natureza são mais agitadas do que a outra. O inverso também acontece. Já me disseram nos comentários que talvez eu seja um paciente com metabolismo lento(ou algo parecido) e que doses baixas dos medicamentos para mim já bastam.
Depois do Caps Itapeva, tentei mais um outro, não me lembro o nome do bairro. Fui bem atendido desta vez, mas a resposta foi quase a mesma: A atendente disse que eu não precisava do Caps por "saber" fazer as coisas...
Agora, vou tentar o passe livre aqui em Belo Horizonte, apesar de descobrir que vários portadores amigos que tenho não conseguiram. Mas conheço um cara, que está estabilizado, que conseguiu.
A minha pergunta é essa: será que o esquizofrênico estabilizado não tem direito ao passe livre?
Será que não temos o direito de frequentar um Caps, ir a um Cersam, ou um centro de convivência? A passagem de ônibus não é barata e grande parte dos portadores não é aposentada, e, quando são, geralmente ganham um salário mínimo, como é o meu caso.
Será que não sofremos por controlarmos as nossas emoções e não quebrarmos as "coisas"? Será que estamos realmente bem, para não podermos procurar algo para ocupar a nossa mente? Será que só quem tem déficit mental é que tem direito ao passe livre? Às vezes me pergunto se não seria bom voltar a ficar fora da realidade, como no primeiro surto, pois, depois que o pior já havia passado, eu conseguia dormir nas ruas, sem ter medo e não me preocupava com nada.
Olhem o decreto federal que dá direito ao passe livre as pessoas com deficiência: (esse é interestadual, mas os outros são bem parecidos na questão da deficiência mental:
-IV- deficiência mental- funcionamento intelectual significativamente inferior a média, com manifestação antes dos dezoito anos e limitações associadas a duas ou mais áreas de habilidades adaptativas, tais como: comunicação, cuidado pessoal, habilidades sociais, utilização dos recursos da comunidade, saúde e segurança, habilidades acadêmicas, lazer e trabalho.
Oras, a lei para mim é bem clara, apesar de crer que eu não tenho o funcionamento intelectual significativamente inferior a média. Mas, e o resto? É óbvio que, o esquizofrênico, mesmo que estabilizado, tem sérias limitações nas áreas citadas acima, como:
- comunicação: no meu caso, em particular, não é raro de, em alguns dias, no final da noite, conseguir contar as palavras que saíram dos meus lábios.
-utilização dos recursos da comunidade: o que eu mais uso é um parque ecológico, onde eu posso ficar sozinho a maior parte do dia.
- lazer: ai nem se fala, acho que dificilmente alguém irá me ver em algum show, cinema, teatro, etc. Para se ter uma ideia, eu nem fui ao show do Yanni quando ele esteve em São Paulo. Cheguei a ir ai ginásio do Ibirapuera, na parte da tarde, para ver se eles iriam ensaiar ou passar o som. Estava com dinheiro para o ingresso, mas acabei não me sentindo bem e fui embora. Hoje em dia, com a evolução dos sistemas de sonorização, já não é preciso ficar passando o som com tanta frequencia e o Yanni não apareceu de tarde.
- trabalho: muitos podem pensar que não gosto de trabalhar. Mas gostaria de dizer que trabalhei como operador de som dos 17 aos 34 anos, que foi o meu limite, pois comecei a surtar por volta dos 32 anos. O trabalho era o meu lazer, pois gostava e muito do que fazia. Hoje já não suporto multidões e som alto.
Se analisarmos a lei, eu e a maioria dos portadores de esquizofrenia teria direito ao passe livre. Não quero o benefício para ir a um show de pagode ou funk, sou esquizofrênico mas não sou, sei lá.... Gostaria de ter alternativas para ocupar a minha mente. Mas por que não consigo então? É preciso ter um grande déficit mental, ter aparência estranha ou algo parecido?
Já em BH, quando conversei com uma assistente social, ela me disse que iria marcar uma entrevista minha com um funcionário da BHtrans, que gerencia o transporte coletivo na capital mineira. Ela me disse: " É lá que você vai ter que provar que..." Ela não terminou a frase. O que ela quis dizer? Eu teria que provar que sou um louco? Como se prova isso? Eu teria que quebrar alguma coisa, falar coisas desconexas?
Na minha opinião, essa lei deveria ser mais clara, e dar direito aos estabilizados, porém não curados, de ter uma possibilidade de melhorar a qualidade de suas vidas. Somos rotulados somente na hora da discriminação, na hora de requerermos nossos direitos dizem que não temos nada. A discriminação é tanta que nem existe lei na questão do emprego para portadores de esquizofrenia, o que existe em outras deficiências, sendo que o preconceito é muito maior para quem tem o transtorno da mente dividida.
-obs: gostaria de dizer que, por questões de economia de dinheiro, não estou acessando a internet com tanta frequência, e não está dando para conversar com todos que me procuram pelo email.