quarta-feira, 29 de janeiro de 2014

Passos dos Jesuítas: 12º dia


    17/01/2014- São Sebastião-IlhaBela-Caraguatatuba
praia de Maresias

    Mesmo dormindo dentro da lanchonete do posto de gasolina, os pernilongos atacaram de novo. Não teve jeito: tive que montar a barraca para não ficar anêmico no dia seguinte.
    Acordei muito bem animado e comecei a caminhada por volta das oito da manhã, refletindo sobre como as pessoas mais humildes são geralmente mais generosas. Enquanto o seu Adão confiou em mim, deixando-me dormir dentro da lanchonete, o pessoal do condomínio Riviera não permitiu nem que eu usufruísse da sombra de uma árvore durante o almoço.
    Depois do temporal de ontem, o dia amanheceu com poucas nuvens no céu, mas a temperatura estava ótima para se caminhar. Rapidamente cheguei a praia de Boiçucanga( parece nome de cidade de novela). Encontrei uma ótima lan house, pc bom e internet rápida, só o preço que estava meio salgado: quatro reais a hora! Aproveitei também para almoçar, apesar de não estar com muita fome. Não tinha muita noção do que vinha pela frente, pois as informações sobre esse caminho na net não são tão detalhadas como os da estrada real, por exemplo, que informa até quando uma ponte está quebrada.
   E foi bom ter almoçado em Boiçucanga. Tive que pegar muita serra depois dessa praia. Além de ser extenso, o aclive era muito acentuado. Suei muito para chegar ao topo, parecia que eu estava subindo para o céu, sem exageros. A cada curva pensava que era o fim do sofrimento, que viria uma descida, mas não, era serra braba mesmo. Os caminhões desciam com cheiro de borracha queimada.

Boiçucanga


muita serra depois de Boiçucanga
eu já perdi os freios, a engrenagem...

    Foi uma das serras mais fortes que encontrei em minhas andanças até hoje, mas até que estava me sentindo bem fisicamente. Frequentemente faço exercícios nos aparelhos em alguns  parques em BH e nessa viagem não tive câimbras. Essa serra se parece com a da Bocaína, em Paraty, só que asfaltada, tornando a descida mais agradável, não forçando tanto os joelhos, pois temos que descer meio que "engrenados". Mas o asfalto também tira toda a beleza do lugar...
    Cheguei a praia de Maresias por volta de uma e meia da tarde. Muitos condomínios de luxo. Encontrei um sacolão e perguntei o preço de umas belíssimas laranjas:
     - Duas laranjas deve sair por uns dez reais...- me informou o vendedor.
     - Nuss! - levei um susto, pensando que tudo por ali fosse tão caro como as lindas laranjas...
     - É que elas são do Uruguai... - tratou de me acalmar o cara.
     - E a maçã Argentina? O preço dela é normal ou é cara também?
     - A Argentina o preço é normal - me respondeu o vendedor, para a minha tranquilidade.
    Comprei duas bananas, duas laranjas e uma maçã. Estava bem fisicamente, não estava cansado, os músculos não estavam doendo, mas.. estava desanimado. O caminho, depois da cidade de Santos, se tornou urbano demais. Muitas estradas de asfalto, e pouco contato com a natureza, o que acho uma coisa imprescindível em uma caminhada. As praias são muito bonitas, sem dúvida, mas o caminho é meio sem graça. Resolvi então pegar um ônibus para pegar a balsa até Ilhabela.

    Havia uma enorme fila de carros para pegar a balsa, que foi a maior que encontrei nesse caminho. Mas também é a mais lenta, tinha até caminhão nela. Em Ilhabela planejo caminhar de noite, até chegar à Caraguatatuba, como está indicado nas folhas que imprimi na net. Não estou cansado, o tempo nublado ajudou e muito no dia de hoje. Começo a caminhar com disposição, seguindo as ruas pelos nomes que estão nas folhas, mas, depois de umas duas horas de caminhada, desconfio que estou voltando para onde fica a balsa. Peço informações a moradores da ilha e fico sabendo que só existe uma única entrada e saída para Ilhabela. Chego a conclusão de que a ilha foi colocada no roteiro apenas com a intenção de a conhecermos mesmo. E isso é meio complicado para quem está caminhando. Ir e voltar 30km, por mais bonito que seja o local, é um pouco frustrante. Quem está na caminhada só quer saber de seguir em frente, não estou viajando de carro, fazendo unicamente turismo... Eu poderia ter seguido direto de São Sebastião para Caraguatatuba, economizando assim uma boa caminhada.
Ilhabela

    O desânimo toma conta de mim. Após um dia inteiro de  caminhada, é a primeira vez que penso em desistir. Ilhabela é uma bela ilha(dãããããã) mas, como já disse, não estou de carro fazendo turismo, o orçamento está meio apertado, as coisas são muito caras no litoral norte paulista.
    Pego um ônibus para Caraguatatuba, estou pensativo e cansado de andar por rodovias. Provavelmente o caminho para Ubatuba é pelo asfalto novamente. Tenho vontade de voltar para BH. Esse caminho, tirando as praias, não nos faz ter aquele contato com a natureza. Talvez se eu fosse na baixa temporada poderia ter sido mais agradável, pois uso esses caminhos para ficar sozinho e refletir. Amanhã tomarei a decisão sobre o que fazer, se aborto ou não a viagem.
    Chegando em Caragua, saio da rodoviária, sem saber para onde ir. Devia ser umas  oito horas da noite, e saio andando meio sem rumo, a fim de encontrar um local tranquilo para montar a minha barraca. Depois de uma hora perambulando pela cidade, encontro uma funerária  com marquise, o que é o mais importante. No local onde se espera a chegada dos mortos, talvez o ser vivente aqui tenha uma noite tranquila.
    Será que escolhi um bom local? Será que Caragua é uma cidade tranquila? Só saberemos no próximo post da viagem do esquizo pelo caminho dos Jesuítas.
o jeito foi armar a barraca na funerária...

domingo, 26 de janeiro de 2014

Passos dos Jesuítas: 11º dia

16/01/2014-quinta-feira- Bertioga-São Sebastião

    Ontem fiquei curtindo o lindo pôr do sol na praia de Itaguai ,até escurecer por completo, quando os pernilongos começaram o ataque. Corri para a barraca, e, depois de matar uns três que conseguiram entrar comigo, fui tentar dormir, mas em vão. O calor não deixou e não tinha como deixar a barraca aberta. A areia da praia também estava bastante compactada, deixando o solo duro e, para ajudar, o meu colchonete não é dos mais grossos. Resultado: acordei um caco, mais cansado do que quando fui dormir.
    O nascer do sol nesta praia é sem palavras, só vendo mesmo. Aliás, todo nascer do sol na praia é bonito. Essa praia é maneira, não tem infraestrutura, só alguns barzinhos e algumas casas que oferecem uma ducha. Pechinchando, consegui que a ducha saísse por três reais. Se alguém me pede uma prova da existência de Deus, peço a essa pessoas que veja e sinta um nascer do sol.
qual nascer do sol não é lindo?

    De manhã, na praia de Itaguai não tem pernilongos, mas tem outros mosquitinhos sanguinários. Percebo que algumas pessoas não se sentem incomodadas com os insetos:
    - Você usa repelente direto?- perguntei para um morador do local.
    - Não.- respondeu um cara.
    - Ué, mas por que eles não te mordem?
    - É que eles gostam de sangue novo...
    Às oito da manhã na estrada. A mochila está mais pesada do que de costume. Meus passos não estão firmes. Apesar de um reforçado café da manhã em uma padaria que encontrei na estrada, não sinto minhas energias renovadas. A noite de sono na praia não foi das melhores e, por volta das nove da manhã, paro para tirar um cochilo em uma graminha que encontrei pelo acostamento da BR.
    Por volta das dez volto a caminhar. O calor está escaldante, e me pergunto se não seria melhor uma boa chuva. Apesar de todo o verde que cerca a  estrada, chego a me perguntar se a sensação de caminhar no deserto é algo parecido com o que estou sentindo no momento. O vapor vindo do solo somado com a quentura do sol em minha cabeça está quase insuportável. Por sorte, essa estrada tem vários bairros de Bertioga e São Sebastião,  não falando lanchonetes e postos de gasolina para se pedir água e encher o meu cantil.
    Vou caminhando lentamente. Na estrada real o meu rendimento é um pouco melhor, apesar das trilhas e serras. A sensação térmica na BR é maior, por causa do asfalto, creio que faça  a temperatura subir uns 4Cº.  O jeito é parar com mais frequência, para repor as energias.
vila dos gatos...

    Por volta de uma e meia da tarde para em um lugar que apelido de Vilarejo dos Gatos. Não por que o local tenha muitos felinos, é que a quantidade de fiação elétrica gambiarrada é impressionante. Olhem a foto!
Não sei como isso não dá curto-circuito!
    Paro para pegar um bom rango de doze reais. Arroz, feijão, uma bela salada e filé de frango. Já me sinto mais animado para caminhar. Assim que saio do restaurante, alguns pingos começam a cair do céu. Coloco a capa de chuva na mochila e prossigo o caminho, achando bom que tenha dado uma refrescada na temperatura. Levanto as mãos para o céu como forma de agradecimento, mas, aos poucos a coisa foi ficando séria. Os pingos começaram a ficar mais grossos e se tornaram mais frequentes. Logo já estava caindo um temporal em minha cabeça. Resolvo prosseguir, já estava molhado mesmo! Rajadas de vento fortíssimas faziam com que meu corpo balançasse algumas vezes. O caminho, que antes era só retas, já começa a virar uma serra íngreme. Fortes raios começam a cair do céu, fazendo com que alguns carros se abrigassem nos postos de gasolina. Não quis parar, estava me sentindo bem e, para aproveitar a água da chuva faço uma coisa que não fazia há dois dias. Lavar os cabelos! Isso mesmo, não foi gracinha de minha parte, mas já que a água estava caindo...
bora para Bora Bora?

    Por volta das cinco horas a chuva deu uma trégua, mas resolvi parar em um posto de gasolina desativado. Meu tendão esquerdo já estava doendo um pouco.  Quandochove não gosto de parar para descansar, pois o corpo dá uma esfriada e recomeçar a caminhar é meio complicado e desanimador nestas situações.
    Seu Adão, que toma conta do posto, foi super gente boa comigo: além de me oferecer um cafezinho, deixou que eu dormisse dentro do lugar onde funcionava a lanchonete. Iria dormir em um box, mas claro que não recusei o convite, pois poderia dormir com mais tranquilidade e segurança. A lanchonete estava meio bagunçada, mas não poderia encontrar lugar melhor para descansar naquele momento. O chuveiro estava funcionando e deu para tomar um bom banho de água fria. O dia, que começou e foi bem cansativo, terminou bem.

sexta-feira, 24 de janeiro de 2014

Passos dos Jesuítas: 10º dia

15/01/2014-Bertioga-São Sebastião
praia em Bertioga

    A noite foi muito tranquila no albergue. Poucas pessoas, creio que uns sete caras estão morando ali para tentar se livrar do vício do álcool e outras drogas.
    Deu para dormir bem e renovar as energias para mais um dia de caminhada. Noite fresca, apesar do telhado de amianto do albergue, que é dividido em dois grandes galpões. No primeira, fica a recepção, a secretaria e a sala de TV. Já no segundo galpão ficam os dormitórios, a cozinha, a lavanderia e o banheiro para se tomar um "chuá". (banho, na gíria do pessoal dos albergues noturnos).
    Fui acordado às seis e meia para tomar um cafezinho com dois deliciosos pães com manteiga. Às oito e meia já estou na BR que liga os municípios de Bertioga e São Sebastião. São 100km de asfalto e em albergues. Não tenho muita certeza se encontrarei um bom local para dormir, talvez consiga montar a barraca em algum posto de gasolina pelo caminho. A moleza acabou...
bora para Boracéia? A estrada é muito boa...

    Resolvo não seguir fielmente os passos dos jesuítas e não sigo para Cubatão, por estar meio fora de mão. Teria que sair do caminho, andar cerca de 60km para depois voltar para a mesma BR onde estou.
   A estrada é bonita é agradável. É uma longa reta cercada de verde por todos os lados e com um bom acostamento. Ao fundo, do lado esquerdo, uma majestosa serra me acompanha pelo caminho.
    Está sendo bom mudar um pouco o cenário da viagem. Caminhar pelas praias já estava me enjoando, apesar de serem muito belas. E também já não estava aguentando ficar o dia inteiro olhar as pessoas se refrescarem nas praias, tomando água de coco e eu, ralando aqui com minha mochila. Confesso que estava começando a ficar com um pouco de inveja daquele pessoal estendido na areia. Chego a conclusão que deveria ter feito essa viagem fora da alta temporada, pois, além de haver menos pessoas, talvez os preços sejam mais camaradas em outra época.
    Gosto de caminhar sozinho. A solitude é quase uma necessidade para mim na maior parte do tempo. A verdade é que sou meio anti-social mesmo. Só comprei um par de sapatos até hoje nesta minha existência.
    Dar um tempo no albergue de Santos foi muito bom e tudo mais, mas o quarto é muito apertado, ficando os beliches muito próximos uns dos outros. Ficava sentindo um pouco de claustrofobia, pois os pés dos beliches são pequenos, e quem ficava na parte de baixo acabava se sentindo meio que encaixotado.
sol de rachar, o jeito foi me proteger... 

    Voltando a viagem, o sol está de rachar na estrada. Dá para sentir a onda de calor vinda do asfalto, aumentando ainda mais a sensação térmica. Tive que tirar a camisa e colocá-la na cabeça, pondo o boné por cima. Para completar, uso o óculos escuro que ganhei quando fazia uns bicos descarregando andaimes. Nunca mais trabalhei como operador de som, não aguento mais ouvir som alto e ficar no meio de multidões.
Não sei com o que fiquei parecendo, mas que ficou esquisito, ficou...
    Na BR, o movimento de carros é intenso nos dois sentidos, mas, devido ao acostamento, a caminhada é bem tranquila. Nessas minhas andanças, pude perceber que as estradas paulistas estão em melhores condições do que as mineiras. Talvez isso explique o grande número de acidentes nas rodovias de Minas Gerais...
estradas bem conservadas e com acostamento facilitam a caminhada

   Caminhei em um bom ritmo até a hora do almoço, por volta do meio dia. Pego um marmitex com frango assado em um posto de gasolina e fui comer na primeira sombra que encontrei pelo caminho. Não demorou muito e um agente de segurança de um condomínio me "convida" a me retirar do local.
    Como não estava fazendo nada de errado(ou almoçar fora é crime?) perguntei o motivo daquele convite. o agente me respondeu dizendo que a área é monitorada e que um morador havia telefonado para ele, se queixando de minha presença no local. Não fiquei satisfeito com a resposta, pois não estava impedindo a passagem dos pedestres e perguntei novamente o que havia de errado almoçar naquele lugar. O cara, sem argumentos, apenas disse que estava fazendo o serviço dele e tals.
    Resolvi sair para evitar confusão. Almocei e tirei um bom cochilo na primeira sombra que encontrei depois do condomínio. Depois escovei os dentes, é claro. Creio que deva ter creme dental até 2015, que ganhei nas minhas passagens pelos albergues. Já o desodorante avanço, que ganhei no albergue de Bertioga, tive que jogar fora, pois ninguém que encontrei pelo caminho quis aceitar o presente. Uso desodorante barato, mas sem perfume. O cheiro do avanço é muito forte e não me agrada muito.
    O resto da caminhada é tranquilo, apesar do forte calor e da suadeira. Ainda bem que dá para pegar água na maior parte da estrada, o que não faltam são casas, lanchonetes e postos de gasolina. Geralmente é quente, mas é melhor do que nada...
galera pescando em um rio da região

    Por volta das quatro da tarde olho para a direita e vejo um caminho de terra que dava para uma praia. Essa BR segue em paralelo com o litoral, em alguns pontos basta atravessar alguns quarteirões para se tomar um bom banho de mar. Até então não havia dado um mergulho, mas não sei por que, resolvi ir até aquela praia, que estava praticamente vazia. Contei umas 19 pessoas que estavam ao alcance da minha vista. Essa praia é um pequeno paraíso, muito linda mesmo, não tem como descrever, por isso que gravei esse vídeo. Muita paz e um belo visual.

    Então pela primeira vez na viagem dou um mergulho(queria fazer isso apenas no final). A praia não tem ondas fortes, mas também não é aquela calmaria total, tem aquelas ondas médias para darmos aquele pulo e subirmos juntos com a onda, ou então mergulharmos por debaixo dela. Como é revigorante um banho de mar ou de cachoeira! Tira todo o cansaço e o stress do corpo! Fico encantado com aquele lugar maravilhoso e resolvo montar a minha barraca ali mesmo, para passar a noite, apesar do  horário ainda permitir uma boa caminhada ainda.
    Depois da residência montada, fiz a melhor coisa que se poderia fazer naquele momento e naquele lindo lugar: Nada!
    Passei o resto da tarde contemplando a beleza daquele pequeno paraíso e o belo pôr do sol. Foi mágico!

    -Música: Amanheceu
    - Artista: Jorge Vercilo

Amanheceu
como num segundo
Amanheceu
Apesar de tudo
Amanheceu
Um raio no escuro
Amanheceu
simples e absurdo
Amanheceu
uma nova era
Amanheceu
renasceu da guerra
Amanheceu
um planeta mudo
Amanheceu
Era o fim da estrada
Era o fim do mundo ali
mas o sol brilhava
inacreditável em si
Não se imaginava
foi o fim de tudo, eu vi
mas o sol teimava
em raiar e resistir
E no mesmo dia
em que a "profecia do fim"
se revelaria,
eu te conheci assim..

quinta-feira, 23 de janeiro de 2014

Passos dos Jesuítas: 9° dia

praia em Santos

14/11/2014-terça feira-Santos-Guarujá-Bertioga
    Último dia no abrigo de Santos. Sou o último a tomar o café da manhã. Queria sair por último para evitar as despedidas, já que fiz boas amizades por lá, e, como já disse, não gosto muito dessas situações.
    Céu sem nuvens, presságio de mais um dia calorento no litoral paulista. Aliás, faz calor em Santos até com o céu nublado nessa época. Depois do café, parti para o litoral de Santos, mas antes comi um brigadeirão de chocolate, não pude resistir a essa tentação ao vê-la no balcão do restaurante próximo do abrigo.
aquário municipal

    Sei que não posso misturar café com chocolate, fico meio agitado e ansioso. Isso fez com que eu errasse o caminho e pegasse a balsa errada para o Guarujá. Esse tipo de transporte é gratuito de Santos para Guarujá, mas o inverso já é cobrado. Somente este ano é que fiquei sabendo que Santos é uma ilha. É que eu não era muito fã das aulas de geografia.
   Somente quando desembarquei no Guarujá é que fiquei sabendo que estava no caminho errado e então tive que voltar para Santos. Estava meio agitado e elétrico. Várias vezes esquecia e ficava transitando na ciclovia.
    - Você não tá na roça não!- exclamou um ciclista.
forte de São João da Barra

    Às nove e meia consegui desembarcar no local certo no Guarujá. O início é feito em um bairro de classe baixa, de pescadores e pessoas que me olhavam com certa estranheza. Será que sou tão esquisito assim? A maioria das ruas não tinham placas e as pessoas geralmente não sabiam dar informações, mesmo estando na rua que estava procurando. O caminho que imprimi no site do governo do estado de São Paulo nos leva até o forte de São João da Barra e depois nos faz voltar ao ponto de partida, o que me deixa um pouco irritado. Depois de algumas fotos do forte, entrei por uma estreita estrada de asfalto e segui por cerca de sete quilômetros, até chegar às belíssimas praias do Guarujá.

    As ondas dessa praia não são muito altas, mas dava para surfar nelas. De cara dá para se perceber o alto padrão de vida das pessoas que frequentam o local: carros luxuosos, apartamentos bonitos e tudo muito caro. Novamente tive que pechinchar e consegui um desconto de três reais na hora do almoço:
    - É que o orçamento está curto, estou fazendo o caminho dos passos dos jesuítas...
    Nem descansei depois do almoço, estava me sentindo bem. Voltei a caminhar pela orla do Guarujá, apesar do forte calor do meio dia. Estava num pique bom, a musculatura em ordem e a mochila parecia não pesar tanto assim. Mas tinha um porém: as bolhas! Elas começaram a arder por volta das duas da tarde, dificultando um pouco a caminhada. Mesmo tendo as canelas finas, vou ter que comprar um par de botas próprias para caminhada. Canela fina e botas não é uma combinação muito legal né? Esse tênis que estou usando é macio e tals, mas aperta os dedos dos pés e provoca as bolhas.
belas praias no Guarujá

    Tive que continuar a caminhada de chinelo, mas o calor foi ficando cada vez mais forte. Por volta das três da tarde parei em uma lanchonete a fim de tomar um açaí e repor as energias.
    -Quanto custa um pote de açai?-perguntei.
    - Oito reais. - respondeu o cara, dentro do balcão.
    -Nuss! Lá em Minas Gerais é cinco!- tentei pechinchar.
    - Isso é o açaí puro, cada item custa um real.
    - "Ai cê mata nóis né? Não dá para dar um desconto não? É que estou fazendo o caminho dos jesuítas...
    - Chegai ai!- disse o cara, que era meio gordo e tinha uns vinte anos no máximo. Ele pegou um pote de 500ml e o encheu todo me entregando em seguida.
    -Valeu cara, tudo de bom para você! - respondi alegre e meio sem graça, não sou muito de ficar pedindo as coisas, mas nessas horas é preciso vencer a timidez, as coisas estão mais caras do que eu havia imaginado e, se desse bobeira, poderia estourar o orçamento da viagem. Na próxima vez não viajo na alta temporada...
    No final do percurso da praia do Guarujá pega-se a estrada do Pernambuco. Uma placa informa que faltam 20km até a balsa de Bertioga. Já são três e meia da tarde, e calculo que não haverá tempo suficiente para se chegar ao albergue da cidade de Bertioga.
    Então pego um busão até o bairro de Perequê, onde pego a balsa, que demora uns cinco minutos para fazer a travessia Guarujá Bertioga. Depois de andar por uma hora encontro o albergue da cidade. O cara da portaria me pede para dar uma passada na delegacia, para ver se está tudo ok com os meus documentos e com a minha situação.
balsa para Bertioga

    A delegacia está agitada. Um cara fazendo queixa contra um policial, um outro se dizendo vítima de estelionato, ao levar um cano de dois mil reais de um empréstimo que fez mas teve que pagar um seguro antes. De repente chega uma garota brigando com sua mãe. A discussão é tensa. A mãe dizendo que o namorado dela não presta e a garota ameaçando sair de casa. O delegado de plantão tem que ter jogo de cintura para contornar a situação. Cheguei a gravar a discussão, mas não sei o que aconteceu, de repente todos os meus arquivos desapareceram do cartão de memória, apesar de ocuparem ainda espaço nele! Será que a delegacia tem um dispositivo capaz de detonar o cartão de memória de alguém que esteja gravando alguma coisa? Que bruxaria é essa?
    Depois do furdunço, o delegado olhou a minha situação e me encaminhou para o albergue, que parece ser uma clínica de recuperação para viciados em drogas. O cara me demora uma hora para preencher a minha ficha, perguntando coisas da minha vida toda, até se eu tenho apelido. Disse que não tinha apelido, mas o cara não acreditou, não se convenceu que uma pessoa não possa ter apelido. Argumentei dizendo que sempre gostei de andar sozinho e tals, mas ele queria por que queria que eu tivesse um apelido. Para acabar com a discussão, me lembrei da infância e disse que meu apelido era Julinho. Pronto! Finalmente poderia entrar para o albergue e tomar um bom banho. Antes o cara me apreendeu uma tesourinha(daquelas que dobram) alegando que poderia servir de "armamento".
assim o esquizo não vai comer camarão não...

    Cheguei a Bertioga bem fisicamente, poderia caminhar até mais, mas, infelizmente as bolhas estão incomodando muito. Creio que daqui para a frente não haverá mais albergues para descansar, e ai terei que me virar, eu e minha barraca, com a proteção do meu anjo da guarda.

- consegui recuperar os vídeos do meu celular, olhem só o furdunço na delegacia

Passos dos Jesuítas: 8° dia

13/01/2014-segunda feira-Santos
    Finalmente pude lavar minhas roupas. O tempo está nublado, o que me deixa preocupado para prosseguir a viagem para o Guarujá. Um cara do abrigo me arrumou cardaços de tênis para improvisar uma capa de plástico para a mochila. Irei voltar a caminhar faça chuva ou faça sol, amanhã de manhã.
    Não consegui dormir direito esta noite. Muito calor e pernilongos. De madrugada o cara com a camisa da Ponte Preta deitou no chão ao lado de minha cama e logo depois soltou um gás violentíssimo, deixando o quarto com um cheiro nada agradável. Não gosto de brigas, mas disse educadamente para ele que, se soltasse mais um daqueles perto de mim poderia arrumar uma grande confusão para ele.
    Não fiz nada hoje, além de lavar minhas roupas. Ora ficava na praça da catedral, ora ficava debaixo de alguma marquise para me abrigar da chuva. Mas amanhã tudo continua novamente.
Adicionar legenda

quarta-feira, 22 de janeiro de 2014

Passos dos Jesuítas: sexto dia

12/11/2014-domingo-Santos
albergue de Santos

    Choveu forte de madrugada. Em alguns pontos do albergue tinha algumas goteiras. Na parte da manhã chovia, mas não com tanta intensidade.
    Depois do café caminhei até uma marquise e me sentei para escutar música e deixar o tempo passar, a única coisa que eu poderia fazer naquele domingo cinzento. Nenhuma lan house aberta, o centro histórico parecia uma cidade fantasma na parte da manhã.
    No bar da esquina um cara sem camisa me convida a tomar uma cachaça. Agradeci e fiquei até feliz por alguém ter me convidado para alguma coisa, mesmo sendo algo que não gosto muito. Ou será que o cara estava querendo me embebedar para me levar para "as quebrada"(estou aprendendo as gírias da galera...) e roubar as minhas coisas que estão na mochila?
    Logo em frente, o motel Emoções. Carros luxuosos saiam constantemente da garagem. Janelas escuras, mas provavelmente são casais que passaram uma noite de amor no estabelecimento. E eu aqui, nesta solidão... snif, snif...

    Tomo um café com leite e como um brigadeirão. Como tudo é caro em São Paulo! Volto a me sentar debaixo da marquise, a espera do almoço.
    Por volta do meio dia o sol apareceu. Comecei a andar sem um destino certo, a fim de conhecer melhor o centro histórico. Perto da rodoviária havia uma feirinha e, depois de muito tempo consegui comprar algumas frutas: bananas, para os músculos, e laranja e mamão para o intestino, que fica sempre "garrado" nessas viagens malucas que faço. Notei que, como as padarias, os sacolões de frutas e verduras são escassos no litoral paulista. Faz tempo que não encontro um yakult para tomar. Será que os mineiros têm uma alimentação mais saudável do que os paulistas praianos?
    Depois fui para a rodoviária, a fim de carregar o meu celular e a bateria da câmera fotográfica. As tomadas estavam todas ocupadas. Mas havia um "T" e liguei os meus aparelhos nele. O dono ficou preocupado, dizendo que poderia sobrecarregar a tomada, mas disse a ele que não haveria problemas, pois os carregadores consomem pouca energia. Então ficamos um bom tempo conversando sobre tecnologia, música, etc. Claro que recomendei que ele ouvisse o som do Yanni, dizendo que ele iria tocar em SP nesses dias.
    Às seis, volto para o albergue, que tinha novos moradores. Um cara, que, pelo jeito de andar e conversar deveria estar tomando algum antipsicótico qualquer, provavelmente o haldol. Tinha um outro cara que deveria ser de Campinas, pois estava usando uma camisa da Ponte Preta.
    Depois de entrarmos, a rotina de sempre no abrigo: banho, sopa, conversa fiada e cama. Foi um bom dia para descansar e melhorar um pouco a bolha do meu pé. Provavelmente na terça voltarei a viajar.

domingo, 19 de janeiro de 2014

Passos dos Jesuítas: quinto dia

11/01/2014- sábado- Santos

    Fomos acordados exatamente às seis da manhã. Ainda estava escuro, mas pior era acordar ás cinco no abrigo em BH. Ficamos no pátio até às sete e meia esperando o café da manhã: toddy com pão, que estava novinho. 
    O abrigo de Santos não é muito grande, deve comportar umas 40 pessoas. Instalações e móveis antigos, mas tudo era muito limpo, inclusive os banheiros. Do lado de fora tem a aparência de um presídio, com suas portas de grade de ferro sem pintura. 
    O abrigo até que não estava lotado, tinha uns 15 caras e três mulheres. Tinha uns seis idosos, uns quatro caras de uns trinta anos que trabalham com serviço de carga e descarga, um cabeludo que parece um guitarrista de banda de heavy metal, e um esquizofrênico, além de mim. No início pensei que o cara estava orando em voz alta, mas na verdade estava falando sozinho. Tive a certeza que ele era esquizofrênico quando olhou para mim. O olhar do esquizofrênico é diferente, é bem direto nos olhos. Hoje em dia eu procuro evitar isso, para evitar constrangimentos, chega a ser até meio invasivo esse olhar. Se por um lado pensamos que as pessoas sabem o que estamos pensando, ao olharmos em seus olhos pensamos que podemos "ver" os seus pensamentos. Afinal, não dizem por ai que os olhos são os espelhos da alma?
    Passei boa parte da manhã em uma lan house. Acho que irei ficar até segunda feira em Santos para lavar minhas roupas no POP, que é um local onde os moradores de rua podem passar o dia. É uma maneira que a prefeitura encontrou para manter as ruas "limpas" durante o dia. Por volta das onze horas almocei no albergue e fui até a Vila Belmiro, com um outro cara do albergue. Queria visitar o memorial do Santos, mas estava tendo um jogo pela copa São Paulo de futebol junior. 
Vila Belmiro

    Os policiais na entrada queriam revistar a minha mochila, mas ficaram meio desanimados ao verem o tamanho dela. Só perguntaram de onde eu vinha e para onde eu ia:
    - Você vai a pé?- perguntou um deles. 
    -Tá pagando promessa?- perguntou outro.
    - Tô não, é que eu gosto de andar mesmo por ai.- respondi.
    - TNC! Pode entrar, vai... exclamou o outro.
    Não aguentei e ri da situação. Os policiais de São Paulo são mais informais do que os mineiros...
    Depois do jogo o cara do albergue, que estava procurando vaga em clínicas de reabilitação para usuários de drogas, me perguntou se eu queria ver um navio de perto. Respondi que sim, e fomos para o terminal de passageiros de Santos. Pela maneira que ele disse, parecia que era perto, mas tivemos que andar por mais de uma hora para chegar ao cruzeiro.
    - Pô, cê tá parecendo mineiro, cara! Qualquer lugar é ali pertinho...
    No terminal estava estacionado( é assim que se fala?) um enorme e lindo navio, esperando os passageiros para o embarque. Naquele calor, todo suado, com a mochila nas costas, me vi deitado na beira de uma das piscinas daquele navio, tomando um suco de frutas geladinho, rumo às ilhas gregas...

vi em um cartaz emprego para estivador, salário de 3.500 reais. Vai encarar?

A arte do fazer nada...
    Voltando a realidade, fomos para a praça da catedral descansar, pois a caminhada foi difícil e cansativa, não encontramos água gelada. Ficamos ali na praça, sentados, no centro histórico de Santos, apenas esperando o tempo passar. O local é frequentado por garotas de programa e por usuários de drogas, que pude constatar pelo cheiro que pairava na praça. Uma garota de programa, aparentando uns 20 anos, fazia ponto logo em nossa frente. Não demorou e um luxuoso carro com vidros escuros parou na praça, e, depois de uma breve conversa, a levou para um motel qualquer nas proximidades. Uns 50 minutos depois, ela voltou. Mal sentou no banco da praça e já aparece um outro carro para levá-la para mais um programa. Olhei para o relógio da praça: 16:05mim. Apostamos quanto tempo ela iria gastar. Eu disse uma hora, o cara do albergue disse 45 minutos. Exatamente às 16:48 ela retornou a praça. Mal sentou novamente e mais um veículo para pegá-la. Já está na hora de voltar a caminhar ou arrumar algo para fazer...
    Às seis voltamos para o abrigo. Não tomei a sopa, não queria suar muito, já havia comido alguns biscoitos de água e sal com tang de manga. 
     Foi um bom dia. Foi cansativo, sem muito o que fazer, mas foi um bom dia. 

segunda-feira, 13 de janeiro de 2014

Passos dos Jesuítas: 4º dia


10/01/2014 sexta feira- Mongaguá-Santos

    Não deu para montar a barraca perto do batalhão de polícia. Uma viatura se aproximou de mim enquanto a montava e os guardas me avisaram que era proibido montar barracas no local, por ser uma área militar. Eles falaram comigo em um tom mais informal mesmo. A polícia mineira, principalmente da capital, é um pouco mais formal, séria, eles cumprimentam a pessoa, se apresentam e depois começam a conversar.
    Já perdi o receio da polícia paulista. Alguns trecheiros que passaram pelo abrigo em BH falaram muito mal da polícia paulista. Disseram que os caras já chegam batendo sem dó nem piedade. Mas não foi isso  o que pude perceber nesses dias que estou no litoral paulista. Em Itanhaém os caras do corpo de bombeiros queriam até pagar a minha passagem para Ubatuba. Já de noite, dois policiais conversaram comigo por um bom tempo, me dando dicas do caminho e até me arrumaram um lanche. Com certeza os caras que falaram mal da polícia aprontaram alguma né?
    Voltando a viagem, consegui montar a barraca em um posto de gasolina. Lugar muito tranquilo, às margens de uma rodovia. Tirando o barulho dos caminhões, a noite foi tranquilo, dando para recuperar as energias. O que me assusta de madrugada são sons de pessoas andando em volta da barraca, já o de carros não me incomoda tanto.
    De manhã, depois de desmontar a barraca, encontro uma torneira em um box do posto de gasolina. Era tudo o que eu queria naquele momento! O banho no poço das antas não foi aquele banho, não foi possível lavar as partes. Como é bom tomar um banho frio, logo de manhãzinha. Aproveitei e até lavei o cabelo!
    Depois tomei um café com dois pães com manteiga na padaria perto do posto. Cinco reais e cinquenta centavos! Esses pães de sal em São Paulo estão com o preço muito salgados... O jeito vai ser comprar biscoitos e só comprar o café, senão a grana vai acabar antes de chegar à Ubatuba foto
    Por volta das nove horas peguei um ônibus para Santos, evitando a cidade de Praia Grande, seguindo o conselho dos policiais.
    A moça que vendia as passagens no ônibus era linda! Morena, 1,60m, cabelos longos e negros, devia ter uns 25 anos. Parecia uma indiazinha! E ficava mais linda ainda com o uniforme da empresa de ônibus. Tentei disfarçar, mas não teve jeito: toda vez que passava perto de mim, não tirava os olhos dela. Por três vezes ela escorou em mim, para se equilibrar no ônibus enquanto vendia passagens para as pessoas que pegavam o ônibus no meio da viagem. Fechava os meus olhos e ficava curtindo aquele momento lindo... Não vou negar que esse contato foi muito bom, não sou de ferro, e, claro, só fiquei encostado pro lado do corredor o restante  da viagem.
    A rodoviária de Santos não é muito grande, os banheiros estavam muito sujos. Desço do ônibus e pego um folheto com os pontos turísticos da cidade. Visito o museu de arte sacra e fico encantado com as obras. Não sou católico e não tenho nenhuma religião, mas gosto muito de artes em geral. Visitei os arcanjos Miguel e Rafhael, entre outras obras. Vale a pena a visita, que custa cinco reais, Claro que pechinchei, dizendo que estava caminhando, fazendo a rota dos Jesuítas e tals. O porteiro só me cobrou a metade.
arcanjo Miguel
arcanjo Rafael
anjo da guarda

    Depois fui para o albergue de Santos(acho que estou virando trecheiro...) e fiquei sabendo que o pessoal só entra às sete da noite. Vou para o POP e lavo minhas roupas. Depois passo um bom tempo em uma ótima lan house: tela de led 20 polegadas, pc bom e net veloz, tudo por 2,50 reais! Em BH é 2,70 reais, net lenta, tela de tubo e windows xp ainda!
    Visito a catedral de Santos, que impressiona pela sua imponência, mas não é tão bonita por dentro.
    Volto para o albergue, para não perder a vaga, pois não sei como as coisas funcionam naquele lugar. Além de tudo já estava com saudades de uma caminha...

    O albergue de Santos não é grande, deve caber umas quarenta pessoas, entre homens e mulheres. Na recepção entrego a minha identidade para um chileno mal humorado que me entrega uma toalha e um pijama. A sensação é de que estou em uma cadeia, apesar de nunca ter sido preso. Tomo um bom banho e no jantar é servido uma sopa, que faz todo mundo suar que nem tampa de chaleira... Estava muito calor à noite também, é pontualmente às oito da noite as luzes do pátio se apagaram, sinalizando que já é hora de nos recolhermos para os nossos quartos.

sábado, 11 de janeiro de 2014

Passos dos Jesuítas: 3º dia


09/01/2014-quinta feira Itanhaém - Mongaguá 
entardecer em Itananhém

     Ontem só foi possível montar a barraca por volta das dez horas da noite, quando o movimento na praia diminuiu bastante. Tinha uns caras que jogaram bola por três horas seguidas!
    Assim que montei a minha humilde residência, apareceram dois policiais e começamos a conversar. Os caras foram super gente boa comigo e até me ofereceram um lanche e depois me deram dicas sobre o caminho. Me disseram que eu era muito corajoso por percorrê-lo sozinho e me aconselharam a evitar a cidade de Praia Grande, por estar cheia de noiados na orla. Vou seguir esse conselho, pois estou cansado de ver as confusões que as drogas  traz em seu entorno.
    Por volta das três horas da madrugada, ouvi barulhos, parecidos com pequenas pedras sendo jogadas na barraca. Fiquei em estado de alerta, e logo vi um clarão do lado de fora, atrás da barraca. Abri rapidamente a entrada e vi duas sacolas de supermercado pegando fogo. Felizmente elas não atingiram a barraca, pois o fogo poderia se alastrar rapidamente. Provavelmente foi um engraçadinho querendo me assustar, pois, se quisesse atear fogo na barraca, iria usar gasolina. Mas não dormi o restante da noite e peguei duas  pedras grandes por medida de segurança. Não sei o que leva uma pessoa a praticar tal ato. Cheguei na cidade e só conversei com os policiais, não mexi com ninguém e só queria apenas passar a noite ali para renovar as energias para a caminhada do dia seguinte.
    Acordei às sete da manhã e fui atrás de uma padaria, a fim de tomar um cafezinho e comer pão com manteiga. Ao contrário de Minas Gerais, as padarias nessa faixa do litoral paulista não são abundantes. A maioria das ruas de Itanhaém não possuem placas, e a maioria das pessoas que estão nas ruas vieram de São Paulo. Fica difícil seguir o roteiro do site do governo de São Paulo. Perguntei o nome de uma rua para um policial e ele me mandou perguntar em um posto de gasolina, que não era Ipiranga, mas nem lá os caras conseguiram dar informações sobre como chegar a uma rua.
    Só consegui achar uma padaria no centro da cidade, e, pelo preço, deveria ser a única. Seis reais um cafezinho e dois pães com manteiga! Estavam deliciosos, verdade seja dita, mas em Minas também é muito bom e pela metade do preço né?
    Café tomado, fui para a lotérica a fim de sacar uma graninha, já que é complicado andar por ai com grandes quantias(até parece que tenho...). Fiquei uma hora e meia na fila, e só fui começar a caminhada do dia por volta das dez da manhã.
    A maior parte do caminho para Mongaguá é feito pela praia mesmo, e muito bonito. Mas não é cansativo, pois deu para andar naquela faixa de areia que fica compactada por causa da água do mar. Dá até para carro passar por ali.
  
a maior parte do caminho é feito pela praia mesmo
Mongaguá

    É um caminho legal, prais bonitas, mulheres bonitas, algumas meio fora de forma. Mas a verdade é que estava me sentindo um extraterrestre ao andar por ali com uma mochila nas costas e o cantil na cintura. Andava a passos rápidos, com a cara tampada com o boné, por causa do sol. Uma menina de uns seis anos de idade me olhou meio assustada( ficou com medo de mim, para falar a verdade rsrsrs) Alguns adultos me olhavam com estranheza. Mas convenhamos que a cena é meio estranha mesmo. Um sol de rachar e um cara cabeludo andando na praia com uma mochilona nas costas...
    Cheguei a Mongaguá por volta de uma hora da tarde e consegui achar um rango de onze reais. O primeiro que pesquisei custava quinze. Alta temporada é isso mesmo. Depois de uma breve soneca voltei a caminhada. Nuvens ameaçadoras começaram a tomar conta do céu de Mongaguá. A meteorologia previa chuva para o fim de semana, mas aprendi a não ligar tanto para isso, já que ela não é infalível.
    Por  volta das três horas da tarde tive que dar uma longa pausa na caminhada, pois as dores das bolhas do meu pé esquerdo(sempre ele) começaram a me incomodar bastante. Tive que estourá-las e fazer o restante da caminhada de chinelo mesmo.
acho que o meu próximo investimento irá ser uma bota própria para caminhadas...

Poço das Antas
    Com as bolhas dos pés já secas, resolvi dar uma passada no poço das antas, que estava lotado. Não iria dar para tomar o banho que estava planejando, então fui para o canto e apenas esfreguei os braços e as pernas com sabonete. Não deu para lavar "as partes", mas deu para relaxar bastante e tirar um pouco o stress da musculatura e renovar as energias. Praia é muito bom, mas um poço ou uma cachoeira em um dia quente não tem nada melhor.  O poço das antas realmente é muito bonito, cercada de verde por todos os lados e com um astral legal. Tinha uns caras que pulavam no poço do alto das pedras, apesar do aviso proibindo tal prática.
    Depois da relaxada no poço, resolvi não montar a barraca na praia, por causa do movimento, que só cessa tarde da noite. Escolhi então um lugar entre um supermercado e o batalhão da polícia militar. Acho que estarei seguro esta noite, pois preciso recuperar um pouco das energias que não foram totalmente repostas na noite anterior, por causa da sacola de plástico com fogo que jogaram na minha barraca e que tiraram o meu sono.