quinta-feira, 14 de setembro de 2017

A pessoa que tem esquizofrenia pode morar sozinha?


     Outro dia desses, nas minhas andanças virtuais me deparei com uma matéria em que o assunto era exatamente o título desta postagem. Desta vez não precisei gastar os meus poucos neurônios que me restam para bolar um título chamativo para mais uma das minhas trezentas e tantas publicações.
     O que me incomoda mais é o rótulo, pois  geralmente se referem a nós como "o esquizofrênico", ou até mesmo de uma forma mais interessante como essa do título da postagem. 
    Já vi e ouvi todo tipo de  pergunta: 
    "O esquizofrênico pode dirigir"? "O esquizofrênico pode casar e ter filhos"?, etc.. Esse tipo de questionamento me dá a impressão de que as pessoas em geral imaginam que todo mundo que tem esquizofrenia é igual, que temos as mesmas características, o mesmo comportamento, o mesmo nível de inteligência, habilidades. etc...
     Mas nessa postagem irei apenas falar sobre a questão de morar ou não sozinho. Me considero apto a falar sobre o assunto, pois saí de casa aos 17 anos para começar a trabalhar. A minha avó materna, que sustentava a família havia falecido e a mordomia se acabou. Tive que parar o meu curso de eletrônica no último ano e então comecei a trabalhar na área de sonorização, graças à uma mentirinha "branca" (pode isso Arnaldo?) que contei para o dono da firma em que estava procurando emprego. Cheguei logo falando que já era técnico em eletrônica e que sabia consertar todo tipo de amplificador. Fui contratado na hora, mas também não demorou muito para o dono descobrir que eu apenas era um iniciante no assunto da eletrônica de equipamentos de sonorização....
     Mas ele não me mandou embora e assim comecei a aprender os mistérios daqueles inúmeros botõezinhos das mesas de som. E foi mais ou menos assim que fui levando a vida, sendo eu mesmo em empregos que era exigido sim o compromisso e seriedade, mas também não era preciso ficar com a cara carrancuda o tempo todo, ou então fingir para tentar agradar à todos se trabalhasse com vendas, por exemplo. Acredito que nunca iria dar certo em outros trabalhos em que fosse necessário usar um disfarce, como em um banco. Teria que usar um disfarce de uma pessoa certinha, que tem horário para tudo, enfim, uma pessoa considerada normal pela sociedade.
    E assim fui levando a vida, até os 32 anos de idade, quando os surtos começaram a aparecer, juntamente com um sentimento de culpa exageradíssissimo e o complexo messiânico também, afinal estava prestas a completar 33 anos e meu nome começava também com as mesmas iniciais do messias dos católicos.
    E fui feliz nesses anos todos? Me arrependo de algo que fiz ou que não fiz?
    Claro que fui feliz, a liberdade de ser quem eu sou não tem preço. Também tive muitos momentos tristes, como qualquer ser humano deste planeta. Desconfio muito de pessoas que afirmam serem felizes o tempo todo, talvez seja um disfarce também dos normais. E também me arrependo de muitas cagadas que fiz em minha vida, e de muita coisa que não fiz ou deixei de falar. Não sou perfeito e nem tenho a pretensão de ser, então errei e creio que continuarei a errar por um bom tempo. Mas, claro que não uso e nem usarei a imperfeição como pretexto para meus deslizes...
    Resumindo, a pessoa que tem esquizofrenia pode ou não morar sozinha, assim como também acontece com alguns "ditos normais" que não tem maturidade o suficiente para morarem sozinhos ou mesmo responsabilidade, sempre vivendo ao lado dos pais. Ou falta coragem também, sei lá. Mas a minha intenção aqui nesta postagem não é a de querer mostrar que o correto é sair de casa e morar sozinho, não é isso. Acho legal uma família unida, bem estruturada em que haja o diálogo e respeito em toda parte. Mas, caso isso não aconteça, o que tem demais em ir morar sozinho? Se uma pessoa não é compreendida e respeitada em seu próprio lar, não seria mais fácil e melhor morar sozinha, mesmo que com algumas inseguranças e perrengues? A pessoa com esquizofrenia muitas vezes sai de casa justamente por que não é respeitada em seu lar, é chamada de fresca ou preguiçosa, quando na verdade está muito sonolenta por causa dos efeitos adversos dos antipsicóticos.
    A pessoa que tem esquizofrenia tem sua individualidade. O que pode acontecer é que boa parte dos portadores possam ter alguns comportamentos semelhantes, como a desconfiança exagerada e ser uma pessoa mais arredia. Cada um tem seu nível de inteligência, sua maneira de ser e pensar. Acredito que boa parte se sente melhor quando estão sós, o que é o meu caso. A pessoa que tem esquizofrenia pode morar sozinha, pode dirigir, pode namorar, casar e ter filhos. Pode até escrever um blog como eu escrevo. Um blog meio maluco, mas é um blog...

    Então, como acontece com os "ditos normais" alguns portadores de esquizofrenia tem capacidade de morar sozinhos, enquanto outros já não conseguiriam ter essa independência. Tudo também depende da gravidade do caso, é óbvio.
    Um fator que pode ajudar muito na questão da independência de morar sozinho é o autoconhecimento. Uma pessoa que tem esquizofrenia precisa e muito se conhecer. Saber quando as coisas estão mais ou menos dentro da normalidade, saber quando está prestes a surtar, etc.. Sim, é possível sentir em alguns casos quando estamos prestes a surtar, claro que isso só vem infelizmente com a prática no assunto surtos.... Não é rara a auto internação, quando a pessoa sente que não está bem e que o melhor é dar um tempo e seguir o tratamento em um local que ela ache mais adequado.
    Um exemplo para ilustrar como aprendi algo com a prática nos surtos. Me lembro muito bem da segunda vez que pirei e saí fora da realidade. Ainda estava trabalhando, dormia na firma mesmo. Éramos vizinhos de uma serralheria, e os caras começavam a trabalhar por volta das sete e meia da manhã, hora em que eu ainda estava começando a pensar em levantar da cama, pois muitas vezes já estava acordado, apenas cochilando
    E sempre ouvia aquele barulho irritante daquelas máquinas cortando metais para confecção de portas, janelas e outros itens. Era um som irritante, mas suportável. Mas, me lembro muito bem, quando estava surtando pela segunda vez, a cada dia que passava tinha a sensação de que as máquinas estavam se aproximando de mim, de tamanha irritação que o som delas me provocava. Quando o surto veio a impressão que tinha era de que a minha cama havia sido tele transportada para o meio daquela serralheria...
     Então, atualmente quando sinto que fico facilmente estressado e apavorado com os sons do dia a dia começo a ligar o meu estado de alerta, e aí analiso se vale a pena ou não  reatar a minha relação com a "Clô"...
Obs: Para quem não acompanha o blog, "Clô" é o apelido que dei para um antipsicótico antigo chamado cloprormazina, que, para o meu caso quebra um galho nesse tipo de situação. Só não tomo por um prazo maior pois me dá uma prisão de ventre muito forte, além de dores na barriga, urticária (dermatite de contato), torcicolos... E também tenho receio dos sintomas extrapiramidais, que podem aparecer com o uso prolongado: tremores, rigidez muscular, movimentos involuntários da face e de outros músculos...


    Já são 30 anos morando sozinho, e pretendo continuar assim. "Ah, mas se você envelhecer, quem irá cuidar de você"? Sei lá, talvez eu vá para um asilo, ou um outro lugar que me acolha com um salário mínimo. Ou então eu vá morar por aí, continue as minhas andanças, sei lá. Só sei que a "solitude" é uma condição indispensável para a minha paz interior e para minha alegria. E também nunca iria ter filhos pensando na minha velhice, caso tivesse queria que eles curtissem a vida com responsabilidade antes de começarem a terem responsabilidades, ao invés de ficarem cuidado de um velhinho maluco que deverei ser...