sábado, 15 de novembro de 2014

A química do cérebro


                              Outubro negro
    Creio que o 10º mês deste ano tenha sido o mais difícil para a realização do meu projeto de voltar a ter o meu cantinho de volta. Finalmente consegui, depois de muito custo, adquirir a tão sonhada TV de LCD.
    Nessas andanças, sempre quando via uma tv dessas em qualquer lugar, logo me imaginava assistindo um belo filme deitado confortavelmente em uma cama. Quando lia nos jornais os filmes que iriam passar nos canais de TV, me dava um aperto no coração e uma enorme saudade do meu quartinho lá em Ipatinga! Mas não me arrependo de nada do que fiz. Essas andanças que fiz não tem preço, quer dizer, até que tem, e não foi tão caro, por dormir na barraca e assim economizar uma boa grana de hotel. Digo que o que não tem preço são as aventuras pelas quais passei, as pessoas que conheci e as paisagens pelas quais passei. Essas situações só aconteceram por que fiz o caminho a pé, na raça mesmo. Mas foi um sacrifício gostoso, uma coisa é se aventurar pelas br's, outra é sair pelas estradas de terra de Minas, onde geralmente encontramos uma água geladinha (seja da fonte ou das casas dos moradores), cachoeiras e gente para trocar dois dedos de prosa. Às vezes rolava um cafezinho, um biscoito, um bolo...
    Mas, voltando à TV, decidi que, para adquiri-la, teria que fazer um certo sacrifício neste mês de outubro, e abrir mão da broa de fubá, do pão de queijo e dos quitutes da culinária mineira. Ao receber o pagamento, fiz as contas, separei o suficiente para o almoço(o abrigo fornece a janta), comprei os sabonetes, o shampoo e então realizei o tão sonhado sonho de consumo.
    Mas não foi tão simples assim. Sabia que era dependente do açúcar, massas e outras gulodices para manter os níveis de serotonina em um bom patamar. Mas não imaginava que era tão dependente assim! Por causa dessa dependência, meus triglicerídeos já chegaram à casa dos 580mg, quando o máximo aceitável é 200mg. Mas, graças ao  ômega 3 e uma maneirada na comilança, consegui abaixar os níveis dessa indesejada gordura para 270mg, sem a ajuda da "milagrosa" sinvastatina.
quem não ficou com água na boca?

    Praticamente "murchei" sem as gulodices, neste mês. Emagreci dois quilos, parecia que eu estava doente. Desânimo total. Não aguentei, no final do mês abri conta em três padarias para comer algumas tortas de chocolate e broas. O desodorante acabou, e tive que comprar um fiado na farmácia. O cara não foi nada legal, parecia que estava me dando o desodorante e não me vendendo para pagar depois, nem me deixou escolher e me passou um que tem um cheiro muito forte. Por alguns dias fiquei na dúvida se o cheiro do meu suvaco não seria menos ruim do que o desodorante passado pelo farmacêutico.
desodorante Le Gambe
Pior do que isso
só o seu cecê
    Ainda bem que não estou na cidade onde tive os surtos, pois certamente iriam dizer que eu estava com aids. Eu estava me sentindo tão mal fisicamente que cheguei a pensar que uma mulher que fez uma oração para mim, era, na verdade, uma pessoa do mal. Eu estava na estação do metrô São Gabriel, quado ela apareceu de repente e me perguntou se eu queria uma oração. Respondi que sim, e ela me pediu para estender a palma das mãos. Ela colocou sua mão sobre a minha e fez uma silenciosa oração, não dando para entender o que dizia. Depois foi embora rapidamente. Na hora não achei estranho, mas depois percebi que ela não fez como os demais evangélicos, que costumam conversar um pouco com a gente. Então, assim que comecei a ficar irritado com a abstinência do chocolate e outras bobeiras, comecei a pensar que essa senhora tivesse feito algo de mal, rogado uma praga contra mim, sei lá... Fiquei me culpando por ter confiado em uma pessoa estranha e pedi para Deus que me protegesse das pessoas que fazem esse tipo de coisa. Agora estou com mais uma paranoia, não irei deixar qualquer pessoa fazer oração para mim, a não ser que esteja em uma igreja.
    Fiquei um pouco "bolado" aqui em BH, pensando que as pessoas talvez estivessem pensando que eu estivesse usando drogas, mas precisamente o crack. Mas a única droga com que estou me envolvendo ainda é o meu time, que atualmente não ganha de ninguém. Já tentei parar de torcer, mas não consigo. O máximo que consegui fazer é deixar de ser fanático, mas fico triste quando ele perde, apesar de saber que, mesmo depois da derrota, os jogadores irão para uma churrascaria ou então para o conforto de suas casas, isso quando não caem na balada. E eu continuarei aqui no abrigo, às vezes até sem dormir, por que as noites por aqui costumam ser agitadas...
    Voltando à química do cérebro, gostaria de dizer que a felicidade não é apenas estar com os níveis da serotonina dentro dos padrões. É um conjunto de fatores, que não irei me estender, pois não me julgo capaz de definir o que é a felicidade, se é que existe uma definição única, ímpar, para esse estado de espírito. Vejo pessoas felizes com tão pouco e muita gente infeliz com muitos bens materiais. Mas, por experiência própria, se a química do cérebro não estiver ok, a pessoa pode ser milionária que não achará graça em nada, nem em seu iate de não sei quantos mil dólares... O dinheiro irá apenas amenizar a situação. Prefiro ficar triste e deprimido em uma bela casa de praia do que em um albergue ou até mesmo nas ruas.
    Com a TV comprada, falta pouca coisa para se concretizar o projeto Meu quarto Minha vida. As andanças deixaram de ser um prazer quando comecei a juntar dinheiro. Já são quase dois anos com a mochila nas costas. O primeiro ano foi o máximo, o vento na cara, a sensação de liberdade, dormir onde quiser e não ter que pagar aluguel... Poder planejar as viagens... Mas o cansaço foi tomando conta de mim, afinal não sou mais um garoto. Mas, pior do que as dores físicas é o preconceito. Dói demais ser confundido com um malfeitor, eu que sempre procurei ser uma pessoa correta(não um santo, mas ético, pelo menos). Hoje só devo o banco, que não quis negociar a dívida do cartão.
                                                             
    Mas agora o que tenho que fazer é esperar e ter muita paciência apenas. Nada de viagens, meu pé esquerdo já está um pouco detonado por causa do peso da mochila. O jeito é ficar quietinho, lá no parque, mas os dias parecem intermináveis. Outro dia, uma menina, ao me olhar, disse para sua irmãzinha que se aproximava de mim:
    - Cuidado com o doido!
    A menina começou a chorar e deu meia volta, ao encontro de seu pai.
    Ri da situação. Na verdade fico ofendido se me chamarem de normal. Estou com os cabelos compridos, barba por fazer e com a mochila nas costas A menina talvez tenha ouvido a história do homem do saco. Mas isso não tem o menor problema para mim, ser taxado de louco em uma sociedade que nem sabe cuidar do planeta onde vive. Às vezes penso, quando alugar um quarto, andar extremamente bem arrumado, para não ser mais chamado de doido, mendigo ou andarilho. Mas, penso um pouco e chego à conclusão de que isso não pode ser uma boa ideia. Andar bem vestido poderia chamar a atenção dos meliantes, e nem pensar em comprar smartphone da samsumg. Me lembro que, quando era rockeiro, escapei de um assalto quando os larápios viram minhas calças rasgadas de metaleiro. Só faltou os caras me darem uns trocados..
Se correr o bicho pega, se correr o bicho come...




2 comentários:

  1. Eaaae muito bom seu blog a algum tempo acompanho suas postagens e queria que me tirasse uma duvida no surto psicotico tem como saber que por exemplo os delirios sao por causa da doença ? Queria saber se na fase aguda tem como saber qe está passando por um surto e então controlar...vlw pela ajuda

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    1. Olha, temos que definir delírio e alucinação. Os delírios na esquizofrenia são por exemplo, mania de grandeza. A pessoa pode ter delírios sem ter um surto psicótico. Se dá para saber se são por causa da doença, creio que varia de caso para caso, e se ele ainda está no início e do conhecimento da própria pessoa sobre o transtorno. Já as alucinações, no primeiro surto, é muito difícil, sendo quase impossível pensarmos que se trata da esquizofrenia. Tudo é muito real que até desconfiamos de nossos próprios pais. Já no segundo, por exemplo, a pessoa pode ficar na dúvida, mas mesmo assim pode ficar muito transtornada. Isso varia muito de pessoa para pessoa. Espero ter ajudado.

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