sexta-feira, 18 de maio de 2018

"Esquizofrênicos" ou Pessoas com esquizofrenia?


    Os esquizofrênicos podem matar? São agressivos? São todos iguais e se comportam da mesma maneira? Tem algum tipo de retardo mental?
    Provavelmente essas são as principais das inúmeras questões que devem vir à mente de uma pessoa quando o termo "esquizofrênico" é abordado. 
   Da maneira como o assunto é tratado na TV, a impressão que se dá é que todo esquizofrênico é agressivo, não tem capacidade de raciocinar e nem de realizar tarefas comuns do dia a dia. Enfim, não passamos de um rótulo, de um diagnóstico. Costumo dizer por aqui que o preconceito e o próprio medo de ter esquizofrenia podem fazer tão ou mais mal do que a própria doença, devido principalmente à esses rótulos criados pelos meios de comunicação. 
    Há algum tempo evito o termo "o esquizofrênico"* por vários motivos, sendo o principal o estigma e os mitos que boa parte da mídia ajudou a criar em torno da figura de quem tem esquizofrenia. Uso o termo "pessoa com esquizofrenia", que foi o que achei que melhor designa alguém que tenha esse transtorno mental. No Japão o termo esquizofrenia não existe mais, e muito menos "o esquizofrênico". Lá o transtorno da mente dividida passou a se chamar "Distúrbio da integração", que, convenhamos, é um termo muito mais adequado e menos estigmático do que esquizofrênico. 
    Por aqui no Brasil parece que a coisa está melhorando. Já vi duas páginas do facebook usarem o termo "pessoa com esquizofrenia" há bem pouco tempo. Não sei como as pessoas com esquizofrenia são chamadas no exterior, mas acredito que no Brasil passará em breve a ser mais conhecida por esse termo, que, convenhamos é bem melhor do que esquizofrênico. Obviamente que uma simples mudança de nome irá acabar de uma vez  com o preconceito e os estigmas criados nesses anos todos. 
    Não sou esquizofrênico, tenho problemas, isso eu sei, mas não sou esse rótulo criado pela mídia. A minha tribo sou eu. Sou uma pessoa que tem transtornos e um sofrimento mental que os psiquiatras chamam de esquizofrenia. 
   Sou uma pessoa que tem esquizofrenia, não sou um rótulo.  Tenho minhas qualidades e defeitos, como qualquer ser humano da face da terra. Tenho o direito de surtar, de rir e de chorar. Não sou agressivo, não tenho passagem pela polícia por nenhum motivo, muito menos agressão. Não como fezes, mas já comi lixo como sendo a coisa mais deliciosa da face da terra, em consequência de um surto psicótico que tive, chegando a perder 25kg por causa de uma absurda mania de perseguição. 
 
   

        Já ouvi diversas perguntas que me deixaram  um pouco assustado, pela falta de conhecimento das pessoas sobre o assunto. Até que não as culpo, pois eu também tinha muitos preconceitos antes de surtar, talvez por causa do estigma criado pelos meios de comunicação. Brincava de imitar um vizinho que tive, que era portador de esquizofrenia. Não era com maldade, mas não sabia na época o quanto poderia estar ferindo os sentimentos dessa pessoa. 
   - Ah, se você é doido então rasga essa nota de cinquenta reais! - me desafiavam.
   - Posso ser doido, mas burro não sou não... - respondia, aceitando tudo na brincadeira. 
   - Você não tem esquizofrenia, você sabe mexer no computador...
  - Você fala normal, você não tem esquizofrenia... (essa foi uma das piores que me falaram, afinal tenho esquizofrenia e não sou mudo).
    - Você se lembra das coisas, não tem esquizofrenia.. (tenho esquizofrenia, e não amnésia...)
    Já vi outras perguntas bem estranhas por aí, como:
    - O esquizofrênico pode morar sozinho?
    - O esquizofrênico pode namorar? Pode dirigir? 
   Até muitos profissionais da saúde mental tem alguns preconceitos. Me lembro que quando tive o meu primeiro surto grave não recebi atendimento do Cersam, aqui em Belo Horizonte. A enfermeira nem me deixou entrar, ao me ver com roupas limpas, barba feita e cabelo cortado. Estava morando nas ruas naquela época, e o posto de saúde me informou o endereço do Cersam, mas não me atenderam sem ao menos conversar comigo, se baseando apenas na minha aparência. 
    Acredito que muitos psicólogos e psiquiatras se baseiam mais no que deveriam na aparência do paciente para dar algum tipo de diagnóstico. Mas posso dizer que uma pessoa pode estar muito mal psicologicamente e se vestindo de maneira adequada e penteando o cabelo. 
    No meu caso em particular não tenho receio ou vergonha de falar sobre a minha condição de pessoa com esquizofrenia. Acredito que minha história até esse momento tenha sido bacana, tanto que a ideia de escrever um livro sobre ela veio de amigos que conheci nas redes sociais. Não fui um santo (muito longe disso) e me arrependo de muitas coisas que fiz e de que não fiz, afinal não sou perfeito. Mas de uma coisa não me arrependo: de ser eu mesmo, sem falsidades e hipocrisias. Procuro seguir um lema, que acabei criando para ser o meu referencial durante a minha vida toda: "faça o que quiser, desde que não prejudique o próximo". E assim até durante o surto eu fui, não colocando em nenhum momento a vida de outras pessoas em perigo, somente a minha. E esse é mais um dos mitos que cerca a esquizofrenia: que somos agressivos, que vira e mexe estamos atirando pedra nos outros. A realidade é que o índice de violência da pessoa 'dita normal" é maior do que o índice das pessoas com esquizofrenia. E quando a pessoa dita normal usa álcool e outras drogas, esse índice sobe assustadoramente. Basta abrirmos as páginas dos jornais para constatarmos essa realidade. 
    Outro mito que cerca a esquizofrenia é referente a intelectualidade. Ou dizem que as pessoas com esse transtorno são muito inteligentes, ou então não tem nenhuma capacidade de realizar simples tarefas do cotidiano. 
   Não é raro as pessoas afirmarem que uma pessoa enlouqueceu por ser muito inteligente. É fato que o excesso de informações podem sim ajudar a pirar, mas a pessoa provavelmente tem que ter uma tendência a desenvolver algum tipo de transtorno mental. Pelo convívio que tive e tenho, posso afirmar que, assim como na população dita normal, existem pessoas com esquizofrenia com inteligência acima da média, na média e um pouco abaixo da média. Existem casos de má formação no cérebro, por diversos motivos, que acompanham alguns casos de esquizofrenia, mas não são todas as pessoas que têm esse tipo de problema. 
   Um outro estigma que cerca a esquizofrenia é a de que estamos possuído por uma entidade maligna. E então nos levam para uma igreja qualquer e só faltam esmurrar a gente para que o tinhoso saia de nosso corpo. Me lembro que no início pulava de igreja em igreja, mas o tal do demônio não saia de jeito nenhum. Mil caíam a minha direita e dez mil caíam na hora, mas eu não caia. 
    Já participei de várias igrejas evangélicas e conheci muita gente bacana, inclusive fui muito ajudado por evangélicos quando fui morador de rua. Mas infelizmente alguns pastores e muitos membros não estão preparados para receber uma pessoa que não esteja bem psicologicamente em função de um transtorno mental. 
querem expulsar o tinhoso na base da porrada... 
       Uma das piores consequências que o estigma pode trazer é a negativa da pessoa em buscar um tratamento adequado. "Eu não sou louco!", é o que a maioria diz. Quem vai querer aceitar esses rótulos que a mídia traz para a esquizofrenia? Infelizmente alguns programas que tem a violência como tema principal usam o termo "esquizofrênico" sem qualquer embasamento para explicar um assassinato brutal... 
    Converso diariamente com familiares de pessoas com esquizofrenia. Boa parte desses familiares buscam um meio de convencer seus parentes a buscar ajuda, de que precisam de um tratamento. O reconhecimento é o primeiro e mais difícil passo no tratamento da esquizofrenia. 
    Então o sujeito não busca o tratamento no início, quando as chances de melhora são mais altas, só procurando ajuda quando está em um surto psicótico grave... 
    Nesses anos todos pude perceber que o medo de ter esquizofrenia pode fazer tão ou mais mal do que o  próprio transtorno... 
    Vamos aproveitar não somente o dia nacional da pessoa com esquizofrenia, e sim todos os dias de nossas vidas para ajudar a construir uma sociedade mais justa e sem preconceitos. 

*O blog foi iniciado no ano de 2012 e na época ainda não tinha o real conhecimento do preconceito que cerca a esquizofrenia. Se soubesse certamente não teria colocado esse nome no blog. Agora que ele passou a ser um pouco conhecido não creio que seja a melhor solução mudar o seu nome. 

5 comentários:

  1. Eu acredito que mudar o nome não vai fazer o estigma desaparecer. É a maneira como a sociedade vê . O que acontece é o seguinte: pessoas que apresentam surtos psicóticos ou são vistas como "loucas" e portanto marginalizadas, ou são vistas como "comedia', enquanto alguns transtornos são muito romantizados (vide depressão nos Tumblr da vida) ou são vistos como frescos, entende? Um transtorno mental não deve ser a nossa identidade, mas quando você tem um, as pessoas misturam a sua personalidade com seu quadro clínico
    Chamar uma pessoa de esquizofrenica como forma de xingamento é Psicofobia e isso é crime. Acho que precisamos ressignificar o termo esquizofrênico, o pior não são os sintomas negativos ou positivos e sim o preconceito das pessoas

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    1. Uma simples mudança de nome não irá mudar nada. É apenas uma questão de respeito e consideração mesmo, pois o termo "esquizofrênico" está muito carregado de preconceitos e estigmas, vindo de anos e anos de maus tratos, mau atendimento e outras questões mais.
      É apenas uma mudança, um gesto simbólico que pode marcar o inicio de uma nova abordagem e tratamento a pessoa com esquizofrenia.
      Também concordo que o pior de tudo na esquizofrenia é o preconceito. Muitas pessoas ficam apavoradas só de pensar na possibilidade de terem esquizofrenia, pensando no que irão pensar delas e não propriamente nos sintomas do transtorno.
      Obrigado pela participação e todos podem opinar e participar, mesmo que não tendo o mesmo pensamento do que o que tenho.

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  2. Oi Júlio, acho bastante positivo seu modo de vê e pensar. Devemos esperar por dias melhores. Quando as pessoas descobrem meu transtorno elas de imediato se afastam de mim, ou simplesmente me tratam diferente. Isso vem enraizado em nós sociedade desde o passado. Meus familiares tem vergonha, não me visitam mais. Desde quando tive alguns surtos. Isso me dói demais. Mas desde que conheci o seu blog eu , não saio por aí falando, mas assumo que tenho TAB. Que já ouvi vozes. Somos sozinhos no meio dessa multidão. Mas assim caminha a humanidade em passos de formiga e sem vontade. Abraço Lenice.

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  3. Primeiramente gostei muito do blog, eu queria tirar uma dúvida, meu irmão tem e os remédios dele não estão fazendo efeitos, o médico passou manhã (1handol5mg, 1Cinetol) e a noite (1handol 1Cinetol e um Levozin) mas infelizmente não está dando certo inclusive ele chegou a agredir uma crianças porque ele falou que ela estava ó chamando de "viado"(ouvindo vozes) decidimos dobrar a dose para 2H 2C dia e 2H 2C e 1L noite, mas mesmo assim não funciona a saúde públican no Brasil já é ruim para pessoas normais quem dirá os que tem problemas mentais, ele fala que os outros estão ó excitando(deixando ele ereto) a nova dose que estamos dando cujo falei acima deixa ele perfeito por 10min em seguida os sintomas voltam do nada, relamente está sendo muito difícil, a consulta dele é só em gosto, os médicos nem ligam pro paciente, minha mãe levou ele a uma médica que diz que tem que internar já a outra diz que não, meu pai não mora conosco, ele não deixa ele ser internado pois fala que ele será mal tratado pois só tem 19 anos, você teria dicas do que dar a ele ou o que fazer?

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    1. Olá
      Em qual cidade você mora? Já procurou por algum caps? Se tiver tente um atendimento relatando que o caso tem uma certa urgência.
      O que posso aconselhar é que procure se informar o melhor possível sobre o assunto, tem um livro chamado "Entendendo a esquizofrenia" que dá para baixar neste link:
      https://drive.google.com/drive/folders/0B1dxTb_oy7qweEIzMnpvN2tWemc
      Os pensamentos e delírios que seu irmão tem às vezes podem ser quase que reais e por isso não é bom ficar dizendo "AH, isso é coisa de sua cabeça, não liga não".
      Tente passar confiança para ele e que sua família está do lado dele acima de tudo. A família é muito importante principalmente no início.

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