quinta-feira, 10 de abril de 2014

Médicos e remédios: parte 2

  
  -Obs: como este post é uma continuação do anterior, é aconselhável que leiam a primeira parte para se entender esta segunda parte.

    Como a psiquiatra que havia consultado pela primeira vez não era muito paciente com o paciente maluquinho aqui, resolvi seguir o tratamento no Hospital Raul Soares, no bairro Sta. Efigênia, também em Belo Horizonte.  Também não estava muito satisfeito com o tipo de atendimento que a psicóloga estava me dando: não me informava nada sobre o que eu poderia ter, às vezes me tratando como se fosse uma criança. Não que ela não fosse atenciosa, não era isso, o que eu queria no momento era informação apenas.
    Já no Hospital Raul Soares o atendimento durava cerca de meia hora, o que era um alívio e tanto! Como é bom entrar em um consultório de um psiquiatra e poder conversar normalmente! Com o primeiro psiquiatra, a sensação na consulta é que eu estava falando no celular e que os créditos estavam acabando.
    E os médicos do Raul Soares eram bem mais atenciosos e educados, conversavam comigo não demonstrando mau humor e perguntavam sempre como estava me sentindo. Mas também não me explicaram nada sobre esquizofrenia. Acho que os profissionais da área de saúde mental deveriam fazer uma cartilha explicando sobre os diversos transtornos mentais que estão por ai, assim como se faz com a tuberculose, as DSTs, a hipertensão, a diabetes e outras doenças. Às vezes penso que não é do interesse que os transtornos mentais sejam curados, será? Acho que muita gente sai lucrando com a indústria da loucura. Acho que se houver uma cura para a esquizofrenia, muitos psiquiatras sairão perdendo muito dinheiro. Mas também não vou endemonizar todos os psiquiatras. Acredito sim que a maioria seja do bem e que queiram o melhor para os seus pacientes. O cigarro, por exemplo,  traz muito prejuízo ao governo, talvez por isso que tem muita campanha contra o cigarro espalhada por ai.
    É como se fosse um jogo de futebol: quanto mais informações tivermos sobre o adversário, melhores são as chances de derrotá-los.
     Voltando a história: como estava me sentindo bem e já estava recuperado fisicamente também, decidi então que já era hora de voltar ao trabalho.
fofocas e boatos podem enlouquecer uma pessoa
      Após várias tentativas frustradas de encontrar emprego em BH, decidi voltar a trabalhar na cidade onde tive o meu primeiro surto, o que foi um erro quase que fatal. Não menciono o nome desta cidade aqui no blog pois não tenho ressentimento nenhum contra ela, tem muita gente boa por lá. Não podemos generalizar "a cidade não presta e tals". O problema é que havia muita gente que não tinha o que fazer, e a cena das pessoas "conversando" no banquinho em frente às suas casas era muito comum. Em alguns lugares um dos assuntos principais era a minha pessoa, e o motivo para isso sinceramente não sei. Era um pacato cidadão mesmo, só saindo de casa para trabalhar, jogar bola e correr. E ir na padaria, é claro. Sou mineiro e chegado em um bom pão de queijo. Passei e morei em diversas cidades de Minas Gerais e nunca cheguei a ser uma pessoa tão comentada como era naquele lugar. Se falaram sobre mim nas outras cidades, as pessoas então pelo menos eram mais discretas, pois não cheguei a ouvir nada.
    Então não deu outra: após cerca de um ano trabalhando por lá, surtei novamente. O atendimento na área de saúde mental não poderia ser pior: um único psiquiatra para uma população de cerca de 70 mil habitantes! O salário deveria ser tão ruim que o cara só atendia uma hora por dia e, para piorar ainda mais a situação, sempre chegava atrasado. A consulta geralmente durava cinco minutos, e na porta já tinha um outro paciente com o prontuário na mão, só faltando um funcionário nos empurrar, para agilizar o atendimento.
    Testei vários medicamentos sem sucesso. E alguns eu só cheguei a tomar uma única vez, afinal tinha que trabalhar, ficar acordado de noite e tals. O psiquiatra chegou a me ameaçar, dizendo que, se não melhorasse imediatamente, seria internado no manicômio Galba Veloso, em Belo Horizonte. Chegou também a insinuar que eu estava fingindo ter a patologia, talvez para conseguir me aposentar. Negava-se a me fornecer o laudo para que eu fizesse a perícia no INSS. E como não tinha grana na época para pagar um psiquiatra particular, fiz duas perícias sem laudo mesmo. E o engraçado é que passei nas duas, acho que por estar muito confuso e estressado naquela época.
    A psicóloga nesta cidade também não ajudava muito, se limitando apenas a me ouvir e a fazer algumas anotações. Quando falava alguma coisa era besteira. Chegou a dizer que o pessoal da cidade me admirava por ter um trabalho onde é exigido um certo grau de inteligência. Mas ela não sabia que na época estava era sendo esculachado por grande parte dos moradores daquele lugar, talvez por ter dito certa vez que a cidade era uma roça e que o pessoal só sabia conversar sobre cavalos. Essa psicóloga também não me disse nada sobre esquizofrenia e continuei a sem saber o que eu tinha. Ela cometeu também um erro imperdoável: contou para o dono da firma onde eu trabalhava algumas coisas que foram ditas dentro do consultório. Provavelmente ela pensou que, pelo fato de morar na firma, talvez eu tivesse algum vínculo de amizade com o cara, sei lá. Acho que talvez ela não saiba que geralmente os patrões se tornam os piores inimigos quando uma pessoa começa a receber o auxílio doença. Na maioria dos casos o empregado é demitido quando volta da licença. Isso em se tratando de transtornos mentais, é claro.
    Essa psicóloga também cometeu um outro erro, também imperdoável: Ela já sabia que eu não me dava bem com o haldol, e, não sei por que, resolveu me convencer que esse medicamento na forma injetável é melhor do que em drágeas. Como não entendia nada de medicamento na época, aceitei tomar a injeção. Também sou hipocondríaco e gosto de tomar vacinas...
    As reações adversas foram complicadas, rigidez muscular e acatisia, inquietação misturada com sonolência. Isso mesmo! Ora ficava deitado na cama, e depois ficava andando de um lado para outro sem parar. O efeito dessa injeção durou um mês e foi uma das piores coisas que me aconteceu em relação a esquizofrenia. No final das contas ela me disse que havia se esquecido de me receitar o biperideno, que é usado justamente para cortar os efeitos colaterais do haldol. Afinal, essa profissional é uma psicóloga ou uma psiquiatra para ficar me receitando medicamentos?
    Eu não vou postar um vídeo sobre as reações adversas do haldol, pois é algo um pouco triste de se ver. Mas quem quiser olhar, é só digitar discenesia tardia no youtube.
    Nessas condições não tinha como melhorar. Pressão no trabalho e atendimento não muito bom na área de saúde mental. Fui parar nas ruas novamente e foi ai que acabei indo para o albergue de Ipatinga. Comecei a ser atendido no CLIPS e fui melhorando aos poucos. Também ficar longe dos boatos e das fofocas daquela cidade foram muito importantes para a minha melhora. Os profissionais do CLIPS eram muito atenciosos e educados comigo, chegando a telefonar para o meu celular quando uma consulta era marcada para uma outra data.
    Não sou só de reclamar, tenho que agradecer e muito aos bons profissionais pelos quais passei desde quando tive o meu primeiro surto. No final do ano passado, fui muito bem atendido em um CAPS de Belo Horizonte. Estava querendo experimentar a quetiapina, um medicamento que é muito bem recomendado pelos usuários e portadores que conheço.
    Então fica a dica: Quem tem que ser paciente são os psiquiatras, e não nós, os portadores. Queremos apenas sermos tratados com respeito e dignidade, e ter um tempo mínimo para tentar explicar os nossos problemas. Afinal, nem todo mundo tem condições de pagar um psiquiatra particular. Os profissionais que trabalham no SUS são muito bons, mas falta estrutura e condições de trabalho. É quase impossível atender uma pessoa em um período de dez minutos, como ocorre em certos lugares.
    Resumindo: não sou totalmente contra os medicamentos. Faço meus questionamentos pois acho que há muito o que evoluir ainda, os efeitos colaterais ainda são terríveis. Muitos cuidadores chegam a pensar que os medicamentos são uma maravilha, pois tiraram seus entes queridos de um surto. Mas o que mais que o medicamento tira? A vontade de viver? Só quem toma é quem sabe explicar...
    E em relação aos profissionais da saúde mental, acho que, como em outras áreas, existem os bons e os maus profissionais. Muita gente interessada em não curar a loucura e não cessar sua fonte de renda. Ou será que todos os psiquiatras e psicólogos são uns santos?

   

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11 comentários:

  1. tanbem odeio os vizinhos do bairro onde morei por 6 anos .. ate que em fim me mudei de la..tanbem tive muitos ploblemas assim como vc julio.. amanha mesmo vou a um pisiquiatra paguei particular.. é que me sinto muito mal comigo mesmo..então ja pensei ate em suicidio.. mais não tenho coragem pra tanta covardia. comigo mesmo..então continuarei na luta tbm contra esta emfermidade que e a esquizofrenia.. odeio tudo as vezes..nad facil é a vida pra um portador de esquizofrenia .. e pior com tantos remedios de efeito dominante .. temos que nos policia desses remedios loucos.. que nos receitam senão morreremos ainda antes do prozo de nossa validade exterminar... mais sorria seje feliz encontre uma razão pra lutar e viver..FORÇAS A TODOS OS PORTADORES DESSE MÉRECA DE ESQUIZOFRENIA..

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    1. Verdade, não podemos desistir, apesar de tudo e de todo esse preconceito que cerca a patologia. Vizinhos muitas vezes são ótimos, mas infelizmente em alguns lugares não sei o motivo, não são legais com a gente.

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  2. Mais uma bela postagem!
    O video no fim pode ser engraçadinho, mas é obra do preconceito.
    Esquisofrenia não é psicopatia.

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    1. Verdade, falou tudo, no final o autor estragou um pouco o vídeo pelo falta de informação e preconceito.

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  3. Olá Júlio,


    Que legal que está se dando bem em Sampa, cidade maravilhosa, estivemos por ai em fevereiro, passamos o carnaval....kkkkkk descansando....

    Passei aqui para deixar um abraço para vc, e que tenha muita sorte!

    Parabéns pelo excepcional trabalho que está realizando com seu blog.
    Marioluc

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    1. Olá Mario. Obrigado. No começo foi complicado, mas agora já estou adaptado à São Paulo, mas com muitas saudades de Minas Gerais. Brevemente vou fazer o caminho de Diamantina da estrada real, que me parece ser o mais bonito entre os quatro. Passa até pela cachoeira do tabuleiro, a segunda maior do Brasil. Você passou por lá?

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  4. Olá Júlio,

    Tenho um irmão esquizofrênico e procurando entender mais a doença encontrei seu blog que me ajudou bastante, muito obrigada. Faz sete anos que ele teve o primeiro surto, ele fica bastante tempo estável, mas quase todo ano tem uma crise, no momento está em crise eu fico muito triste pois amo ele, mas não consigo ajuda-lo, está tomando rispiridona, pondera , mas fica bastante tempo sem tomar pois acha que não precisa, mas vamos caminhando e tentando ajudá-lo da melhor forma . Parabéns pelo seu blog as fotos das andanças são muito bonitas.
    Vamos sempre acreditar que tudo vai se resolver a vida é feita de mudanças e tudo pode acontecer!

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  5. Obrigado pela visita ao blog. O que mais dificulta a continuidade do tratamento são os efeitos colaterais. Converse com o seu irmão para tentar um meio termo, em não tomar uma dose alta dos medicamentos e não abandonar o tratamento. Talvez conversando com o psiquiatra se consiga diminuir a dose que não tenha tantos efeitos colaterais.

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  6. Muito obrigada por responder, é verdade tb concordo com vc, o importante é não abandonar o tratamento e se for possível não tomar uma dose alta, com o tempo nós vamos descobrindo um equilíbrio eu espero.
    Boa sorte para você e parabéns pela sua história, coragem e por ser tão sensível .

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  7. Que poesia é essa do final do post? Que medo! rsrsrs.

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    1. Eu achei no youtube, o início até que é legal, o final que é um pouco assustador. rsrsrsrs O negócio é levar na brincadeira certas coisas, se levarmos a sério tudo o que nos acontece, podemos pirar. Obrigado por visitar o blog.

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