Enquanto espero o mês de janeiro para viajar, vou fazendo as minhas divagações. Gostaria de ser mais falante, sou, além de esquizofrênico, um típico mineiro. Por isso me acho duplamente introspectivo.
Como a minha mochila está desnecessariamente pesada, resolvi procurar um local para pelo menos deixar a minha barraca, que pesa cerca de dois quilos. A primeira ideia que surgiu foi tentar achar alguém perto do albergue, mas logo descartei essa hipótese. Infelizmente uma minoria de usuários do abrigo colabora para que haja uma certa rejeição dos vizinhos por nós. Alguns, sem o menor respeito urinam em frente ao abrigo enquanto esperam na fila para entrar. Outros, alcoolizados, brigam por motivos fúteis. Sem contar os palavrões que são ditos aos gritos, independente do horário. Tenho pena do vizinho que mora logo em frente a portaria do albergue. Me colocando no lugar dos moradores do bairro, consigo entender perfeitamente essa rejeição.
Mas como já disse anteriormente, a maioria da galera e de paz, gente boa mesmo. Pessoas que querem trabalhar, se livrar das drogas, mas que no geral tem problemas de relacionamento com seus familiares.
Então resolvi procurar uma das várias igrejas evangélicas que existem no bairro. Na primeira tentativa não obtive sucesso. Esperei cerca de meia hora até que o pastor da igreja Divina Providência chegar em seu luxuoso carro preto, não sei qual o modelo. Sou da época em que os carros eram bem diferentes uns dos outros, era fácil saber o modelo. O fusca era meio arredondado, o corcel meio quadrado, etc. Hoje já não sei dizer o modelo de nenhum carro, são muito parecidos uns com os outros, com suas formas arredondadas, geralmente nas cores preto e prata ou então brancos.
Voltando ao pastor, me senti um lixo quando ele saiu apressadamente do veículo e, antes mesmo que eu lhe desejasse um bom dia, sem ao menos olhar para a minha pessoa, fez o sinal negativo com o dedo indicador.
Será que ele estava pensando que eu iria pedir dinheiro? E se estivesse sem mochila e de terno e gravata? Ele me trataria da mesma maneira?
É óbvio que o pastor e nem ninguém tem a obrigação de me ajudar nesta questão da barraca, afinal foi um caminho que eu mesmo escolhi. Mas não custava nada o pastor ser ao menos um pouco educado e dizer:
- Olha, infelizmente não posso lhe ajudar, é complicado deixar a barraca na igreja e tals...
O pastor seguiu apressadamente para o segundo andar da igreja, para ministrar a escola dominical. Fiquei desapontado e bem pra baixo, afinal o que eu tinha feito para ser tratado daquela maneira? Eu, que sempre ajudei algumas igrejas na época em que trabalhava como operador de som sem cobrar um tostão, agora sequer podia deixar a minha humilde residência encostada em algum cantinho da igreja.
Confesso que disse "algumas coisas" para um membro da igreja que havia me atendido. Ele disse que o pastor era uma pessoa abençoada, mas sinceramente não foi isso o que ele deixou transparecer, ao chegar mais de vinte minutos atrasado para o trabalho e com a cara de poucos amigos(será que ele tem mania de perseguição como eu?)
Mas não desanimei, pois tenho dos evangélicos muito mais recordações boas do que ruins. Para falar a verdade, poucas recordações ruins. Um ou outro membro ou pastor moralista que esquece um dos principais ensinamentos da bíblia, que é não ficar julgando os outros. Pessoas que se acham salvas só por que frequentam uma igreja.
Então subi dois quarteirões e fui parar na igreja Assembléia de Deus. A escola dominical já havia terminado e os membros conversavam do lado de fora da igreja, onde era servido um lanche. Me convidaram para entrar e, eu, claro não recusei a "boquinha" e comi um pedaço de bolo com refrigerante. Me senti a vontade naquele lugar e conversei com alguns membros que ouviram atentamente a minha história. No final disseram que não podiam me ajudar, que seria complicado se responsabilizar pela barraca enquanto ela estivesse na igreja. Não fiquei chateado, pois, como já disse, ninguém tem a obrigação de me ajudar nesta questão. Só o fato deles conversarem comigo sem pré julgamentos me fez sentir gente outra vez.
Me despedi do pessoal e fui atrás de outras igrejas. Algumas já estavam fechadas, outras não funcionavam no domingo de manhã. Já estava quase desistindo quando avistei a placa da igreja Batista Getsêmani. Na porta o pastor conversava com um membro. Cumprimentei-o e comecei a explicar o motivo dessa minha procura. Ele me convidou para entrar e conversamos bastante. Quer dizer, eu conversei, pois ele ouvia atentamente sobre as minhas andanças que comecei a fazer este ano. No final oramos e ele, além de guardar a minha barraca me deu uma bíblia novinha. Prometi retornar em janeiro para buscá-la, a fim de viajar para São Paulo.
Voltei para o abrigo com o ânimo renovado e, claro, me sentindo mais leve. Aquele silencioso não do pastor da igreja Divina Providência havia me deixado com a moral baixa. Mas, felizmente um defeito que não tenho é de guardar sentimentos negativos em meu coração. Voltei para a igreja do pastor marrento a fim de pedir desculpas ao membro que eu havia ditos algumas palavras. Mas ele já não estava mais lá. Tudo bem, só espero que ele também não tenha esse defeito e que já tenha esquecido de tudo.
-obs: resolvi colocar o nome das denominações por uma questão de justiça, reiterando que tenho enorme respeito pelas igrejas evangélicas.
Esses dois poemas foram retirados do livro escrito por usuários do centro de convivência do bairro São Paulo, aqui em Belo Horizonte.
Sem título
O tempo é imensurável
a cor do tempo é variável
o santo do tempo é Deus
a forma do tempo é redonda
as músicas do tempo são os ventos
os perigos do tempo são os medos
os mistérios do tempo são as surpresas
o tempo é de Deus
autor: Maria auxiliadora Guerreiro Ramos
Brincar com as palavras
Mar rima amar
águas de matas e cascatas
de rios que fluem
em armadilhas de árvores
que vem das ilhas
de raras folhas silvestres
onde perdem o que acham
de saber voar e revoar sem
trama; sem tira, sem arma e com mira
rumo ao alvo de antigas canções ao som de liras.
autor: Guilherme de Oliveira Silva
Mar rima amar
águas de matas e cascatas
de rios que fluem
em armadilhas de árvores
que vem das ilhas
de raras folhas silvestres
onde perdem o que acham
de saber voar e revoar sem
trama; sem tira, sem arma e com mira
rumo ao alvo de antigas canções ao som de liras.
autor: Guilherme de Oliveira Silva
Grande Julio,
ResponderExcluirInfelizmente o coração de muitas pessoas hoje em dia parecem ser de pedra - mas pior ainda é quando vemos casos assim em pessoas que deveriam dar o exemplo no que tange ao amor e compaixão. Como cristão, te peço desculpas pelo modo que foi tratado pelo tal pastor. De qualquer forma, como você mesmo viu, sempre existem mais pessoas boas do que ruins neste mundo.
Os poemas são lindos, adorei.
Grande abraço, fique com Deus!
Valeu Wendell pela visita ao blog. Verdade, só tenho o que agradecer aos cristãos, sejam evangélicos ou católicos. Felizmente a maioria é bem intencionada e eu também procuro ajudar os outros, agora na medida do possível. Abraços
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