quinta-feira, 5 de junho de 2014

Anjos e demônios

 
     "Se não se comportar direitinho, papai noel não vai te dar presente no natal não..."
    "Se fizer bagunça, papai do céu vai castigar... "
    Quem nunca ouviu uma dessas frases quando criança? Creio que 99,9% dos leitores responderam que sim e que já ouviram outras ameças do além contra pirralhos mal comportados.
    E quando crescemos as ameaças contra os "fora do sistema" continua, só que usando outras palavras e termos, ou seja, outras histórias, mas também aterrorizantes.
    Em algumas igrejas, fala-se mais no "tinhoso" do que propriamente em seu suposto dono: Deus. Alguns  líderes religiosos dizem que, se não seguirmos as doutrinas dessas igrejas, seremos severamente punidos e queimaremos para sempre no fogo eterno. Não podemos nem pecar em pensamento. Temos que ser santos. Não estou inventando ou exagerando, tudo isso eu vi e ouvi após frequentar várias denominações religiosas.
    - "Não existe pecadinho e pecadão, quem não seguir as doutrinas vai para o inferno!"- já ouvi alguns pastores dizerem essa frase. Creio que esse tipo de líder religioso quer manter sua igreja fiel mais pelo medo da figura do diabo do que na crença em Deus.
   Essas pregações me faziam mais mal do que bem. O som alto, e, principalmente a gritaria me estressavam. Saia da igreja com um sentimento de culpa enorme pelos meus erros cometidos desde a infância. Nunca fui um santo. Sou apenas um ser humano cheio de falhas e que já errou muito nessa vida.
    Algumas denominações pregam que basta entrar na igreja que todos os nossos problemas serão resolvidos, até os financeiros. Basta ter fé, não precisa trabalhar e correr atrás, Deus fará tudo, basta que façamos algumas "contribuições". Já vi algumas pessoas realmente muito felizes em algumas igrejas, mas também já vi muitas pessoas tristes. "Por que será que não fui abençoado?" Chegava a me perguntar algumas vezes, depois de frequentar por um tempo uma dessas igrejas e constatar que a minha vida não havia mudado em muita coisa.
esse templo custou cerca de 700 milhões. Quem pagou?
    A questão céu x inferno fixou-se em minha mente na infância e só a abandonou alguns anos depois do meu primeiro surto, quando comecei a me entender melhor como pessoa.  Foram muitos anos encucado. Várias questões não me eram respondidas e me inquietavam:
    - "Se quem não seguir a bíblia for para o inferno, o que acontecerá com os indígenas e os hindus que nunca tiveram acesso as escrituras sagradas?"
    - "Se não sou um santo para ir para o paraíso e nem tão mau para ir para o inferno, será que irei para um plano intermediário, ou virarei uma alma penada?"(coisa de mineiro...)
    Para a primeira questão, ouvi duas respostas, que não me foram convincentes:
    1- Não serão salvos, pois a bíblia será pregada ao mundo inteiro, e só depois virá o fim do mundo. Mas e os que já se foram sem ao menos ter acesso a pelo menos um versículo da escritura sagrada?
    2- As pessoas que não conheceram a bíblia serão julgadas de acordo com sua consciência, ou seja, se sabiam que estavam praticando o mal.
    Julgamento final, apocalipse, céu, inferno, anjos e demônios foram algumas palavras que povoaram a minha mente por muitos anos. O que era certo? E o que era errado?
    Tive uma fase esotérica. Comecei a acreditar em fadas, gnomos, etc. Era curioso e lia quase tudo o que via pela frente. Li sobre as cartas de tarot, sobre magia(só li rsrsrs), Paulo Coelho e por ai vai. Viajava para São Thomé das Letras em busca do sobrenatural. Minha vida já era um tédio e queria por que queria que algo de sobrenatural acontecesse em minha vida. Ficava andando pelo mato, até de madrugada, mas nenhum ser quis dar suas caras para mim. Na época do et de Varginha, fui para essa cidade do sul de Minas, mas não vi nenhum disco voador. Creio que, se por acaso visse, não iria ficar com medo, acho que até iria pedir para dar uma voltinha com eles em uma dimensão qualquer. shaushasuahsuahs
    Pode parecer brincadeira a questão da alma penada na minha vida, mas é sério. Por um bom tempo achei que esse seria o meu destino. "Nunca conseguirei ser um santo, mas também não sou um cara mau..." ficava me matutando o tempo todo.
    Me recordo certa vez, ao ir a um show, um contador de piadas se apresentou antes da atração principal. Estava com uns 28 anos na época e não tinha paranoias, apenas algumas neuroses mal resolvidas. O cara contou uma piada sobre almas penadas e, no final todos aplaudiram e riram muito. Pensei no momento que a piada era direcionada a minha pessoa. Fui embora e não assisti o show principal. Fiquei desolado. Isso já era um sinal do que estava por vir. Não demorou e os surtos vieram.

"Em alguns casos ocorre interesse demasiado por temas exóticos, místicos, religiosos, astronômicos ou filosóficos, que passam a dominar o cotidiano da pessoa. Dúvidas acerca da sua existência, explicações filosóficas sobre coisas simples da vida e uma necessidade permanente de buscar significados podem deixar a pessoa mais introspectiva e isolada socialmente."  fonte: entendendo a esquizofrenia."
http://entendendoaesquizofrenia.com.br/website/?page_id=5708


    Quando já estava perambulando pela BR 040, fugindo dos inimigos que só estavam em minha mente, ouvi claramente uma voz me dizer que eu era uma alma penada. Estava descansando na sombra de uma árvore. No momento em que a ouvi, chorei muito. Não foi um choro de alegria e nem de tristeza. Era de alívio mesmo. Afinal, tudo estava terminado. Todo o martírio e o sofrimento acabariam com a minha transformação de ser humano para alma penada. A perseguição, os inimigos, os boatos, enfim tudo estava terminado. Os que queriam o meu mal não iriam poder fazer mais nada, afinal eu "estava invisível". Não teria uma morte sofrida mais, pois imaginava que meus inimigos queriam me castigar e muito, fazendo com que eu tivesse uma morte bem lenta. Talvez o complexo messiânico tenha influenciado um pouco nessa questão.
    Então, depois do descanso, já como alma penada voltei a andar pela BR que liga Belo Horizonte ao Rio de Janeiro. A minha intenção inicial era tentar fugir dos vários inimigos que estavam atrás de mim na capital mineira. O incrível é que estava me sentindo mais leve e feliz, caminhando até com mais facilidade. Afinal, ser uma alma penada era melhor do que a vida que estava tendo ultimamente. Estava me sentindo tão leve que pensava em passear por João Pessoa, na Paraíba. Já não precisaria de me alimentar e nem me preocupar com mais nada.
    Mas de repente uma forte chuva de verão caiu e me deu um banho de realidade. O frio me fez duvidar se era realmente uma alma penada. Corri assustado para um posto de gasolina e por ali dormi naquela noite. No dia seguinte, cheio de dúvidas, continuei a caminhada. Parei exatamente na entrada de um restaurante. Queria tirar as minhas dúvidas sobre o que a voz havia me falado. Se as pessoas passassem por mim sem dizer algo, realmente eu já não era mais um humano. Mas, se me pedissem para sair, eu ainda era gente!
   Não demorou muito e um funcionário do restaurante educadamente pediu para que eu me sentasse em outro lugar. Mas aquilo não foi o suficiente para acabar com as minhas dúvidas. "Por que não morri ao tomar a caixa de veneno de rato"? Essa pergunta não saia de minha cabeça. (anos depois telefonei para o laboratório e fiquei sabendo que o veneno não mata pessoas). Um fato curioso é que não sentia fome durante boa parte desse primeiro surto, era como se a região do cérebro responsável pelo apetite e pela saciedade estivesse desligada. Só sentia muita sede. Cheguei a perder 25kg nesta história. Já de noite, ao passar por um condomínio às margens da BR, vários cachorros começaram a latir.
    - "Realmente sou uma alma penada, pois os cachorros sentem a presença dos espíritos"- pensei.
 
eu seria uma alma penada do bem shaushaushas
    E então veio a madrugada, que parecia não ter fim. Fiquei andando de um lado para outro angustiado. Parecia que esse seria o meu castigo eterno, viver naquela escuridão. Queria ser uma alma penada, mas queria ver o sol. Fiquei muito triste naquele momento, mas, depois de uma quase interminável noite, o dia enfim chegou e um belo sol veio me reanimar para continuar a batalha contra os demônios que povoavam a minha conturbada mente.
   E assim segui por um bom tempo, surtado, sozinho, andando pela BR com o bem e o mal duelando dentro da minha imaginação. As vozes que ouvia seriam da minha consciência? Ou seriam os meus medos que criaram vida? 
    Essas dúvidas me seguiram por um bom tempo. Mas, com a ajuda das pessoas me recuperei desse surto. Tive outros, mas hoje estou estabilizado. Depois de estudos, aprendizado com outros portadores, e o auto conhecimento, descobri que tudo isso foi resultado de vários fatores, que juntos desencadearam esses surtos psicóticos. 

-obs: esse post não é uma crítica as igrejas. Existem os bons e os maus líderes religiosos. Já disse várias vezes que fui muito ajudado por evangélicos quando estive nas ruas. Fui atendido por um pastor psicólogo chamado Márcio, que foi muito legal comigo. No início deste ano conheci o pastor Rogério, que guardou a minha barraca enquanto não viajava para o litoral paulista, aliviando um pouco o peso da minha mochila. 
   Para mostrar que não tenho nada contra, vou postar mais uma música evangélica no blog. A primeira postei no último dia da viagem da estrada real Ouro Preto-Paraty Tenho várias músicas evangélicas no meu celular, só não gosto de som alto e muita gritaria. Essa música também gosto muito:



Música: Quem eu sou?
Autor: Casting Crows

Quem sou eu? Para que o Senhor de toda a terra
Se importaria em saber meu nome?
Se importaria em sentir minha dor?
Quem sou eu? Para que a brilhante estrela da manhã
Escolhesse iluminar o caminho
Para meu coração vagante?

Não por causa de quem eu sou
Mas por causa do que tens feito
Não por causa do que eu tenho feito
Mas por causa de quem tu és

Eu sou uma flor que logo desbota
Aqui hoje e amanhã não existe mais
Uma onda quebrada no oceano
Um sopro no vento
Tu ainda me ouves quanto eu te chamo?
Senhor, tu me seguras quando estou caindo
E tu me dizes quem eu sou
Eu sou teu, eu sou teu

Quem sou eu? Para que os olhos que vêem meu pecado
Me olhem com amor e me vejam reerguer?
Quem sou eu? Para que a voz que acalma o mar
Me chame através da chuva
E acalme a tempestade em mim?

Eu sou teu
A quem temerei?
A quem temerei?

Já que eu sou teu
Eu sou teu

14 comentários:

  1. Olá Júlio, vou comprar seu livro. Devo fazer o depósito para uma cópia impressa (R$25,00) na segunda (09/06) ou terça (10/06). Abração do José Orsi

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    1. Olá José. Obrigado pela visita ao blog. No momento estou tendo somente o livro no formato pdf, o valor é dez reais. É que no momento estou em São Paulo(lembra quando fui na proesq) e só vou voltar a ter o livro impresso quando voltar para Belo Horizonte, pois consigo um bom preço na gráfica fazendo várias cópias de uma vez. Qualquer coisa é só clicar em contatos e me enviar um email. Obrigado

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  2. Olá Júlio, vou comprar uma cópia impressa do seu livro; devo depositar na segunda (09/06) ou terça (10/06). Abração do José Orsi

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  3. Olá Júlio, eu depositei R$25,00 referente a compra do livro. Assim que o tiver impresso, me avise, OK? Meu E-mail é jorsi21@gmail.com. Abração!

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    1. Ok, lhe mandei um email, é que no momento estou tendo só o livro no formato em PDF, pois ainda não voltei para Belo Horizonte. Infelizmente não compensa mandar fazer somente um livro, quando voltar para BH vou sim fazer várias cópias para conseguir um bom preço e vender por um preço acessível. Obrigado.

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  4. Oi! Estava de bobeira pesquisando sobre anjos e demonios e caí aqui no seu blog. Rsrs. Adorei o post! Quero te parabenizar pela iniciativa de combater o preconceito contra a esquizofrenia. Todas as doenças mentais carregam esse maldito estigma, infelizmente. Tenho transtorno bipolar há 4 anos, já passei por muitos altos e baixos e compreendi completamente o que você disse.
    No meu caso a fé também me influenciou, mas na verdade a falta dela, já que sou ateísta. Pesquiso muito sobre o assunto e acho super interessante pontos de vista como o seu, a influência da crença e o exercício de fé sempre me fascinaram.
    Abraços,
    Mari

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    1. Valeu Mari pela participação. Também me interesso por esse assunto, se bem que ultimamente não tenho pesquisado. A religião pode fazer tanto bem como mal, isso depende de muitos fatores, e se a pessoa não estiver estabilizada, talvez não ajude muito. Abraços.

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  5. A música do vídeo a baixo consegue delinear como me sinto muitas vezes (especialmente nos períodos de crise/surto), ao ver alguém que eu amo tanto, (mais que a minha vida) perdido em sua própria mente, e do quanto me sinto impotente por não saber direito como lidar com essa doença miserável.

    http://www.youtube.com/watch?v=nPneS-h8LSA

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  6. Linda música, letra que toca o nosso coração e que tem muito a haver com alguns momentos que passamos em nossas vidas. Realmente é algo complicado se lidar com a esquizofrenia, não é algo como uma hipertensão ou diabetes, como algumas pessoas querem comparar, pois envolve a mente também, a esquizofrenia não é uma doença só do cérebro, e da mente também, e é ai que reside a complicação toda. Obrigado por visitar o blog.

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  7. Qual o link do vídeo e da música, gostaria de ver... por favor me informem.. Obrigada

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    1. http://www.youtube.com/watch?v=nPneS-h8LSA
      Esse vídeo não está mais disponível. Esqueci o nome da banda, infelizmente.

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  8. esquizofrenia tenho uma miga passando por isso sou de brasilia ?

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  9. Meu filho está com esquizofrenia! E com o uso da maconha fica pior.,ñ sei se é normal ficar violento? Mas histeria de ler sobre sua experiência.

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    1. Olá
      A esquizofrenia por si só pode ser muito complicada de se lidar, e pode a situação ser pior quando as drogas também estão envolvidas na questão.
      O seu filho precisa tomar uma decisão, pois não adianta o seu esforço se ele não quer parar com as drogas. Casa de recuperação, palestras, encontros, tudo isso é apenas um auxílio, pois acredito que 70% das possibilidades de se livrar das drogas estão na vontade da própria pessoa em se livrar delas. O restante é esse apoio que lhe falei, de casas terapêuticas, do apoio da família, etc...
      Em relação ao fato de ficar violento, pode acontecer sim, apesar de não ser a regra. Muitas vezes a pessoa que tem esquizofrenia faz mais mal a si mesma do que ao próximo.
      A minha experiência realmente foi meio complicada e ainda é um pouco, mas tive a sorte de encontrar muita gente legal pelo caminho.
      O que posso dizer é que tente o diálogo com o seu filho, pergunte se ele quer realmente mudar de vida e parar com as drogas, pois você não pode se sacrificar a vida inteira para cuidar do seu filho, apesar de não saber a idade que ele tem.
      Obrigado pela visita ao blog.

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