O esquizofrênico perde a memória durante uma crise?
O título da postagem é uma indagação feita por muitas pessoas portadoras de esquizofrenia, principalmente nas redes sociais. Talvez elas não sejam a melhor ferramenta para se informar sobre transtornos mentais. Mas, de uma certa forma, acaba sendo a única. E explico o por que. Infelizmente muitos profissionais da saúde mental não dialogam com os seus pacientes, e, se quando o fazem, muitas vezes não é para responder dúvidas do próprio paciente e de seus familiares. Então o jeito é googlar ou perguntar aos amigos virtuais que tiveram experiências semelhantes, o que não deixa de ser algo muito válido. Afinal, só quem passa por certas experiências que a esquizofrenia nos faz passar é que pode descrever com exatidão o que é ter esse terrível transtorno.
Antes de tudo é preciso dizer que esquizofrenia não é somente os surtos. É também uma série de comportamentos, pensamentos, atitudes e outras questões mais. O surto, como o próprio nome sugere, é um pico, é algo passageiro. Como um surto de dengue, para tentar exemplificar melhor a situação.
A esquizofrenia tem vários sintomas, e os mais comuns são: mania de perseguição, paranoias, delírios, falta de contato com a realidade, etc...
Por experiência própria, defini o surto quando esses pensamentos persecutórios e paranoias acabam se tornando realidade na mente do indivíduo. E o que provoca os surtos? São os gatilhos, que podem ser um trauma, um acidente, stress, drogas, enfim, coisas do nosso mundo, principalmente o que estamos vivendo atualmente.
E o que acontece durante um surto? Na imaginação da maioria das pessoas o indivíduo sai pelas ruas atirando pedra em todo mundo. Mas não é bem assim...
Não existe ser humano idêntico ao outro e a esquizofrenia é uma doença não só do cérebro, é da mente também. Por isso cada um reage de sua maneira, cada um tem sua piração. Ninguém é igual à ninguém e também não tem a mesma vida que a outra pessoa tem. Pode sim ter situações semelhantes e comportamentos semelhantes, mas nunca idênticos.
Alguns sim reagem com agressividade, afinal, em sua mente muitas pessoas o querem prejudicar, estão tramando algo contra ele.
Mas, por experiência própria e por convívio com outros portadores e também através dos meus estudos posso dizer que a maioria das pessoas com esquizofrenia se isolam em suas casas, e muitas vezes deixam de estudar e trabalhar.
Já outros fogem de suas casas, não é raro ver por aí nas ruas cartazes de pessoas desaparecidas, informando nome, idade e, muitas vezes que a pessoa tem algum tipo de transtorno mental.
Como afirmei, nos surtos as paranoias meio que se tornam realidade na mente das pessoas com esquizofrenia. Vão morar nas ruas, perambulam pelas estradas e até fogem para outras cidades e estados. E, infelizmente, muitos acabam tirando a sua própria vida. Afinal, é mais fácil matematicamente falando se auto-exterminar do que matar todos aqueles que imagina estar querendo matá-la. No meu caso essa última alternativa aconteceu algumas vezes, e sem sucesso, como podem notar nestes escritos do blog e do meu canal no youtube.
As pessoas com esquizofrenia continuam a escutar e a ver, mas não normalmente. Escutam e veem coisas reais e irreais. E raciocinam também, mas dentro da realidade que está em suas mentes.
No meu caso em particular, no início dos surtos graves pedia demissão do meu trabalho e ia tentar a vida em outra cidade, numa tentativa de fugir dos inimigos que imaginava estarem somente naquela cidade. Mas não adiantava a mudança, os inimigos imaginários continuavam a me perseguir. E então ia para as ruas e, me sentindo também perseguido nas cidades, ia para a última alternativa: as brs.
muitos andarilhos têm algum tipo de transtorno mental |
Existe um sintoma da esquizofrenia que não é muito comentado mas sinto que é muito presente na mente das pessoas com esquizofrenia: o sentimento de culpa exagerado, que, inclusiva fazia parte do CID F20 (esquizofrenia paranoide). Atualmente esse sintoma foi retirado do CID, juntamente com o complexo messiânico O motivo não sei, talvez queiram resumir a esquizofrenia à um simples desequilíbrio químico do cérebro, esquecendo a parte mental.
Nessa minha fuga, um enorme sentimento de culpa assolava a minha mente. Pensava ser o culpado de tudo o que havia acontecido de errado no mundo. Acho que se os surtos fossem em setembro de 2001, provavelmente iria assumir o atentado das torres gêmeas...
Muitas lembranças viam a minha mente, numa sequência alucinante. E todas essas lembranças me culpavam de algo que havia feito e também do que não havia feito. Quando estava na BRO40 próximo de Belo Horizonte sentido Mariana, passei por um local que, há cerca de doze anos atrás havia presenciado uma cena que parecia ser um início de um estupro. Já havia esquecido aquele fato, mas o retorno ao local reavivou todos os detalhes daquele dia: estava em um caminhão carregado de equipamento de som rumo à Mariana, para fazer um evento naquele município, não tenho certeza se era comemoração do aniversário da cidade.
Estávamos em uma forte subida e vi, do outro lado da BR, dois homens arrastando uma mulher para dentro do mato. Pedi para o motorista do caminhão parar e descermos para ajudar a mulher mas ele afirmou que o veículo estava muito pesado e que seria impossível parar naquele lugar. Não insisti, mas fiquei um pouco assustado, tanto com a cena como também pela frieza do motorista.
Alguns quilômetros depois passamos por um posto da polícia rodoviária federal e novamente pedi para o motorista parar e avisar para a polícia, mas ele novamente continuou seguindo caminho...
Não podia fazer nada, naquela época nem celular existia. Mas, por causa da correria do trabalho, acabei me esquecendo daquelas cenas. Operador de som é um dos primeiros a chegar e um dos últimos a sair de um evento.
Então, quando passei novamente por aquele lugar tudo voltou bem vívido em minha mente. Imaginava que a mulher e sua família estavam me perseguindo por não ter tomado nenhuma atitude. Me sentia culpado também por ter acreditado que estava com AIDS, por causa de boatos que circulavam na cidade onde trabalhava, no leste de Minas Gerais. Me sentia culpado não exatamente por ter aids, e sim por supostamente ter contaminado as poucas pessoas com quem tive relação sexual sem o uso do preservativo. Esse pensamento foi um dos gatilhos para o meu surto mais grave. Naquela época o tratamento para AIDS já havia evoluído bastante, mas ainda restava um pouco daquele pensamento de que a síndrome era meio que uma sentença de morte para o portador.
Enfim, muitas lembranças invadiam a minha mente e a minha principal reação era fugir, fugir e fugir....
o sentimento de culpa exagerado é um dos sintomas da esquizofrenia |
Me lembro de quase tudo o que me aconteceu durante os surtos: as tentativas de extermínio, a fuga pelas brs, o período que passei dentro do mato, a volta para o centro de Belo Horizonte, a ajuda das pessoas até o momento que consegui me recuperar. Me lembro da primeira vez que comecei a voltar um pouco para a realidade. Isto aconteceu em uma manhã de um dia da semana qualquer, pois o centro estava bem movimentado. Já estava voltando a me alimentar, havia perdido 25 kg naquela fuga pelas brs, não estava me alimentando, apenas bebendo muita água. Quando passei em frente de uma farmácia, uma vaga lembrança apareceu em minha mente: tinha o costume de me pesar com frequência, era quase uma obsessão estar dentro de uma faixa de peso. Para minha surpresa a balança digital indicou que eu estava pesando 60kg! A reação foi mais de surpresa do que de espanto. "O que está acontecendo?"... - me perguntei naquele momento.
Um fato que não consigo narrar ou me lembrar foi quando entrei em um local que parecia ser uma livraria. Caminhei até a estante e apontei para um livro azul que deveria ter aproximadamente umas 400 páginas.
Saí da loja e sentei na calçada. Naquela fase ainda não estava me comunicando com as pessoas através da fala. E comecei a ler o livro numa velocidade incrível, pelo menos foi o que me resta de lembrança e de entendimento. Não posso afirmar se fiquei ali uma hora, duas ou até mais horas sentado lendo aquelas páginas, que pareciam narrar um assunto muito interessante, pois fiquei totalmente desconectado do mundo exterior durante a leitura.. Acredito que no meu caso em particular tenha havido sim algo de espiritual durante aqueles surtos, pois muita coisa estranha aconteceu.
Enfim, praticamente tudo o que me aconteceu consegui me recordar e registrar em um livro, que intitulei "Mente Dividida", pois achei que resumia bem o estado em que minha mente se encontrava naquela época dos surtos mais graves. Mas não ficava dividida meio a meio realidade e paranoias, nos surtos acho que ficava 90% na psicose e apenas 10% na realidade, pois sabia que tinha que beber água, dormir, etc... (você pode adquirir o livro Mente dividida através do link abaixo:
Posso afirmar que a maioria das pessoas com esquizofrenia durante os surtos se lembram do ocorrido, não só por experiência própria, como também através dos diálogos que tenho com outros portadores. Acredito que a maioria imagina que a pessoa surta, agride várias pessoas e depois é contida por enfermeiros e depois não se lembra de nada. Acredito que por volta de 10% das pessoas com quem conversei afirmou não se lembrarem de nada do que havia acontecido durante um surto.
O motivo de não se lembrarem ainda não encontrei. Como não era agressivo, nunca cheguei a tomar um sossega leão ou um medicamento mais forte. Talvez uma dosagem forte faça as pessoas se esquecerem de alguns fatos.
Também os meus escritos e videos são baseados em estudos que faço, visitando sites confiáveis e vendo alguns vídeos de alguns psiquiatras que acho interessantes. Não gosto daqueles que resumem a esquizofrenia à um simples desequilíbrio químico do cérebro, seria simplificar demais a doença.
Esses profissionais costumam comparar a esquizofrenia à diabetes, que é só tomar o remedinho e tudo ficará bem....
Enfim, a esquizofrenia é um transtorno mental em que pode ocorrer os surtos, mas não tem nada a ver com amnésia...
Na verdade o que pode afetar a memória são os ansiolíticos e os antipsicóticos. Na época em que tomava diazepan, duas vezes ao acordar não sabia onde estava e nem quem eu era. Entrei em desespero e tive que ficar puxando pela memória por cerca de um minuto. Aos poucos as lembranças foram voltando, mas a partir desse dia comecei o desmame desse ansiolítico. Isso aconteceu por volta do ano de 2008, e, hoje ainda sou dependente, mas tomo, no máximo, 4 comprimidos por mês, para não ficar muito irritado. Já cheguei a tomar 20mg por noite e considero uma pequena vitória essa boa diminuição do medicamento.
Texto maravilhoso, obrigada por compartilhar.
ResponderExcluirEu que agradeço a sua visita ao blog.
ExcluirTambém tenho um canal no youtube, apesar de que não sou muito bom em falar.
https://www.youtube.com/user/esquizosimporquenao
Adorei o seu trabalho, gostaria de conversar com você, tem alguma forma para contato?
ResponderExcluirGostei muito de seu trabalho, sua escrita e comunicação clara, gostaria de falar com você, como é possível?
ResponderExcluirOlá
ExcluirObrigado por visita o blog.
Você pode me adicionar no facebook?
https://www.facebook.com/juliocesar.dossantos.79
Muito bom!! Obrigada por compartilhar sua experiência
ResponderExcluirEu que agradeço a sua visita ao blog.
ExcluirEscrever para mim é um prazer, e no caso do blog sinto que uno o útil ao agradável, pelo fato de ajudar de alguma maneira as pessoas que estão passando hoje o que passei há alguns anos atrás.
Muito bom o texto, como sempre, Júlio!
ResponderExcluirGrande abraço !
Obrigado.
ExcluirEsse foi até maior do que de costume, ficar fora das redes sociais um tempo me deixou mais animado.
Abraços
Ótimas informações. Obrigada por compartilhar sua experiência única.
ResponderExcluirEu que agradeço a sua visita ao blog. Visite também o meu canal no youtube, apesar de me achar melhor escrevendo do que falando.
Excluirhttps://www.youtube.com/user/esquizosimporquenao
Você consegue perceber porque é que tem essa doença?
ResponderExcluirDepois que me aposentei e consegui comprar um computador pelas casas bahia comecei a estudar o assunto. E também comecei a fazer uma longa análise de toda a minha vida.
ExcluirEra uma questão que me intrigava muito, pois como algumas pessoas piravam em certas situações e outras não?
Então cheguei à conclusão que eu tinha tendência a ter esquizofrenia. Mas nem sempre quem tem a tendência desenvolve a doença, tudo depende da vida que a pessoa leva e de outros fatores, que são os gatilhos.
No meu caso também tinha a questão genética. E foi uma infância muito legal e divertida, mas sem o acompanhamento dos pais. E ouve diversos gatilhos, como um boato de que eu estava com aids em uma pequena cidade do interior de Minas Gerais.
Noites mal dormidas também acho que contribuíram para agravar o quadro.
A qualidade do tratamento inicial também dificultou e piorou a situação.
E outros fatores, como o econômico, pois tinha que trabalhar mesmo afastado pelo inss.
Mas, como relatei, não boto a culpa em ninguém, eu tinha e tenho tendência a desenvolver esquizofrenia
Surtos psicóticos não tem a ver com amnésia.
ResponderExcluirMas, falando de outra coisa, como são seus sonhos? Os meus ultimamente são tão estranhos: quase não há imagens e nem palavras. É como se eu não estivesse sonhando.
Boa parte dos meus sonhos não me lembro. Mas a maioria são legais e alguns meio sem sentido. E outros são bem reais, fazem sentido e tem relação com a minha vida, os diálogos são coerentes, mas não sei se são sonhos mesmo, a impressão que tenho é que não estou em um estágio intermediário entre o sono profundo e estar acordado.
ExcluirJá tive pesadelos, quase todos em relação ao trabalho como operador de som. Via as caixas de som caindo, o dono da firma me enchendo o saco. Quando acordava estava mais cansado do que se estivesse trabalhando a madrugada toda.
Acho que é provável que a medicação esteja afetando alguma região do meu cérebro relacionada ao sonho. Esses remédios afetam até a memória. Você parou com a medicação, né? Parece que li isso em alguma postagem.
ExcluirSim, parei de tomar continuamente no ano de 2008, após tentar o zyprex, que é um medicamento caro.
ExcluirÀs vezes quando sinto que estou agitado tomo diazepan ou um antipsicótico qualquer, mas só por uma noite.
Eu acompanhava teu blog uns anos atrás, e sempre gostei muito da leitura. Hoje, depois do meu diagnóstico, lembrei de ti e voltei a ler. E queria te agradecer por partilhar toda a tua experiência e visão conosco, esse blog é muito necessário. Obrigada.
ResponderExcluirEu que agradeço a sua visita ao blog, sem vocês não estaria até hoje fazendo minhas postagens. Depois visite o meu canal no youtube
Excluirhttps://www.youtube.com/@CanaldoEsquizo/videos