terça-feira, 9 de julho de 2013
A esquizofrenia e eu
Muitos pais, namoradas(os), e parentes de pessoas que têm algum grau de esquizofrenia constantemente entram em contato comigo, perguntando-me sobre o que fazer para se livrar desse transtorno que acomete 1% da população mundial.
Eu juro por Deus que, se soubesse, já teria espalhado esse método para o maior número de pessoas.
Algumas dessas pessoas, ao verem os meus vídeos, me disseram que sou uma pessoa centrada, calma, como se eu já tivesse resolvido esse problema em minha vida. Não é bem assim, eu sempre gravava os vídeos nos dias em que estava me sentindo bem. Hoje em dia estou estabilizado, mas ainda passo por algumas situações complicadas e chatas por causa dessa patologia.
Uma das principais é a oscilação de humor, que não é exclusividade dos bipolares. Muita gente tem isso, desde os portadores de esquizofrenia e até os ditos normais. Já tenho isso há bastante tempo, e me atrapalha tanto que chego a evitar de marcar encontros, simplesmente por não saber como vai estar o meu estado de ânimo no dia marcado. Outro dia desses acordei tão alegre que sai cantarolando pela rua, logo de manhãzinha, e até zoei o pessoal do exército quando os vi correndo pelas ruas aqui do bairro onde monto a minha barraca. Estava tão animado que cheguei a me perguntar se havia usado drogas. Como estava de estômago vazio, descartei a ideia de que alguém tivesse colocado alguma droga em algo que eu havia bebido e chego a conclusão de que isso é do meu cérebro maluco.
Outra coisa que me incomoda são os sintomas negativos, que, como a maioria deve saber, é a apatia, o desânimo, aquela vontade de não fazer nada. Isso muitas vezes é confundido com depressão pelos portadores e com preguiça pelas pessoas próximas. Aliás, tudo agora é depressão. A pessoa fica triste por ter perdido algum parente, ou por não ter uma vida legal e já chama isso de depressão. Os medicamentos não irão pagar as nossas contas e resolver os nossos problemas financeiros e emocionais, podem ter a certeza disso. Para mim, resumindo, depressão é uma tristeza sem motivo, que tem haver com a química do cérebro. Ai é que entram os antidepressivos, aquele lance de recaptação da serotonina e tals.
Mas o que mais me incomoda até hoje é a tal da mania de perseguição, até publiquei dois posts para tentar explicar um pouco o que é isso. Incomoda muito chegar em um lugar e se sentir observado pelas pessoas. E isso muita gente tem, desde o grau leve, até o moderado e o mais grave. Evito o máximo de ir a lugares cheios de gente. Uma das situações que evito é ir em shows, coisa que adorava fazer, antes dos surtos. Gostava tanto de shows que até acabei trabalhando nessa área, como operador de som.
E o que faço para lidar melhor com esse transtorno, que ainda não tem cura?
O primeiro passo é reconhecer que temos a patologia. Se não fizermos isso, como podemos buscar ajuda e tratamento para algo que pensamos não ter? Eu tirei esse ensinamento dos doze passos dos alcoólicos anônimos, quando estava morando nas ruas, depois de um surto psicótico. Fui levado para um centro de recuperação para alcoólicos e viciados em drogas. Eu não tenho esse problema de vícios, mas uma assistente social me disse que poderia me ajudar com o auxílio doença, que o proprietário da clínica tinha "a manha" de aposentar pessoas e tals. Lá fiquei conhecendo esse primeiro passo, que acho que vale para muitas situações de nossas vidas, esquizofrênicos ou não. Claro que não fiquei nessa clínica por muito tempo, pois na verdade o cara queria me interditar e ficar com minha aposentadoria pelo resto de minha vida. Mas levei esse ensinamento e o uso em muitas situações. Temos que reconhecer que possuímos essa patologia. É difícil, mas também não é o fim do mundo.
O segundo item que me ajuda a lidar com a esquizofrenia é a própria experiência com a patologia. Se no primeiro surto eu cometi atos extremos, como pedir demissão do serviço, andar pelas BR's fugindo dos inimigos que estavam só em minha mente, até chegar a tentativa do auto extermínio, no segundo surto fiquei mais quieto, mas não menos assustado. Um exemplo que gosto de citar é o John Nash, que parou de tomar os remédios aos 42 anos de idade. Ele arrumou um jeito de conviver com a esquizofrenia. Um dos fatores que o ajudaram a descobrir que suas "alucinações eram alucinações" foi o fato de perceber que a garota que sempre aparecia para ele não envelhecia com o tempo.
Juntamente com a experiência, a informação é um grande aliado. A internet está ai para todos, e o que não falta são bons sites sobre o assunto. A troca de experiência com outras pessoas que têm a patologia pode ser muito positiva também. O fato de sabermos que não somos o único a ter esse transtorno nos tira a impressão de que a esquizofrenia seja um castigo de Deus. No facebook existe um grupo chamado esquizofrenia que é mais voltado para os portadores do que para os profissionais da área de saúde mental, vale a pena entrar e fazer novas amizades. Conhecer a esquizofrenia é como conhecer os pontos fortes de um adversário em uma partida de futebol. Ficamos mais preparados para enfrentá-lo e assim podemos anular com mais facilidade seus pontos fortes, aumentando assim a chance de vencê-lo.
Um outro fator que ajuda a lidar melhor com a esquizofrenia é a maturidade. Isso ai já varia muito de pessoa para pessoa. Alguns amadurecem mais cedo, outros demoram um pouquinho mais, enquanto outras pessoas parecem que param no tempo e não evoluem nunca. A maturidade faz com que pensamos mais antes de agir e cometermos uma bobagem, e isso vale também para qualquer pessoa.
E, por último, algo que também vale para todos é conhecer a si próprio. O auto conhecimento ajuda as pessoas que têm esquizofrenia a evitar situações de stress, o que é de fundamental importância para se evitar um surto psicótico. Eu, por exemplo, na medida do possível, evito multidões, sons altos, pessoas que passam sentimentos negativos, como agressividade, vingança, etc.
Conhecendo a nós mesmos, sabemos os nossos pontos fracos e assim podemos tentar nos fortalecer nessas áreas. Um dos meus pontos fracos era me preocupar em demasia com a opinião alheia. O que as pessoas pensavam de mim era muito importante. E o que acontecia quando encontrava pelo caminho pessoas que não queriam o meu bem? Tentavam me desestabilizar quando sabiam do meu ponto fraco. Faziam comentários ao meu respeito, perto de mim, só para que eu ouvisse também. Por exemplo: Chegaram a comentar que eu estava com aids, e esse boato se espalhou rapidamente em uma pequena cidade onde trabalhava na época do meu primeiro surto. E é aquele velho ditado: uma mentira dita muitas vezes acaba virando verdade. Acabei enlouquecendo com tantos comentários e surtei, chegando ao ponto de não acreditar nos exames de HIV que davam negativo no teste.
Hoje em dia, quase não encontro pessoas que querem o meu mal, estou fora do mercado de trabalho e procuro ficar sempre na minha. Mas, quando ouço um comentário maldoso a meu respeito, nem dou bola. Aprendi na prática que a língua é a pior das armas, é o chicote do povo, é a arma dos fracos e maldosos, pois é fácil de usar e pode causar enormes estragos na vida de uma pessoa.
A última dica que dou para quem têm esquizofrenia é encontrar um sentido para a vida. Faça algo que goste, carregue uma bandeira (não no sentido literal né?), entre para um grupo, uma ONG, uma associação qualquer. Não é possível que não exista nada nesse mundo que não nos interesse. Faça alguma atividade, ocupar a mente é a melhor forma de esquecermos da esquizofrenia.
Em relação aos medicamentos, isso vai de cada pessoa, não gosto de ficar opinando sobre isso, Eu não uso, John Nash não usa, parou de tomar aos 42 anos. Conheço algumas pessoas que se dão bem usando medicamentos, mas isso depende de um bom profissional e de tempo($). Ou seja, se a pessoa se conhece bem, ela saberá se pode ou não ficar sem os medicamentos.
Por hoje é isso pessoal, espero que tenham gostado do post e que tenha ajudado em alguma coisa.
-0bs: já me recuperei e já estou pronto para mais uma viagem, mas primeiro vou me equipar melhor contra o frio e contra a chuva, comprando um saco de dormir e uma nova barraca, assim poderei acampar no meio do mato, se bem que o grande barato das viagens foi o contato com as pessoas simples do interior de Minas Gerais. Confesso que no primeiro dia em Belo Horizonte eu vi um marco da estrada real em pleno centro da cidade.
Assinar:
Postar comentários (Atom)
Júlio, perfeito seu post. Concordo com tudo. Eu preciso dos remédios e vive bem melhor com eles, mesmo tendo que aguentar os efeitos colaterais. Também não gosto de multidões e evito o máximo que posso situações de stress, que podem causar novo surto. É isso. Parabéns pelo seu trabalho de conscientização das pessoas, mostrando que somos iguais a quaisquer outros, com qualidades e defeitos.
ResponderExcluirObrigado Hulk, você frequenta algum caps aqui em BH ou cersam? Acho que, nós, os portadores, temos que nos unir para tentar lutar por nossos direitos. Em São Paulo, por exemplo, os portadores tem gratuidade nos transportes municipal e intermunicipal. Devemos também lutar pelo transporte interestadual, já que, na hora de tentar algum emprego, sofremos tão ou mais preconceitos quanto os deficientes físicos.
ExcluirJúlio, eu não frequento Caps ou Cersam. Faço consultas com o psiquiatra uma vez por mês e volto ,semana que vem, a fazer terapia uma vez por semana. Na verdade é muito difícil pra mim sair de casa. Tenho as manias de perseguição que você conhece bem, fora os efeitos dopantes dos remédios. Mas isso que você disse é verdade. Temos que nos unir e lutar por nossos direitos. Somos cidadãos como quaisquer outros. Abraço.
ExcluirFiquei muito feliz de ler o seu post. Você transmite algo muito positivo para as pessoas que lidam de uma forma ou de outra com a esquizofrenia. Obrigada.
ResponderExcluirObrigado, realmente não é nada fácil lidar com a esquizofrenia, mas, com luta e perseverança, as coisas podem melhorar. Acredito que os cientistas bem intencionados ainda irão encontrar algo que, se não curar, pelo menos vai diminuir bastante esses sintomas da esquizofrenia, sem causar tantos efeitos colaterais.
ExcluirOlá Júlio,
ResponderExcluirMuito legal o trabalho de vc vem fazendo com seu blog....Parabéns mesmo!
Quais os seus planos para a futura viagem pelo interior de nossa minas gerais.
Obrigado. Como estamos no inverno, não vou fazer uma viagem muito longa nesta estação, tenho que comprar um bom saco de dormir. Mas, no início do mês que vem irei fazer uma pequena viagem de 120km por um trecho que tem lindas cachoeiras. Assim que começá-la postarei aqui no blog. Fiquei viciado nas andanças rsrsrs
ExcluirJúlio, não sou esquizofrênica, mas sofro de coisas semelhantes. Creio eu, devido aos padrões normóticos enlouquecedores do mundo contemporâneo. rsrs
ResponderExcluirAdorei seus posts, por identificação, e confesso que fiquei com uma inveja boa das suas andanças. Gostaria de ter a sua coragem de sair por ai, conhecendo a vida, se conhecendo, enquanto vive. Lutando contra seus fantasmas do seu jeito. Sendo o fantasma deles.
Você experimenta a experiência de viver e nós outros, padronizados e limitados unicamente a uma realidade dada, perdemos tempo em busca do sentido da vida, enquanto morremos sem vivê-la.
Parabéns pela iniciativa. Serve à conscientização de todos nós!
Olá, obrigado pela visita ao blog. Alguns psiquiatras costumam dizer que, a maioria dos sintomas que os esquizofrênicos sentem, a maioria das pessoas também sentem, só que em menor grau. Você já experimentou fazer terapia? Claro que sem medicamentos, acho que os remédios só em último caso mesmo, quando o caso é muito grave. O mundo de hoje realmente deixa qualquer um maluco, vou viajar no início do mês que vem, BH está um caos, protestos em cima de protestos, qualquer coisa é motivo de se fechar uma avenida ou br, ou então invadir a prefeitura. O trânsito então nem se fala, os motoristas estão muito estressados. Por que você também não sai por ai viajando? Não precisa ser caminhos longos, mas uma pequena caminhada em meio à natureza. Depois, se gostar da ideia, entre em contato comigo pelo email. Abraços
Excluirjulio voce voce tem que tomar medicacoes? ouvi falar que tem uma medicacão nova 1 vez por mês...O que pensa disso
ResponderExcluirEu tento o máximo evitar as medicações, pois, para mim não deram bons resultados. E medicações injetáveis é complicado experimentar, pois o efeito dura um mês, e, se por acaso não me der bem com a medicação? Certa vez uma psicóloga, fugindo de suas tarefas, me convenceu a tomar o haldol injetável, e ai fiquei um mês muito mal. Essa psicóloga, além de pedir para a enfermeira me aplicar a injeção, se esqueceu que é necessário usar o biperidono para diminuir os efeitos colaterais do haldol, ou seja, errou duas vezes: por me convencer a usar um medicamento, a autorizar a enfermeira a aplicá-lo em mim e se esquecer de que era necessário o biperideno. Por isso fico muito receoso em tomar medicações injetáveis em que o efeito dura um mês. Mas mesmo assim muito obrigado pela visita ao blog e pela dica.
ResponderExcluirTem tanta gente maldosa e amarga no mundo que tenta prejudicar e julgar pessoas que nem conhecem... tento me afastar tmbm de gente falsa e vingativa... convivo com uma pessoa dentro da minha casa que me disse coisas tão duras certa vez... falou que ia acontecer coisas ruins comigo e eu nao ia ter ninguem pra me ajudar... e falou na minha cara que me desejava o mal mesmo... só de imaginar que chorei com essa pessoa no momento mais difícil da vida dela... pedia oração pras pessoas... quando ela me viu chorando fez ar de riso... superioridade, não esqueço disso.. é uma punhalada muito grande... as pessoas são muito maldosas... não vou falar que sou desconfiada por talvez ter a patologia... as vezes as pessoas nos dão motivo de ser assim.
ResponderExcluirSei o que você deve ter passado com essa pessoa. Elas sabem que ficamos chateados com esses comentários, mas você buscar alguma maneira de se fortalecer e não procurar dar tanta importância ao que falam e dizem, por que falar é muito fácil. Não sei se deu para ver, mas dei muita importância ao que diziam e quase morri literalmente, devido aos surtos psicóticos, sendo que um deles foi desencadeado pelo fato de um boato de eu estar com aids. Abraços.
ExcluirOlá,sou estudante de psicologia e meu pai tem esquizofrenia,infelizmente nunca falei abertamente com ele sobre isso pois esse assunto é bem discreto na familia,na vdd há alguns anos atrás q eu vim saber oq ele realmente tinha,para mim ele tinha depressão ansiedade e era/é muito nervoso.Resolvi pesquisar sobre esse assunto,e queria saber a opinião de vc q tem um grau leve como ele,se vc ja trabalhou,se consegue voltar a trabalhar com algo,e se vc se sente mal dirigindo,ele fica muito nervoso dirigindo,e excessivamente ansioso,mesmo que não tenhamos um compromisso qnd ele ta no volante sempre quer chegar logo ao destino,queria saber como posso ajudar ele nessas questões,ele é formado em direito é muito inteligente mas n conseguiu trabalhar bem com o público,na vdd essa é a maior dificuldade dele,acho q tbm falta a força de vontade,apenas gostaria de saber oq vc acha por viver tudo isso e saber exatamente como é tudo isso.
ResponderExcluirOlá
ExcluirEm relação a minha esquizofrenia, não sei como classificá-la quanto ao grau de gravidade. Nos primeiros surtos, foi muito grave, isso eu sei, pois quase morri. Hoje tenho muito os sintomas negativos, é difícil encontrar ânimo para realizar qualquer tarefa. É como se fosse uma depressão grave, apesar de não aparentar isso fisicamente, pois procuro cuidar da minha saúde dentro das minhas condições.
Trabalhei por 17 anos como operador de som, até os surtos aparecerem. Eu não me sinto mal dirigindo, pois nunca pensei em tirar a carteira, me imaginava dirigindo no centro de Belo Horizonte e já sentia que não iria me sentir bem. Hoje provavelmente iria ficar muito estressado com esse trânsito. Infelizmente não sei como posso ajudar, também tenho quase as mesmas dificuldades que ele, quase não saio de casa, e a vida social ficou praticamente zerada depois dos surtos. O nível de inteligência pode ajudar a entender um pouco o transtorno e também a lidar um pouco melhor com ele, mas não ajuda tanto assim. Em relação á força de vontade também não posso dizer, não sei se ele toma medicamentos, que nos deixam lentos e sonolentos em alguns casos. O que posso aconselhar é tentar a usar o ômega 3, sinto uma pequena melhora no ânimo, quando também consigo praticar esportes. É um assunto um pouco complexo para se resumir a um comentário.
Espero ter ajudado em algo.