quinta-feira, 4 de abril de 2013

Um mendigo diferente


 O título desse post até parece nome de filme, mas não é. É a minha realidade atual, meio por opção, meio por morarmos em um país que impossibilita as pequenas empresas assinarem a carteira de trabalho de seus funcionários, e, quando o conseguem, assinam a carteira com um valor abaixo do que a pessoa realmenete recebe.
    Falo isso pois tive a sorte de me aposentar, não posso reclamar disso, mas foi com um salário mínimo, sendo que ganhava um pouco mais. É engraçado que no nosso país consideramos sorte uma obrigação do governo. Muitas vezes digo: "Tive a sorte de ser atendido rapidamente no posto de saúde", como se fosse algo que estivesse recebendo de graça. Mas é isso ai, bola pra frente e chega de chororô.
    Estou em um abrigo, ainda me recuperando da lesão no tendão de aquiles, pois o mesmo ainda está um pouco inchado e dolorido, devido ao esforço que fiz. Na próxima segunda terei que ir ao ortopedista, mas creio que não é nada sério, o problema é que me machuquei em um ponto fraco, onde o peso de nosso corpo recai todo sobre esse osso ou sei lá o que é isso. Não vou consultar no google, pois estou na lan house, mas deve ser um osso ou algo parecido. Tive que fingir que havia machucado o tornozelo recentemente, para ser atendido na UPA, aqui em BH. Fiz um teatrinho e cheguei mancando, dizendo que machuquei jogando bola e que estava doendo muito, já, que, quando falei a verdade, não fui atendido. Fiquei na UPA das cinco horas da manhã até as cinco da tarde. A dengue está tomando conta aqui da cidade, e a ordem de atendimento na UPA não era de chegada, e sim de desmaiada.
    Resolvi ir para o abrigo pois se já é um pouco perigoso ficar nas ruas em plena forma física, imagine mancando. Há uns dias atrás, de madrugada, um cara me acordou, cutucando a barraca. Acordei e claro, não coloquei a cabeça pra fora de primeira, esperei a reação da pessoa. Foi uma situação curiosa, pois o cara devia estar fazendo a mesma coisa, ou seja, esperando a minha reação. Então, vagarosamente abri a entrada da barraca, mas não vi ninguém. Mas, logo depois ouvi duas pessoas gritando "Pega ladrão!".
    A polícia já encrencou com a minha barraca também. A polícia não, um policial, melhor dizendo. Outros já passaram por ela e nem me abordaram. Houve um acidente de carro perto do local onde eu havia armado a minha barraca. Depois de algum tempo, resolvendo o problema do acidente, o policial simplesmente começou a sacudir a minha barraca, mandando eu sair dela. Insinuou que eu já tivesse passagens por algum presidio e, como minha resposta foi negativa, perguntou meio que maldosamente o motivo de eu ter sido levado para a delegacia, sendo que nunca em minha vida eu tive que ir a uma delegacia para resolver problemas envolvendo brigas e coisas do gênero. Pegou minha identidade e puxou a minha ficha. Vendo que não constava nada, me perguntou se não tinha medo de ser queimado na rua, mas não respondi nada, pela forma como me abordou. Eu sinceramente, não tenho tanto receio de joguem fogo em mim, pois, na maioria dos casos, isso acontece entre moradores de rua que brigam por diversos motivos, e na maioria das vezes, alcoolizados.
    Uma assistente social chegou a me perguntar se não dá para viver com um salário mínimo, quando eu disse que morava em uma barraca. Sinceramente, acho meio difícil, digo que dá para sobreviver. Se o salário é 680 reais e um quarto razoável custa algo em torno de 280 reais, então sobra 400 reais para alimentação, roupas, higiene, etc. Se tiver a sorte de encontrar algo perto do restaurante popular, as coisas ficam menos dificeis, mas, e quem não mora? Uma refeição custa mais ou menos oito reais por aqui em Belo Horizonte, então só em almoço já são 210 reais. Sobra então 190 reais para outras necessidades básicas, o que, para mim, é muito pouco. Digo e repito que sou um sortudo pelas pessoas que apareceram no meu caminho nos momentos mais difíceis e, se hoje, estou vivo e aposentado, é devido a elas. Mas precisamos só das necessidades básicas para viver?

    Mas morar sozinho é uma necessidade básica para mim, e de preferência, longe de vizinhos barulhentos, ou então, em um lugar que seja distante deles. Volto a repetir que prefiro a solidão não por que as pessoas não prestem, não é isso, é o meu jeito de ser e é também um sintoma da esquizofrenia, o isolamento. Isso gerou um comentário um tanto o quanto áspero de uma leitora, que resolveu colocar o nome de sergio e lea, não sei por que. Acho que só quem tem a esquizofrenia é que sabe o que é querer ficar só, por necessidade. Não vou negar que gostaria de ser mais comunicativo, sair por ai cumprimentando as pessoas, mas sem falsidade. O meu bom dia não seria um bom dia mecânico, como acontece por ai. Se não saio cumprimentando a todos, não é por que não acho que as pessoas não sejam dignas do meu cumprimento, apenas estou sendo eu mesmo. Já tentei ser uma outra pessoa, durante os surtos, para esconder a minha tristeza, e quase tive um problema sério de identidade. Afinal, o que tem de errado em querer ficar só? Algumas pessoas reclamam que sou muito sério, mas ser sério é um defeito? Demoro muito a ter intimidade com as pessoas que conheço, para chegar ao ponto de brincar e fazer piadas, mas, quando isso acontece, sou meio brincalhão até.
    Voltando ao título do post, mendigo é aquele que pede, para simplificar. São moradores de rua, que não tem algo para comer e vestir. Como já disse, tive a sorte de me aposentar, então não peço dinheiro, comida, e procuro não incomodar ninguém. A minha mendicância é apenas por um pouco de paz e respeito. Só gostaria de poder montar a minha barraca por volta das oito horas da noite e desmontá-la às seis horas da manhã, para não atrapalhar ninguém. Não a monto em frente a residências e nem em prédios,  então o que há de mal em morar em um lugar onde estou me sentindo bem? Outro dia, um vigia do prédio de uma repartição pública mandou que eu desmontasse a minha barraca, sendo que eu não estava impedindo o acesso de ninguém, pois nunca a monto em horário comercial. Não acho justo gastar quase metade do meu salário alugando um quarto apertado, então o que há de errado em morar em uma barraca? O que você acha dessa situação?

15 comentários:

  1. Eu também não acho errado montar uma barraca, desde que não atrapalhe outras pessoas...o problema,Júlio, que vc não é aqueles mochileiros cheios da grana, com pais "importante", que pode dar carteirada. Esse é o nosso brasil!!! continue em frente. Não se deixe abalar!!!!

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    1. Verdade, acho que também o fato da copa das confederações estar chegando pode estar influenciando nisso. Dizem que aqui em BH os catadores de material reciclável serão impedidos de trabalhar enquanto o torneio estiver sendo disputado. Só para os gringos pensarem que o Brasil é um pais rico e sem pobreza...

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  2. oi Júlio, tudo bem? Eu acho perfeitamente normal a sua escolha, é uma escolha sua e ninguém deveria se encomodar com isso, afinal de contas pagamos impostos e somos cidadãos livres. Confesso que me sinto triste e sinto pena daqueles que estão vivendo nas ruas por não ter outra opção, nem sempre ter algo para comer, enfim, não ter nem ao menos suas necessidades básicas atendidas, que aliás, deveria ser um direito garantido pelo Estado, mas este não é o seu caso e que me alegra. Sei que apesar dessa escolha você preferiria ter um lugar fixo para descansar e viver, mas por diversos motivos por você citados, hoje não está sendo possível e estar vivendo na sua condição de agora é simplesmente "o que tem para hoje", né?! Gosto da sua atitude e coragem e não vejo nada de esquisito em uma pessoa ser calada e preferir ficar quieta no seu canto; Apesar de eu não ter esquizofrenia, eu também sou bastante calada e sofro bastante por não conseguir ser social igual a maioria das pessoas aomeu redor e por me sentir mal quando estou em locais cheio de gente. Confesso que me sinto um pouco "velha" muitas vezses, por nunca ter gostado de sair para "baladas" ou algo do tipo. As poucas vezes que sai na minha vida, me limitei a ficar bastante sem graça no cantinho só observando o movimento. Bom, é isso aó Julio! Tudo de bom e boa sorte na sua jornada. Abraço forte, Adriana

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    1. Realmente eu gostaria de poder alugar um quitinete ou então um quarto com banheiro e um espaço razoável, pelo menos. Mas até que não fico me lamentando tanto por isso, gostaria de pelo menos poder montar a minha barraca dormir tranquilamente, algo um pouco difícil em cidades grandes, mas creio que um dia acharei um lugar legal para morar definitivamente. Obrigado por visitar o blog.

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  3. Júlio, seu blog é definitavamente um dos melhores que visito. Vc é muito autentico e suas postagens revelam o quanto vc é uma pessoa legal e verdadeira. Acho muita coragem viver como vc vive, as aventuras que vc conta. Queria ser corajosa tb! Eu tenho depressão e estou me tratando,mas sinto que tb nunca serei tão comunicativa quanto às outras pessoas. Sou deveras antisocial.
    Eu moro em Salvador e aqui tem uma região metropolitana chamada Simoes Filho, que tem umas casa com preço muito bom, tipo 100.
    POr que não vem pra Salvador?
    Só não indico Salvador para armar barraca, pq aqui é extremamente perigoso nesse caso.
    Tudo de bom! Muita luz e proteção no seu caminho.

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    1. Olá Lais, obrigado por visitar o blog e pelas palavras. No momento a minha intenção é andar por ai, acho que meio para compensar o tempo em que fiquei trancado em meu quarto. Não consegui me livrar da esquizofrenia ainda, mas acho que consegui quebrar as algemas que ela e eu mesmo coloquei em mim. Em relação a morar em Salvador, vou dar uma olhada, gosto muito do Nordeste e principalmente do povo desta região. Abraços.

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  4. Amigo Júlio, espero profundamente que você encontre o mais breve possível um cantinho para morar. Viver nas ruas não deve ser algo bom para ninguém. Será que não tem nenhum programa do governo que possa te ajudar nisso ? O tão falado "minha casa minha vida" ? Bom, espero que você fique bem e sare logo o seu tornozelo e continue nos contando suas histórias e aventuras. Felicidades. Fique bem.

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    1. Olá Hulk, aqui no abrigo fiquei sabendo de alguns programas do governo, vou dar uma olhada, apesar de achar que eles dão prioridade a famílias, mas não custa nada tentar né? Não acharia ruim morar nas ruas, se não fosse esse problema das pessoas acharem estranho o fato de uma barraca ser armada em uma cidade e não no campo ou na praia, sem contar as pessoas que, se deixarem roubarm até seus parentes. Mas, quando melhorar vou voltar a viajar por cidades pequenas e o perigo é menor.

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    2. "Aqui no abrigo"

      Você tá dormindo na rua ou em um abrigo?

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    3. Olá, atualmente, por causa do meu pé que está machucado, estou dormindo no abrigo, até conseguir uma consulta com o ortopedista. Mas, assim que melhorar, pretendo voltar as minhas andanças, pois é o que estou gostando mais de fazer atualmente.

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  5. Olá Júlio meu nome é Marcelo e é a primeira vez que vejo o seu blog, parabéns e obrigado por compartilhar suas experiências.

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  6. Obrigado Marcelo, seja bem vindo ao blog. Qualquer dúvida estamos ai

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  7. Amigo eu só queria dizer que de tudo que li até agora no seu blog você é o cara mais normal que eu conheço, sério eu não estou soando com você, se fosse a dois séculos atrás você seria considerado gênio e não louco. Loucura hoje em dia é algo supercial, e é empregado como sinônimo para qualquer pessoa realmente inteligente, visionária ou excêntrica (aliás rico é excêntrico e pobre é louco rssss). Na nossa sociedade, se uma pessoa mata outra por dinheiro ela é normal e vai para cadeia, mas se rouba dinheiro do rico para jogar para os pobres é louco, ou seja se você se atrever a tentar mudar um pouco o mundo onde vive, você é taxado como louco. Antes eu tinha muitas duvidas quanto a minha sanidade mental, pois eu pensava diferente da maioria e todos me taxavam como doente mental durante a minha infância e adolescencia. Contudo uma frase que meu professor disse para mim em frente de toda a sala me ajudou muito: "vejam todos os gênios que são considerados como tal hoje em dia, sabem o que Einstein e Newton tinham em comum... eles não tinham medo de serem loucos". Desculpe se o comentário acabou sendo um pouco longo demais. Abraços e toda sorte do mundo para você.

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    1. Obrigado Arthur pelo comentário e pela visita ao blog. Concordo em tudo o que disse, costumo dizer que fico ofendido de ser chamado de normal. Cada dia que vejo o noticiário me sinto a pessoa mais normal do mundo.

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  8. Interessante essa questão das barracas em meio urbano, porque é algo aceito em diversos lugares, como Nova Zelândia e no Japão (http://wikitravel.org/en/Urban_camping_in_Japan)

    O último parágrafo dessa sua postagem foi uma das coisas mais lúcidas que já tive a oportunidade de ler. Parabénsm, antes de mais nada, pela sua lucidez nesse mundo caótico!

    Abraços.

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