27 de maio de 2013-segunda feira
Passa Quatro-Vila do Embau
Sou acordado exatamente às cinco e meia da manhã pelo funcionário do albergue de Passa Quatro. Às seis, já estava na rua.
Tive uma excelente noite de sono, que recuperou minhas energias, mas não o meu ânimo e a vontade de prosseguir na estrada real. O albergue de Passa Quatro é muito aconchegante, limpo e o funcionário fez uma ótima sopa ontem de noite.
Os tetos dos carros estão molhados pelo sereno da madrugada. Sento-me no gelado banco da praça para esperar o supermercado abrir. Tento, em meus pensamentos, encontrar algo que me dê ânimo para seguir o caminho. Na verdade, ao fazer uma reflexão, o que está pegando tanto não é o ânimo, e sim o receio de entrar em terras paulistas. Não sei como os paulistas irão receber o mineiro aqui. Pelo que pude perceber, os mineiros não têm nenhuma rixa com nenhum outro estado. Com a chegada da internet, pude perceber claramente a rivalidade entre paulistas e cariocas, ao ver os comentários em alguns sites. Por exemplo, quando acontece algo de ruim no Rio, os paulistas entram no site de notícias e fazem comentários bem pesados. O inverso também acontece. Sinceramente, não sei como esses sites publicam esses comentários, e, quando o assunto é futebol, ai é que o nível desce mesmo.
Me questiono se ganharei alguma coisa se chegar em Paraty, já que o caminho foi bem legal até o momento. Mas também penso sobre como seria se desistisse, já perto do final. Provavelmente não iria me perdoar nunca. É aquela história: nadar, nadar e nadar e morrer na praia. Penso também nos leitores do blog, não iria me sentir nada bem publicando um post informando a minha desistência. Como estou bem fisicamente, resolvo proseguir.
No supermercado, compro bananas, maçãs, biscoitos. A planilha informa que não encontrarei nenhum restaurante na hora do almoço, a não ser que eu ande bem devagar
Até Vila do Embau, foram 33km de estrada de terra, trilhas e asfalto. Queria muito calçar o tênis, para poder acelerar a caminhada, mas o dedão do pé ainda não está 100% curado.
No caminho, saindo de Passa Quatro e entrando no asfalto, não encontro o marco 1218, e tive meio que deduzir o caminho a seguir, pois os motoristas dificilmente param em estradas de asfalto. É muito ruim caminhar na incerteza até conseguir achar o marco seguinte.
Por volta das dez e meia já estava na divisa dos estados de Minas Gerais e São Paulo. Foi uma sensação legal que tive, como se estivesse cumprido uma etapa do caminho. As terras paulistas são uma incógnita para mim, e o desconhecido, ao mesmo tempo que me dá um pouco de medo, também me aguça a curiosidade.
Saio do asfalto e entro em uma trilha na serra da Mantiqueira, que parece terminar em uma solitária propriedade com muitos pés de mexerica. Como não estava mais avistando os marcos, começo a bater palmas para ver se havia alguém em casa para me informar sobre a trilha. Quem me atende é um senhor aparentando ter uns 55 anos de idade, mais ou menos. O cara é super gente boa, com seu jeito de caipira me diz que os marcos da trilha foram jogados no chão há quatro anos atrás e que nunca foram colocados em seus devidos lugares, para orientar o viajante.
Ele então me dá as coordenadas para seguir a trilha, e me alertou sobre as temíveis cobras urutus, que são comuns na região. Cortou um pedaço de árvore e me deu, para que eu pudesse me defender de um eventual ataque dessas cobras. Mas, antes de seguir o caminho, o seu Jair, me convidou para o almoçar. Claro que aceitei, não poderia recusar uma gentileza dessas. Conheci sua esposa, a dona Sônia, que é bem tímida. Conversamos um bom tempo enquanto almoçávamos. E eu sempre achando divertido o jeito caipira do Jair de conversar.
os marcos não foram colocados, a esquerda, a barriga do gente boa seu Jair |
-Você é de onde?
-Belo Horizonte.-respondo.
- Tudo quanto é pessoa que passa aqui é de Belo Horizonte! Outro dia passou uma mulher com uma bicicleta que só faltava falar!- ele disse, e eu achando maior graça.
-É que o mineiro gosta de caminhar...
Foi difícil me despedir do seu Jair. Sua simplicidade e generosidade me deixaram muito feliz e aumentou a minha motivação de proseguir o caminho. Comecei a gostar de caminhar pelo estado de São Paulo.
Olho a trilha e vejo que ela entra em uma mata bem fechada. Olho a planilha e fico na dúvida; seguir 3,5km de trilhas, com possíveis ataques de cobras urutus e descalço, ou então seguir 6,5km de asfalto, com carros passando a toda velocidade ao meu lado?
Nem demorei muito para pensar e escolhi a trilha, é claro. Além de ser mais perto, tenho essa forte ligação com a natureza. Peguei o galho de árvore que o seu Jair havia me dado e me embrenhei pela mata adentro. A trilha realmente entra em uma mata bem fechada, e, sem os marcos, as coisas ficam mais difíceis. Chega a bater um leve desespero em mim, mas logo em frente encontro um cara trabalhando no meio do mato, parece que estava abrindo caminho. Ele me informa que tenho que virar a direita para proseguir na estrada real. Foi sorte a minha, provavelmente iria seguir em frente e não sei aonde iria parar, perdendo um bom tempo até achar o caminho correto.
Essa trilha não é difícil de ser percorrida, mas aconselho a quem a deseja seguir, que pense duas vezes e procure se informar antes, se não souber exatamente onde se tem que virar a direita.
Não encontrei nenhuma cobra pelo caminho, mas dizem que ela é muito perigosa, e ainda estava descalço, para complicar as coisas.
Terminada a trilha, sigo a BR052, que é boa de se andar, pois tem um bom acostamento. Só é preciso tomar cuidado nas curvas, pois alguns motoristas passam "voando" e não respeitam o acostamento.
No céu, pela segunda vez no dia, um helicóptero sobrevoa a região. Na minha paranoica cabeça, são pessoas que estão monitorando a minha entrada em terras paulistas.
Estava bem fisicamente, sem dores e caminhando com boa velocidade. Mas, de repente, o céu começou a ficar um pouco mais cinzento e a temida chuva começou a cair sem piedade nenhuma aqui do mineiro. Abro a barraca e me protejo do jeito que posso. Até que dá para continuar a caminhar sem me molhar muito, mas o pior de tudo é o frio misturado com a água que cai sem parar. São duas horas da tarde e sigo até Vila do Embau sem parar, para não esfriar o corpo e também é complicado descansar debaixo de água. Com mais duas horas de caminhada, em estradas de terra e asfalto, chego finalmente ao destino do dia. Paro em uma mercearia e procuro me informar sobre onde poderia montar a minha barraca e passar a noite. Alguns moradores dizem que não sabem sobre algum lugar coberto, o que me deixa preocupado, pois o vendedor na hora foi sincero ao falar sobre a barraca, dizendo que a mesmo não aguenta fortes chuvas. Estava também fazendo aquelas perguntas para saber como é o povo paulista, se são atenciosos, receptíveis,etc. Depois de muito perguntar, um morador me indica o ponto de ônibus do distrito.
Espero a chuva dar uma trégua e vou ao local que me indicaram. O ponto de ônibus é bem amplo, é dá para montar a barraca sem problemas com a chuva. O dia está fechado, às cinco e meia da tarde tudo já está escuro em Vila do Embau. Espero que amanhã o tempo melhore. É a segunda vez que chove durante o caminho, que, para mim, é pior do que o sol forte e o frio. Estou muito ansioso sobre essa minha primeira noite em São Paulo, sinceramente não sei como será a receptividade dos paulistas. Creio que terei muita dificuldade de pegar no sono.
Espero a chuva dar uma trégua e vou ao local que me indicaram. O ponto de ônibus é bem amplo, é dá para montar a barraca sem problemas com a chuva. O dia está fechado, às cinco e meia da tarde tudo já está escuro em Vila do Embau. Espero que amanhã o tempo melhore. É a segunda vez que chove durante o caminho, que, para mim, é pior do que o sol forte e o frio. Estou muito ansioso sobre essa minha primeira noite em São Paulo, sinceramente não sei como será a receptividade dos paulistas. Creio que terei muita dificuldade de pegar no sono.
foto tirada às cinco e meia em Vila do Embau |
Grande Julio!
ResponderExcluirQue medo dessas cobras aí, hein? Eu ia pedir pra acampar na casa do seu Jair! haha
Boa sorte em terras paulistanas!
Verdade cara, pelo jeito que ele falou, essas urutus ai não são brincadeira, me deu até o pedaço de galho de árvore. O seu Jair é muito gente boa, foi complicado de se despedir dele, fiquei conversando, conversando até conseguir dizer que tinha que ir embora. Esse receio de entrar em São Paulo sei que é mais coisa de minha cabeça mesmo, acho que fico com sindrome do estrangeiro quando saio de Minas rsrsrsrs.
ExcluirTe desejo uma ótima jornada em terras paulista.Abraço da Ana.
ResponderExcluirObrigado Ana por seguir o blog, está sendo legal conhecer o estado de São Paulo.
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