quinta-feira, 1 de novembro de 2012

O atirador de São Paulo

   Ipatinga 39°C, céu com poucas nuvens e sem previsão de chuva. Umidade relativa do ar é de 28%. A sensação térmica é de aproximadamente uns 42°C. Hoje fui tomar banho e pensei que o chuveiro estava ligado na posição inverno, de tão quente que estava a água que fica nos canos.
   Nessas condições, minha pressão arterial cai pra 10x6 e fico meio borocoxô. Já medi a pressão várias vezes e a enfermeira na última vez disse que se eu comesse "pastel" nessas horas o problema seria resolvido. Haja pastel para acabar com essa bambeza provocada pelo calor.
    Já que a enfermeira disse que essa moleza é normal, vamos ao que interessa. Infelizmente o assunto de hoje é sério, fiquei muito triste com toda essa situação e confesso que ainda dá vontade de deixar de lutar para que acabe ou pelo menos diminua o preconceito e o estigma contra a esquizofrenia.
    Trata-se do caso do atirador de São Paulo. O administrador desempregado Fernando Gouveia, de 33 anos, feriu três pessoas com uma arma de fogo no momento em que seria interditado pela justiça, a pedido da família. Felizmente não aconteceu o pior e ele vai responder por tentativa de homicídio.
    Em primeiro lugar, gostaria de dizer que não estou aqui para defender o Fernando, pois acho que ele tem condições de saber que, parando o tratamento como ele parou, poderia vir acontecer esse fato. Concordo que ele tenha que responder criminalmente pelo ocorrido, apesar de achar que a culpa nesse caso não seja totalmente dele.
    O que mais me estranha nisso tudo é a maneira como as coisas aconteceram e principalmente pelo fato de que ele estava morando com uma psicóloga de 45 anos, que deixou o rapaz ficar trancado em sua casa durante dois meses sem tomar os medicamentos.
   A minha intenção não é a de criticar a classe, mas sim a atitude, quer dizer, a omissão dessa pessoa no caso. Não entendo, como ela, sendo psicóloga, não levou o seu amigo (amante, ficante ou seja lá o que for) para fazer o tratamento, pois o mesmo dizia que estava chipado e que seria levado por estranhos seres com chifres. Aliás, nem precisava ser psicóloga para perceber que o cara não estava bem né?
    Fui muito criticado por alguns psicólogos em um grupo do facebook. Fui humilhado por um dos administradores, para falar a verdade. Disseram que eu deveria ir dormir, pois não era psicólogo e nem advogado para ficar dando opinião sobre o caso e que eu deveria me tratar. Acho que, qualquer cidadão comum tem o direito de expressar o que pensa, não precisa ser psicólogo ou advogado para perceber que ainda falta algumas coisas a serem esclarecidas neste caso. Afinal, estamos ou não em uma democracia? Se o que eu disse foi excluído no grupo(o administrador deixou só um pequeno trecho), eu posso relatar o que penso aqui no meu cantinho. Infelizmente na hora não pensei em tirar um print screen para que todos pudessem ver quem é  e como esse administrador do grupo trata as pessoas que pensam diferente dele.
    Mas, pelo que entendi do caso, Fernando abandonou o tratamento e resolveu sair de casa, sendo encontrado dois meses depois, morando com a psicóloga Silvia, de 45 anos, no bairro aclimação, em São Paulo. Seus familiares, percebendo que ele não estava bem, tomaram a decisão de interditá-lo. Acredito que a intenção da família tenha sido das melhores, pois Fernando não possuía bens e estava desempregado, o que elimina qualquer suspeita de que seus familiares quisessem tirar algum proveito financeiro com a interdição do administrador de empresas.
    O resto da história, creio que a maioria já sabe, pois a mídia adora uma tragédia dessas e expor os portadores de esquizofrenia, mesmo não estando em condições de dar uma entrevista. No momento em que seria interditado, Fernando efetuou disparos com uma arma e acabou ferindo o oficial de justiça, um enfermeiro e a sua amiga, esta provavelmente sem querer, pois foi ela quem abriu a porta para atender as pessoas que iriam levar o Fernando para um clínica para fazer o tratamento.
    A partir dai, foram nove horas de negociações até que o atirador se rendesse. Agora ele está preso e irá responder por tentativa tripla de homicídio, o que eu acho correto, pois ninguém pode sofrer as consequências por alguém ser portador de esquizofrenia, ainda mais com o agravante de que ele havia abandonado o tratamento( xi, parece que o advogado acabou de baixar em mim de novo). Bem, deixando a brincadeira de lado, gostaria de receber o mesmo tratamento se o fato estivesse ocorrido comigo, pois ninguém tem nada a haver como transtorno que carrego ao longo desses anos. Tenho consciência do que faço, menos quando estou surtado, mas no meu caso, nunca reagi com agressividade à todas aquelas alucinações e paranoias. Acho que as pessoas deviam saber que a maioria dos esquizofrênicos fazem mais mal a si mesmo do que aos outros.


Suicídio e Tentativas de Suicídio
Bleuler descreveu, na década de 1950, o comportamento suicida como "o mais grave de todos os sintomas esguizofrênicos". Aceitava-se, até aquele momento, que aproximadamente 10% dos pacientes com esquizofrenia morrem devido ao suicídio. Os dados epidemiológicos atualmente aceitos em relação ao suicídio de pacientes comesquizofrenia, citados por Bressan (in: Shirakawa, 1998) são os seguintes: 
a) de 2% a 13% de todos os pacientes cometem suicídio
b) esquizofrênicos têm um risco de 10% a 20% maior que a população geral para cometer suicídio;
c) o risco é maior em pacientes do sexo masculino
d) o risco é maior em pacientes jovens e diminui com a idade. 
Fonte: Psiqweb

    Mas a imprensa não gosta de divulgar suicídios, e acho isto até correto, pois isso pode incentivar outras pessoas a fazerem o mesmo. Mas também é fato que eles adoram mostrar um esquizofrênico surtado, e até entrevistam o mesmo, sem ao menos saber se o portador está em condições de dar uma entrevista. Acho que a imprensa faria mais bem a sociedade tentando explicar para a população em geral o que é realmente a esquizofrenia. Acho que até a polícia deveria incluir em seus treinamentos uma forma de atuar nesses casos.
    Gostaria de deixar bem claro que pode ocorrer esses fatos graves e perigosos na esquizofrenia, mas isso acontece por que o portador deixa de tomar as medicações , ou não tem condições de ter um tratamento adequando. No meu caso, eu nem faço mais tratamento, pois a psiquiatra disse que estou estabilizado, mas a verdade é que estou mais na fase dos sintomas negativos. E também a verdade é que não há vagas e profissionais disponíveis para atender a população aqui onde moro. No posto de saúde onde sou atendido, a consulta dura em média dois minutos. Não é brincadeira, até gravei um vídeo em que cronometro os atendimentos. Quando o caso é mais grave, ai dura um pouco mais, geralmente quatro minutos. É só vocês verem no post O caso é grave doutor?, onde gravei quatro vídeos contando a atual situação da cidade onde moro e lá vocês verão um vídeo intitulado "Posto de saúde". Tenho sorte do meu caso não ouvir vozes de comando, em que o portador geralmente ouve vozes ordenando que ele faça coisas. A única pessoa que saiu prejudicada no meu caso, para minha sorte, foi simplesmente eu mesmo, por que não ouço essas vozes de comando, ouvia sim pessoas bolando planos para me matarem, e a minha única reação nessa história toda foi correr e fugir, pois não tinha como brigar e me defender de tantos inimigos imaginários. Também não entrei em desespero por que já estava cansado de toda aquela perseguição que estava imaginando, não estava com medo de que "eles" me matassem, para mim seria até um alívio, pois já estava sem forças naquele momento para continuar vivendo.
    Bem, voltando ao caso do atirador de São Paulo, creio que ele mereça pagar pelo crime que cometeu, mas não em um presídio comum, e sim em um lugar para que ele possa fazer o seu tratamento, para, quando sair, repense suas atitudes e chegue a conclusão de que, no caso dele, não tem como parar de uma forma abrupta o tratamento. Se ele for para uma penitenciária comum, creio que irá sair de lá muito pior do que entrou.
    Mas, o que mais me intriga nesta história toda é a participação, ou melhor dizendo, a omissão de sua "amiga" psicóloga, que o deixou chegar naquele estado. Foram dois meses em que ele permaneceu em sua casa, sem medicação e dizendo que estava chipado e nem saia de casa, com receio de que estranhos seres com chifres o pegassem.
   Afinal, por que essa amiga não o levou para fazer o tratamento? Se ele se recusava, por que ela não concordou com a interdição? Será que ela, como psicóloga, não percebeu que o Fernando estava surtado? Por que ela deixou que o rapaz chegasse naquela situação? Será que ela não sabia que ele tinha um pequeno arsenal de armas em sua própria casa?
Ai vem em minha cabeça uma outra pergunta, que me deixa mais assustado ainda: Será que essa psicóloga não precisa de um atendimento também? Ela não teria algum transtorno mental também? É até estranha essa pergunta, pois sempre imaginamos que os profissionais da área de saúde mental sejam pessoas bem resolvidas emocionalmente, estáveis, que não têm nenhum problema de ordem emocional ou psicológica. Afinal, são seres humanos como nós e estão sujeitos a esses tipos de problemas.
   A amiga do Fernando foi atingida no ombro e provavelmente já deve ter tido alta do hospital. Não entendo como ela até hoje não deu uma declaração sobre o assunto. Se falou alguma coisa, não foi divulgado. Acho que ela tem muito o que esclarecer , muitas questões nesta história só ela tem a resposta. Se o atirador tem que responder por tentativa de homicídio, ela, no mínimo, tem que responder por omissão, negligência, ou participação no caso(sai de mim advogado, que este corpo não te pertence! rsrsrs). Afinal, ela, como psicóloga, sabia que poderia acontecer aquilo, sem contar que ela provavelmente sabia que o mesmo possuía várias armas em sua casa, apesar de estarem devidamente registradas e legalizadas. Um policial comentou que ficou surpreso pelo fato de um esquizofrênico ter conseguido o porte daquelas armas. Acho que ele deveria se informar mais sobre a esquizofrenia, pois, quando estamos devidamente medicados, podemos ter uma vida normal e não somos extraterrestres. Não está escrito em nossas testas que somos esquizofrênicos.
   Nessa história ainda tem o fato do psiquiatra da família do Fernando ter diagnosticado o mesmo sem ao menos vê-lo, com base apenas no relato da família, para que assim ocorresse o processo de interdição do administrador de empresas. Já pensou se a moda pega? Se uma família, com a intenção de se apropriar dos bens de um parente, vai ao psiquiatra e começa a dizer que esse parente está ficando maluco o psiquiatra dá o laudo? Ai até uma pessoa "dita normal" reagiria de uma maneira não amistosa numa situação dessas. Já ouvi relatos de casos desse tipo, em que a pessoa não tem nenhum problema mental, mas a família, interessada nos bens da pessoa, faz esse procedimento para interditar a pessoa.
    Bem, espero que os profissionais da área da saúde mental não fiquem zangados comigo por causa deste post. Não estou aqui criticando a classe de uma maneira geral e sim o comportamento em especial da Silvia. Gostaria que ela se pronunciasse a respeito do caso, pois o pior poderia ter acontecido, e ela sabia que isso poderia ter ocorrido. Infelizmente existem maus profissionais em todas as áreas, e na psicologia e psiquiatria não poderia ser diferente. Sou grato a quase todos os psiquiatras e psicólogas que me atenderam nos momentos mais difíceis, e devo parte de minha quase recuperação a esses profissionais, mas não poderia deixar aqui de falar o que penso sobre essa assunto, pois, a cada dia que passa só aumenta o preconceito e o estigma que esse transtorno carrega.
    Esses dois comentários abaixo eu retirei de um site que deu a notícia do caso e reflete o que a maioria das pessoas pensam a respeito dos portadores de esquizofrenia.

9 comentários:

  1. Mas que eu saiba um esquizofrenico quando comete um crime pela Lei a pena não é inimputável ? Ou seja, ele não é responsável por seus atos, no máximo, a Justiça o coloca num Hospital Piscossocial pra ter
    o devido tratamento ? Depois mesmo que a psicóloga estivesse morando com ele, não se sabe o tipo de relação que havia com o mesmo, portanto não dá pra julgar. Ninguém pode fazer o tratamento sob ação de coação, a mãe desse rapaz que deveria ter se mexido, e pelo visto não se mexeu, talvez.

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    1. Ele será punido sim, o local que será analisado ainda, mas responderá por tentativa de homicídio. Não estou aqui condenando a psicóloga e sim a pessoa. Qualquer pessoa, ao ver que um amigo naquela situação em que ele estava, tomaria alguma providência, sendo ou não profissional da área de saúde. A mãe do rapaz tomou as providências necessárias, mas ele saiu de casa, e foi encontrado depois de dois meses, na cada da psicóloga. É só ler o texto que, acho que explicou a situação toda. Ela, sendo amiga do rapaz, teria que ter tomado uma atitude, foi no mínimo omissa.

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    2. "A família afirma que Fernando sofre de esquizofrenia, por isso pediu a internação. “Ele será submetido a uma avaliação de sanidade mental. E a partir da conclusão desses exames ele vai receber atendimento adequado através do Estado. A conduta dele é infracional, não muda nada isto. Ele praticou verdadeiramente um crime, no caso um crime múltiplo. E ele será responsabilizado. O que sucede é que ao invés de ele ser condenado ele é submetido a uma medida de segurança alternativa”, afirmou o delegado José Gonzaga Marques."
      Fonte globo.com
      http://g1.globo.com/bom-dia-brasil/noticia/2012/10/homem-que-baleou-tres-pessoas-em-sp-passa-por-avaliacao-psiquiatrica.html

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  2. Caro Julio
    Cheguei até o seu blog através do grupo do facebook "Centro de Atenção Psicossocial". Gostei muito do que vi até agora. E apóio a sua iniciativa e sua luta contra o estigma e a discrimação. Que antes de tudo seja uma luta a favor do respeito não é mesmo?
    Sou psicóloga, trabalho num CAPS na minha cidade e também sou professora da disciplina "Neuropsiquiatria" para um curso técnico de enfermagem. Eu também milito nessa causa. E é muito gratificante comparar as opiniões dos estudantes no primeiro dia de aula e no último.
    Também me deparo com esse preconceito e até mesmo medo por parte desses futuros profissionais, em lidar com pessoas portadoras de transtornos mentais. E trabalho com afinco para desfazer essa imagem. Sinto que é uma missão sabe? Pois, como nesse post fica claro, a mídia em geral colabora muitíssimo para esse medo e exclusão da loucura.
    Enfatizo que é gratificante, ao final do módulo do curso, saber que esses futuros profissionais conseguirão entender melhor os transtornos mentais e mais do que isso, respeitar o humano por trás disso.
    Terei o maior prazer em divulgar para meus alunos o seu blog, será muito enriquecedor.
    Quero o seu livro.
    Um abraço.

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    1. Obrigado Bianca
      Realmente noto que existe um certo receio dos alunos em relação aos portadores, pois sempre tem estudantes lá na associação que frequento. Eles ficam um pouco desconfortáveis no começo, não sabem quem é portador ou não, mas com o tempo acabam por se enturmar e acho que no final acabam mudando de opinião.
      Em relação ao livro, no alto da página tem o procedimento para adquirir o livro.
      Obrigado por visitar o blog e recomendar aos seus alunos.

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  3. PARABENS pelo texto e pela iniciativa do blog! Adoreiiii! Ke vc continue a escrever independente de qq coisa!

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    1. Obrigado, acho que é o mínimo que poderia fazer, pois gosto muito de escrever. Às vezes acontecem coisas desse tipo, que me deixam um pouco desanimado, mas não podemos desistir.

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  4. vivente em realidade paralela, até que se penalize esta conduta9 de novembro de 2012 às 00:40

    Se ponha no lugar de um cidadão pleno de direitos, tendo sua residencia invadida por pessoas estranhas, com a finaidade de restringir a liberadade. Como você reagiria? Concordo com a atitude dele no sentido de resguardar a inbiolabilidade de seu domicilio.
    Uma vivencia de realidade paralela, ou convencional, todos tem o direito de resguardar sua liberdade, segurança do patrimonio e pessoal. Faria e farei o mesmo se ocorrer comigo, não aprovo a internação compulsoria sem fato que fundamente este expediente legal. Não há como alterar este instituto legal, contudo, neste caso o Fernado deve ser inoncetado de qualquer acusação legal.

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    1. Mas você não concorda que foi irresponsabilidade dele interromper o tratamento assim de uma hora para outra? Olhando pelo seu ponto de vista, também acho que reagiria de alguma forma, não com armas, pois sou contra qualquer tipo de arma, mas sei que em São Paulo a realidade é outra. Como eu disse no post, a psicóloga tem muita coisa para esclarecer neste caso, mas acho que ela nem prestou depoimento e a culpa toda vai ficar com o portador.

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