Barra Mansa-Quatis-Falcão-Bom Jardim de Minas
Ontem não dormi em um posto de gasolina. Dormi na entrada de um grande galpão na Via Dutra. E com um pouco de medo de ficar em uma BR tão movimentada, ainda mais no Rio de Janeiro. Choveu muito de madrugada, daquelas chuvas de provocar enchentes nas cidades.
As pessoas no caminho sempre me dizem que sou um cara corajoso por fazer uma viagem assim, mas essa noite foi a que realmente tive medo.
Ontem, por volta da meia noite, de dentro da barraca ouvi um barulho. Cuidadosamente e silenciosamente abri um pouco o zíper da entrada, o suficiente para ver que tinha um cara sentado em um banco bem perto da minha humilde residência itinerante.
Mil perguntas surgiram na minha cabeça. O que ele queria? Me assaltar? Esperar eu pegar no sono para fazer alguma maldade?
O cara tinha mais ou menos a minha altura (1.78m). Aparentava ter uns 25 anos de idade. E não era magro e nem era gordo. Esperei mais uma meia hora para novamente dar uma espiada: ele permanecia imóvel, olhando para a BR. Ainda bem que havia acorrentado a bike no banco. Sempre procuro colocar a magrela atrás da barraca, com o pneu encostado para que eu possa dar uma conferida se por acaso acordar de madrugada.
Como o cara não arredava o pé, peguei a mochila e tirei as ferramentas que uso para consertar a bike. Fiquei batendo as chaves umas nas outras, para o cara pensar que estou armado com alguma faca ou algo parecido. Não adiantou, ele continuava na mesma posição e no mesmo lugar. Só resolveu se mexer quando a chuva virou uma tempestade e começou a molhá-lo. Então ele ficou praticamente do lado da minha barraca. Fiquei com um pouco de medo, é claro. Peguei o meu desodorante de spray e fiquei em posição de alerta. Se o cara fizesse algo iria descarregar o desodorante todo nos olhos dele.
Mas ele continuou imóvel, e acendeu um baseado. É, acho que ele só queria fazer a cabeça mesmo. Acabei me acostumando com a presença dele e acabei dormindo.
Dia de opostos
a movimentada via Dutra |
Logo de manhã, um dos maiores perrengues que pode acontecer no caminho: começar a pedalar antes de tomar um bom café da manhã, para aumentar os meus níveis de dopamina, serotonina e outras "inas" mais.
Para piorar, estava na movimentada Via Dutra, que liga Rio de Janeiro e São Paulo. Para piorar ainda mais, o tempo estava bem nublado, com boas chances de chuva já na parte da manhã...
E comecei a pedalar. A sensação que tive naquele momento era de que estava viajando na representação do inferno na terra. Muito barulho na BR, por causa das carretas. E pior do que o barulho era o vácuo que elas faziam, dificultando ainda mais a subida. Estava pedalando em sentido contrário aos veículos, pois a BR tem uma cerca bem no meio, e nem gente consegue atravessar...
Quando passava três carretas bem próximas, a bike chegava a parar e tinha que fazer um esforço ainda maior para continuar subindo.
A tortura continuou por cerca de 6km, até encontrar uma lanchonete. Não havia cerca no meio da Br, e sim uma pequena mureta de concreto. Com alguma dificuldade consegui levantar a bike e colocá-la no outro sentida da rodovia.
Tudo era caro na lanchonete, mas era tudo uma delícia. As tortas, os bolos, o pãozinho com manteiga Como estava muito mal humorado, resolvi gastar um pouquinho a mais naquela manhã, como uma forma de compensar os perrengues por este trecho da viagem que havia planejado. Para quem está começando a ler as postagens nesse capítulo, esse trecho do caminho estou fazendo com a intenção apenas de passar o tempo. Estou planejando voltar para Belo Horizonte pelo caminho da estrada real, que é composto quase que totalmente de estradas de terra, e então tenho que esperar o período das chuvas passar.
Tudo era caro na lanchonete, mas era tudo uma delícia. As tortas, os bolos, o pãozinho com manteiga Como estava muito mal humorado, resolvi gastar um pouquinho a mais naquela manhã, como uma forma de compensar os perrengues por este trecho da viagem que havia planejado. Para quem está começando a ler as postagens nesse capítulo, esse trecho do caminho estou fazendo com a intenção apenas de passar o tempo. Estou planejando voltar para Belo Horizonte pelo caminho da estrada real, que é composto quase que totalmente de estradas de terra, e então tenho que esperar o período das chuvas passar.
Comi um delicioso bolo de chocolate com cenoura, uma torta de chocolate, o que aumentou os meus níveis de serotonina e me deixou um pouquinho bem humorado. Sigo o caminho pela BR por mais uns 2km até encontrar uma saída e seguir por várias cidadezinhas em direção à Aiuruoca.
A estrada que peguei depois da Dutra não tem acostamento, mas o movimento de veículos é bem fraco. E a paisagem é bonita. Na verdade para mim qualquer br ou estrada com mato e árvores é bonita. Vou seguindo o caminho com bom astral até ouvir um barulho de água. Entro no meio do mato e vou avançando até chegar em uma bela cachoeira. Vou em direção as águas tomando o cuidado para não pisar nas macumbas que o pessoal costuma deixar na cachoeiras. Nessa região noto que o povo é chegado em um trabalhinho de macumba. . .
Entro na água de uma vez e levo um tombaço. As moedinhas de 50 centavos que estavam no meu bolso rolaram cachoeira abaixo, que deveria ter uns cinco metros de altura. Por pouco não caía também. E poderia ter me machucado bastante. Acho que sou um cara de sorte nesse aspecto de acidentes, pois sempre passo perto dessas situações, mas nada de grave até hoje me aconteceu. Confesso que às vezes sou muito distraído. Aí é que entra o meu fiel e amigo anjo da guarda. Depois de tomar um bom e refrescante banho de cachoeira, fico um bom tempo deitado e escutando o relaxante som das águas caindo. Tenho que seguir sem pressa este caminho, não posso chegar em Petrópolis antes das chuvas passarem.
Por volta das dez horas paro em uma pequenina cidade para descansar. Não estou com muita fome para esperar o horário de almoçar, mas não resisto à um caldo de cana e um pastel de queijo. O caldo de cana estava uma delícia. Aliás, todo caldo de cana puro é muito saboroso. A gente sente quando o caldo de cana é puro e que não foi acrescentado água quando tomamos o último gole. Sentimos aquele gosto docinho na garganta. Não é aquela sensação de estar bebendo água com açúcar... E o pastel de queijo também não ficava atrás. Feito na hora.
Depois do descanso, continuo a pedalança. Não planejo muito o caminho nesses dias, não tenho uma meta definida. O caminho é muito bonito, com muitas cachoeiras e com o visual incrível aos pés da serra da Mantiqueira. Muita subida íngreme também. Com o passar do tempo as casas foram sumindo e não avistei mais ninguém.
Por volta do meio dia avisto uma pequena cachoeira debaixo da ponte. Aproveito para tomar banho e lavar minhas roupas. Planejo almoçar por volta de uma e meia da tarde, quando devo estar no início da Br 267, que passa pela cidade de Bom Jardim de Minas, onde pretendo dormir.
Depois do banho sigo o caminho em direção à BR 267. O tempo vai passando e nada de encontrar alguma alma viva. Nada de carro também. O visual é muito bonito, estava me sentindo o protagonista do filme "Na natureza selvagem".... Mas o roncar do meu estômago só me fazia querer voltar à civilização e comer um bom X-tudo com muito queijo e carne. Encontro muitas cachoeiras por esse caminho, mas só penso em chegar na BR e encontrar um restaurante para matar a minha fome.
Os buracos vão aumentando à medida que vou seguindo. Já não estava com o bom humor de antes. E não encontrava ninguém para perguntar se estava na direção certa. Mas, depois de duas horas de pedal finalmente encontro a BR 267!!! Nunca havia ficado tão feliz ao ver asfalto... Me sinto mais aliviado e animado. Mas a alegria só durou cerca de alguns minutos, pois na BR também não haviam casas e nem pessoas...
"Deveria ter almoçado na cidade onde havia tomado caldo de cana"... - pensei... Se arrependimento matasse....
Ando mais uns 6km e vejo na BR algumas pessoas mexendo em alguns troncos de árvore cortadas.
Pergunto por restaurantes e lanchonetes e eles me dizem que na cidade de Bom Jardim tem vários. Sigo mais animado, deveria ser umas três horas da tarde..
Depois de quase uma hora subindo aquela estrada solitária e com muitas serras, o desespero começa a tomar conta de mim. Só havia comprado um biscoito recheado na cidade onde havia comido o pastel de queijo. Encontro uma casa que está vazia. Outras casas parecem abandonadas. Um ou outro carro passa naquele trecho da BR. Quando encontro uma casa habitada, é uma casinha bem simples, e o dono não tem nada de comer para me oferecer.
Fraqueza, desânimo, cansaço e um pouco de raiva...
Pergunto quantos quilômetros está a cidade de Bom Jardim, e, para desespero meu o senhor me informa que ainda tenho que andar mais 35km! E, para piorar ainda mais a situação, os últimos 15km são de pura serra braba...
Que maluquice de dia. A raiva que sentia era de mim mesmo, pois fui eu que bolei esse caminho para passar o período das chuvas e assim poder fazer o caminho da estrada real.
Eram umas quatro e meia da tarde. Não havia almoçado. Estava muito cansado. Era uma prova de resistência e tanto. Não tinha certeza se conseguiria chegar em Bom Jardim nesse dia.
O jeito foi ir subindo as serras na esperança de pelo menos encontrar alguma casa e comer alguma coisa. Por volta das cinco e meia encontro uma fazenda. E começo a bater palmas e a gritar:
- Ô de casaaaaaaaaaaa!!!!
Do alto da montanha um cara começou a conversar comigo. Ele estava distante pra caramba, mas nas montanhas o som ecoa com mais facilidade...
Ele foi descendo lentamente e lhe falei sobre a minha situação. Me convidou para entrar e ele e sua esposa me ofereçam café e um queijo delicioso. Claro que comi vários pedaços e tomei um copo de café bem cheio. E também comi muita banana.
Conversamos muito, principalmente sobre o caminho. E lá descubro que na verdade queria era ir para Ibitipoca e não Airuoca... Tinha cismado que era em Airuoca que tinha uma grande área cheia de cachoeiras e lugares bacanas para se visitar. Mas além do nome parecido as cidades são próximas e então não preciso alterar muito o planejamento e nem a roteiro.
Prova de resistência física...
Me despeço do casal e sigo o caminho. Já é quase noite. Subo a serra empurrando a bike, já dando sinais de fraqueza. Aquele martírio todo aumentava ainda mais o meu complexo messiânico.
A dúvida se iria ou não chegar em Bom Jardim aumentava ainda mais. A Br era muito escura, não tinha casas. Encontro vários funcionários de uma empresa na BR, pois o caminhão estava com problemas. Resolvi pedir carona para quando o caminhão estiver consertado, mas eles falaram que o mecânico iria demorar muito para chegar ao local.
Cheguei a pensar a montar a barraca ali naquela escuridão, mas estava com muita fome ainda. E provavelmente não iria aguentar pedalar no dia seguinte sem tomar um café da manhã Era uma corrida contra o tempo. E se chegasse em Bom Jardim muito tarde talvez não poderia encontrar alguma lanchonete ou bar aberto. O jeito foi seguir a serra. Poderia chegar à meia noite ou até depois, mas teria que chegar.
Além da fome, não poderia montar a barraca na beira da BR, pois o tempo estava um pouco nublado e se chovesse simplesmente estaria perdido, pois estava já no sul de Minas, que, apesar do verão, faz um friozinho de madrugada.
Segui o caminho, sentindo que poderia a qualquer momento desabar no chão de cansaço... Alguns carros passavam por mim naquela escuridão toda. Ainda tinha que tomar cuidado para não ser atropelado naquela BR sem acostamento. Os caras do caminhão estragado passaram por mim e não me deram carona. Não quis insistir. Mas que deu vontade de xingar os caras isso deu...
Deveriam faltar uns 15km para chegar em Bom Jardim e nada de reta ou descida. Nunca havia andado tantos quilômetros seguidos de serra. Ainda mais sem me alimentar. À essa altura o cansaço era muito maior do que a fome e comecei a pensar em dormir na BR caso encontrasse um espaço adequado. Já havia passado do meu limite físico. Estava me arrastando por aquela escura estrada.
Mas, para meu alívio, avisto algumas luzes na estrada. Parecia ser um pequeno vilarejo. Junto minhas últimas energias e acelero o passo. Para sorte minha era um conjunto de casas. Comecei a bater palmas na entrada da localidade, mas ninguém atendia. Era um lugar bem escuro e peguei a minha lanterna para procurar alguma casa habitada. Encontro um barzinho, que apenas tem batata frita para vender. Um casal me atende e explico a história toda do tenebroso dia que estava tendo e eles generosamente me oferecem um prato de comida e permitem que eu durma na varanda da casa.
Muito corajosa a sua aventura!
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